Falando com as paredes.

Enquanto um cardeal profere toda uma conferência para fundamentar seu pedido de retorno à posição “ad orientem” como um regresso à centralidade de Deus, outro purpurado limita-se, em sua tacanhez cnbbística,  a dizer que, nessa posição, o sacerdote celebra “voltado para a parede”…

Reforma da Liturgia. De novo?

Dias atrás, falou-se na imprensa e em alguns ambientes eclesiais de uma eventual nova reforma da Liturgia na Igreja. Propagou-se que os sacerdotes deveriam celebrar novamente a Missa voltados “ad Orientem” (para o Oriente), que significa que deveriam celebrar voltados para a parede, em vez de voltados para o povo, como se fazia antes da reforma do Concílio Vaticano II. Além disso, a santa Comunhão deveria ser recebida ajoelhados e diretamente sobre a língua.

A questão surgiu depois de uma recomendação, aos sacerdotes, do cardeal Roberto Sarah, Prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplinados Sacramentos, na abertura de um encontro sobre Liturgia, em Londres. Não se tratou de um ato oficial da Santa Sé, mas de um desejo do Cardeal,preocupado com o significado da liturgia do Advento; por ser ele o encarregado do Papa para a Liturgia em toda a Igreja, sua palavra foi tomada poralguns como se já fosse uma decisão da Santa Sé, com o aval do Papa.

Missa de Dom Odilo na Catedral da Sé em São Paulo.
Uma missa de Dom Odilo na Catedral da Sé em São Paulo. “A reforma promovida pelo Concílio não autoriza nem avaliza cometer abusos na liturgia”.

Sem demora, acaloradas discussões sobre uma suposta “reforma da reforma litúrgica” tomaram conta de alguns setores eclesiais; para alguns, seria necessário rever a reforma litúrgica promovida pelo Concílio, nas diretrizes da Constituição Sacrosanctum Concilium (1963). Isso significaria, na prática, voltar à maneira de celebrar a Liturgia antes do Concílio Vaticano II; motivos para tal revisão seriam a “intocabilidade” das normas litúrgicas anteriores ao Concílio, os abusos e a “dessacralização” das celebrações litúrgicas, supostamente causados pelas reformas conciliares.

Depressa, porém, a questão foi esclarecida durante uma audiência do cardeal Sarah com o Papa Francisco; e, no dia 11 de julho, o Padre Lombardi, porta-voz da Santa Sé, emitiu um Comunicado oficial, com “alguns esclarecimentos sobre a celebração da Missa”. Com suas palavras, o cardeal Sarah não estava anunciando orientações diversas daquelas atualmente vigentes nas normas litúrgicas e nas palavras do próprio Papa sobre a celebração “de frente para o povo” e sobre o rito ordinário da Missa.

O Comunicado recorda as normas da Instrução Geral do Missal Romano, relativas à celebração eucarística: “O altar-mor seja erigido separado da parede, para ser facilmente circundável e para que nele se possa celebrar de frente para o povo, como convém fazer em toda parte onde isso for possível. O altar ocupe um lugar que seja, de fato, o centro para onde se volte espontaneamente a atenção de toda a assembleia dos fiéis. Normalmente, seja fixo e dedicado” (nº 299).

No Comunicado, ficou claro que não está em andamento nenhuma “reforma da reforma da Liturgia”. E até se recomendou que seja evitado o emprego da expressão “reforma da reforma litúrgica”, que pode induzir a equívocos sobre a validade da disciplina litúrgica vigente na Igreja.

Resolvida a questão, vale lembrar, no entanto, que a reforma promovida pelo Concílio não autoriza nem avaliza cometer abusos na Liturgia. A disciplina litúrgica é regulada pelo Magistério da Igreja; e, sem prejuízo da criatividade, das liberdades e alternativas previstas nos ritos, ninguémestá autorizado, por iniciativa própria, a mudar a forma das celebrações e as normas litúrgicas prescritas. Mas a reforma do Concílio também supõe e requer uma contínua e adequada formação litúrgica do povo de Deus.

O critério fundamental da reforma litúrgica do Concílio é que “todos os fiéis sejam levados àquela plena, cônscia e ativa participação das celebrações litúrgicas, que a própria natureza da Liturgia exige e à qual, por força do Batismo, o povo cristão (…) tem direito e obrigação” (SC 14). A atenção e fidelidade criteriosa às normas litúrgicas deve sempre ter em vista essa “participação plena, consciente e ativa” dos fiéis nas celebrações da Liturgia, para que possam receber os abundantes frutos dos sagrados Mistérios celebrados.

Quanto à maneira de comungar, os fiéis têm a liberdade de receber a sagrada Comunhão na mão ou, diretamente, na boca; também podem recebê-la de joelhos, ou em pé. O que importa, mais que tudo, é que a recebam com fé, a fé da Igreja no Sacramento da Eucaristia, e com aquela dignidade interior e devoção exterior que convém à Eucaristia.

