O debate sobre o Vaticano II

Após o encerramento do Concílio, foi necessário esperar mais de quarenta anos para que fosse oficialmente admitido em princípio que existe um problema, que este problema é doutrinal, e que é necessário que se fale dele. O debate foi mesmo, antes do tempo, institucionalizado: terá lugar entre os bispos da FSSPX e a Santa Sé.

O problema está na existência persistente de objeções ao que provém do Concílio. Os pareceres são compartilhados em cada caso sobre o ponto de saber se as anomalias procedentes do Vaticano II provêm de uma má interpretação (e aplicação) dos textos conciliares, ou melhor, de alguns desses próprios textos. Este debate não é sem interesse, mas é secundário, cremos nós, ao lado das realidades resultantes, com ou sem razão, mas procedentes de fato do Concílio. Elas marcam profundamente a vida da Igreja e a sua crise há quase meio século.

Exemplo. A nova missa é resultante do Concílio. Com ou sem razão: qual seja, o essencial é examinar as objeções doutrinais que ela levanta em si mesma.

Encontrar-se-á a chave da situação atual no livro de Louis Salleron: La nouvelle messe (NEL 1970, segunda edição expandida: 1976). Não é um livro da FSSPX. Mas é o livro que, quando de seu interrogatório em Roma, em 11 de janeiro de 1979, Mons. Lefebvre depositou nas mãos dos cardeais inquisidores, como resposta decisiva à questão que lhe interrogava suas razões de recusar a missa de Paulo VI. Neste livro, como em La querelle de la nouvelle messe (DMM 1973), Louis Salleron afirmou claramente: “É impossível isolar o problema da missa de todos os outros problemas”. É porque aí se encontra o essencial das objeções doutrinais que se pode fazer ao Concílio e àquilo que dele é resultante.

Durante cerca de quarenta anos os bispos franceses, com um ar astuto, garantiram que viam efetivamente que por detrás do caso da missa os tradicionalistas escondiam uma oposição doutrinal ao Vaticano II. O livro de Salleron prova que, desde o começo, é o Concílio que era posto em causa, muito abertamente, muito visivelmente. Aliás, três anos antes da nova missa, já em 1966, os bispos franceses tinham condenado a revista Itinéraires por sua oposição ao “espírito de renovação iniciado”, noutros termos: “o espírito do Concílio”.

Ao contrário do que se pôde supor muito apressadamente, o problema da missa, onde se reúnem para o essencial os outros problemas conciliares, não está, todavia, resolvido. A nova missa, evolutiva e incerta, ainda está instalada com prioridade, ou mesmo com exclusividade, na maior parte das dioceses, sempre apresentada como o mais belo êxito do espírito do Concílio. O imenso e corajoso favor de Bento XVI foi repudiar a proibição da missa tradicional, — proibição que havia sido arbitrariamente confirmada por Paulo VI em nome explicitamente invocado da “autoridade suprema que [lhe] vem de Cristo Jesus” (24 de maio de 1976). Há na matéria relevantes estudos teológicos que, parece, não viram ainda a luz do dia; mas que são inevitáveis.

A questão que se coloca neste momento não é formular as objeções doutrinais dadas pelo Concílio e sua aplicação. A questão é sair da recusa de debater que foi oposta desde o início às objeções formuladas. Certamente aquelas de Mons. Lefebvre e da FSSPX.  Cronologicamente, primeiramente aquelas do abbé Georges de Nantes. Em seguida, as que têm seu enunciado global em La nouvelle messe de Louis Salleron, que põe em causa “a idéia que preside todas as mudanças atuais”: a idéia de evolução. Ou seja, de um evolucionismo revolucionário, mais ou menos conscientemente marcado por um sopro de dialética marxista. O catolicismo banido do temporal como resultado da Segunda Guerra mundial (sem mais nenhum grande Estado que seja católico), o clero e sua hierarquia se encontram então expostos a todos os contágios.

JEAN MADIRAN

Artigo extraído do nº 6898 de Présent, 7 de agosto de 2009

Fonte: Le Forum Catholique

 

Nenhuma razão para festejar.

(kreuz.net) Em 3 de abril de 1969, o Papa Paulo VI († 1978) implementou o Novus Ordo Missae com a Constituição Apostólica ‘Missale Romanum’. Algumas vezes, ela é chamada erroneamente de “Missa do Concílio”.

O Atual Prefeito da Congregação para a Fé, Cardeal William Levada, durante a celebração do Novus Ordo com objetos litúrgicos não autorizados.
O Atual Prefeito da Congregação para a Fé, Cardeal William Levada, durante a celebração do Novus Ordo com objetos litúrgicos não autorizados.

Assim, teve início uma decadência litúrgica como a cristandade nunca vira antes desde a fundação da Igreja por Jesus Cristo.

A Constituição ‘Missale Romanum’ fixou o primeiro domingo do Advento do ano 1969 como a data para a implementação da Missa Nova.

Na verdade, o Novo Missal foi publicado pela primeira vez em 1970. Traduções completas para o vernáculo surgiriam muito mais tarde. Nas comunidades os folhetos e folhas soltas substituíram o Missal.

O Novo Missal diferenciou-se claramente do Missale que fora promulgado na seqüência do Vaticano Segundo.

Juntamente com o Cânon Romano, existiam agora três Orações Eucarísticas alternativas, que efetivamente substituíram o Cânon Romano imemorial. A líder foi rapidamente a mais breve das Orações Eucarísticas – uma corrupção da Oração Eucarística de Santo Hipólito († 236).

Também no Cânon Romano as palavras de consagração foram alteradas e as genuflexões logo após a consagração do pão e do vinho foram suprimidas.

O ordinário da Missa foi intensamente simplificado. A Missa Nova teve em vista, sobretudo, a eliminação das assim chamadas repetições.

Entretanto, Paulo VI queria reimplementar certos elementos dentro do sentido da “Tradição dos Padres”: a homilia, as orações de intercessão e o Confiteor no início da Missa, o qual foi logo substituído por gritos de Kyrie geralmente sem significado sem o Confiteor.

A quantidade de textos recitados da Bíblia aumentou maciçamente. No Rito Antigo há 1% de leituras do Antigo Testamento e 16,5% do Novo Testamento, enquanto que no Novo Rito são 13,5% de leituras do Antigo Testamento e 71,5% do Novo Testamento.

Entre estes há inúmeros textos, que o fiel que vai habitualmente à Missa dificilmente tem acesso ou que foram colocados totalmente fora de contexto.

Novus Ordo Missae.Em conseqüência das assim chamadas reformas do Novo Rito, logo deixou de existir também a celebração ou freqüência diária da Missa.

