Dilecta Mea – A propósito da Santa Missa Apostólica.

Fonte: Dies Irae

É notória a contínua defesa da Liturgia Tradicional da Igreja Católica que o Arcebispo Carlo Maria Viganò, antigo Núncio Apostólico nos Estados Unidos da América, tem vindo a fazer nas suas diversas intervenções. Com data de 2 de Janeiro, o Prelado escreveu um tocante testemunho sobre a Santa Missa tradicional e, em particular, acerca da graça que recebeu de redescobrir, cinco décadas depois da sua ordenação sacerdotal, este tesouro de Deus à Sua Igreja. O portal Dies Iræ divulga, em exclusivo para língua portuguesa, o escrito do Arcebispo Viganò.


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2 de Janeiro de 2022
Sanctissimi Nominis JESU


Vós, que vos permitis proibir a Missa Apostólica, alguma vez a celebrastes? Vós que, do alto das vossas cátedras de liturgia, pronunciais juízos perspicazes sobre a “Missa antiga”, alguma vez meditastes nas suas orações, nos seus ritos, nos seus gestos antigos e sagrados? Fiz-me esta pergunta várias vezes nos últimos anos: porque eu próprio, que conheço esta Missa desde criança; que, quando ainda usava calções, tinha aprendido a servi-la e a responder ao celebrante, quase a tinha esquecido e perdido. Introibo ad altare Dei. Ajoelhado nos gélidos degraus do altar, antes de ir para a escola, no Inverno. A suar debaixo da veste de acólito na canícula de certos dias de Verão. Tinha esquecido essa Missa, que foi também a da minha Ordenação a 24 de Março de 1968: uma época em que já se percebiam os sinais da revolução que, em breve, privaria a Igreja do seu tesouro mais precioso para impor um rito contrafeito.
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Dom Viganò, Vaticano II e crise na Igreja.

Por Rádio Spada, 12 de março de 2021 | Tradução: Hélio Dias Viana, FratresInUnum.com 

Rádio Spada (RS): Bom dia Excelência, Agradecemos-lhe pelo diálogo que teremos. Comecemos pela Galleria neovaticana, livro de Marco Tosatti, do qual o senhor escreveu o prefácio. Permita-me contar-lhe uma anedota: não havia passado poucas horas do anúncio do envio para a impressão e já no Twitter aparecia um perfil com uma pesquisa — baseada apenas na capa e no título, obviamente — para perguntar quão evangélico era imprimir um volume dedicado a denúncias escabrosas e fatos nem sempre edificantes. O que responderia a essa objeção.

🔴 Intervista-bomba di Mons. Viganò in esclusiva per Radio Spada

Dom Carlo Maria Viganò (CMV): Permitam-me recordar aqui que Bento XVI, nos meses anteriores à sua decisão de assumir o título singular de “Papa emérito”, instituiu uma Comissão de Cardeais, presidida pelo Cardeal Herranz e composta pelos Cardeais Tomko e De Giorgi, com o objetivo de realizar uma investigação aprofundada sobre as informações confidenciais divulgadas pela Vatileaks. Naquela ocasião, tive de insistir com o Cardeal Herranz para testemunhar, uma vez que não era sua intenção interrogar-me, embora eu estivesse pessoalmente envolvido como autor dos documentos confidenciais destinados ao Pontífice, que foram roubados e entregues à imprensa. Entreguei-lhes um importante dossiê no qual explicava todas as disfunções e a rede de corrupção que conheci, e que tive de enfrentar como Secretário-Geral do Governo da Cidade do Vaticano.

Acompanhei esse dossiê com uma carta, na qual, entre outras coisas, escrevia: “Estou muito triste pelos graves danos causados ​​à Igreja e à Santa Sé pelo vazamento de tantos documentos confidenciais… Se houver algum responsável por atos tão precipitados, muito mais grave é a culpa daqueles que foram responsáveis ​​por tanta corrupção e degradação moral na Santa Sé e no Estado da Cidade do Vaticano, e de alguns cardeais, prelados e leigos que, apesar de saberem, preferiram viver com tanta sujeira, adormecendo as suas consciências para agradar ao poderoso superior e fazer carreira. Espero que pelo menos esta Comissão Cardinalícia, por amor à Igreja, seja fiel ao Santo Padre e faça toda a limpeza necessária por ele exigida e não permita que esta sua iniciativa seja novamente encoberta. Muitos jornalistas de vários países procuraram contatar-me … Fiquei calado, por amor à Igreja e ao Santo Padre. A força da verdade deve fluir de dentro da Igreja, e não dos meios de comunicação … Rezo por vós, Cardeais, para que tenhais a coragem de dizer a verdade ao Santo Padre; e rezo pelo Santo Padre, para que tenha a força para fazê-la vir à luz na Igreja ”.

Esse caudal de informações, junto com as outras evidências recolhidas pelos três Cardeais, teria permitido uma operação de limpeza: tudo foi encoberto! E só pode constituir mais um elemento de chantagem para os nomes nele contidos e, nos últimos oito anos, uma ocasião para desacreditar aqueles que, por outro lado, serviram fielmente a Igreja e a Santa Sé.

Necesse est enim ut veniant scandala; verumtamen væ homini per quem scandalum venit (Mt 18,7). Denunciar a corrupção de clérigos e Prelados impôs-se como um gesto de caridade para com os fiéis e um ato de justiça para com a Igreja atormentada, porque por um lado adverte o povo de Deus contra os lobos disfarçados de cordeiros e os mostra pelo que eles são, e por outro lado mostra que a Esposa de Cristo é vítima de um conventículo de luxuriosos ávidos de poder, e se eles forem afugentados Ela poderá voltar para pregar o Evangelho. Não é aquele que revela os escândalos que peca contra a caridade evangélica, mas aquele que executa esses escândalos e os encobre. As palavras do Senhor não dão origem a mal-entendidos.

RS: Como se sabe, indo além do tema moral, é impossível não identificar no colapso doutrinário o próprio cerne da crise da Igreja. Em relação a isso, em várias ocasiões o Senhor expressou uma forte crítica ao Vaticano II. Neste ponto, pediríamos mais especificações. Falando com Sandro Magister, atacou: “A bela fábula da hermenêutica — embora credível pelo seu Autor — permanece, no entanto, uma tentativa de querer dar a dignidade de um Concílio a uma verdadeira emboscada contra a Igreja”. Podemos, portanto, esclarecer que o problema não é identificável apenas pelo Vaticano II, mas também no Vaticano II? Em outras palavras, o processo revolucionário teve um ponto de inflexão com o “Concílio”, e não somente após o “Concílio”? Não apenas o espírito do Vaticano II, mas também sua letra deve ser acusada?

CMV: Não vejo como se pode argumentar que existe um suposto Vaticano II ortodoxo do qual ninguém fala há anos, traído por um espírito do Concílio que todos também elogiaram. O espírito do Concílio é o que o anima, o que determina sua natureza, particularidade, características. E se o espírito é heterodoxo enquanto os textos conciliares não parecem doutrinariamente heréticos, isso deve ser atribuído a um movimento astuto dos conspiradores, à ingenuidade dos Padres conciliares e à conivência daqueles que preferiram procurar outro lugar, desde o início, em vez de se posicionarem com uma condenação clara dos desvios doutrinais, morais e litúrgicos.

Os primeiros a estarem perfeitamente cientes da importância de colocar a mão nos textos conciliares a fim de usá-los depois para seus próprios fins foram os cardeais e bispos progressistas, particularmente alemães e holandeses, com seus especialistas. Não é por acaso que eles conseguiram rejeitar os esquemas preparatórios apresentados pelo Santo Ofício e ignoraram as propostas do episcopado mundial, incluindo a condenação dos erros modernos, especialmente do comunismo ateu; também conseguiram impedir a proclamação de um dogma mariano, vendo nele um “obstáculo” ao diálogo ecumênico. A nova liderança do Vaticano II foi possível graças a um verdadeiro golpe de estado, ao papel proeminente do jesuíta Bea e ao apoio de Roncalli. Se os Esquemas tivessem sido mantidos, nada do que saísse das Comissões teria sido possível, porque se baseavam no modelo aristotélico-tomista que não permitia formulações equívocas.

A letra do Concílio deve, portanto, ser acusada, porque foi daí que começou a revolução. Por outro lado, poderia citar-me um caso na história da Igreja em que um Concílio Ecumênico tenha sido deliberadamente formulado de maneira equívoca para garantir que o ensinado em seus atos oficiais viesse depois a ser subvertido e contraditado na prática? Isso é suficiente para catalogar o Vaticano II como um caso em si, um hápax sobre o qual os estudiosos poderão se fundamentar, mas que deverá encontrar uma solução por parte da autoridade suprema da Igreja.

RS: Como ficou sabendo dessa crise? Um processo gradual? Um fato imediato que se desenvolveu em curto prazo?