Cardeal Odilo Pedro Scherer

Arcebispo metropolitano de São Paulo

Publicado no Jornal O SÃO PAULO  edição 3111 – De 20 a 27 de julho de 2016.

Reforma de um mínimo suspiro de tentativa de reforma da reforma. 

Nota do Fratres: Nada mais do que o esperado por parte da Sala de Imprensa da Santa Sé. O demissionário padre Lombardi — descanse em paz –, desmentidor oficial do Vaticano, rápido em rechaçar qualquer vestígio de ortodoxia e sonolentíssimo em fustigar enganos, não fez mais do que o seu papel. Nada havia a ser esclarecido. O bom cardeal Sarah foi claríssimo quando apenas sugeriu uma mudança, sem valor oficial. Mas, é fundamental, imperioso, defender as reformas pós-conciliares contra o menor sussurro dos restauracionistas.

Cardeal Sarah
Cardeal Sarah

Não se deve esquecer que, há pouco mais de um ano, o Papa Francisco, comemorando o aniversário da primeira missa em italiano celebrada por Paulo VI, disse, referindo-se aos que defendem uma “reforma da reforma”:

Vamos agradecer ao Senhor pelo que Ele tem feito na sua Igreja nestes 50 anos de reforma litúrgica. Foi realmente um gesto corajoso para a Igreja se aproximar do povo de Deus para que eles pudessem entender o que estavam fazendo. Isso é importante para nós, seguir a missa dessa forma. Não é possível voltar atrás. Devemos sempre ir adiante. Sempre adiante! E aqueles que querem voltar atrás estão enganados. Sigamos adiante neste caminho.

É importante ressaltar que a fala do cardeal guineense, pela clareza que incomoda a atual hierarquia, mobilizou, numa velocidade insólita, todo o aparato modernista-eclesiástico de apologetas do “espírito do Concílio”. Primeiro, foi Dom Vincent Nichols, o ultra-progressista arcebispo de Westminster, sede do encontro em que discursou Sarah, a escrever imediatamente a seus padres, instando-os ao não seguir o pedido do prefeito da liturgia. Um gesto nada elegante de “comunhão episcopal” nada fraterna.

Até no Brasil, o Cardeal Arcebispo de São Paulo, privadamente, demonstrou ceticismo e minimizou as notícias acerca do discurso de Sarah, afirmando ser um gosto particular do prefeito e não um ato oficial do Vaticano, e que uma tal mudança significaria rever o estabelecido pelo Vaticano II — da nossa parte, é inacreditável que um Cardeal ignore que o Vaticano II, em sua Constituição sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, nada tenha disposto sobre a posição do altar.

Por fim, a reunião de Francisco e Sarah logo após a conferência do purpurado em Londres já estava na agenda? Ou foi um chamado à ordem? Esperamos que a primeira alternativa seja a verdadeira. No entanto, alguns analistas associaram o duro discurso de Francisco, chamando de “hereges e não católicos” os que afirmam “‘é isso ou nada’”, ao livro “Deus ou nada”, do Cardeal Robert Sarah (cujo prefácio de Bento XVI desapareceu misteriosamente).

* * *

Celebração da Missa, nenhuma mudança dos altares

O cardeal Sarah, durante uma conferência em Londres havia convidado os sacerdotes a celebrar voltados ao Oriente, de costas para o povo. Após um esclarecimento com o Papa, a nota de Lombardi.

Por Andrea Tornielli – La Stampa | Tradução: FratresInUnum.com: Parecia mais que um convite, porque a falar sobre isso, se bem que durante uma conferência e não como um ato oficial, foi o cardeal Robert Sarah, Prefeito da Congregação para o Culto Divino. O cardeal Africano, há uma semana, em Londres, na abertura da conferência Sacra Liturgia, havia lançado uma espécie de apelo a todos os sacerdotes do mundo, convidando-os a começarem, no primeiro domingo do Advento, em novembro, a celebrar a missa “versus Orientem”, isto é, com o altar voltado para o leste, de costas para o povo, como se usava antes da reforma conciliar. “É muito importante que voltemos, o mais rápido possível para uma direção comum, sacerdotes e fiéis voltados na mesma direção, para o oriente, ou pelo menos para a abside, para o Senhor que vem”, disse ele, acrescentando: “Peço-vos aplicar esta prática sempre que possível “.

As palavras de Sarah reverberaram em todo o mundo, encontrando apoio entusiástico nos sites e nos assim chamados blogs tradicionalistas, mesmo porque o cardeal tinha acrescentado que iria começar, de acordo com o Papa, um estudo para se chegar a uma “reforma da reforma” litúrgica, visando melhorar a sacralidade do rito. Um dia após a conferência de Sarah, o cardeal arcebispo de Westminster, Vincent Nichols, escreveu uma carta a seus sacerdotes, instando-os a não celebrar a Missa voltada para o Oriente, tal como solicitado pelo prefeito do Culto Divino, também por causa da legislação em vigor sobre esse assunto.