A primeira edição do Novo Missal continha a propósito uma definição herética da Santa Missa. Por isso, ela precisou ser retirada de circulação rapidamente.

Em geral, os textos e orações da Missa Nova foram frequentemente criticados como sendo vazios de conteúdo e superficiais. Essa vulgarização se agravou ainda mais devido a traduções frequentemente imprecisas e contemporâneas para o vernáculo.

No caso das palavras de consagração, foi feita uma tradução verdadeiramente errônea para muitos idiomas e aceita pelo Vaticano.

No sentido da crítica reformadora sobre a Santa Missa, elementos textuais, que expressam o caráter sacrifical da Missa, foram reduzidos ou totalmente evitados em razão de inúmeros ritos alternativos.

As magníficas orações do ofertório da Missa Antiga foram substituídas por duas fórmulas de benção triviais, inspiradas em orações judaicas para ação de graça às refeições.

Juntamente com essas modificações oficiais, houve uma abundância de modificações bárbaras de natureza anárquica, incluindo a introdução da Comunhão na mão, a introdução de mesas em lugar do altar, a supressão do latim, a supressão das casulas, a terceirização de inúmeras igrejas, a secularização da missa, a habitual submissão do rito a gosto do sob celebrante.

Rapidamente foi introduzido também o grave abuso da concelebração, o que levou frequentemente sacerdotes que vivem em comunidade a não celebrar mais Missa alguma durante meses.

O milagre de Saint Nicholas du Chardonnet (Fim).

St. Nicholas du Chardonnet – Dois meses depois

St. NicholasApesar do fato de Mons. Ducaud-Bourget ser sagaz o suficiente para esquivar-se das emboscadas feitas contra ele pela “oferta generosa” do Cardeal Marty, ele logo percebeu que permanecer em St. Nicholas trazia seus problemas, nomeadamente que, apesar de ser muito grande, ela em breve seria incapaz de acomodar os milhares que desejavam rezar lá todos os Domingos. O resultado foi que a Missa tinha que ser celebrada uma vez mais na Salle Wagram. Isso é tratado num extrato de um artigo do Professor Thomas Molnar que publicamos abaixo. Professor Molnar também menciona a simpatia ao clero tradicionalista e aos paroquianos de St. Nicholas mostrada pela polícia. Parece que numa ocasição uma delegação de clérigos progressitas (em roupas civis, naturalmente) foi à principal delegacia da área para demandar que o delegado responsável explicasse porque nenhuma ação fora tomada para expulsar os tradicionalistas da igreja. Eles foram informados pelo sargento de plantão: “Vocês não podem encontrá-lo agora, ele está assistindo Missa em St. Nicholas“.

O relato da visita do Professor Molnar a St. Nicholas apareceu originalmente em New Oxford Review e foi republicado em The Remnant de 17 de janeiro de 1978.

Uma entrevista com Mons. Ducaud-Bourget

No último mês de abril, Ecône recebeu alguns importantes aliados, um deles na pessoa de Mons. Ducaud-Bourget, o padre-poeta, e os milhares de pessoas que ajudaram-no a tomar a Igreja de St. Nicholas du Chardonnet num dos mais antigos quarteirões de Paris. O leitor pode agora falar de “violência”. Mas esta é a França. São Bernardo era violento, também eram Joana Darc, Bossuet e Bernanos. Assim era Jesus Cristo ao expulsar os vendedores do templo. Por anos, os “tradicionalistas” imploraram ao Cardeal Marty por uma igreja onde a Missa de Pio V (Missa Tridentina) pudesse ser celebrada; o Cardeal, fechando seus olhos à profanação da Catedral de Rheims por atos sexuais de hippies e à celebração Budista  na Catedral de Rennes, deixou os peticionários sem resposta. Na última Páscoa eles entraram em St. Nicholas, esclareceram que apenas a antiga Missa Latina seria celebrada e que não eles não sairiam até que uma igreja fosse oficialmente oferecida a eles como uma morada permanente. Para maior ênfase, eles montaram uma guarda permanente de várias dúzias de jovens para manter do lado de fora os criadores de problemas. Esses jovens, todos fazendo sacrifícios financeiros ao deixar seus trabalhos ou estudos pela duração do “cerco”, conduzem os fiéis, mantêm um olho na rua, e fornecem proteção à meia dúzia de padres celebrando Missa.

Visitei St. Nicholas no domingo, 12 de junho deste ano. Era às 11 da manhã, pessoas estavam saindo em massa, com seu caminho praticamente bloqueado por uma massa similar de pessoas esperando para entrar para a próxima celebração. A multidão na praça em frente à igreja era enorme, esperando para a missa do meio-dia. Antes da entrar, conversei com vários policiais nos arredores. Sem exceção eles simpatizavam com os “ocupantes”,  parte pelas antigas bases religiosas, parte por fundamentos políticos. “É duvidoso“, me contou um jovem policial, “que se ordenado a evacuar a igreja meus homens obedeceriam. Mas de qualquer forma, que político ousaria dar tal ordem, e certamente não fará Chirac, o novo prefeito? Além disso, se Mons. Bucaud-Bourget pessoalmente permanecesse em nosso caminho, nós não o tocaríamos, nem mesmo aquilo ou aqueles que ele proteger“.

Depois da Missa, fui recebido pelo Monsenhor numa sala da sacristia. Estamos na França! Ele tem 84 anos, tão vivo como uma enguia, cabelos brancos aos ombros, unhas cumpridas como um mandarim, e um cachimbo nos lábios. Seu modos e sua fála poderiam ser colocadas em algum lugar entre as eras de Luis XIV e Luis XV. Primeiro nós conversamos de doutrina e filosofia, o que fora facilitado pelo fato de termos lido alguns dos escritos um do outro, eu sua poesia — poesia que acaba de receber uma entusismada resenha no Osservatore Romano onde os editores não perceberam que o poeta Ducaud-Bourget e Mons. D-B são a mesma pessoa! Enorme embaraço uns poucos dias depois e repulsiva reviravolta. Tanto para mesquinharias…

O Monsenhor acabara de chegar da Salle Wagram onde rezou missa diante de 800 pessoas que não puderam ir a St. Nicholas naquela manhã. Em outras regiões da França, igrejas são da mesma maneira ocupadas por aqueles a quem os novos inquisidores orgulhosamente descrevem como um punhado de velhos ou alguns reacionários. Cuidadosamente examinei a multidão dentro e fora da igreja: todas as faixas etárias estavam representadas; é claro, se eles eram reacionários não me era possível discernir.