CMV: A minha tomada de consciência foi progressiva e começou relativamente cedo. Mas compreender ou começar a suspeitar que aquilo que nos foi apresentado como sendo fruto da inspiração do Espírito Santo havia sido realmente sugerido pelo inimicus homo não foi suficiente para derrubar aquele sentimento de dolorosa obediência à Hierarquia, mesmo na presença de múltiplas provas de má fé e a malícia de alguns de seus membros. Como já tive oportunidade de declarar, o que vimos então materializar-se — falo, por exemplo, de algumas novidades, como a colegialidade episcopal, ou o ecumenismo ou o Novus Ordo — podem surgir como tentativas de ir ao encontro do desejo comum de renovação, de reconstrução do pós-guerra. Diante do boom econômico e dos grandes acontecimentos políticos, a Igreja parecia dever se rejuvenescer de alguma forma, ou como nos diziam todos, a começar pelo Santo Padre. Os acostumados à disciplina pré-conciliar, ao respeito à Autoridade, à veneração do Romano Pontífice nem ousaram pensar que aquilo que nos foi sub-repticiamente mostrado como meio de difundir a Fé e converter muitas almas à Igreja Católica era na verdade um veículo, um engano por trás do qual se escondia na mente de alguns a intenção de cancelar progressivamente a Fé e deixar as almas no erro e no pecado. Quase ninguém gostou dessas “novidades”, muito menos os leigos, mas elas nos foram apresentadas como uma espécie de penitência a ser aceita, tendo em troca uma maior difusão do Evangelho e o renascimento moral e espiritual de um mundo ocidental prostrado pela guerra e ameaçado pelo materialismo.

Mudanças radicais começaram com Paulo VI, com a reforma litúrgica e a proibição drástica da Missa Tridentina. Senti-me pessoalmente magoado e desamparado quando, como jovem secretário da Delegação Apostólica de Londres, a Santa Sé proibiu a Associação Una Voce de celebrar uma única Missa segundo o Rito Antigo na cripta da Catedral de Westminster.

Durante o pontificado de João Paulo II, algumas das instâncias mais extremas do Concílio encontraram força motriz no panteão de Assis, nas reuniões nas mesquitas e sinagogas, nos pedidos de perdão pelas Cruzadas e pela Inquisição, com a chamada purificação da memória. A carga subversiva de Dignitatis humanae e Nostra ætate foi evidente naqueles anos.

Depois veio Bento XVI e a liberalização da liturgia tradicional, até então ostensivamente objeto de oposições, apesar das concessões papais após as sagrações episcopais de Ecône. Infelizmente, os desvios ecumênicos não cessaram nem mesmo com Ratzinger, e com eles a ideologia conciliar que os justificou. A renúncia de Bento XVI e a chegada de Bergoglio continuam a abrir os olhos de muitas pessoas, especialmente dos fiéis leigos.

RS: Um tema distinto, mas ligado, é aquele relativo aos protagonistas da temporada conciliar e pós-conciliar. Detenhamo-nos por um momento na figura de Ratzinger: o papel do teólogo bávaro tanto no Vaticano II como depois é inegável, embora com diversas nuances (recordamos que de 1981 a 2005 foi Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, de 2005 a 2013 reinou no Trono de Pedro, desde 2013 é o “Papa Emérito”). De nossa parte, o julgamento sobre o significado do ratzingerismo é certamente negativo: sob a sua administração da Congregação para a Doutrina da Fé, prosperaram os mesmos desvios que hoje vemos “florescer” explicitamente; assim que ascendeu ao sólio pontifício, removeu a tiara do brasão papal; e continuou no caminho do ecumenismo indiferentista, renovando as celebrações escandalosas em Assis; em Erfurt chegou a afirmar que “o pensamento de Lutero, toda a sua espiritualidade era inteiramente cristocêntrica”; no Motu proprio Summorum Pontificum definiu a Missa de todos os tempos e o Novus Ordo como duas formas do mesmo rito (quando, ao contrário, implicam duas teologias totalmente diferentes); depois criou este híbrido improvável do “Papa emérito vestido de branco” que — independentemente das intenções, que não julgamos — parece não ser apenas um mal-entendido perigoso, mas uma engrenagem quase necessária do dualismo que anima a dinâmica atual de dissolução eclesial. Esses poucos exemplos, que poderiam ser seguidos por muitos outros, são, em nossa opinião, reveladores do fato de que Ratzinger sempre esteve do outro lado da cerca, embora com papéis e posições que não são idênticos. Já vimos sua afirmação sobre a “bela fábula da hermenêutica”, mas também em outras ocasiões o V. Exa. apontou alguns aspectos problemáticos do pensamento de Ratzinger. Referimo-nos em particular à sua declaração recente no LifeSiteNews na qual sustentou: “No entanto, seria desejável que, especialmente em consideração ao Julgamento Divino que o aguarda, ele se distancie definitivamente dessas posições teologicamente incorretas — estou me referindo em particular aos da Introdução ao Cristianismo — ainda hoje difundidas nas universidades e seminários que se orgulham de declarar católicos”. Portanto, perguntamos: se resumisse seu julgamento sobre o pensamento do teólogo bávaro, o que diria aos nossos leitores? Além disso, como teve a oportunidade de trabalhar em estreita colaboração com Bento XVI, o que pode nos dizer sobre ele no nível humano? Não é — sejamos claros — uma questão sobre aspectos reservados, mas sobre a sua personalidade, que V.Exa. pôde conhecer de perto.

CMV: Estou, infelizmente, de acordo, não sem uma profunda dor, com os pontos que você enumerou, embora com algumas nuances. Muitos atos de governo de Bento XVI se alinham com a ideologia conciliar, que o teólogo Ratzinger sempre defendeu com ardor e convicção. Sua formação filosófica hegeliana levou-o a aplicar o esquema tese-antítese-síntese no campo católico. Por exemplo, ao considerar que os documentos do Concílio (tese) e os excessos do pós-concílio (antítese) podem ser resolvidos na famosa hermenêutica da continuidade (síntese); tampouco escapa a invenção do Papado emérito, onde entre ser Papa (tese) e não mais ser Papa (antítese) se opta pela fórmula conciliatória de sê-lo apenas em parte (síntese). A mesma mentalidade determinou tudo o que fez para liberar a liturgia tradicional, que ele coloca ao lado do seu oposto conciliar na tentativa de agradar tanto aos autores da revolução teológica quanto aos defensores do venerável rito tridentino.

O problema é, portanto, de natureza intelectual, ideológica: surgiu todas as vezes que o teólogo bávaro tentou resolver a crise que aflige a Igreja. Em todos esses casos, sua formação acadêmica, influenciada pelo pensamento de Hegel, acredita que é possível combinar água com óleo. Não tenho motivos para duvidar que Bento XVI tenha querido a seu modo fazer um gesto de conciliação com o tradicionalismo católico. Nem que não esteja consciente da situação desastrosa em que se encontra o corpo eclesial; mas a única maneira de reconstruir a Igreja é seguir o Evangelho com uma perspectiva sobrenatural e sabendo que, pelo desígnio de Deus, o Bem e o Mal não podem ser reunidos num meio-termo fantasmagórico, mas que serão sempre contrários e irreconciliáveis, e que servindo a dois senhores acaba não se satisfazendo a nenhum dos dois.

Quanto ao meu conhecimento direto de Bento XVI, posso dizer que nos anos de seu pontificado, em que servi a Igreja na Secretaria de Estado, no Governo da Cidade do Vaticano e como Núncio nos Estados Unidos, a ideia que me fiz é a de que ele se cercou de colaboradores inadequados, nos quais não se podia confiar, e até de alguns corruptos, que se aproveitaram muito de sua suavidade de caráter e do que poderia ser considerada uma espécie de síndrome de Estocolmo, em particular com o Cardeal Bertone e seu secretário particular.

RS: Em alguns artigos publicados em CatholicFamilyNews.com foi apontado que no tocante à situação da Igreja a posição de V.E. é próxima à de Monsenhor Bernard Tissier de Mallarais, um dos quatro bispos sagrados por Monsenhor Lefèbvre. A mesma fonte mencionou uma citação de V.Exa. no sentido de que Monsenhor Lefèbvre teria sido um confessor exemplar da Fé. À luz das fortes críticas ao Concílio, e de, por outro lado, não aderir ao sedevacantismo, poder-se-ia supor que a posição de V.Exa. seja muito próxima à da Fraternidade Sacerdotal São Pio X. Poderia dizer-nos algo a respeito?

CMV: Em muitos setores do mundo católico, e principalmente nos ambientes conservadores, afirma-se que Bento XVI seria o verdadeiro Papa, e que Bergoglio seria um antipapa. Esta opinião se baseia, por um lado na convicção de que sua renúncia teria sido inválida (pela forma como foi redigida, por pressões externas, ou pela distinção entre munus e ministerium papal), e, por outro, que um grupo de cardeais progressistas manobrou para garantir que um candidato de sua autoria fosse eleito no conclave de 2013, violando assim as normas estabelecidas por João Paulo II na Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis. Para além da verossimilhança que possam ter essas afirmações, que se confirmadas invalidariam a eleição de Bergoglio, é um problema que só pode ser resolvido pela Autoridade Suprema da Igreja, quando a Providência Se dignar pôr fim a esta situação de gravíssima confusão.

 

E-Book grátis: “Como o Vaticano II serve à Nova Ordem Mundial” – A conferência escrita de Mons. Viganò.

FratresInUnum.com, 1 de novembro de 2020 – Nesta solenidade de Todos os Santos, queremos presentear os nossos leitores com a nossa tradução de um texto epocal, a Conferência do arcebispo Carlo Maria Viganò sobre “Como o Vaticano II serve à Nova Ordem Mundial”.