Nos últimos dias, o Cardeal Sarah se encontrou novamente em audiência com Francisco. E na tarde de segunda-feira, 11 julho, padre Federico Lombardi, no mesmo dia em que foi anunciada a nomeação do seu sucessor, emitiu uma declaração, evidentemente em concordância com o Pontífice e o cardeal, que desmonta a validade do convite de Sarah e põe fim à expressão “reforma da reforma”, já há tempos abandonada até mesmo por Bento XVI.

“É oportuno um esclarecimento – afirma o porta-voz do Vaticano – na sequência de relatos da mídia que circularam após uma conferência realizada em Londres pelo Cardeal Sarah, prefeito da Congregação para o Culto Divino, poucos dias atrás. O Cardeal Sarah sempre esteve preocupado justamente com a dignidade da celebração da missa, de modo que seja expressa adequadamente a atitude de respeito e adoração do mistério eucarístico. Algumas de suas expressões foram, no entanto, mal interpretadas”, como se anunciassem novas indicações diferentes daquelas até agora promulgadas nas normas litúrgicas e nas palavras do Papa sobre a celebração voltada para o povo e sobre o rito ordinário da Missa.

“Portanto é bom lembrar – continua Lombardi – que a Institutio Generalis Missalis Romani (Instrução Geral do Missal Romano), que contém as normas relativas à celebração eucarística e que ainda está em pleno vigor, no nº 299, diz:”  “Altare extruatur a pariete seiunctum, ut facile circumiri et in eo celebratio versus populum peragi possit, quod expedit ubicumque possibile sit. Altare eum autem occupet locum , ut revera centrum sit ad quod totius congregationis fidelium attentio sponte convertatur”(isto é :” O altar deve ser construído destacado da parede, para que se possa facilmente circular em volta e celebrar voltado para o povo, o que é conveniente que seja realizado sempre que possível. O altar seja pois posicionado de modo a estar verdadeiramente no centro para que a atenção do fiel se volte naturalmente para a sua direção.”)

“Por sua parte, o Papa Francisco – afirma ainda o porta-voz do Vaticano – por ocasião da sua visita à Congregação para o Culto Divino, recordou expressamente que a forma” ordinária” da celebração da Missa é a prevista pelo Missal promulgado por Paulo VI, enquanto a forma “extraordinária”, que foi autorizada pelo Papa Bento XVI para as finalidades e com as modalidades por ele explicadas no motu proprio Summorum Pontificum, não deve tomar o lugar do “ordinário”.

“Não são, portanto, previstas novas orientações litúrgicas a partir do próximo Advento – esclarece Lombardi – como alguns erroneamente deduziram a partir de algumas palavras do Cardeal Sarah, e é melhor evitar o uso da expressão ‘reforma da reforma’, referindo-se à liturgia, dado que às vezes ela tem sido fonte de equívocos. Tudo isso foi expresso em concordância durante o curso de uma audiência recente concedida pelo Papa ao mesmo Cardeal Prefeito da Congregação para o Culto Divino”.

Prefeito da Congregação para o Culto Divino: Sacerdotes, a partir de novembro, celebrem ad orientem! “Ouçamos novamente o lamento de Deus proclamado pelo profeta Jeremias: ‘eles voltaram as costas para mim’ (2:27) . Voltemo-nos novamente para o Senhor!”

Por Messa in Latino | Tradução: FratresInUnum.com: O Cardeal Sarah lança um apelo solene aos sacerdotes para que celebrem ad orientem a partir do primeiro domingo do Advento em 2016!

Isso acontece em Londres, na abertura da Conferência Sacra Liturgia 2016. E o Bispo de Fréjus-Toulon, Mons. Rey, respondeu imediatamente que assim o fará na sua diocese, depois de ter enviado uma carta a todos os seus sacerdotes.

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Cardeal Sarah apela a todos os sacerdotes para que celebrem a missa ad orientem.

Por Edward Pentin – National Catholic Register | Tradução: FratresInUnum.com: O Cardeal Robert Sarah, prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, pediu a todos os sacerdotes para que retornem “tão logo seja possível” a celebrar a missa ad orientem, ou seja, voltados para o oriente ao invés de frente para a congregação.

O cardeal, ao fazer o que muitos consideram ser um anúncio histórico na Conferência Sacra Liturgia deste ano em Londres,  ontem à noite, disse que é “muito importante” que esta prática seja universalmente reintroduzida e sugeriu o período do Advento deste ano como um bom momento para fazê-lo.

