Curtas da semana.

João Paulo II e Pio XII, veneráveis.

No último sábado, 19, o Santo Padre, o Papa Bento XVI, autorizou a Congregação para Causa dos Santos a promulgar vários decretos, dentre eles os relativos às virtudes heróicas de Pio XII (Eugenio Pacelli) e João Paulo II (Karol Wojtyła).

A estratégia.

Segundo Paolo Rodari, ‹‹ O Papa, de fato, escondendo suas intenções de todos (eu tenho minhas dúvidas de que mesmo o seu secretário particular não sabia de nada), promulgou o decreto sobre as virtudes heróicas de Pio XII com o de João Paulo II. De Wojtyla se sabia. De Pacelli, não. Neste ponto, a estratégia me parece clara: fazer avançar juntos os dois processos a fim de mover um pouco a atenção do controverso (segundo alguns) Pio XII ao unanimemente amado Wojtyla. O processo de Pacelli foi aberto ao fim do Concílio por vontade de Paulo VI. O decreto sobre as virtudes heróicas (é a penúltima etapa para a beatificação) havia sido aprovado pela congregação dos santos em 2007. Esperava-se apenas a assinatura de Ratzinger que, significativamente, ocorreu a cerca de um mês de sua visita à sinagoga de Roma.

Apesar dos lobos.

Excerto de artigo de Jean Madiran: ‹‹ Bento XVI passa, pois, por cima do insolente veto dos anti-papistas em frente ao qual primeiramente ele havia  parado. A pressão anti-papista exercida sobre a Igreja por meio de veto midiático é de um peso enorme. Ela impediu a beatificação de Isabel, a Católica. Tem retardado até agora a de Pio XII. E ela o faz de muitos outros. Seu peso não vem somente pelo fato dos anti-papistas ocuparem hoje um lugar frequentemente dominante na imprensa e na televisão, na edição, na vida política e no sistema bancário. Além disso, ele vem eco cúmplice que encontra, através de persuasão ou através de intimidação, numa parte notável do clero, de sua hierarquia e da opinião pública católica. Isso também é um resultado desastroso do “espírito do concílio” condenado por Bento XVI. […] Le Figaro de segunda-feira acusa grosseiramente Bento XVI de ter desejado relançar “o debate sobre o Vaticano e o nazismo”. Isso manifesta como o ponto de vista católico é totalmente estranho ao Figaro. Pois do ponto de vista católico, Bento XVI não relançou este debate, ele o fechou ›› .

Fúria. Líderes judeus criticam declaração de virtudes heróicas de Pio XII.

(Catholic Culture) “Não quero crer que os católicos vejam em Pio XII um exemplo de moralidade para a humanidade”, disse o rabino francês Gilles Bernheim. “Dado o silêncio de Pio XII durante e depois da Shoah, espero que a Igreja irá renunciar a este plano de beatificação e então honrar sua mensagem e seus valores”. “É um claro rapto dos fatos históricos relativos à era Nazi”, disse Stephan Kramer, que chefia o Conselho Central Judaico da Alemanha. “Bento XVI reescreve a história sem ter permitido uma séria discussão científica. É isso que me deixa furioso”. Já o rabino chefe de Roma, Riccardo di Segni, é mais moderado: “Se a decisão de hoje [sábado] tivesse que implicar uma opinião definitiva e unilateral da obra histórica de Pio XII, reforçamos que a nossa avaliação permanece crítica”, mas indicando que não podem, “de nenhum modo, interferir em decisões internas da Igreja que se referem às suas livres expressões religiosas”. Por sua vez, o rabino David Rosen, responsável pelo diálogo inter-religioso do Grande Rabinato de Israel, lamenta a decisão que “não mostra grande sensibilidade com relação às preocupações da comunidade judaica”, tomada, além disso, “a apenas três semanas da visita programada pelo Papa à Sinagoga de Roma”.