O vídeo da Conferência, amplamente compartilhado esta semana, causou imenso impacto entre os católicos, não apenas porque Mons. Viganò é uma testemunha privilegiada de tudo que ele está dizendo (trabalhou na Cúria Romana, foi membro do corpo diplomático da Santa Sé e foi núncio apostólico de dois papas), mas sobretudo porque tudo que ele diz é flagrantemente verdadeiro e muito bem dito, especialmente nestes tempos sombrios que estamos vivendo.

O texto completo de sua conferência (que não foi integralmente lido por ele no vídeo referido) foi disponibilizado em inglês pelo site The Remnant. O nosso trabalho foi simplesmente o de traduzir (aliás, se algum leitor quiser melhorar a tradução, fique à vontade; não somos tradutores profissionais e fizemos apenas aquilo que podíamos para o quanto antes disponibilizar para o público brasileiro este texto excepcional).

Tivemos também a iniciativa de diagramar o texto num formato que facilite a leitura, bem como colocá-lo sob a forma de e-book — basta clicar aqui ou na imagem acima para baixá-lo –, para ser mais facilmente compartilhável (sempre de maneira gratuita).

Agradecemos a Deus pela coragem de Mons. Viganò e pedimos a intercessão da Santíssima Virgem e de Todos os Santos para que esta obra de restauração da fé católica prospere grandemente, para a maior glória de Deus. A nossa parte consiste em resistir firmemente, em fazer o que é correto, em lutar pelo trinfo do Reinado de Jesus Cristo e do Coração Imaculado de Maria, bem como pela glória da Civilização Cristã!

Exclusivo: Dom Viganò escreve a Frei Tiago de São José.

Armatura fortis pugnantium furunt bella,  

tende praesidium scapularis.  

5 de Agosto de 2020 Dedicação de Nossa Senhora das Neves  

Caro e reverendo Padre Tiago, 

Recebi a Sua Carta, na qual me inteirei dos acontecimentos a respeito da Sua comunidade e da  perseguição que Ela e Seus confrades foram objeto. 

Embora desconcertado ao tomar conhecimento da atitude de tantos Bispos, me consola saber que, ao menos alguns lhes ajudaram no limite da própria possibilidade. Creio que tudo o que a vossa comunidade passou seja o “enésimo caso” de uma longa série, que começou há setenta anos e hoje chegou ao ápice. A fidelidade à Igreja e à Regra carmelitana são motivos suficientes para  desencadear a fúria do inferno e de quantos, sobre esta terra, servem o Inimigo. 

Devo recordar-lhes, se não fosse supérfluo, que essas provações são um sinal da benção de Deus e  do fato que estais no bom caminho: se tivésseis encontrado a aprovação e o encorajamento dos  Prelados heréticos ou viciosos, deveríeis colocar em questionamento a vossa vocação, ou mesmo a vossa conduta moral: virtus in infirmitate perficitur (“a virtude se aperfeiçoa na dificuldade”). As  dificuldades que afligem a vossa comunidade religiosa confirmam a inevitável oposição entre os  filhos da luz e os filhos das trevas, assim como implacável é a luta entre Deus e Satanás. Mesmo se algumas batalhas são perdidas, a vitória da guerra já está assegurada, porque o nosso Rei é  invencível, e a Comandante que nos guia é terribilis ut castrorum acies ordinata (“terrível como um  exército em ordem de batalha”). 

Lamento não ter a possibilidade de fazer-me vosso Protetor, já que não possuo a jurisdição canônica que me permitiria. Creio, no entanto, que, neste momento de gravíssima crise da Igreja, seja  oportuno conformar-se ao que recomenda São Vicente de Lérins: Magnopere curandum est ut id teneatur quod ubique, quod semper, quod ab omnibus creditum est (“A coisa mais importante é guardar a  Fé que sempre e em toda parte, por todos foi acreditada”). Portanto, permaneçam firmes na Fé e não  busquem um reconhecimento canônico que, em tal contexto, é praticamente impossível de obter-se, senão cedendo ao compromisso, seja sobre a doutrina, seja sobre a moral ou sobre a liturgia. 

Colocai-vos com total confiança sob o manto da Regina Decor Carmeli, (“Rainha e formosura do  Carmelo”) e invocai os vossos Santos Fundadores pedindo a paciência na prova, a fortaleza no  testemunho da Fé, o espírito de reparação para implorar ao Céu a conversão dos vossos  perseguidores. Eu Vos asseguro também a minha oração, a lembrança na Santa Missa, confiando, 

da minha parte, em vossas orações. 

A Vós e à vossa comunidade, assim como aos vossos benfeitores, transmito de coração a minha mais larga Benção, desejando-vos as graças e os favores do Céu. 

+ Carlo Maria Viganò, Arcebispo

 

Dom Viganò sobre nova encíclica “Fratelli tutti”: Dimensão sobrenatural totalmente ausente. Embaraçante a falsificação de São Francisco. Desconcertante o nivelamento com o pensamento único mundialista.

Por Dom Carlo Maria Viganò, 4 de outubro de 2020 | Tradução: FratresInUnum.com – Uma leitura rápida do texto da encíclica Fratelli tutti nos induziria a crer que ela teria sido escrita por um maçom, não pelo Vigário de Cristo. Tudo que se contém ali é inspirado por um vago deísmo e por um filantropismo que não tem nada de católico: Nonne et ethnici hoc faciunt? “Não fazem também assim os pagãos?” (Mt 5,47).

Macroscópia e decididamente embaraçante a falsificação histórica do encontro de São Francisco com o Sultão: segundo o compilador da Encíclica, o Poverello “não fazia guerra dialética, impondo doutrinas”; na realidade, as palavras de São Francisco que os cronistas reportam são bem diferentes: “Se me queres prometer, em teu nome e do teu povo, que passareis à religião de Cristo se eu sair ileso do fogo, entrarei no fogo sozinho. Se for queimado, que isto venha imputado aos meus pecados; se, ao contrário, o poder divino me fizer sair são e salvo, reconheceres Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus, como verdadeiro Deus e Senhor, Salvador de todos”. 

Dom Viganò

A dimensão sobrenatural é totalmente ausente, assim como é ausente a referência à necessidade de pertença ao Corpo Místico de Cristo, que é a Santa Igreja, para poder conseguir a salvação eterna. Há aí, antes, um gravíssimo enviezamento do conceito de “fraternidade”: para o Católico, ela é possível apenas em Cristo, se houver Deus como Pai mediante o Batismo (Jo 1,12), enquanto que, para Bergoglio, realizar-se-ia apenas pelo fato de pertencer à humanidade.

O conceito católico de “liberdade da Religião” é substituído pelo conceito de “liberdade religiosa” teorizado pelo Concílio Vaticano II, chegando a trocar o direito divino da Igreja à liberdade de culto, de pregação e de governo pelo reconhecimento do direito de propagar-se o erro não apenas em geral, mas até mesmo nas nações cristãs. Os direitos da verdade não podem ser trocados pela concessão de direitos ao erro. A Igreja tem o direito natural à liberdade, enquanto não o têm as falsas religiões.

Desconcerta o nivelamento da Encíclica sobre a narrativa do Covid, confirmando a serventia ao pensamento único e à elite globalista; é assustadora a insistência obsessiva no tema da unidade e da fraternidade universal, bem como a condenação do legítimo direito do Estado de tutelar a própria identidade não apenas de cultura, mas também e sobretudo de Fé. Esta Encíclica constitui o manifestato ideológico de Bergoglio – a sua Professio fidei massonicæ – e a sua candidatura à presidência da Religião Universal, serva da Nova Ordem Mundial. Tanta atestação de subalternidade ao pensamento maisntream poderá valer-se talvez do aplauso dos inimigos de Deus, mas confirma o inexorável abandono da missão evangelizadora da Igreja. Por outro lado, já o temos escutado: O proselitismo “é uma solene estupidez”. 

Bergoglio é um falsificador da realidade. Mente com uma desfaçatez que não tem similares. Por outro lado, o principal especialista em adulterar a verdade é propriamente aquela ditadura chinesa que afirma que a pecadora foi apedrejada por Nosso Senhor (O regime comunista distribuiu nas escolas um livro com alguns episódios tirados de várias religiões, entre os quais o episódio da adúltera apedrejada por Cristo. Uma adulteração completa do texto). Evidentemente, a contiguidade do regime comunista com a igreja bergogliana não se limita ao Acordo, mas inclui também o mesmo modus operandi.

+ Carlo Maria Viganò

«A persona Papae está em cisma com o Papado» – Mons. Viganò a Weinandy.

Fonte: Dies Irae

Publica-se, a pedido do Arcebispo Carlo Maria Viganò, uma carta que Sua Excelência Reverendíssima enviou, ontem, ao P. Thomas Weinandy, franciscano capuchinho norte-americano, por ocasião do debate iniciado sobre o Concílio Vaticano II.

10 de Agosto de 2020
São Lourenço, mártir

Reverendo Padre Thomas,

Li com atenção o seu ensaio Vatican II and the Work of the Spirit, publicado, a 27 de Julho de 2020, em Inside the Vatican (aqui). Parece-me que o seu pensamento pode ser resumido nestas duas frases:

«Partilho muitas das preocupações expressas e reconheço a validade de algumas problemáticas teológicas e questões doutrinárias enumeradas. Sinto-me, todavia, incomodado em concluir que o Vaticano II seja, de alguma forma, a fonte e a causa directa do actual estado desanimador da Igreja».