Ele pediu aos sacerdotes para “implementar esta prática sempre que for possível, com prudência e com a catequese necessária”, mas também com a “confiança de que isso é algo bom para a Igreja, algo de bom para o nosso povo.”

Até antes das mudanças litúrgicas que se seguiram ao Concílio Vaticano II, os sacerdotes do rito latino só celebravam a missa ad orientem.

Cardeal Sarah também revelou em seu discurso que o Papa Francisco pediu-lhe, em abril, para começar um estudo sobre a reforma da reforma litúrgica que se seguiu ao Concílio, e para pesquisar  as possibilidades de enriquecimento mútuo entre as formas mais antigas e mais recentes do rito romano, como foi mencionado anteriormente pelo Papa Bento XVI.

“Este será um trabalho delicado e peço a sua paciência e orações”, disse o cardeal Sarah. “Mas se queremos implementar o Sacrosanctum Concilium mais fielmente, se desejamos alcançar o que foi almejado pelo Concílio, esta é uma questão séria que deve ser cuidadosamente estudada e agilizada com a necessária clareza e prudência”.

Aqui abaixo estão as palavras de discurso do Cardeal Sarah a respeito de seu desejo de que todos os sacerdotes voltem a celebrar ad orientem:

“Quero fazer um apelo a todos os sacerdotes. Os senhores talvez puderam ler meu artigo no L’Osservatore Romano, há um ano (12 de Junho de 2015), ou a minha entrevista para a revista Família Cristã, em maio deste ano. Em ambas as ocasiões, eu disse que creio que é muito importante retornar o mais rapidamente possível a uma orientação comum, tanto os sacerdotes como os fiéis voltados juntos para a mesma direção –  ou pelo menos para a abside -, para o Senhor que vem naquelas partes dos ritos litúrgicos quando estamos nos dirigindo a Deus. Esta prática é permitida pela legislação litúrgica atual. É perfeitamente legítima no rito moderno. Na verdade, creio que é um passo muito importante assegurar que em nossas celebrações o Senhor esteja verdadeiramente no centro.

E então, caros Padres, peço-lhes que implementem esta prática onde for possível, com prudência e com a necessária catequese, certamente, mas também com a confiança de pastor  de que trata-se de algo bom para a Igreja, bom para o nosso povo. O seu próprio juízo pastoral determinará como e quando isso será possível, mas, talvez, começá-lo no primeiro Domingo do Advento deste ano, quando esperamos ‘o Senhor que vem’ e que ‘não tardará’ (ver: Introito da Missa de quarta-feira da primeira semana do Advento) pode ser um boníssimo tempo para tal. Caros padres, ouçamos novamente o lamento de Deus proclamado pelo profeta Jeremias: “eles voltaram as costas para mim” (2:27) . Voltemo-nos novamente para o Senhor”.

… Desejo apelar também aos meus irmãos bispos: por favor, voltem os seus padres e seu povo ao Senhor dessa forma, particularmente em grandes celebrações em suas dioceses e em sua catedral. Por favor, formem os seus seminaristas na verdade de que não somos chamados ao sacerdócio para estarmos nós mesmos no centro da liturgia, mas para levar os fiéis de Cristo a Ele como irmãos adoradores. Por favor, facilitem essa simples, porém profunda reforma em suas diocese, catedrais, paróquias e seminários”.

Para mais excertos do discurso do Cardeal Sarah, veja a página do facebook da Conferência Sacra Liturgia aqui.

Francisco diz que a “Reforma da Reforma” está “equivocada”. Seminaristas “tradicionalistas” criticados, Papa diz que o “desequilíbrio” deles se manifesta na celebração da liturgia.

Por Rorate-Caeli | Tradução: Fratres in Unum.com – Grande parte da atenção da mídia ao encontro anual do Papa Francisco com o clero de Roma (realizado ontem, 19 de fevereiro) se concentrou em suas observações sobre os padres casados. De igual e possivelmente mais importância imediata foram suas observações sobre a liturgia, que acabam de ser publicadas pela agência de notícias ZENIT.

O Papa não poderia ter sido mais claro em sua visão da “Reforma da Reforma”. Ele fala da necessidade de uma ars celebrandi mais respeitosa, mas qualquer um que tenha realmente acompanhado os debates litúrgicos dos últimos 20 anos saberá que isso não é a mesma coisa que a “Reforma da Reforma”. Esperamos, sinceramente, que os “costumeiramente suspeitos” na blogosfera e nas redes sociais não ignorem essa conversa completamente nem tentem minimizar esse assunto criando explicações complexas de como o Papa “realmente queria dizer” algo diferente, ou que tudo isso não passa de boataria, uma invenção, ou seja lá o que for. Qualquer coisa que lhes permita manter as cabeças na areia!