Cardeal Danneels e a beatificação de João Paulo II: “criar uma beatificação por aclamação é inaceitável”.

“Eu penso que se deveria respeitar o procedimento normal. Se o processo, por si mesmo,  avança velozmente, tudo bem. Mas a santidade precisa passar por corredores preferenciais. O processo deve tomar todo o tempo que precisar, sem fazer exceções. O Papa é um batizado como todos os outros. Por isso, o procedimento de beatificação deveria ser o mesmo previsto para todos os batizados. Certamente, não gostei do grito ‘santo subito!’ [santo já] que se ouviu nos funerais, na Praça de São Pedro. Não se faz assim. Há algum tempo, disseram que se tratava de uma iniciativa organizada, e isso é inaceitável. Criar uma beatificação por aclamação, mas não espontânea, é uma coisa inaceitável”. Palavras do Cardeal Godfried Danneels, arcebispo de Bruxelas, à 30 Giorni.

A resposta do secretário de João Paulo II.

« Evidentemente, [Danneels] fala do que não sabe e de um processo que não conhece » , respondeu o cardeal de Cracóvia, Stanislao Dziwicsz, secretário do Papa Wojtyla.

Elefantes cruzados.

(The hermeneutic of continuity) ‹‹ No último mês de julho, como você deve se lembrar, os cristãos no estado indiano de Orissa foram submetidos a severa perseguição. Uma freira de 22 amos foi queimada até a morte, um orfanato em Khuntpali foi incendiado por uma multidão, outra freira foi violada por uma gangue em Kandhamal, multidões atacaram igrejas, queimaram veículos e destruíram casas de cristãos. Pe. Thomas Chellen, diretor do centor pastoral que foi destruído com uma bomba, escapou por pouco depois de uma multidão hindu incendiá-lo. Ao todo, mais de 500 cristãos foram assassinados e milhares de outros feridos. Num acontecimento extraordinário, uma manada de elefantes viajou uns 300 km para atacar as cidades que foram as piores perseguidoras dos cristãos, deixando as casas cristãs intactas ››.  A arquidiocese de Colobo (cujo arcebispo é Dom Ranjith) traz mais informações.

Novidades sobre as conversações teólogicas FSSPX x Santa Sé.

O site Panorama Católico Internacional traz algumas anotações ao sermão proferido por Sua Excelência Reverendíssima, Dom Alfonso de Galarreta, em 19 de dezembro, numa ordenação diaconal e sacerdotal: “O resultado da primeira reunião foi bom. Principalmente, se estabeleceu o tema e método da discussão. Os temas a discutir são de natureza doutrinal, com exclusão expressa de toda questão de ordem canônica relacionada à situação da FSSPX. O ponto de referência doutrinal comum será o Magistério anterior ao Concílio. As conversações seguem um método rigoroso: é apresentado um tema, a parte que questionada envia um trabalho fundamentando suas dúvidas. A Santa Sé responde por escrito, com intercâmbios prévios por email dos assessores técnicos. Na reunião se discute. Todas as reuniões são gravadas e filmadas por ambas as partes. As conclusões de cada tema subirão ao Santo Padre e ao Superior Geral da FSSPX. A cronologia destas reuniões dependem de se o tema é novo ou já vem sendo discutido. No primeiro caso, será aproximadamente a cada três meses. No segudo, a cada dois. A próxima reunião é prevista para meados de janeiro. Os representantes teológicos da Santa Sé “são pessoas com as quais se pode falar”, falam “nossa mesma linguagem” teológica (interpreto, são tomistas). […] O bispo repitiu que os resultados da primeira reunião são bons, relativamente à situação anterior. Se falou com plena liberdade e somente de temas de doutrina num marco teológico tomista”.