O Monsenhor me contou sobre as mentiras intermináveis, promessas descumpridas, ameaças e opressões da parte do Cardeal Marty, seus burocratas e do Vaticano. Graças a Deus pelas brutais leis anti-igreja de 1905: todas as propriedades eclesiásticas foram então confiscadas pelo Estado, de modo que hoje o Cardeal é incapaz de mandar suas tropas de choque para reocupar St. Nicholas; e como vimos, o Governo e a Municipalidade preferem não tocar nesta batata quente, por medo de dividir seu eleitorado. Mons. Ducaud-Bourget conseqüentemente está confiante de que nada acontecerá. Nós então conversamos sobre a recente decisão judicial (processo movido pelo curé regular da igreja) de pedir ao filósofo Católico Romano, Jean Guitton, supostamente imparcial, a intermediação entre a Arquidiocese e os ocupantes. Guitton é um homem bobo e oportunista, me contou Mons. Ducaud-Bourget; ele não quer colocar em risco seu status de biógrafo de Paulo VI. Com tudo isso – me foram mostradas cartas – Guitton expressou sua “déférence sympathique” a Mons. Ducaud-Bourget, e chamou seu próprio papel como mediador de uma maravilhosa oportunidade para encontrá-lo. Então fiquei surpreso em ler na entrevista do Express com Guitton (Julho passado) seus comentários depreciativos sobre a posição vis-à-vis de Lefebvre com o Papa como a de um General Argelino da O.A.S. vis-à-vis com De Gaulle. Uma comparação ridícula e nem mesmo lisonjeira – depois da qual se pode falar com desprezo também da inteligência de Guitton.

De toda forma, a “mediação” está parada, mas por enquanto o “Caso” está expandindo e mais “aliados” estão se juntando a Lefebvre. Em junho passado a Princesa Pallavicini abriu seu palazzo em Roma para 1500 convidados para ouvir o Arcebispo re-explicar muito simplesmente que ele não renunciaria sua fé de 2000 anos. “Não quero morrer um protestante”, disse. Existia uma ovação indescritivelmente fervente, não apenas dos convidados nos salões, mas também das pessoas sentadas nas escadas e a multidão do lado de fora que ouvia por alto-falantes as palavras de Lefebvre.

O Vaticano considerou isso como uma outra provocação – levar a “oposição ao Papa” para dentro de uma distância ao alcance de sua voz. O vigário do Papa (como Bispo de Roma), Cardeal Ugo Poletti, atacou a Princesa num comunicado de imprensa – ao qual ele recebeu uma declaração em resposta na altura de “se preocupe com seus próprios negócios, eu recebo em minha casa quem eu quero”. O “se preocupe com seus próprios negócios” é uma advertência absolutamente apropriada, já que Roma agora tem um Prefeito “companheiro-viajante” eleito da lista Comunista.

Saint Nicholas Hoje

Os leitores que querem participar do “milagre de Saint Nicholas” durante uma visita a Paris devem tomar o metro para a estação Maubert-Mutualité, que é adjacente à igreja. Todas as antigas igrejas e catedrais na França pertencem ao Estado, que é responsável pela manutenção de seu exterior. É muito significativo que desde a libertação de St. Nicholas uma grande quantidade de trabalho foi feito no exterior do prédio pelas autoridades civis para complementar a renovação interior feita pelos paroquianos. Apesar das autoridades diocesanas, que não aceitarão a legalidade da presente situação ou de que ela tenha qualquer base permanente, é claro que as autoridades civis não têm a mínima intenção que seja de expulsar os tradicionalistas. St. Nicholas agora permanece como uma ilha da tradição Católica, e, realmente, de sanidade, no mar de Modernismo e banalidade litúrgica.

(Apologia pro Marcel Lefebvre vol. II, The miracle of St. Nicholas du Chardonnet, Angelus Press, 1983)

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Assim, concluímos, caríssimos leitores, nossa série de posts sobre a tomada da Igreja de Saint Nicholas du Chardonnet. Que o heróico exemplo destes católicos nos anime em nossos combates. Os posts anteriores podem ser vistos aqui.

O milagre de Saint Nicholas du Chardonnet (VIII)

A Tradição Restaurada e a Nova Missa

Por Louis Salleron

O jornal Francês Le Monde de 22 de abril de 1977 publicou esta entre outras cartas que diz ter recebido a respeito da “ocupação” da Igreja St. Nicholas du Chardonnet, em Paris. Le Monde disse que estas cartas “são particularmente reveladoras do ponto de vista de certos Católicos que até agora tiveram pouca oportunidade de expressar-se em público“. Segue a carta do Professor Salleron:

Saint Nicholas du Chardonnet

Os argumentos trazido pelos opositores da Missa de São Pio V podem ser reduzidos, em última análise, a um único ponto: São Pio V, dizem, estabeleceu um rito por sua Bula Quo Primum de 1570. O que um Papa fez um outro pode desfazer; conseqüentemente, o novo rito aprovado por Paulo VI em sua Constituição Missale Romamum de 1969 ab-rogou o rito anterior.

Apresentar a questão dessa forma é estar errado desde o começo. Para começar, existe uma diferença essencial entre a Bula de São Pio V e a Constituição de Paulo VI. Pio VI não criou um novo rito. O que ele fez foi autorizar um texto baseado em pesquisas de estudiosos de muitos anos, e que então lhe parecia carregar a melhor garantia de autenticidade. Era o rito tradicional em toda a sua pureza que ele restaurou, depois séculos durante os quais versões defeituosas se tornaram comuns num número de dioceses. Tão grande era seu respeito pela tradição que, apesar de sua Bula formalmente proibir o uso dos ritos defeituosos, ele expressamente reconheceu e permitiu o uso de qualquer rito que pudesse provar uma certa tradição de, no mínimo, 200 anos. Numa palavra, sua intenção e sua realização era a restauração dos ritos de Missa tradicionais e, em particular, do primeiro dentre eles, o rito Romano. Por contraste, o que Paulo VI fez foi dar sua aprovação a um novo rito – Novus Ordo Missae – o que é uma coisa totalmente diferente.

Paulo VI, é dito, tinha o direito de fazer isso. É claro que tinha. E então (o argumento continua) o rito antigo foi abolido. Não é assim. Pois em sua Constituição o Papa não ab-roga o rito tradicional; ele não proíbe seu uso muito mais do que ele faz o novo rito obrigatório.