O Papa critica a “Reforma da Reforma” de maneira notável e abertamente, mas ele não diz nada negativo a respeito do próprio Summorum Pontificum em si, muito pelo contrário. Todavia, a sua aparente condenação e palavras desdenhosas sobre os seminaristas diocesanos “tradicionalistas” não podem e não devem ser minimizadas como simplesmente fazendo referência ao comportamento imoral de alguns deles – comportamento que também pode ser encontrado, empiricamente com muito mais frequência, entre seminaristas não tradicionalistas. Ao designar especificamente as “liturgias” (Reforma da Reforma”?) celebradas pelos seminaristas “tradicionalistas”, uma vez ordenados, como a manifestação de seus “desequilíbrios” “morais e psicológicos”, fica claro que o alvo do Papa são os pontos de vista semelhantes aos tradicionais a respeito da sagrada liturgia de muitos jovens padres e seminaristas. Ao mencionar que a Congregação dos Bispos está conduzindo intervenções a este respeito, a mensagem enviada é clara e em bom tom: bispos, aceitem seminaristas com tendências “tradicionalistas” por sua conta e risco. Ao declarar abertamente que os problemas morais e psicológicos “acontecem com frequência” em “ambientes” tradicionalistas, aparentemente desprovido de misericórdia, doravante uma grande tarja poderá ser utilizada para denegrir esses jovens.

Reproduzimos abaixo a passagem relevante do relatório da Zenit, com os nossos destaques:

No entanto, alguns trechos do discurso do Papa foram liberados graças em parte a vários padres que falaram com a imprensa após a reunião. Alguns até mesmo conseguiram gravar as palavras do Papa. Além de várias frases relatadas por algumas agências de notícias italianas nesta manhã, o Pontífice de 78 anos abordou o tema, por exemplo, do “rito tradicional” com o qual Bento XVI concedeu a celebração da Missa. Através do Motu Propio Summorum Pontificum, publicado em 2007, o atual Papa Emérito permitiu a possibilidade de celebrar a Missa segundo os livros litúrgicos editados por João XXIII, em 1962, não obstante a forma “ordinária” de celebração na Igreja Católica continuar sempre aquela estabelecida por Paulo VI em 1970.

O Papa Francisco explicou que esse gesto por parte de seu antecessor, “um homem de comunhão”, foi concebido para oferecer “uma mão corajosa aos lefebvrianos e tradicionalistas”, bem como àqueles que desejavam celebrar a Missa de acordo com os ritos antigos. A chamada Missa “tridentina” – disse o Papa – é uma “forma extraordinária do Rito Romano”, aprovado após o Concílio Vaticano II. Assim, ele não é considerado um rito distinto, mas sim uma “forma diferente do mesmo rito”. (sic)

Entretanto, o Papa observou que há padres e bispos que falam de uma “reforma da reforma.” Alguns deles são “santos” e falam “de boa fé.” Mas isso “é um equívoco”, disse o Santo Padre. Então, ele mencionou o caso de alguns bispos que aceitaram seminaristas “tradicionalistas” que foram expulsos de outras dioceses, sem averiguar informações sobre eles, porque “eles se apresentavam muito bem, eram muito devotos.” Então, eles foram ordenados; porém, mais tarde ficou comprovado que eles tinham “problemas psicológicos e morais”. 

Esse não é o costume, mas “muitas vezes isso acontece” nesses ambientes, destacou o Papa, e ordenar esse tipo de seminaristas é como “hipotecar a Igreja.” O problema subjacente é que alguns bispos às vezes ficam sobrecarregados com “a necessidade de novos sacerdotes na diocese.” Portanto, não é feito um discernimento suficiente entre os candidatos, entre os quais alguns podem esconder certos “desequilíbrios” que então se manifestam nas liturgias. Na verdade, a Congregação dos Bispos – continuou o pontífice – teve que intervir com três bispos em três desses casos, embora eles não tenham ocorrido na Itália.

Durante o inicio de seu discurso, Francisco falou sobre homilética e a ars celebrandi, encorajando os padres a não cair na tentação de querer ser uma “estrela” no púlpito, talvez até mesmo falando de uma “maneira sofisticada” ou “com excesso de gestos.”

Todavia, os padres também não deveriam ser “chatos” ao ponto das pessoas “darem uma saidinha para fumar um cigarro lá fora” durante a homilia.

(Fonte: Pope Holds Two Hour Meeting with Roman Clergy)

Retorno ao lar depois de 30 anos de guerra litúrgica.