Permita-me, Rev. Padre, usar como auctoritas ao responder-lhe a um seu interessante escrito, Pope Francis and Schism, publicado, no passado 8 de Outubro de 2019, em The Catholic Thing (aqui). As suas observações permitem-me evidenciar uma analogia que espero que possa ajudar a esclarecer o meu pensamento e a demonstrar aos nossos leitores que algumas aparentes divergências possam ser resolvidas graças a uma profícua disputatio que tenha como objectivo principal a glória de Deus, a honra da Igreja e a salvação das almas.

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Por que a crítica de Viganò ao Concílio deve ser levada a sério.

Por Peter Kwasniewski, 29 de junho de 2020 | Tradução: FratresInUnum.com* – O recente “ataque” ao Vaticano II é um “momento de crise” para os tradicionalistas? Estamos indo contra um Concílio legítimo e louvável em vez de direcionar corretamente nossa ira à liderança inepta que o seguiu e o traiu?

Essa tem sido a linha dos conservadores há muito tempo: uma “hermenêutica da continuidade” combinada com fortes críticas às brigadas episcopais e clericais. A implausibilidade dessa abordagem é demonstrada por, entre outros sinais, o sucesso infinitesimal que os conservadores tiveram em reverter as “reformas” desastrosas, tendências, hábitos e instituições estabelecidas na esteira e em nome do último concílio, com aprovação ou tolerância papal. Um paralelo secular vem à lembrança: o terreno árido do “conservadorismo” político americano, no qual qualquer conformidade remanescente das leis humanas e das decisões judiciais com a lei natural está evaporando diante de nossos olhos.

O que o arcebispo Viganò tem dito recentemente com uma franqueza incomum nos sacerdotes de hoje (veja aquiaqui e aqui) é apenas uma nova parte de uma crítica de longa data oferecida pelos católicos tradicionais, do “O concílio de João XXIII” de Michael Davies  e “Iota Unum” de Romano Amerio a “O Concílio Vaticano II: uma história não escrita” de Roberto de Mattei  e o “Phoenix from the Ashes” de Henry Sire. Observamos bispos, conferências episcopais, cardeais e papas construindo um “novo paradigma”, peça por peça, por mais de meio século – uma “nova” fé católica que, na melhor das hipóteses, apenas se sobrepõe parcialmente e, na pior das hipóteses, contradiz a tradicional fé católica como a encontramos expressa nos Padres e Doutores da Igreja, nos concílios anteriores e nas centenas de catecismos tradicionais, sem mencionar os antigos ritos litúrgicos latinos que foram suprimidos e substituídos por ritos radicalmente diferentes.

Tão enorme abismo separa o velho e o novo que não podemos deixar de perguntar sobre o papel desempenhado pelo Concílio Ecuménico Vaticano II no desenrolar de uma história modernista que tem o seu início no final dos anos do século XIX e seu desfecho no presente. A linha de Loisy, Tyrrell e Hügel a Küng, Teilhard e Ratzinger (jovem) a Kasper, Bergoglio e Tagle é bastante reta quando se começa a conectar os pontos. Isso não quer dizer que não haja diferenças interessantes e importantes entre esses homens, mas apenas que eles compartilham princípios que seriam tidos como duvidosos, perigosos ou heréticos por qualquer um dos grandes confessores e teólogos, de Agostinho e Crisóstomo a Tomás de Aquino e Roberto Belarmino.

Temos que abandonar de uma vez por todas a ingenuidade de pensar que a única coisa que importa no Vaticano II são seus textos promulgados. Não. Nesse caso, os progressistas e os tradicionalistas concordam, com razão, que o evento é tão importante quanto os textos (neste ponto, veja o livro incomparável de Roberto de Mattei). A imprecisão dos propósitos para os quais o Concílio foi convocado; a maneira manipuladora como foi conduzido; a maneira consistentemente liberal em que foi implementado, quase sem reclamações do episcopado mundial – nada disso é irrelevante para interpretar o significado e significância dos textos do Concílio, que exibem gêneros novos e ambiguidades perigosas, sem mencionar passagens que têm todos os traços de erro claros, como os ensinamentos sobre os muçulmanos e os cristãos adorarem o mesmo Deus, dos quais o bispo Athanasius Schneider fez uma crítica devastadora em Christus Vincit [i] .

É surpreendente que, nesta fase tardia, ainda houvesse defensores dos documentos do Concílio, quando é claro que eles se prestavam primorosamente ao objetivo de uma total modernização e secularização da Igreja. Mesmo que seu conteúdo fosse inquestionável, sua verbosidade, complexidade e mistura de verdades óbvias com ideias duvidosas forneciam o pretexto perfeito para a revolução. Essa revolução agora está derretida nesses textos, fundida a eles como peças de metal passadas por um forno superaquecido.

Assim, o próprio ato de citar o Vaticano II tornou-se um sinal de que a pessoa deseja se alinhar com tudo o que foi feito pelos papas – sim, pelos papas! – em seu nome. Na vanguarda está a destruição litúrgica, mas exemplos podem ser multiplicados ad nauseam: considere momentos sombrios como as reuniões interreligiosas de Assis, cuja lógica João Paulo II defendeu exclusivamente nos termos de uma série de citações do Vaticano II. O pontificado de Francisco apenas pisou no acelerador.

Sempre é o Vaticano II que é usado para explicar ou justificar todos os desvios e afastamentos da histórica fé dogmática. Tudo isso é pura coincidência – uma série de notáveis interpretações infelizes  e julgamentos desobedientes que uma leitura honesta dos textos poderia dissipar, como o sol brilhando através das nuvens cinzentas?

Não existem coisas boas nos documentos?

Estudei e ensinei os documentos do Concílio, alguns deles inúmeras vezes. Eu os conheço muito bem. Como sou um devoto dos “Grandes Livros” e sempre lecionei para as escolas de Grandes Livros, meus cursos de teologia normalmente começavam com as Escrituras e os Pais da Igreja, depois entramos nos escolásticos (especialmente Santo Tomás) e terminavam com textos magisteriais: encíclicas papais e documentos conciliares.

Muitas vezes senti um aperto no coração quando o curso chegou a um documento do Vaticano II, como Lumen GentiumSacrosanctum ConciliumDignitatis HumanaeUnitatis RedintegratioNostra Aetate ou Gaudium et Spes.

É claro, é claro! – eles têm muito de belo e ortodoxo. Eles nunca teriam conseguido o número necessário de votos se fossem flagrantemente contra o ensino católico.

No entanto, eles também são produtos de comissões extensas, pesadas e inconsistentes, que desnecessariamente complicam muitos assuntos e carecem da clareza cristalina que um concílio deveria alcançar pelo trabalho duro. Tudo o que você precisa fazer é examinar os documentos de Trento ou os sete primeiros concílios ecumênicos para ver exemplos brilhantes desse estilo rigidamente construído, que interrompe a heresia em todos os pontos possíveis, na medida em que os pais do concílio eram capazes naquela conjuntura [ii]. E então há as sentenças no Vaticano II – e não poucas – em que se para e se diz: “Sério? Estou realmente vendo essas palavras na página na minha frente? Que coisa [bagunçada; problemática; próxima ao erro; errônea] a se dizer” [iii].

Eu costumava dizer, com os conservadores, que deveríamos “pegar o que há de bom no Concílio e deixar para trás o resto”. O problema dessa abordagem é capturado pelo Papa Leão XIII em sua Encíclica Satis Cognitum:

Os arianos, os montanistas, os novacianos, os quartodecimanos, os eutiquianos, certamente não rejeitaram toda a doutrina católica: eles abandonaram apenas uma parte dela. Ainda quem não sabe que eles foram declarados hereges e banidos do seio da Igreja? Da mesma forma, foram condenados todos os autores de princípios heréticos que os seguiram nos tempos subsequentes. “Não pode haver nada mais perigoso do que aqueles hereges que admitem quase toda a doutrina e, no entanto, por uma palavra, como com uma gota de veneno, infectam a fé real e simples ensinada por nosso Senhor e transmitida pela tradição apostólica” (Anon., Tratado da Fé Ortodoxa contra os Arianos).

Em outras palavras: é a mistura, a confusão, de grande, bom, indiferente, ruim, genérico, ambíguo, problemático, errôneo, tudo isso em enorme quantidade, que faz com que o Vaticano II seja merecedor de repúdio [iv].

Sempre houve problemas depois dos concílios da Igreja?

Sim, sem dúvida: os concílios da Igreja foram seguidos por um grau maior ou menor de controvérsia. Mas essas dificuldades eram geralmente apesar, não por causa da natureza e do conteúdo dos documentos. Santo Atanásio podia apelar repetidamente a Nicéia, como a uma bandeira de batalha, porque seu ensino era sucinto e sólido. Os papas após o Concílio de Trento podiam apelar repetidamente a seus cânones e decretos, porque o ensino era sucinto e sólido. Embora Trento tenha produzido um grande número de documentos ao longo dos anos em que as sessões ocorreram (1545 a 1563), cada documento é uma maravilha de clareza, sem uma palavra desperdiçada.

