Apresentamos, a seguir, tradução do sermão proferido no Domingo de Pentecostes pelo Cônego Heitor Matheus, sacerdote brasileiro do Instituto Cristo Rei e Sumo Sacerdote, publicado originalmente em One Peter Five.
O livro do Apocalipse e a Liturgia da Igreja iluminam um ao outro. Nós podemos conhecer melhor o livro do Apocalipse prestando atenção à Santa Liturgia, e ao mesmo tempo, nós podemos descobrir muitos tesouros escondidos na Santa Liturgia lendo o livro do Apocalipse.
Sendo assim, eu gostaria de falar sobre o sentido liturgico de um versículo muito importante do livro do Apocalipse: o versículo 6, do capítulo 5.
São João nos diz:
“Eu vi no meio do trono, dos quatro Animais e no meio dos Anciãos um Cordeiro de pé, como que imolado. Ele tinha sete chifres e sete olhos, que são os sete Espíritos de Deus, enviados por toda a terra”.
Esse versículo descreve, com palavras místicas, o mistério do Santo Sacrifício da Missa. Busquemos, então, o significado de cada palavra.
São João viu o Trono de Deus.
Nos capítulos 8 e 9 do livro do Apocalipse, nós vemos que diante do Trono de Deus há um Altar.
“Adiantou-se outro anjo e pôs-se junto ao altar, com um turíbulo de ouro na mão. Foram-lhe dados muitos perfumes, para que os oferecesse com as orações de todos os santos no altar de ouro, que está diante do trono.” (VIII, 3)
Então o Trono de Deus e o Altar são como que dois lados da mesma realidade. Um lado é visível enquanto outro lado é invisível para nós.
O Trono de Deus é a realidade invisível detrás da Liturgia visível.
Toda vez que o Sacerdote sobe os degraus do Altar para oferecer o Santo Sacrifício, a porta do céu se abre (Ap IV, 1) e nós somos colocados diante do Trono de Deus.
O Trono de Deus e o Altar do Sacrifício estão unidos. O Altar é a parte visível do Trono, e o Trono é a parte invisível do Altar.
São João viu assim o Trono, ele viu o Altar.
Os Quatro Animais e os Anciãos.
Está escrito que São João viu quatro animais, e esses animais representam os quatro evangelistas: Mateus, Marcos, Lucas e João.
Sao Mateus é simbolizado pelo Homem, já que ele inicia o seu Evangelho com a genealogia, a linhagem humana de Nosso Senhor. São Marcos é representado pelo Leão, porque o seu Evangelho começa no deserto. São Lucas é significado pelo boi, já que o seu Evangelho começa no Templo, lugar do Sacrifício. E a águia simboliza São João, cujo Evangelho começa com a clara afirmação da divindade do Senhor, voando assim acima dos outros evangelistas, como a águia voa acima dos outros pássaros. Então os quatro Animais significam os quatro Evangelhos, e por meio deles o Novo Testamento todo é representado.
E ao mesmo tempo São João viu o que ele chama de Anciãos, o que simboliza os Patriarcas e Profetas, o Antigo Testamento.
São João viu o Antigo e Novo Testamento, dos quais nós lemos durante a Missa.
O Cordeiro.
E agora chegamos ao centro da Visão, nós chegamos aquilo que está no centro do Altar: um Cordeiro em pé, como que imolado.
O Cordeiro é dito estar em pé porque ele está vivo, mas ao mesmo tempo ele está como que imolado, em estado de imolação.
Nós sabemos quem é esse Cordeiro. Ele é Jesus Cristo Nosso Senhor que, em Sua humanidade, tornou-se a Vítima do Sacrifício de propiciação pelos pecados do mundo inteiro. E nós sabemos que os sacrifícios da Antiga Lei não foram senão uma pálida prefiguração deste grande Sacrifício, que é a realidade que foi anunciada desde o início.
O Cordeiro de Deus foi fisicamente sacrificado no altar da Cruz. Mas depois de sua morte, Ele ressuscitou dentre os mortos. Aquele que esteve morto, está vivo, agora e para sempre. Por isso Ele é dito estar em pé.
Mas ao mesmo tempo Ele é dito estar em estado de imolação, porque Nosso Senhor Jesus Cristo é, até o fim dos tempos, misticamente imolado no Altar. No Santo Sacrifício da Missa o Senhor está presente em estado de imolação por causa da dupla consagração: o Corpo está separado do Sangue, o que significa a Sua imolação, a Sua morte.