Por Dom Mark Daniel Kirby, OSB, Prior de Silverstream Priory*

Com serenidade e humildade

Algumas pessoas têm me perguntado se a minha avaliação pessoal da “reforma da reforma” de alguma forma significa que eu decidi desprezar a grande maioria dos católicos que ainda continuam a celebrar usando os ritos e os textos presentes nos atuais livros litúrgicos reformados. Nada poderia estar mais longe da minha mente e do meu coração. Estou bem ciente de que em dioceses e paróquias espalhadas pelo mundo afora um imediato reavivamento das antigas formas litúrgicas não é uma idéia realística. Eu acho que é algo que inexoravelmente irá acontecer, mas muito lentamente, na medida em que as novas gerações começarem a descobrir, ali e aqui, locais prósperos em que as celebrações Católicas são feitas no rito tradicional. É como Ratzinger uma vez disse: “a beleza está em casa” e na medida em que os mistérios da fé forem transmitidos com integridade, com serenidade e com profunda humildade, esses locais, creio eu, exercerão uma força de atração e não de coação sobre as demais paróquias e outras comunidades religiosas, fazendo com que voltem a se envolver voluntariamente com os ritos litúrgicos tradicionais da Igreja.

O Privilégio da Marginalidade 

Eu escrevo, é claro, como um monge e não como padre diocesano. Mosteiros criam raizes, florescem e dão frutos num território intermediário que começa onde a cidade secular termina e se estende para a vastidão inexplorada do deserto. O desmerecido privilégio dessa sagrada marginalidade concede aos monges o espaço e a liberdade para recuperar, preservar e transmitir elementos da tradição litúrgica que poderiam por algum tempo permanecer remotos ou inacessíveis aos vários níveis do clero que estão totalmente engajados no cuidado pastoral das almas.

Um veterano cansado finalmente volta pra casa

“Depois de ter dedicado quase quarenta anos da minha vida a uma “reforma da reforma” digna; depois de ter ensinado e defendido o Novus Ordo Missae com o melhor da minha habilidade, depois de ter composto –  e até mesmo ter sido aclamado por um decano do Pontifício Instituto de Sagrada Liturgia – um inteiro antifonal monástico em modo cantochão para os textos litúrgicos franceses, depois de ter composto centenas de configurações correspondentes ao cantochão para o Próprio da Missa em vernáculo, depois de ter lutado com todas as minhas forças pela restauração dos cantos relativos aos Próprios da Missa, depois de ter litigado à exaustão por uma obediência inteligente à Institutio Generalis Missalis Romani (Instrução Geral do Missal Romano); depois de ter me jogado de corpo e alma em palestras e conferências para sacerdotes, seminaristas, religiosos e religiosas, sou obrigado a admitir que eu poderia ter melhor gastado meu tempo e minhas energias na humilde obediência à liturgia tradicional como eu a havia descoberto – e, como eu tanto amava – na alegria da minha juventude. Não digo isto com amargura, mas como a constatação resignada  de um veterano cansado que volta tardiamente pra casa depois de uma honrosa derrota nesses trinta anos de Guerra Litúrgica.

Ao mesmo tempo bons vizinhos

Eu respeito aqueles sacerdotes e leigos que continuam a acreditar na “reforma da reforma”. Eu honro a sua devoção e perseverança, mas de onde eu me encontro, a essa altura da minha vida, eu creio que eles desperdiçam sua energia desnecessariamente. A vida é curta. Eu não posso mais aconselhar os demais a dedicar os anos mais produtivos de suas vidas remendando um edifício que foi sem sombra de dúvida erguido às pressas durante uma onda de construções rápidas, com fundações inseguras, isolamento térmico de má qualidade, luminárias defeituosas e um teto cheio de goteiras. Bem ao lado, existe uma outra casa, mais antiga, formosa, solidamente construída e em bom estado de conservação. Ela pode até precisar de um pequeno ajuste aqui e outro ou ali, mas é um lugar onde qualquer um se sente em casa e sabe que é confortável pra se viver. Pois é nessa casa que eu escolhi viver os dias que me restam. Se outros optam por continuar vivendo no “improviso” ao lado, só posso desejar-lhes boa sorte, confiante que possamos continuar vivendo ao mesmo tempo como bons vizinhos, com frequentes bate-papos sobre a cerca do quintal, trocando idéias  e talvez até mesmo aprendendo alguma coisa um com o outro.

Thomas Merton

Uma das coisas que eu aprendi ao longo dos últimos quarenta anos, e isso em meio ao tédio de uma espera muito dura, é que os monges e freiras que professam uma vida contemplativa não ganharam absolutamente nada em mudar as formas, conteúdo e linguagem da Sagrada Liturgia. As mudanças litúrgicas varreram os mosteiros como um furacão deixando um lamentável rastro de destruição em seu caminho. Será que a tão aclamada renovação litúrgica nos mosteiros serviu para um acréscimo das vocações? Será que serviu pra gerar um compromisso generoso com as regras da observância monástica? Teria servido pra promover um zelo maior pela obra de Deus? Poucos mosteiros conseguiram se recuperar dessas contínuas décadas de agitação litúrgica. Até mesmo Thomas Merton, quando se viu diante dos primeiros ventos de uma iminente mudança litúrgica, advertiu para o perigo que ameaçava a vida contemplativa de clausura. Em 1964, ele escreveu a Dom Ignace Gillet, então Abade Geral dos Cisterciences de Observância Rigorosa:

“Isto é o que eu penso do Latim e do Canto Gregoriano: eles são obras primas que nos oferecem uma insubstituível experiência Cristã e monástica. Eles possuem uma força, uma energia, uma profundidade sem igual. Se formos fazer uma comparação, podemos dizer que todos os Ofícios propostos em inglês são muito pobres. Além do mais, de forma alguma é impossível fazer com que tais coisas sejam compreendidas e apreciadas. Geralmente eu consigo ser bem sucedido nisso já no noviciado, naturalmente com algumas exceções, como com aqueles que não compreendem bem o latim. Mas aqui eu devo adicionar algo bem mais sério. Como você deve saber, eu tenho muitos amigos pelo mundo afora que são artistas, poetas, autores, editores, etc. Todos eles são capazes de apreciar nosso canto e o latim. E todos eles, sem exceção, ficaram escandalizados e entristecidos quando eu disse que provavelmente daqui a 10 anos esse Ofício e essa Missa não estarão mais aqui. E isso é que é o pior; os monges não conseguem entender esse tesouro que eles mesmo possuem e jogam tudo isso fora pra ir atrás de alguma outra coisa, enquanto seculares, que na sua maioria sequer são Cristãos, são capazes de apreciar essa arte incomparável.”

Coros desnudados e vazios

As reformas litúrgicas dos anos 60 e 70 arrancaram de seu eixo a vida espiritual de muito mais que um simples monge. A abençoada monotonia do saltério, que repetida semana após semana em acentos familiares gerava um cantochão consistente e harmônico, foi substituída pela distribuição de um saltério em vernáculo com duas, três ou até mesmo quatro diferentes semanas, numa flagrante violação tanto da Regra de São Bento como das leis objetivas da antropologia. Nunca vou esquecer a angústia gerada por tentar inventar novos tons para os salmos para que esses correspondessem ao vernáculo, ao mesmo tempo em que eu tentava desesperadamente me agarrar aos cantos do “Antiphonale Monasticum” que estavam enraizados no meu coração. Memórias da liturgia tradicional persistiam durante o inverno do meu descontentamento como as lindas flores do açafrão tentando perfurar a crosta congelada que haviam colocado sobre o meu “hortus conclusus” (jardim concluído). Os “coros desnudados e vazios” de tantas abadias modernas são tristes testemunhas do sucateamento causado pela inovação litúrgica, ainda que essa tenha sido feita, como sempre, com a melhor das intenções e tendo como base uma noção deturpada de obediência cega ao que foi mal interpretado como sendo “a mente da Igreja”.

Paulo VI

Quando eu digo “deturpada”, é porque embora o Papa Paulo VI tenha vacilado em questões litúrgicas, muitas vezes tomando partido dos reformistas mais iconoclastas em algumas matérias e até mesmo autorizando inovações de caráter duvidoso, a própria Constituição Sacrosanctum Concilium, (particularmente quando lida através das lentes da Mediator Dei, como deve ser para que essa seja entendida corretamente) e alguns dos pronunciamentos pessoais do mesmo Pontífice chamam para algo bem diferente do que se tornou a ordem do dia.

Por exemplo, o Papa Paulo VI, ao endereçar a  Sacrificium Laudis (http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/apost_letters/documents/hf_p-vi_apl_19660815_sacrificium-laudis_it.html) aos Superiores das Ordens masculinas em agosto de 1966 não se absteve de chamá-los à obediência naquelas matérias que lhe eram particularmente importantes:

“Na atual circunstância, que língua vos parece que poderia substituir aquelas formas de piedade litúrgica que tendes usado até agora? É preciso refletir bem para que as coisas não se tornem piores após terem negado essa herança gloriosa. Porque há que se temer que o Ofício no coral seja reduzido a uma recitação disforme da qual vós mesmos sereis os primeiros a lamentar a pobreza e a monotonia. Surge também outra pergunta: os homens ansiosos por ouvir tais peças sacras, ainda entrarão em grande número em vossos templos se ali já não se encontrará mais a linguagem antiga e nativa daquelas orações, unida ao canto cheio de gravidade e beleza?

Peçamos então aos interessados que ponderem bem sobre o que pretendem abandonar e não deixem secar a fonte de onde beberam tão abundantemente até os dias de hoje. Naturalmente que o latim apresenta algumas dificuldades e talvez algumas bem consideráveis, principalmente para os noviços da vossa sagrada milícia. Mas isto, como sabeis, não é algo impossível de ser superado e vencido, sobretudo entre vós que estais mais afastados dos afazeres e distrações do mundo e que podeis vos dedicar mais facilmente ao estudo.