No mínimo, os documentos do Vaticano II falharam miseravelmente no propósito do Concílio, conforme explicado pelo Papa João XXIII. Ele disse em 1962 que queria uma apresentação mais acessível da Fé para o Homem Moderno. ”Em 1965, tornou-se dolorosamente óbvio que os dezesseis documentos nunca seriam algo que você apenas reuniria em um livro e entregaria a todos os leigos ou questionadores. Pode-se dizer que o Concílio caiu entre dois suportes: não produziu um ponto de entrada acessível para o mundo moderno nem um “plano de compromisso” sucinto para os pastores e teólogos confiarem. O que ele conseguiu? Uma enorme quantidade de papelada, muita prosa ventosa e uma cutucada: “Adapte-se ao mundo moderno, meninos!” (Ou, se você não se adaptar, tenha problemas – para emprestar uma frase de Hobbes – “com o poder irresistível do deus mortal” em Roma, como o arcebispo Lefebvre descobriu rapidamente.)

É por isso que o último concílio é absolutamente irrecuperável. Se o projeto de modernização resultou em uma perda maciça de identidade católica, mesmo de competência doutrinária básica e moral, o caminho a seguir é prestar os últimos respeitos ao grande símbolo desse projeto e vê-lo enterrado. Como Martin Mosebach diz, a verdadeira “reforma” sempre significa um retorno à forma – isto é, um retorno a uma disciplina mais rígida, doutrina mais clara, adoração mais completa. Não significa nem pode significar o contrário.

Existe algo da substância da Fé, ou algum benefício indiscutível, que perderíamos se nos despedirmos do último concílio e nunca mais ouvíssemos seu nome mencionado de novo? A Tradição Católica já possui em si imensos recursos (e, especialmente hoje, em grande parte inexplorados) para lidar com todas as questões irritantes que enfrentamos no mundo de hoje. Agora, quase um quarto do caminho para um século diferente, estamos em um lugar muito diferente, e as ferramentas de que precisamos não são as da década de 1960.

O que, então, pode ser feito no futuro?

Desde a carta do arcebispo Viganò em 9 de junho e seus subsequentes escritos sobre o assunto, as pessoas discutem o que pode significar “anular” o Concílio Vaticano II.

Eu vejo três possibilidades teóricas para um futuro papa.

  1. Ele poderia publicar um novo Sílabo de erros (como o bispo Schneider propôs em 2010) que identifica e condena os erros comuns associados ao Vaticano II, sem atribuí-los explicitamente ao Vaticano II: “Se alguém disser XYZ, seja anátema.” Isso deixaria em aberto o grau em que os documentos do Concílio realmente contêm os erros; no entanto, fecharia a porta para muitas “leituras” populares do Concílio.
  2. Ele poderia declarar que, olhando para o meio século passado, podemos ver que os documentos do Concílio, por causa de suas ambiguidades e dificuldades, causaram mais mal do que bem na vida da Igreja e deveriam, no futuro, não ser mais referenciados como autoritários na discussão teológica. O Concílio deve ser tratado como um evento histórico cuja relevância já passou. Novamente, essa postura não precisaria afirmar que os documentos estão errados; seria um reconhecimento de que o Concílio mostrou que “não vale o problema”.
  3. Ele poderia especificamente “negar” ou anular certos documentos ou partes de documentos, como partes do Concílio de Constança que nunca foram reconhecidas ou foram repudiadas.

A segunda e terceira possibilidades decorrem do reconhecimento de que o Concílio assumiu a forma, única entre todos os concílios ecumênicos da história da Igreja, de ser “pastoral” em propósito e natureza, de acordo com João XXIII e Paulo VI; isso tornaria deixá-lo de lado relativamente fácil. À objeção de que, ainda, forçosamente, ele diz respeito a questões de fé e moral, eu responderia que os bispos nunca definiram nada e nunca anatematizaram nada. Até as “constituições dogmáticas” não estabelecem dogmas. É um concílio curiosamente expositivo e catequético, que não resolve quase nada e incomoda bastante.

Como quer que seja que um futuro papa ou concílio lide com essa bagunça completamente arraigada, nossa tarefa como católicos permanece como sempre foi: manter a fé de nossos pais em suas expressões normativas e confiáveis, a saber, o lex orandi dos ritos litúrgicos tradicionais do Oriente e do Ocidente, o lex credendi dos Credos aprovados e o testemunho consistente do Magistério ordinário universal, e o lex vivendi mostrado a nós pelos santos canonizados ao longo dos séculos, antes da confusão se estabelecer. Isso é suficiente, e mais que suficiente.

[i]  Veja sinopse aqui.

[ii]  É digno de nota que João XXIII nomeou comissões preparatórias que produziram documentos curtos, justos e claros para o próximo Concílio trabalhar – e depois permitiram que a facção liberal ou “Reno” dos pais do Concílio descartassem esses projetos e os substituíssem por novos. A única exceção foi o Sacrosanctum Concilium, projeto de Bugnini, que navegou sem grandes problemas.

[iii]  Não se trata apenas de traduções ruins; as primeiras traduções eram geralmente boas e então depois as traduções pioravam os textos mais.

[iv] Como o cardeal Walter Kasper admitiu em um artigo publicado no L’Osservatore Romano em 12 de abril de 2013: “Em muitos lugares, [os Padres do Concílio ] tiveram que encontrar fórmulas de compromisso, nas quais, frequentemente, as posições da maioria são localizado imediatamente ao lado da minoria, projetado para delimitá-los. Assim, os próprios textos conciliares têm um enorme potencial de conflito, abrindo a porta para uma recepção seletiva em qualquer direção. ”

* Nosso agradecimento a um gentil leitor pela tradução fornecida.

Dom Viganò: “Do Vaticano II em diante foi constituída uma igreja paralela, sobreposta e contraposta à verdadeira Igreja de Cristo”.

9 de Junho de 2020
Santo Efrém

 

Li com muito interesse o ensaio de S.E. Athanasius Schneider publicado, no LifeSiteNews, a 1 de Junho, e posteriormente traduzido por Chiesa e post Concilio, intitulado Não há vontade divina positiva nem direito natural para a diversidade de religiões. O estudo de Sua Excelência compendia, com a clareza que distingue as palavras daqueles que falam segundo Cristo, as objecções à suposta legitimidade ao exercício da liberdade religiosa que o Concílio Vaticano II teorizou, contradizendo o testemunho da Sagrada Escritura, a voz da Tradição e o Magistério Católico, que de ambos é guardião.

O mérito deste ensaio reside, antes de tudo, em ter sido capaz de alcançar a relação causal entre os princípios enunciados ou implicados pelo Vaticano II e o seu consequente e lógico efeito nos desvios doutrinários, morais, litúrgicos e disciplinares que surgiram e se desenvolveram progressivamente até hoje. O monstrum gerado nos círculos dos modernistas poderia, a princípio, ser enganoso, mas, crescendo e fortalecendo-se, hoje mostra-se como realmente é na sua natureza subversiva e rebelde. A criatura, então concebida, é sempre a mesma e seria ingénuo pensar que a sua natureza perversa poderia mudar. As tentativas de corrigir os excessos conciliares – invocando a hermenêutica da continuidade – revelaram-se falhadas: Naturam espellas furca, tamen usque recurret (Horácio Epist. I, 10:24). A Declaração de Abu Dhabi e, como Mons. Schneider justamente observa, os seus prenúncios do pantheon de Assis, «foi concebida no espírito do Concílio Vaticano II», como confirma orgulhosamente Bergoglio.

Este “espírito do Concílio” é a licença de legitimidade que os modernistas opõem aos críticos, sem perceberem que é precisamente confessando aquele legado que se confirma não apenas a erroneidade das declarações actuais, mas também a matriz herética que deveria justificá-las. A bem dizer, nunca na vida da Igreja houve um Concílio que representasse um tal evento histórico a ponto de torná-lo diferente dos outros: nunca foi dado um “espírito do Concílio de Nicéia”, nem o “espírito do Concílio de Ferrara-Florença” e muito menos o “espírito do Concílio de Trento”, assim como nunca tivemos um “pós-concílio” depois do IV de Latrão ou do Vaticano I.

O motivo é evidente: aqueles Concílios eram todos, indistintamente, a expressão da voz uníssona da Santa Madre Igreja e, por essa mesma razão, de Nosso Senhor Jesus Cristo. Significativamente, aqueles que apoiam a novidade do Vaticano II também aderem à doutrina herética que vê contraposto o Deus do Antigo Testamento ao Deus do Novo, como se se pudesse dar uma contradição entre as Divinas Pessoas da Santíssima Trindade. Evidentemente, essa contraposição, quase gnóstica ou cabalística, é funcional para a legitimação de um novo sujeito deliberadamente diferente e oposto em relação à Igreja Católica. Os erros doutrinários quase sempre traem também uma heresia trinitária e é, portanto, retornando à proclamação do dogma trinitário que se poderão dispersar as doutrinas que a ele se opõem: ut in confessione veræ sempiternæque deitatis, et in Personis proprietas, et in essentia unitas, et em majestate adoretur æqualitas. Ao professar a verdadeira e eterna divindade, adoramos a propriedade das divinas Pessoas, a unidade na sua essência, a igualdade na sua majestade.