É a vontade do Papa de que o novo rito deva substituir o antigo e que este deva desaparecer? Não há dúvidas de que este é o seu próprio desejo, mas não é (no sentido legal) sua VONTADE como Papa, que ele poderia apenas expressar em uma e através de uma Constituição solene, tal como Missale Romanum. Ademais, mesmo no mais urgente de seus discursos (Alocuções), ele nunca invocou sua autoridade como supremo legislador, nem a aplicou para dar efeito à sua vontade a respeito da Missa; tal exercício iria requerer, em todo caso, uma forma diferente daquela de um Discurso. O mais “imperioso” de seus textos sobre o assunto é sua Alocução Consistorial de 24 de maio de 1976, e esta meramente se refere a uma Instrução (ou melhor, Notificação) de 14 de junho de 1971. Agora, neste contexto, uma Instrução não tem maior peso que uma Notificação ou mandado; nenhuma delas tem a autoridade de uma “Constituição Apostólica” ou poder para modificá-la. (Agir assim seria como se, em termos políticos Franceses, um decreto executivo ou mesmo uma Lei aprovada pelo Parlamento modificasse a Constituição da República).

Pode-se acrescentar que na Bula Quo Primum, São Pio V concedeu um indulto individual para todos os padres, permitindo-lhes celebrar o rito que ele acabara de autorizar, acima de qualquer decisão em contrário, mesmo das autoridades judiciais competentes. Este indulto perpétuo pode apenas ser ab-rogado por um novo e de igual autoridade especificamente dirigido a este fim.

O Cardeal Ottaviani estava então plenamente justificado quando me disse pessoalmente em Whitsun, em 1971 – muitos meses depois da promulgação do novo rito: “O rito tradicional da Missa, conforme o Ordo de São Pio V, não foi, de meu conhecimento, abolido. Conseqüentemente, os ordinários locais (i.e., os bispos), especialmente se estão preocupados em proteger o rito e sua pureza, e até para garantir que ele continue a ser entendido pelo corpo daqueles que assistem Missa, faria bem, em minha humilde opinião, de encorajar a permanente conservação do rito de São Pio V…”. Note que ele não diz “faria bem… em autorizar o rito”, mas “encorajar a… conservação do rito”; o rito, não tendo sido nem abolido nem proibido, não tem necessidade de autorização.

Na prática atual, os bispos de fato proíbem o uso do rito de São Pio V. Mas sua proibição é em si mesma ilegal, e esta ilegalidade seria proclamada abertamente como tal não estivessem as estruturas legais Romanas em total decomposição.

Padres e pessoas leigas comuns não olham tão longe. O que eles podem ver é que qualquer coisa, absolutamente qualquer coisa, é permitida no modo das “celebrações” – qualquer coisa, exceto a Missa de São Pio V. Como eles sabem, também, ou como seus instintos lhes contam, que a nova Missa foi construída numa intenção ecumênica: isso é dizer que nela a noção de Sacrifício Eucarístico é diminuída o máximo possível, a fim de fazê-la aceitável aos Protestantes, que estão em revolta.

Por detrás do affair de St. Nicholas du Chardonnet (em Paris) aparece gradualmente todo o problema da Missa Católica. Este problema ainda está para ser resolvido.

Continua.

O milagre de Saint Nicholas du Chardonnet (VII)

Para melhor compreensão, leia também os artigos anteriores da série sobre a Igreja de Saint Nicholas du Chardonnet.

Fatos e a Verdade

O relato dos eventos em St. Nicholas que apareceu em The Times foi, de maneira geral, justo e factual, e é evidente que seu repórter, Charles Hargrove, estava fazendo todos os esforços para ser objetivo. Mas a matéria abaixo indica a extensão em que uma matéria factual não transparece necessariamente a verdade de uma situação. O porquê disso será explicado depois de reproduzirmos a matéria que apareceu na edição de 24 de abril de 1977.

Oferta a ocupantes de Igreja é rejeitada

De Charles Hargrove – Paris, 22 de abril de 1977.

O

Cardeal Marty, Arcebispo de Paris, fez um gesto de conciliação aos tradicionalistas que ocupam a igreja de Saint Nicholas du Chardonnet desde o fim de Março.

Ele ofereceu-lhes outro lugar para rezar até 4 de julho, quando o senhor Jean Guitton, o filósofo Católico Romano indicado como mediador por uma corte em 1º de abril, apresentará seu relatório. Acrescentou que essa oferta de maneira alguma implicava num reconhecimento de suas reivindicações.

A igreja, mais exatamente St. Marie-Médiatrice, fica na periferia, próximo à Porte dês Lilas, norte de Paris. Esteve sem ser usada por mais de cinco anos, desde a construção do anel viário de Paris. Foi construída pelo Cardeal Suhard, arcebispo da época da ocupação Alemã, como resultado de um voto de erigir um local de culto se Paris fosse poupada da destruição.

O Cardeal Marty anunciou a concessão desta igreja aos tradicionalistas depois de chegar a um acordo com o Sr. Guitton, que relembrou numa declaração na última noite que a data limite estipulada pela corte para a evacuação de St. Nicholas foi prolongada por uma semana até ontem, a seu pedido.

Mas a oferta foi rejeitada na noite de ontem por Mons. Ducard-Bourget, um dos líderes dos tradicionalistas, que disse que processaria o Cardeal perante as autoridades eclesiásticas.

Por 10 anos somos tratados com desprezo”, disse. “Os fiéis de ao menos cinco paróquias vêm às nossas celebrações. Está fora de questão a nossa transferência para uma das mais distantes igrejas de Paris. Que as forças da lei e da ordem venham e nos ponha para fora”.

Numa conferência de imprensa nesta manhã nos escritórios do arcebispo, Mons. Georges Gilson, um bispo auxiliar, expressou seu lamento por esta “oferta generosa” ter sido rejeitada. O Cardeal a fez em “espírito de paz”.

Além do problema jurídico criado pela ocupação de St. Nicholas, o Cardeal estava muito mais preocupado com o conflito religioso no qual os líderes tradicionalistas se opunham à hierarquia Católica, ao Papa e ao Concílio.

Se Mons. Ducaud-Bourget persistisse em sua recusa de deixar a igreja, a justiça tomaria seu curso. Um oficial viria relatar o fato e o braço secular então atuaria como julgasse necessário. Mas parece muito improvável que a força seja usada para expulsar os tradicionalistas.

Mons. Gilson disse que os líderes dos tradicionalistas terão que arcar com suas responsabilidades.

A verdade por detrás dos fatos

A razão pela qual os tradicionalistas rejeitaram a “oferta generosa” do Cardeal Marty é que ela não era em nada uma oferta generosa, e que ele [o Cardeal] deve ter percebido, antes de fazê-la, que eles a julgariam totalmente inaceitável.