O debate sobre o Vaticano II

Após o encerramento do Concílio, foi necessário esperar mais de quarenta anos para que fosse oficialmente admitido em princípio que existe um problema, que este problema é doutrinal, e que é necessário que se fale dele. O debate foi mesmo, antes do tempo, institucionalizado: terá lugar entre os bispos da FSSPX e a Santa Sé.

O problema está na existência persistente de objeções ao que provém do Concílio. Os pareceres são compartilhados em cada caso sobre o ponto de saber se as anomalias procedentes do Vaticano II provêm de uma má interpretação (e aplicação) dos textos conciliares, ou melhor, de alguns desses próprios textos. Este debate não é sem interesse, mas é secundário, cremos nós, ao lado das realidades resultantes, com ou sem razão, mas procedentes de fato do Concílio. Elas marcam profundamente a vida da Igreja e a sua crise há quase meio século.

Exemplo. A nova missa é resultante do Concílio. Com ou sem razão: qual seja, o essencial é examinar as objeções doutrinais que ela levanta em si mesma.

Encontrar-se-á a chave da situação atual no livro de Louis Salleron: La nouvelle messe (NEL 1970, segunda edição expandida: 1976). Não é um livro da FSSPX. Mas é o livro que, quando de seu interrogatório em Roma, em 11 de janeiro de 1979, Mons. Lefebvre depositou nas mãos dos cardeais inquisidores, como resposta decisiva à questão que lhe interrogava suas razões de recusar a missa de Paulo VI. Neste livro, como em La querelle de la nouvelle messe (DMM 1973), Louis Salleron afirmou claramente: “É impossível isolar o problema da missa de todos os outros problemas”. É porque aí se encontra o essencial das objeções doutrinais que se pode fazer ao Concílio e àquilo que dele é resultante.

Durante cerca de quarenta anos os bispos franceses, com um ar astuto, garantiram que viam efetivamente que por detrás do caso da missa os tradicionalistas escondiam uma oposição doutrinal ao Vaticano II. O livro de Salleron prova que, desde o começo, é o Concílio que era posto em causa, muito abertamente, muito visivelmente. Aliás, três anos antes da nova missa, já em 1966, os bispos franceses tinham condenado a revista Itinéraires por sua oposição ao “espírito de renovação iniciado”, noutros termos: “o espírito do Concílio”.

Ao contrário do que se pôde supor muito apressadamente, o problema da missa, onde se reúnem para o essencial os outros problemas conciliares, não está, todavia, resolvido. A nova missa, evolutiva e incerta, ainda está instalada com prioridade, ou mesmo com exclusividade, na maior parte das dioceses, sempre apresentada como o mais belo êxito do espírito do Concílio. O imenso e corajoso favor de Bento XVI foi repudiar a proibição da missa tradicional, — proibição que havia sido arbitrariamente confirmada por Paulo VI em nome explicitamente invocado da “autoridade suprema que [lhe] vem de Cristo Jesus” (24 de maio de 1976). Há na matéria relevantes estudos teológicos que, parece, não viram ainda a luz do dia; mas que são inevitáveis.

A questão que se coloca neste momento não é formular as objeções doutrinais dadas pelo Concílio e sua aplicação. A questão é sair da recusa de debater que foi oposta desde o início às objeções formuladas. Certamente aquelas de Mons. Lefebvre e da FSSPX.  Cronologicamente, primeiramente aquelas do abbé Georges de Nantes. Em seguida, as que têm seu enunciado global em La nouvelle messe de Louis Salleron, que põe em causa “a idéia que preside todas as mudanças atuais”: a idéia de evolução. Ou seja, de um evolucionismo revolucionário, mais ou menos conscientemente marcado por um sopro de dialética marxista. O catolicismo banido do temporal como resultado da Segunda Guerra mundial (sem mais nenhum grande Estado que seja católico), o clero e sua hierarquia se encontram então expostos a todos os contágios.

JEAN MADIRAN

Artigo extraído do nº 6898 de Présent, 7 de agosto de 2009

Fonte: Le Forum Catholique