Mons. Schneider cita alguns cânones dos Concílios Ecuménicos que propõem, no seu dizer, doutrinas dificilmente aceitáveis hoje, como a obrigação de reconhecer os Judeus através do vestuário ou a proibição de os cristãos serem empregados de patrões maometanos ou hebreus. Entre estes exemplos, há também a necessidade da traditio instrumentorum, declarada pelo Concílio de Florença, posteriormente corrigida pela Constituição Apostólica Sacramentum Ordinis de Pio XII. O Bispo Athanasius comenta: «Pode-se legitimamente esperar e acreditar que um futuro papa ou concílio ecuménico corrigirá as afirmações erróneas pronunciadas» pelo Vaticano II. Parece-me um argumento que, mesmo com a melhor das intenções, mina as fundações do edifício católico. Se, de facto, admitirmos que possam haver actos magisteriais que, por uma alterada sensibilidade, sejam, com o passar do tempo, susceptíveis de revogação, de modificação ou de diferente interpretação, caímos inexoravelmente sob a condenação do Decreto Lamentabili e acabamos por dar razão a quem, recentemente, precisamente com base naquela tese errónea, declarou “não conforme ao Evangelho” a pena capital, chegando a alterar o Catecismo da Igreja Católica. E, de certa maneira, poderíamos, pelo mesmo princípio, acreditar que as palavras do Beato Pio IX, na Quanta cura, foram, de alguma forma, corrigidas precisamente no Vaticano II, tal como Sua Excelência espera que possa acontecer com a Dignitatis humanæ. Dos exemplos que usou, nenhum é, por si só, gravemente erróneo ou herético: ter declarado necessária a traditio instrumentorum para a validade da Ordem não comprometeu, de forma algum, o ministério sacerdotal na Igreja, levando-a a conferir invalidamente as Ordens. Também não me parece que se possa afirmar que este aspecto, por mais importante que seja, tenha insinuado doutrinas erróneas nos fiéis, algo que apenas aconteceu com o último Concílio. E quando, no curso da História, as heresias se espalharam, a Igreja sempre interveio prontamente para condená-las, como aconteceu no tempo do Sínodo de Pistoia, de 1786, que foi, de alguma forma, precursor do Vaticano II, especialmente onde aboliu a Comunhão fora da Missa, introduziu a língua vernácula e aboliu as orações em voz baixa do Cânone; mas ainda mais quando teorizou as bases da colegialidade episcopal, limitando o primado do Papa a mera função ministerial. Reler os actos desse Sínodo deixa-nos estupefactos com a formulação servil dos erros que, posteriormente, encontraremos, ainda maiores, no Concílio presidido por João XXIII e Paulo VI. Por outro lado, como a Verdade bebe de Deus, o erro nutre-se e alimenta-se no Adversário, que odeia a Igreja de Cristo e o seu coração, a Santa Missa e a Santíssima Eucaristia.

Chega um momento na nossa vida em que, por disposição da Providência, somos confrontados com uma escolha decisiva para o futuro da Igreja e para a nossa salvação eterna. Falo da escolha entre compreender o erro em que praticamente todos nós caímos, e quase sempre sem más intenções, e o querer continuar a procurar noutro lugar ou justificar-nos a nós mesmos.

Entre outros erros, também cometemos aquele de considerar os nossos interlocutores pessoas que, apesar da diversidade das ideias e da fé, animadas por boas intenções e que, quando se abrissem à nossa fé, estariam dispostas a corrigir os seus erros. Juntamente com numerosos Padres conciliares, pensámos no ecumenismo como um processo, um convite que chama os dissidentes à única Igreja de Cristo; os idólatras e os pagãos ao único Deus verdadeiro; o povo judeu ao Messias prometido. Mas, a partir do momento em que foi teorizado nas Comissões conciliares, passou a estar em oposição directa à doutrina até então expressa no Magistério.

Pensávamos que certos excessos fossem apenas um exagero daqueles que se deixaram levar pelo entusiasmo da novidade; acreditamos sinceramente que ver João Paulo II rodeado por homens santarrões, bonzinhos, imãs, rabinos, pastores protestantes e outros hereges fosse prova da capacidade da Igreja de convocar as pessoas para invocar a paz de Deus, enquanto que o exemplo autorizado daquele gesto deu início a uma sequência desviante de pantheon mais ou menos oficiais, chegando-se até a ver ser transportado aos ombros de alguns Bispos o ídolo imundo da pachamama, sacrilegamente dissimulado sob a presumida aparência de uma sagrada maternidade. Mas se o simulacro de uma divindade infernal foi capaz de entrar em São Pedro, tal faz parte de um crescendo previsto desde o início. Numerosos Católicos praticantes, e talvez até grande parte dos próprios clérigos, estão hoje convencidos de que a Fé Católica já não é necessária para a salvação eterna; acredita-se que o Deus Uno e Trino, revelado aos nossos pais, seja o mesmo deus de Maomé. Ouvia-se repeti-lo dos púlpitos e das cátedras episcopais já há vinte anos, mas recentemente ouve-se afirmar com ênfase até do mais alto Trono.

Sabemos bem que, suportados pelo dito evangélico Littera enim occidit, spiritus autem vivificat, os progressistas e os modernistas souberam ocultar astuciosamente, nos textos conciliares, aquelas expressões ambíguas que, à época, pareciam inofensivas para a maioria, mas que hoje se manifestam na sua valência subversiva. É o método do subsistit in: dizer uma meia verdade não tanto para não ofender o interlocutor (assumindo que seja lícito silenciar a verdade de Deus por respeito a uma Sua criatura), mas com o objectivo de poder usar o meio erro que a verdade inteira dissiparia instantaneamente. Assim, “Ecclesia Christi subsistit na Ecclesia Catholica” não especifica a identidade das duas, mas a existência de uma na outra e, por consistência, também noutras igrejas: eis a passagem aberta às celebrações interconfessionais, às orações ecuménicas, ao fim implacável da necessidade da Igreja em ordem à salvação, da sua singularidade, da sua missionariedade.

Alguns talvez se recordarão que os primeiros encontros ecuménicos eram realizados com os cismáticos do Oriente e, muito prudentemente, com algumas seitas protestantes. Com excepção da Alemanha, da Holanda e da Suíça, os países de tradição católica não acolheram, desde o princípio, as celebrações mistas, com pastores e párocos juntos. Lembro-me que, na época, se falava em remover a penúltima doxologia do Veni Creator para não ferir os Ortodoxos, que não aceitam o Filioque. Hoje, ouvimos recitar as suras do Alcorão dos púlpitos das nossas igrejas, vemos um ídolo de madeira ser adorado por freiras e frades, ouvimos Bispos desdizer o que, até ontem, nos pareciam as desculpas mais plausíveis de tantos extremismos. O que o mundo quer, por instigação da Maçonaria e dos seus tentáculos infernais, é criar uma religião universal, humanitária e ecuménica em que seja banido aquele Deus ciumento que nós adoramos. E se é isto que o mundo quer, qualquer passo na mesma direcção por parte da Igreja é uma escolha infeliz que se voltará contra aqueles que acreditam que podem brincar com Deus. As esperanças da Torre de Babel não podem ser trazidas de volta à vida por um plano globalista que tem como objectivo a eliminação da Igreja Católica para substituí-la por uma confederação de idólatras e hereges unidos pelo ambientalismo e pela fraternidade humana. Não pode haver nenhuma fraternidade senão em Cristo, e só em Cristo: qui non est mecum, contra me est.

É desconcertante que, desta corrida rumo ao abismo, estejam cientes tão poucos e que poucos tenham consciência de qual é a responsabilidade dos líderes da Igreja em apoiar estas ideologias anticristãs, como se quisessem garantir um espaço e um papel na carruagem do pensamento único. E surpreende que ainda persistam em não querer investigar as causas primeiras da crise presente, limitando-se a deplorar os excessos de hoje como se não fossem a consequência lógica e inevitável de um plano orquestrado há décadas atrás. Se a pachamama pôde ter sido adorada numa igreja, devemo-lo à Dignitatis humanae. Se temos uma liturgia protestante e, às vezes, até paganizada, devemo-lo às acções revolucionárias de Mons. Annibale Bugnini e às reformas pós-conciliares. Se se assinou o Documento de Abu Dhabi, deve-se à Nostra Aetate. Se chegamos a delegar as decisões nas Conferências Episcopais – mesmo em gravíssima violação da Concordata, como aconteceu em Itália –, devemo-lo à colegialidade e à sua versão actualizada da sinodalidade. Graças à qual nos encontramos, com a Amoris Laetitia, a dever procurar uma maneira de impedir que aparecesse o que era evidente a todos, ou seja, que aquele documento, preparado por uma impressionante máquina organizacional, deveria legitimar a Comunhão aos divorciados e concubinários, assim como a Querida Amazónia será usada como legitimação de mulheres sacerdotes (o caso de uma “vigária episcopal”, em Friburgo, é muito recente) e a abolição do Sagrado Celibato. Os Prelados que enviaram os Dubia a Francisco, na minha opinião, demonstraram a mesma piedosa ingenuidade: pensar que, quando confrontado com a contestação argumentada do erro, Bergoglio teria compreendido, corrigido os pontos heterodoxos e pedido perdão.