A igreja, como nota a reportagem, esteve desativada por cinco anos desde a construção do anel viário de Paris. Se poderia chegar até ela apenas cruzando uma via (freeway) a pé. A área em torno da igreja também é uma das menos salubres em Paris, onde assaltos são predominantes. Também está numa das localizações mais inconvenientes, bem ao norte de Paris, em vez de ser central como é St. Nicholas. Um bom número de Católicos idosos agora reza em St. Nicholas, e ter que pedir a eles que mudem para St. Marie-Médiatrice era uma proposta totalmente impraticável, tão fora da realidade que não se poderia tê-la feito com qualquer expectativa de ser aceita.

Esta é a verdade que os fatos citados na matéria não revelam.

Continua.

Você notou algo diferente nestes últimos dois anos?

Prot. N. 467/05/L

Roma, 17 de outubro de 2006

Sua Eminência/Excelência,

Em julho de 2005, esta Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, por acordo com a Congregação para a Doutrina da Fé, escreveu a todos os Presidentes das Conferências Episcopais para requisitar sua opinião ponderada acerca da tradução, para os diversos vernáculos, da expressão pro multis na fórmula para a consagração do Preciosissimo Sangue durante a celebração da Santa Missa (ref. Prot. N. 467/05/L de 9 de julho de 2005).

As respostas recebidas das Conferências Episcopais foram estudadas pelas duas Congregações e um relato foi feito para o Santo Padre. Sob a direção dele, esta Congregação agora escreve a Sua Eminência/Excelência nos seguintes termos:

1. Um texto correspondente às palavras pro multis, transmitido pela Igreja, constitui a fórmula em uso pelo Rito Romano em Latim desde os primeiros séculos. Nos últimos 30 anos aproximadamente, alguns textos em vernáculo aprovados contiveram a tradução interpretativa “por todos”, “per tutti”, ou equivalentes.

2. Não há absolutamente qualquer dúvida sobre a validade das Missas celebradas com o uso de uma fórmula devidamente aprovada contendo a fórmula equivalente a “por todos”, conforme a Congregação para a Doutrina da Fé já declarou (cf. Sacra Congregatio pro Doctrina Fidei, Declaratio de sensu tribuendo adprobationi versionum formularum sacramentalium, 25 Ianuarii 1974, AAS 66 [1974], 661). Com efeito, a fórmula “por todos” indubitavelmente corresponderia a uma interpretação correta da intenção do Senhor expressada no texto. É um dogma de fé que Cristo morreu na Cruz por todos os homens e mulheres (cf. João 11:52; 2 Coríntios 5,14-15; Tito 2,11; 1 João 2,2).

3. Há, contudo, muitos argumentos em favor de uma tradução mais precisa da fórmula tradicional pro multis :

a. Os Evangelhos Sinóticos (Mateus 26,28; Marcos 14,24) fazem referência especí­fica a “muitos” (πολλων = pollôn) pelos quais o Senhor oferece o Sacrifício, e essa formulação foi enfatizada por alguns estudiosos bí­blicos em conexão com as palavras do profeta Isaí­as (53, 11-12). Teria sido perfeitamente possí­vel aos textos evangélicos terem dito “por todos” (por exemplo, cf. Lucas 12,41); todavia, a fórmula apresentada na narrativa da instituição é “por muitos”, e as palavras foram fielmente traduzidas assim na maioria das versões modernas da Bíblia.

b. O Rito Romano em Latim sempre disse pro multis e nunca pro omnibus na consagração do cálice.

c. As anáforas dos diversos Ritos Orientais, sejam em grego, siríaco, armênio, línguas eslavas, etc., contêm o equivalente verbal do latim pro multis em suas respectivas línguas.

d. “Por muitos” é uma tradução fiel de pro multis, ao passo que “por todos” é, ao invés, uma explicação do tipo que pertence propriamente à catequese.

e. A expressão “por muitos”, embora permaneça aberta à inclusão de cada pessoa humana, reflete também o fato de que essa salvação não é efetuada de um modo automático, sem o concurso da vontade ou a participação de cada um; pelo contrário, o fiel é convidado a aceitar na fé o dom oferecido e a receber a vida sobrenatural que é dada àqueles que participam neste mistério, pondo também isso em prática na vida, para ser contado no número daqueles “muitos” aos quais o texto faz referência.

f. De acordo com a Instrução Liturgiam Authenticam, deve haver o esforço para uma maior fidelidade aos textos latinos contidos nas edições típicas.

As Conferências dos Bispos daqueles países onde a fórmula “por todos” ou sua equivalente está atualmente em vigor são, portanto, requisitadas a realizar a catequese necessária aos fiéis sobre essa questão nos próximos um ou dois anos, para prepará-los para a introdução de uma tradução vernacular precisa da fórmula pro multis (ou seja, “por muitos”, “per molti“, etc.) na próxima tradução do Missal Romano que os Bispos e a Santa Sé aprovarem para uso em seu país.

Com a expressão de minha alta estima e respeito, permaneço, Sua Eminência/Excelência,

Devotamente Seu em Cristo,

Francis Cardeal Arinze, Prefeito

O milagre de Saint Nicholas du Chardonnet (VI)

Para melhor compreensão, leia também os artigos anteriores da série sobre a Igreja de Saint Nicholas du Chardonnet.

Uma reportagem no The Times

Por uma interessante coincidência um repórter do The Times visitou Saint Nicholas no mesmo dia. Mostraram-me uma cópia de sua reportagem dias após a minha ter sido despachada ao The Remnant. Essa reportagem refere-se à tentativa de mediação pelo senhor Jean Guitton, da Academia Francesa. Ela apareceu na edição de 13 de abril de 1977.

Ocupantes de igreja ignoram ordem

De Charles Hargrove
Paris, 12 de abril.

Os tradicionalistas Católicos Romanos que ocupam a igreja de St. Nicholas du Chardonnet, no Quartier Latin, desde 27 de fevereiro, esperavam resistir à expulsão hoje. Mas nenhum policial apareceu para cumprir a decisão da corte de Paris de 1º de abril, que lhes deu 10 dias para deixar voluntariamente ou ser expulsos à força se necessário.

As portas principais estavam trancadas contra qualquer ataque surpresa. Alguns poucos jovens visivelmente determinados, vestindo um distintivo do Sagrado Coração, controlavam a entrada pela porta lateral.

Dentro da escura igreja não existia sinal de tensão. Algumas dúzias de fiéis idosos e poucos seminaristas de Ecône, seminário de Mons. Lefebvre, o antigo Arcebispo de Dakar, ajoelhavam-se em oração diante do altar-mor, reinstalados em seu papel pré-conciliar. A hóstia estava exposta num ostensório em meio a uma profusão de flores e velas.