São João, então, estava falando do Santíssimo Sacramento da Eucaristia.
E nós não devemos estar surpresos de ouvir que São João viu o Altar, as Escrituras e o Santíssimo Sacramento. Ele era Sacerdote e, assim, ele bem conhecia todas essas realidades. E como disse antes, ele estava descrevendo, com palavras místicas, o Santo Sacrifício da Missa.
Meus irmãos, o que nós vimos até agora nos é bem conhecido: Nosso Senhor como Cordeiro de Deus, misticamente sacrificado no Altar. Mas o que ainda nos resta a ver a respeito da Visão de Sao João é algo que pode soar, para muitos, como uma revelação.
Os Sete Espíritos de Deus enviados em toda a terra.
São João continua com a descrição de sua Visão. Ele viu que o Cordeiro tinha Sete Chifres e Sete Olhos. Ora, os Sete Chifres simbolizam a plenitude do Seu Poder, e os Sete Olhos significam os Sete Espíritos de Deus enviados em toda a terra.
O que nós chamamos de Sete Espíritos de Deus são os Sete Dons do Espírito Santo. E o Cordeiro de Deus nos comunica esses Dons também durante o Santo Sacrifício da Missa.
É maravilhoso ver que tudo na Liturgia Tradicional da Igreja é bonito, perfeito, harmonioso, de tal forma que nós temos que concluir que essa Liturgia é, de fato, um trabalho do Espírito Santo.
Durante o Santo Sacrifício, do Introito até a Benção Final, o Sacerdote faz sete saudações místicas aos fiéis. Sete vezes ele diz “Dominus Vobiscum”, com o intuito de comunicar a cada saudação, pela vontade divina, um dom do Espírito Santo.
A primeira saudação mística é dada antes da oração dita “Coleta” e comunica o Espírito de Sabedoria. Essa saudação ocorre logo antes da oração porque o Dom de Sabedoria nos ensina o que nós devemos pedir a Deus em nossa oração.
A segunda saudação mística acontece antes do Evangelho e comunica o Espírito de Entendimento, para que nós possamos entender a Palavra de Deus em toda Sua profundidade, para que nós possamos colocá-la em prática em nossas vidas.
A terceira saudação mística vem antes do Ofertório e comunica o Espírito de Conselho, para que nós possamos discernir a vontade de Deus, e o que Ele está pedindo de cada um de nós, o que Ele quer que nós lhe ofereçamos pessoalmente.
A quarta saudação mística ocorre antes do Prefácio e comunica o Espírito de Fortaleza, para que sejamos fortes o bastante para seguir o Cordeiro de Deus no Caminho da Cruz, fortes o bastante para cumprir todos os sacrifícios que Deus pede de cada um de nós.
A quinta saudação mística vem antes do “Agnus Dei” e comunica o Espírito de Ciência, para que nós possamos perceber a vaidade de todas as coisas deste mundo, para que nós não nos apeguemos a nada que não é eterno. E esse é o único jeito de termos Paz. É por isso que essa saudação é “Pax Domini Sit Semper Vobiscum” (A Paz do Senhor esteja sempre convosco).
A sexta saudação mística é dada logo depois da Santa Comunhão e comunica o Espírito de Piedade, o espírito de Devoção e Amor Filial a Deus, especialmente no Santíssimo Sacramento do Altar.
E a sétima saudação mística acontece antes da Benção Final e comunica o Espírito de Santo Temor, para que nós possamos respeitar a Deus, fugindo de todo pecado e fazendo aquilo que é justo e santo diante dos Seus olhos.
E a Benção Final vem para selar em nos todos esses dons espirituais que nos recebemos.
Nós pudemos ver assim a realização daquele versículo do livro do Apocalipse no Santo Sacrifício da Missa. No Santo Sacrifício, nós recebemos a carne do Cordeiro de Deus, que foi sacrificado para nossa salvação. Mas nós não podemos esquecer que no Santo Sacrifício nós também recebemos o dons do Espírito Santo. Toda Missa é Calvário, mas também Pentecostes.
Então, na próxima vez que estivermos presentes no Santíssimo Sacrifício, estejamos atentos quando o sacerdote diz “Dominus Vobiscum”. Essas saudacoes místicas nos comunicam graças da parte de Deus. E que os fieis possam responder a essas saudações com verdadeira caridade, desejando as mesmas graças espirituais para o Sacerdote: Et cum spiritu tuo. Assim seja.