O Concílio foi usado para legitimar, no silêncio da Autoridade, os desvios doutrinais mais aberrantes, as inovações litúrgicas mais ousadas e os abusos mais inescrupulosos. Este Concílio foi tão exaltado a ponto de ser indicado como a única referência legítima para os Católicos, clérigos e bispos, obscurecendo e conotando com um senso de desprezo a doutrina que a Igreja sempre ensinara com autoridade e proibindo a perene liturgia que, por milénios, havia alimentado a fé de uma ininterrupta geração de fiéis, mártires e santos. Entre outras coisas, este Concílio provou ser o único que põe tantos problemas interpretativos e tantas contradições em relação ao Magistério precedente, enquanto não há um – do Concílio de Jerusalém ao Vaticano – que se não harmonize perfeitamente com todo o Magistério e que precise de alguma interpretação.

Confesso-o com serenidade e sem controvérsia: fui um dos muitos que, apesar de muitas perplexidades e medos, que hoje se mostram absolutamente legítimos, confiaram na autoridade da Hierarquia com uma obediência incondicional. Na realidade, penso que muitos, e eu entre eles, não considerámos inicialmente a possibilidade de um conflito entre a obediência a uma ordem da Hierarquia e a fidelidade à própria Igreja. Para tornar tangível a separação inatural, ou melhor, diria perversa, entre Hierarquia e Igreja, entre obediência e fidelidade, foi certamente este último Pontificado.

Na sala das lágrimas, adjacente à Capela Sistina, enquanto Mons. Guido Marini preparava o roquete, a mozeta e a estola para a primeira aparição do “neo-eleito” Papa, Bergoglio exclamou: “O carnaval acabou!”, recusando, com desdém, as insígnias que todos os Papas até então humildemente aceitaram como distintivas do Vigário de Cristo. Mas naquelas palavras havia algo de verdadeiro, mesmo que dito involuntariamente: a 13 de Março de 2013 caía a máscara dos conspiradores, finalmente livres da desconfortável presença de Bento XVI e descaradamente orgulhosos de terem finalmente conseguido promover um Cardeal que encarnava os seus ideais, o seu modo de revolucionar a Igreja, de tornar preterível a doutrina, adaptável a moral, adulterável a liturgia, revogável a disciplina. E tudo isto foi considerado, pelos próprios protagonistas da conspiração, a consequência lógica e a aplicação óbvia do Vaticano II, segundo eles enfraquecido precisamente pelas críticas expressas pelo próprio Bento XVI. A maior afronta daquele Pontificado foi a liberalização da veneranda Liturgia Tridentina, à qual era finalmente reconhecida legitimidade, interrompendo cinquenta anos de ilegítimo ostracismo. Não é por acaso que os apoiantes de Bergoglio são os mesmos que vêem no Concílio o primeiro evento de uma nova igreja, antes da qual havia uma velha religião com uma velha liturgia. Não é precisamente por acaso: aquilo que afirmam impunemente, provocando o escândalo dos moderados, é o que crêem também os Católicos, a saber: que, apesar de todas as tentativas de hermenêutica da continuidade miseravelmente naufragadas no primeiro confronto com a realidade da crise presente, é inegável que, do Vaticano II em diante, foi constituída uma igreja paralela, sobreposta e contraposta à verdadeira Igreja de Cristo. Essa obscureceu progressivamente a divina instituição fundada por Nosso Senhor para substituí-la por uma entidade bastarda, correspondente à desejada religião universal que foi inicialmente teorizada pela Maçonaria. Expressões como novo humanismofraternidade universaldignidade do homem são palavras de ordem do humanitarismo filantrópico que nega o verdadeiro Deus, da solidariedade horizontal de errante inspiração espiritualista e do irenismo ecuménico que a Igreja condena sem apelo. «Nam et loquela tua manifestum te facit» (Mt 26, 73): este recurso frequente, quase obsessivo, ao mesmo vocabulário do inimigo revela a adesão à ideologia em que esse se inspira; por outro lado, a renúncia sistemática à linguagem clara, inequívoca e cristalina própria da Igreja confirma a vontade de se destacar não apenas da forma católica, mas também da sua substância.

Aquilo que, desde há anos, ouvimos enunciado, vagamente e sem claras conotações, do mais alto Trono, encontramo-lo elaborado num verdadeiro e próprio manifesto dos apoiantes do actual Pontificado: a democratização da Igreja não mais pela colegialidade inventada pelo Vaticano II, mas o synodal path inaugurado no Sínodo sobre a Família; a demolição do sacerdócio ministerial através do seu enfraquecimento, com as derrogações do Celibato eclesiástico e a introdução de figuras femininas com funções quase sacerdotais; a passagem silenciosa do ecumenismo dirigido aos irmãos separados a uma forma de pan-ecumenismo que abaixa a Verdade do único Deus Uno e Trino ao nível das idolatrias e das superstições mais infernais; a aceitação de um diálogo inter-religioso que pressupõe o relativismo religioso e exclui o anúncio missionário; a desmistificação do Papado, perseguida pelo próprio Bergoglio como cifra do Pontificado; a progressiva legitimação do politically correct: ideologia de género, sodomia, casamentos homossexuais, doutrinas malthusianas, ecologismo, imigracionismo… Não reconhecer as raízes destes desvios nos princípios estabelecidos pelo Concílio impossibilita qualquer cura: se o diagnóstico persistir contra as evidências para excluir a patologia inicial, não pode formular uma terapia adequada.

Esta operação de honestidade intelectual requer uma grande humildade, antes de tudo no reconhecer ter sido enganados durante décadas, em boa fé, por pessoas que, constituídas em autoridade, não foram capazes de vigiar e guardar o rebanho de Cristo: aqueles que vivem em silêncio, alguns por muitos compromissos, outros por conveniência, outros por má-fé ou até mesmo por dolo. Estes últimos, que traíram a Igreja, devem ser identificados, censurados, convidados a emendar-se e, se não se arrependerem, expulsos do recinto sagrado. Assim age um verdadeiro Pastor, que se preocupa com a saúde das ovelhas e que dá a vida por elas; tivemos e ainda temos muitos mercenários para quem a anuência dos inimigos de Cristo é mais importante que a fidelidade à Sua Esposa.

Eis como, com honestidade e serenidade, obedeci, há sessenta anos, a ordens questionáveis, acreditando que representassem a voz amorosa da Igreja, e hoje, com igual serenidade e honestidade, reconheço que me deixei enganar. Ser coerente hoje em dia, perseverando no erro, representaria uma escolha infeliz e tornar-me-ia cúmplice desta fraude. Reivindicar uma lucidez de julgamento desde o início não seria honesto: sabíamos todos que o Concílio representaria, mais ou menos, uma revolução, mas não podíamos imaginar que tal se revelaria tão devastadora, mesmo para o trabalho daqueles que deveriam tê-lo evitado. E se até Bento XVI ainda poderíamos imaginar que o golpe de estado do Vaticano II (que o cardeal Suenens definiu o 1789 da Igreja) conheceria uma desaceleração, nos últimos anos, mesmo os mais ingénuos dentre nós compreenderam que o silêncio, por medo de suscitar um cisma, a tentativa de ajustar os documentos papais no sentido católico para remediar a ambiguidade pretendida, os apelos e os dubia a Francisco, deixados eloquentemente sem resposta, são uma confirmação da situação de gravíssima apostasia à qual estão expostos os líderes da Hierarquia, enquanto o povo cristão e o clero se sentem irremediavelmente afastados e considerados quase com aborrecimento por parte do Episcopado.

A Declaração de Abu Dhabi é o manifesto ideológico de uma ideia de paz e de cooperação entre as religiões que pode ter alguma possibilidade de tolerância se vier de pagãos, privados da luz da Fé e do fogo da Caridade. Mas quem tem a graça de ser filho de Deus, em virtude do Santo Baptismo, deveria ficar horrorizado só com a ideia de poder construir uma blasfema Torre de Babel numa versão moderna, tentando reunir a única verdadeira Igreja de Cristo, herdeira das promessas do Povo eleito, com aqueles que negam o Messias e com aqueles que consideram blasfema só a ideia de um Deus Trino. O amor de Deus não conhece medidas e não tolera compromissos, caso contrário simplesmente não é Caridade, sem a qual não é possível permanecer n’Ele: qui manet in caritate, in Deo manet, et Deus in eo. Pouco importa se é uma declaração ou um documento magisterial: sabemos muito bem que a mens subversiva dos modernistas aposta precisamente nestes cavalos para difundir o erro. E sabemos muito bem que o objectivo destas iniciativas ecuménicas e inter-religiosas não é converter a Cristo quantos estão distantes da única Igreja, mas desviar e corromper aqueles que ainda conservam a Fé católica, levando-os a acreditar ser desejável uma grande religião universal que une “numa única casa” as três grandes religiões abraâmicas: este é o triunfo do plano maçónico em preparação para o reino do Anticristo! Que isto se concretize com uma Bula dogmática, com uma declaração ou com uma entrevista de Scalfari no Repubblica, pouco importa, porque as palavras de Bergoglio são esperadas pelos seus apoiantes como um sinal, ao qual responder com uma série de iniciativas já preparadas e organizadas anteriormente. E se Bergoglio não segue as indicações recebidas, multidões de teólogos e clérigos já estão prontos a lamentar-se da “solidão do Papa Francisco”, qual premissa para a sua demissão (por exemplo, penso em Massimo Faggioli num dos seus recentes escritos). Por outro lado, não seria a primeira vez que estes usam o Papa quando favorece os seus planos e se livram dele ou atacam-no assim que se afasta.