A “mesa de cozinha” no transepto, que desalojou o altar principal na nova liturgia, foi removida.

Uma firme corrente de pessoas entrava, pedindo informações sobre cerimônias e colocando seus nomes na lista de observadores ou doadores de ofertas em apoio à causa tradicionalista.

Cadeiras estavam sendo arrumadas nos corredores de uma das capelas laterais para uma palestra de teologia para denunciar os caminhos da igreja moderna, que se seguiria à missa da noite, na qual Mons. Ducaud-Bourget, o instigador e organizador da ocupação de St. Nicholas, prega.

Nunca houve qualquer possibilidade de ser usada a força para pôr um fim à ocupação da igreja. A corte de Paris que a julgou ilegal e autorizou o pároco, Padre Bellego, a chamar a polícia para cumprir o julgamento, também indicou seu desgosto por tal solução.

Isso, disse o presidente da corte, “criaria uma situação desagradável para todos os envolvidos”. Ele apontou um mediador, Sr. Jean Guitton, da Academia Francesa, o filósofo Católico, a quem foi dado três meses para produzir um relatório.

Depois de encontrar Mons. Ducaud-Bourget, Padre Bellego e o Arcebispo de Paris, Cardeal Marty, sr. Guitton esteve em Roma na última semana para obter a aprovação do Vaticano para uma solução amigável, que o Cardeal Marty recusa a ponderar.

O Cardeal disse recentemente que permitir aos tradicionalistas ter uma igreja própria onde eles possam rezar como quiserem seria chegar a dar aprovação oficial a um cisma.

Amante da tradição, sr. Guitton é também um amigo próximo do Papa, que publicamente o desejou imediato sucesso em seus esforços na Segunda-Feira de Páscoa.

Padre Serralda, um dos quatro ou cinco padres tradicionalistas que atende às necessidades da nova congregação, me disse: “Muitos católicos hoje estão em profunda agonia. Eles não entendem o que está acontecendo em sua Igreja. Os textos conciliares são como as decisões do Papa Paulo VI – são ambíguos. Tudo que pedimos é que todos os ritos e ensinamentos da Igreja devam respeitar a doutrina Católica”.

“Não somos um partido na Igreja. Estamos batalhando pela Igreja, não por nós mesmos. A obrigação de rezar a Nova Missa é baseada numa interpretação abusiva. Ela atribui às ordens papais a mesma autoridade das leis da Igreja, como a Bula de 1570 de Pio V determinando irrevogavelmente para sempre a liturgia da Missa”.

Continua.

O milagre de Saint Nicholas du Chardonnet (V)

Para melhor compreensão, leia também os artigos anteriores da série sobre a tomada da Igreja de Saint Nicholas du Chardonnet.

Mas a polícia e o judiciário deixaram bem claro que estão relutantes em tomar qualquer ação direta. Monsieur Jean Guitton, um proeminente escritor católico, membro da Academia Francesa e amigo íntimo do Papa Paulo VI, foi apontado como mediador. Mas os tradicionalistas não sairão ao menos que se lhes ofereça uma igreja própria. Após oito anos de exílio, eles estão determinados a rezar em igrejas de agora em diante. Se forem expulsos, simplesmente ocuparão outra igreja, e o processo legal terá que começar novamente – a Catedral de Notre Dame foi mencionada.

Porta lateral da Igreja de Saint Nicholas du Chardonnet

Asseguraram-me que, se eu quisesse experimentar a verdadeira atmosfera de uma paróquia tradicionalista, eu deveria ir à noite – o que explica o motivo de, às 6:15 PM, eu sair da estação de metrô Maubert-Mutalité para ouvir os sinos de Saint Nicholas chamando os fiéis para rezar. Mesmo em dias de semana há missa às 8, 12, 17 horas (seguida de Vésperas e Benção) e 18:30. Entrei na igreja durante a Benção bem em tempo de ouvir o Papa Paulo VI ser rezado pelo nome. Isso também foi feito durante as celebrações de Sexta-feira Santa em Ecône, onde estive quatro dias antes. Um coral verdadeiramente maravilhoso estava cantando – descobri depois que eles se reuniram espontaneamente; eles cantam nas Vésperas, Benção e na Missa todos os dias e aos domingos em várias Missas. Toda noite seus membros ficam até tarde a praticar e expandir seu repertório já impressionante – o aspecto mais marcante do coral (além de seu talento) é a sua juventude.

A igreja suja e dilapidada que existia antes da ocupação foi transformada – com amor e a fundo. A igreja foi lavada e estátuas de mármore que aparentavam quase pretas de imundice estão agora positivamente resplandecendo de brancura. Há flores em todas as capelas laterais, velas queimando diante das imagens, o altar-mor em particular está incandescente com velas e quase encoberto de flores. O altar-mor em todas as igrejas é o símbolo de Cristo, e nessa Semana Santa é o mais dramático símbolo da ressurreição da fé da Igreja de Cristo em Saint Nicholas. O altar parecia realmente estar morto, abandonado para sempre, a nunca ser usado novamente, e aqui estava ele, triunfantemente ressuscitado, radiante de luz e alegria Pascal – com a mesa  Cranmeriana [ndt: referência ao Arcebispo Cranmer, idealizador da reforma litúrgica na Inglaterra após o cisma de Henrique VIII] e seu palanque colocados de lado, competentemente simbolizando a derrota da Igreja Conciliar.

A missa começou. Foi celebrada pelo próprio Mons. Ducaud-Bourget. Cantada, e belamente cantada. No Sanctus, em particular, o eterno canto preencheu e ecoou pelos arcos dessa antiga igreja, como fizera por séculos. O Concílio podia nunca ter ocorrido.

Uma senhora andava, de capela em capela, regando os vasos de flores com amável cuidado. A todo segundo um indivíduo ou um grupo de pessoas vinha até a igreja. Alguns ficavam para a missa, outros apenas rezavam por alguns momentos antes de sair. Muitos eram jovens, mas alguns eram velhos – e quão felizes essas pessoas velhas eram. Aqui estava a fé em que foram educados a conhecer e a amar; aqui estavam suas devoções tradicionais inteiramente intocadas. Dentro da igreja de Saint Nicholas du Chardonnet é como se o tempo permanecesse ainda em 1962.

Um grupo de seminaristas de Ecône entrou por alguns minutos. Eles deixaram o seminário para sua folga de Páscoa. Eram um lembrete encorajador de que o ressurgimento tradicionalista na França não é um fenômeno temporário dependente de alguns poucos padres velhos. Para cada padre velho que permaneceu fiel à Missa de sua ordenação existia um jovem padre ou um seminarista pronto para juntar-se a ele, e eventualmente substituí-lo. E para cada pessoa velha que claramente tem Saint Nicholas como o céu na terra existe um jovem que descobriu o que a fé Católica foi um dia, e não está determinado a aceitá-la de outra forma.

Fiéis rezam na Igreja de Saint Nicholas

E o milagre de Saint Nicholas du Chardonnet – ele continuará? “Reze por nós. Reze por nós para que isso continue”, disse uma senhora, agarrando meu braço em seu fervor. “Peça a todos que rezem por nós”.

Como uma nota de rodapé irônica nessa reportagem, e um sinal significante dos tempos em que vivemos, descobri ao ler a edição de 9 de abril do The Tablet, após meu retorno a Londres, que o Cardeal Marty convidou todo Anglicano que estiver visitando a França para receber a Santa Comunhão nas igrejas Católicas se eles não puderem recebê-la numa igreja Anglicana. Parece que o Cardeal Arcebispo de Paris precisa de nossas orações muito mais que os tradicionalistas membros de seu rebanho.

Continua.

Mons. Ranjith fala: Coragem para corrigir o percurso

Do The New Liturgical Movement:

Die Tagespost: A Ásia é considerada na Europa como um continente de contemplação, misticismo e de profundidade espiritual. O que a Igreja Universal pode aprender da Igreja na Ásia?

Msgr. Ranjith: A Igreja Universal pode aprender muito da Igreja na Ásia. O pré-requisito para isso é a inculturação correntamente entendida, que é a bem sucedida integração de certas partes da cultura da Ásia na Cristianismo vivo. Estou falando aqui especificamente da inculturação propriamente entendida, porque a inculturação foi de certa forma completamente mal compreendida na Ásia, por ninguém menos que aqueles que falam de inculturação. Nós devemos, portanto, não nos enganar sobre o que é realmente Asiático. Com relação a ideologias ocidentais, escolas de pensamentos e influência do secularismo e perspectivas horizontais que não libertam o homem verdadeiramente, não pode existir nenhum diálogo sobre espiritualidade da Ásia ou valores Asiáticos. Apenas se voltarmos às raízes e falarmos autenticamente sobre os valores Asiáticos e do modo Asiático de viver nós poderemos contribuir com a Igreja Universal. Qualquer outra coisa não seria nada além de distorção da realidade. A fim de evitar uma visão superficial de inculturação, devemos distingüir entre o que é verdadeiramente Asiático e o que pertence às religiões Asiáticas. Muitas práticas religiosas se desenvolveram da vida cotidiana. Confundir os dois seria apenas o lançamento de bases para uma teologia sincretista e para uma destruição do modo Católico Romano de viver. Portanto, devemos primeiro efetuar uma espécie de desmitificação e ver o que está por detrás dos vários atos religiosos. Apenas então se pode discernir o que é verdadeiramente Asiático.

DT: Onde você vê exemplos de inculturação Cristã na Ásia mal sucedida?

Mons. Ranjith - Ordenação sacerdotal em Wigratzbad

MR: É, por exemplo, inteiramente Asiático o respeito aos símbolos religiosos, por exemplo o traje sacerdotal e o hábito religioso. Em nenhum templo budista você encontrará monges sem o hábito. Os hindús têm seus sinais de identidade, que os distingüe dos outros em seu templo ou no caminho. Essa atitude não é tipicamente budista ou hindú, mas Asiática. Os Asiáticos querem indicar com esses símbolos a realidade por detrás da realidade visível exteriormente. Eles consideram, por exemplo, o hábito sacerdotal ou religioso como uma distinção que faz a pessoa concernida se sobressair da massa por causa de seu ideal pessoal. Se os padres e religiosos aparecem em roupas civis ocidentais e não revelam seu estado, então não se tem nada a ver com inculturação, mas com uma aparência pseudo-Asiática, que é, de fato, mais Européia. Portanto, é lamentável que padres e religiosos em muitos países de Ásia não mais vistam roupas correspondentes a seu estado. Uma das congregações mundialmente conhecida que de forma bem sucedida modelou um hábito religioso conforme o estilo local de se vestir é a Congregação das Missionárias da Caridade (as irmãs de Madre Teresa). Elas são um exemplo de inculturação Cristã bem sucedida, pois toda criança na rua pode imediatamente identificá-las.

DT: Que bases aplicar para uma bem sucedida inculturação?

MR: O texto sinodal “Ecclesia in Asia” expressamente afirma que Cristo era Asiático. As raízes da culturas cristã e judaíca, que Jesus encontrou em Jerusalém, eram Asiáticas. É claro, o Cristianismo espalhou-se no Ocidente através do pensamento greco-romano. São Paulo e outros eram uma espécie de abridores de portas nisso. Infelizmente, as vicissitudes da história tornaram impossível uma difusão imediata do Cristianismo na Ásia. Simplesmente não existia “intensidade” suficiente dentro do modo Asiático de pensar. Na Ásia, com relação ao Cristianismo, a imagem de uma religião importada por colonizadores ainda predomina. Mas isso não é verdade. O Cristianismo veio à Ásia muito antes dos poderes coloniais. Na Índia, por exemplo, temos a forte tradição dos Cristãos de São Tomé. Quem quer transferir o Cristianismo para o modo Asiático de viver deve mostrar humildade diante do mistério de Deus. Apenas um crente pode ser bem sucedido. Essa não é uma questão de competência teológica ou filosófica. O homem simples e devoto na rua pode freqüentemente estar em vantagem, porque ele se aproxima do mistério de Deus sem preconceitos e está completamente impregnado da mensagem Cristã. A vox populi tem um papel importante para a inculturação. Apenas com pessoas profundamente religiosas, que rezam, a inculturação bem sucedida é possível. Os teólogos comumente se esquecem que podemos descobrir o verdadeiro valor da mensagem de Jesus apenas em nossos joelhos. Vemos isso na maneira que Paulo evangelizava. Ele era um homem de Deus, que amava a Deus e dedicava sua vida totalmente a Cristo e vivia em constante contato com Ele. Apenas pessoas assim podem ter o modelo para a inculturação Cristã. De outra forma, o Cristianismo não sairá da capa dos livros. E infelizmente tem que se dizer que não há atualmente nenhum pensamento teológico sério na Ásia. Nós temos um grande pot-pourri de idéias: um pouco de teologia da libertação da América Latina, um pouco de teologia Ocidental, algumas das correntes filosóficas das universidades Ocidentais — tudo é tentado impetuosamente. Então, há uma espécie de isolamento, pois cada uma não está mais aberta ao mistério dos caminhos de Deus. A teologia é considerada meramente como um tipo de evento humano. A abertura à luz de Deus está em falta. O sentido da profunda união mística com Deus está faltando, assim como a habilidade de entender a fé do povo comum. Mas são precisamente essas características que um teólogo necessita.