A Igreja celebrou, no passado domingo, a Santíssima Trindade e propõe-nos, no Breviário, a recitação do Symbolum Athanasianum, agora proscrito pela liturgia conciliar e já confinado a apenas duas ocasiões na reforma de 1962. Daquele Símbolo, agora desaparecido, permanecem gravadas em letras de ouro as primeiras palavras: «Quicumque vult salvus esse, ante omnia opus est ut teneat Catholicam fidem; quam nisi quisque integram invioletamque servaverit, absque dubio in aeternum peribit».

 Carlo Maria Viganò

Fonte: Dies Irae

Carta aberta do Arcebispo Carlo Maria Viganò ao Presidente Trump.

7 de junho de 2020

Domingo da Santíssima Trindade

Senhor Presidente,

Dom Carlo Maria Viganò.
Dom Carlo Maria Viganò.

Nos meses recentes temos testemunhado a formação de dois lados opostos que eu chamaria bíblicos: os filhos da luz e os filhos das trevas. Os filhos da luz constituem a parte mais evidente da humanidade, enquanto que os filhos das trevas representam uma absoluta minoria. E, no entanto, os primeiros são objeto de uma espécie de discriminação que os coloca numa situação de inferioridade moral relativamente a seus adversários, que frequentemente mantêm posições estratégicas no governo, na política, na economia e na mídia. De um modo aparentemente inexplicável, os bons são feitos reféns pelos maus e por aqueles que os ajudam, seja por interesse, seja por medo.

Estes dois lados, que têm uma natureza bíblica, seguem a nítida separação entre os filhos da Mulher e os filhos da Serpente. De um lado estão aqueles que, embora tenham mil defeitos e fraquezas, são motivados pelo de desejo de fazer o bem, de ser honestos, de formar família, de se dedicar ao trabalho, e dar prosperidade à sua pátria, de ajudar os necessitados e, obedecendo a Lei de Deus, merecer o Reino dos Céus. Do outro lado estão aqueles que servem a si próprios, que não detêm quaisquer princípios  morais, que querem demolir a família e a nação, explorar os trabalhadores para tornarem-se indevidamente ricos, fomentar divisões internas e guerras e acumular poder e dinheiro: para eles a ilusão falaciosa do bem estar temporal levará um dia – se eles não se arrependerem  – ao terrível destino que os espera, longe de Deus, na danação eterna.

Na sociedade, Senhor Presidente, estas duas realidades opostas coexistem como inimigos eternos, assim como Deus e Satanás são inimigos eternos. E parece que os filhos das trevas – que podemos facilmente identificar com o deep state a que V. Exa sabiamente se opõe e que está, nestes dias, em guerra feroz contra o senhor – decidiram mostrar suas cartas, por assim dizer, revelando agora seus planos. Eles parecem estar tão certos de já ter tudo sob controle que deixaram de lado a circunspecção que até agora tinha escondido, ao menos parcialmente, as verdadeiras intenções deles. As investigações em curso revelarão a verdadeira responsabilidade daqueles que manipularam a emergência do Covid não apenas na área da assistência médica, mas também na política, na economia e na mídia. Descobriremos provavelmente que nesta colossal operação de engenharia social existem pessoas que decidiram o destino da humanidade, arrogando-se o direito de agir contra a vontade dos cidadãos e de seus representantes nos governos das nações.

Descobriremos também que os tumultos destes dias foram provocados por aqueles que, vendo que o vírus está inevitavelmente desaparecendo e que o alarme social da pandemia está minguando, tiveram necessariamente que provocar distúrbios sociais, para que fossem seguidos de repressão que, embora legítima, pudesse ser condenada como agressão injustificada contra a população. O mesmo está acontecendo na Europa, em perfeito sincronismo. Está absolutamente claro que o uso de protestos de rua é instrumento para os propósitos daqueles que, nas próximas eleições presidenciais, gostariam de ver eleito alguém que incorpore os objetivos do deep state e que expresse fielmente e convincentemente esses objetivos. Não será surpresa se, dentro de poucos meses, soubermos que, escondidos novamente por detrás desses atos de vandalismo e violência, estão aqueles que esperam lucrar com a dissolução da ordem social para construir um mundo sem liberdade: Solve et Coagula, como ensina o provérbio maçônico.

Embora possa parecer desconcertante, os alinhamentos opostos que descrevi também existem nos círculos religiosos. Existem Pastores fiéis que cuidam do rebanho de Cristo, nas há também mercenários infiéis que procuram dispersar o rebanho e entregá-lo para que seja devorado pelos lobos vorazes. Não é surpreendente que estes mercenários sejam aliados dos filhos das travas e odeiem os filhos da luz: assim como existe um deep state, existe também uma deep church que trai seus deveres e renega seus compromissos perante Deus. Assim, o Inimigo Invisível, que os bons governantes combatem nos negócios públicos, é também combatido pelos bons pastores na esfera eclesiástica. Trata-se de uma batalha espiritual, da qual eu falei em meu recente Apelo publicado no dia 8 de maio.

Pela primeira vez, os Estados Unidos tem em sua pessoa um presidente que corajosamente defende o direito à vida, que não tem vergonha de denunciar a perseguição aos cristãos ao redor do mundo, que fala de Jesus Cristo e do direito dos cidadãos à liberdade de culto. Sua participação na Marcha pela Vida, e mais recentemente sua proclamação do mês de abril como Mês Nacional da Prevenção do Abuso Infantil, são ações que confirmam de que lado V. Exa deseja lutar. E quero crer que nós dois estejamos do mesmo lado nesta batalha, embora com armas diferentes.

Por essa razão, acredito que o ataque que V. Exa sofreu após sua visita ao Santuário Nacional de São João Paulo II é parte da narrativa orquestrada pela mídia que não busca lutar contra o racismo e promover ordem social, mas agravar os ânimos; não busca a justiça, mas legitimar a violência e o crime; não deseja servir à verdade, mas favorecer uma facção política. E é desconcertante que haja bispos – como os que eu denunciei recentemente – que, por suas palavras, provam que estão alinhados com o lado oposto. Eles são subservientes ao deep state, ao globalismo, ao “pensamento alinhado”, à Nova Ordem Mundial que eles invocam com frequência cada vez maior chamando-a de fraternidade universal que nada tem de cristã, mas que evoca os ideais maçônicos daqueles que querem dominar o mundo expulsando Deus dos tribunais, das escolas, das famílias e, talvez, até mesmo das igrejas.

O povo americano é maduro e entendeu agora o quanto a mídia tradicional não deseja disseminar a verdade, mas quer silenciá-la e distorcê-la, propagando a mentira que útil para os objetivos de seus senhores. No entanto, é importante que os bons – que são a maioria – despertem de seu marasmo e não aceitem serem enganados por uma minoria de pessoas desonestas com propósitos inconfessáveis. É necessário que os bons, os filhos da luz, se unam e façam ouvir suas vozes. E que maneira mais eficiente existe de se fazer isso, Senhor Presidente, do que pela oração, pedindo ao Senhor para proteger V. Exa, os Estados Unidos e toda a humanidade deste enorme ataque do Inimigo? Diante do poder da oração, as enganações dos filhos das trevas cairão, suas conspirações serão reveladas, suas traições serão desvendadas, seu poder assustador acabará em nada, será revelado e mostrado ser o que é: uma fraude infernal.

Senhor Presidente, minhas orações estão continuamente voltadas à amada nação americana, para onde tive o privilégio e a honra de ser enviado pelo Papa Bento XVI como Núncio Apostólico. Nesta hora dramática e decisiva para toda a humanidade, oro por V. Exa e por todos aqueles que estão ao seu lado no governo dos Estados Unidos. Tenho certeza de que o povo americano se une a mim e a V. Exa em oração a Deus Todo Poderoso.

Unido contra o Inimigo Invisível de toda a humanidade, eu abençoo V. Exa e a Primeira Dama, a amada nação americana, e todos os homens e mulheres de boa vontade.

+ Carlo Maria Viganò

Arcebispo Titular de Ulpiana

Ex Núncio Apostólico nos Estados Unidos da América

Obs.: São denominadas deep state [governo profundo] organizações  (militares, policiais, judiciárias, grupos políticos etc.) que trabalham secretamente para proteger interesses particulares e governar um país sem terem sido eleitas.

Fonte: Life Site News

Entrevista com Dom Viganò. A autoridade dos Bispos sobre os ditames de especialistas independentes.

O discurso claro e distinto de Mons. Carlo Maria Viganò sobre as questões mais significativas deste difícil momento, desde a jurisdição dos Bispos até a violação — pelos golpes do Decreto do Presidente do Conselho de Ministros (DPCM) da Itália — de direitos superiores e vigentes garantidos pela Constituição. A entrevista foi concedida a Marco Tosatti, e a tradução para FratresInUnum.com elaborada por Hélio Dias Viana.

Excelência, o mais recente decreto presidencial de Giuseppe Conte desconsiderou as esperanças da Conferência Episcopal Italiana (CEI) e continuou o bloqueio das missas em toda a Itália. Alguns canonistas e especialistas em direito concordatário expressaram muitas reservas sobre o comportamento do governo. Qual é o seu pensamento sobre isso?

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