DT: Da Ásia também se ouve vozes que dizem que o debate sobre a liturgia Tridentina é tipicamente Europeu e não tem nada que ver com as preocupações das pessoas nas áreas de missão. Como você vê isso?

MR: Bem, existem opiniões individuais que não podem ser generalizadas na Igreja Católica. Que a Ásia inteira deve rejeitar a Missa Tridentina é inconcebível. Deve-se também acautelar-se para generalizações como “a missa antiga não serve para a Ásia”. É precisamente a liturgia do rito extraordinário que reflete alguns valores Asiáticos em toda sua profundidade. Acima de tudo o aspecto da Redenção e a perspectiva vertical da vida humana, o relacionamento profundamente pessoal entre Deus e o sacerdote e entre Deus e a comunidade são mais claramente expressos na antiga liturgia do que no Novus Ordo. O Novus Ordo por contrastre enfatiza mais a perspectiva horizontal. Isso não significa que o Novus Ordo por si mesmo coloca-se para uma perspectiva horizontal, mas antes sua interpretação por diferentes escolas litúrgicas, que vêem a missa mais como uma experiência comunitária. Se formas estabelecidas de pensar são colocadas em questão, entretanto, algumas reagem de maneira desconfiada. A Santa Missa não é apenas o memorial da última ceia, mas também o Sacrifício de Cristo e o Mistério de nossa Salvação. Sem a Sexta-feira Santa, a última ceia não tem sentido. A Cruz é o maravilhoso sinal do amor de Deus, e apenas em relação à Cruz é possível a verdadeira comunidade. Aqui está o verdadeiro ponto inicial da evangelização da Ásia.

DT: De que forma a reforma pós-conciliar tem contribuído para uma renovação espiritual?

MR: O uso do vernáculo permitiu que muitas pessoas entendessem o mistério da Eucaristia mais profundamente e procurou uma mais intensa relação com os textos das Escrituras. A participação ativa dos fiéis foi encorajada. Entretanto, isso não deve significar que a Missa deve ser inteiramente orientada para o diálogo. A Missa deve ter momentos de silêncio, de introspecção e oração pessoal. Onde há um falar incessante, o homem não pode ser profundamente penetrado pelo mistério. Não devemos falar ininterruptamente diante de Deus, mas também deixá-Lo falar. A renovação litúrgica foi afetada, entretanto, pela arbitrariedade experimental com a qual a Missa hoje está sendo livremente realizada como “faça você mesmo”. O espírito da liturgia tem sido, num modo de dizer, raptado. O que ocorreu não pode mais ser desfeito agora. O fato é que nossas igrejas se esvaziaram. Obviamente que existem também outros fatores: o desenfreado comportamento consumista, secularismo, uma excessiva imagem do homem. Nós devemos tomar coragem para corrigir o percurso, pois nem tudo o que ocorreu depois da reforma da liturgia foi conforme a intenção do Concílio. Por que deveríamos carregar com dificuldade aquilo que o Concílio não quis?

DT: Na Alemanha é cada vez mais freqüente a substituição da Santa Missa por celebrações da Palavra de Deus feita por leigos, apesar de padres suficientes estarem disponíveis. Em troca, em muitos lugares, padres, com as fusões de paróquias, têm que concelebrar mais freqüentemente, de forma que até mesmo menos Missas são celebradas. A Igreja tem que repensar a prática da concelebração?

MR: Essa é menos uma questão de concelebração do que uma questão de compreensão da Missa e da imagem do padre. O padre alcança na Eucaristia o que os outros não podem fazer. Como alter Christus, ele não é a pessoa principal, mas o Senhor. Concelebrações devem se restringir a ocasiões especiais. Uma concelebração que sustenta a favor de uma despersonificação da celebração da Missa é então tão errada como a noção de que se pode obrigar um padre a concelebrar regularmente, ou fechar igrejas em várias cidades e concentrar a Missa em um único lugar, apesar de padres suficientes estarem disponíveis.

O ódio pela língüa Latina é inato nos corações dos inimigos de Roma

Dom Prósper Gueranger
Dom Prosper Guéranger

Enquanto a reforma litúrgica tem por um de seus principais alvos a abolição de ações e fórmulas de significados místicos, é uma conseqüência lógica que os autores tenham que exigir o uso do vernáculo na liturgia divina.

Este é aos olhos dos sectários o item mais importante. ‘Liturgia não é matéria secreta’, ‘O povo’, dizem eles, ‘deve entender o que canta’.

O ódio pela língüa Latina é inato nos corações dos inimigos de Roma. Eles a reconhecem como uma ligação entre os Católicos de todo o universo, como o arsenal de ortodoxia contra todas as sutilezas do espírito sectário…

Este espírito de rebelião que os conduz a confiar a oração universal à língua de cada povo, de cada província, de cada século, produziu seus frutos, e os reformados constantemente percebem que o povo católico, – para seu ódio — saboreiam melhor e chegam com maior zelo aos deveres do culto do que a maioria do povo protestante. Em todas as horas do dia, a divina liturgia toma lugar nas igrejas Católicas. O fiel católico que assiste deixa sua língua mãe na porta. A não ser o sermão, ele não ouve nada além das misteriosas palavras que, mesmo assim, não são ouvidas no momento mais solene do Cânon da Missa. Todavia, o mistério o encanta de tal forma que ele não é invejoso de muitos protestantes, mesmo que as orelhas destes não escutem uma única palavra sem perceber seu significado.

Enquanto o templo reformado reúne, com grande dificuldade, cristãos puritanos uma vez na semana, a Igreja ‘papista’ vê incessantemente seus numerosos altares visitados por seus filhos religiosos; todo dia, eles saem dos seus trabalhos para vir ouvir estas misteriosas palavras que devem ser de Deus, para alimento de sua fé e alívio das dores.

Nós devemos admitir que é um golpe de mestre do Protestantismo ter declarado guerra à língua sacra. Se tivesse tido sucesso em destruí-la, seria aberto o caminho para a vitória. Expor para profana contemplação, como uma virgem que foi violada, a liturgia, neste momento teria perdido muito de seu caráter sagrado, e logo o povo veria que não vale a pena colocar de lado o trabalho ou lazer de alguém para poder ir e ouvir o que está sendo falado da mesma forma que alguém fala na praça da cidade.

(Dom Prosper Guéranger, L’Hérésie Anti-Liturgiste, excerto de Institutions Liturgiques, v. 1)