Além do mais, essas orações permeadas de  antiga grandeza e nobre majestade, continuam a atrair a vós os jóvens chamados à herança do Senhor. Por outro lado, aquele coro do qual é removido essa linguagem de admirável força espiritual, a qual transcende os confins das nações, e do qual é removido também essa melodia que procede do mais íntimo santuário da alma, onde reside a fé e a caridade se inflama- estamos falando do Canto Gregoriano-  tal coro se tornará como uma vela apagada que não ilumina mais nada, não atrai mais para si nem os olhos e nem as mentes dos homens.

Em qualquer caso, caríssimos filhos, os pedidos que havíamos mencionado acima dizem respeito a matérias graves que nos é impossível fazer concessões ou derrogar as normas do Concílio e as Instruções citadas acima. Portanto vos exortamos ponderar bem sobre todos os aspectos de uma questão tão complexa. Para o bem estar dos que vos circundam e pela boa estima dos que vos acompanham, não queremos permitir que  isso possa ser causa de queda para o pior, pois poderia se tornar uma fonte de não breve detrimento e certamente poderia causar mal estar e tristeza para toda a Igreja. Permita-nos então contra a vossa vontade, defender a vossa causa. A Igreja que por razão de caráter pastoral, isto é, para o bem daqueles que não sabe o latim, introduziu as línguas nacionais na Sagrada Liturgia, vos dá mandato para custodiar a tradicional dignidade, a beleza, a gravidade do Ofício do coral tanto na língua como no canto.

Obedeçam portanto, essas prescrições com coração humilde e sincero, pois não são derivadas de um amor exagerado pelo uso antigo, mas propostas pela caridade paterna que temos por vós e aconselhadas pelo zelo pelo culto divino”.

Antiga Paixão pelo que antes era amado.

Esse contundente mandato não foi recebido com obediência filial, mas pelo contrário, com indiferença e até mesmo arrogante desprezo pela maioria dos endereçados. Até hoje, depois de 48 anos, ainda existem mosteiros onde o claro mandato da “Sacrificium Laudis” é totalmente desconhecido. Da minha parte, posso dizer humildemente que já não tenho a ilusão de fazer qualquer contribuição ativa no tocante à restauração da sagrada liturgia. Eu estou, na maior parte, contente de apenas poder sentar novamente no coro, dia após dia, hora após hora, para entoar as laudes imutáveis ao Deus Imutável. A verdade é que estou cansado até a medula das campanhas sangrentas desses trinta anos de Guerra litúrgica. No entanto, há momentos que, para minha própria surpresa, a paixão pelas coisas que antes eram amadas e que foram perdidas se reacende novamente e me inflama e é o que me obriga a escrever.

Dom Mark Daniel Kirby OSB, Prior de Silverstream Priory

Tradução: Gercione Lima, cuja gentileza agradecemos.

* O Priorado de Silverstream em Stamullen (http://cenacleosb.org), County Meath, na Irlanda, é uma casa de monges que vivem sob a Regra de São Bento. Cada mosteiro Beneditino é uma família autônoma caracterizada por um espírito único. Sob o patrocínio de Nossa Senhora do Cenáculo, os monges do Priorado Silverstream se dedicam à celebração digna da Opus Dei nas suas formas tradicionais e à adoração perpétua do Santíssimo Sacramento do Altar em espírito de reparação. Sua vida de louvor e adoração é marcada por uma solicitude sincera pela santificação dos sacerdotes. Sem sair da clausura do mosteiro, os monges realizam vários trabalhos compatíveis com a vocação de cada um, nomeadamente, hospitalidade ao clero que necessita  de retiro espiritual e a operação de uma excelente livraria católica localizada na portaria do Priorado.

Cardeal Ranjith e a Sacra Liturgia.

Ocorre em Roma, de terça a sexta-feira desta semana [25 a 28], na Pontifícia Universidade da Santa Cruz, a conferência Sacra Liturgia, que reúne renomados liturgistas do mundo todo. Da interessante conferência do Cardeal Malcom Ranjith, Arcebispo de Colombo, Sri Lanka, destacamos apenas alguns pontos para instigar os leitores à sua leitura na íntegra — aos que puderem traduzir outros trechos, agradecemos antecipadamente.

* * *

“Se tais improvisações tornassem a Liturgia verdadeiramente mais eficaz e interessante, então, por que com tais experimentações e criatividade o número dos participantes aos domingos caiu tanto e tão drasticamente em nossos dias?”

LATIM E LITURGIA

Cardeal Ranjith.
Cardeal Ranjith.

A respeito do uso do latim na liturgia, vale a pena sublinhar o que foi decretado pelo Concílio: “Deve conservar-se o uso do latim nos ritos latinos, salvo o direito particular” (Sacrosanctum Concilium, n. 36), e consentia no uso do vernáculo para as leituras, monições e algumas orações e cantos. Naturalmente, confiava à competente autoridade eclesiástica territoriais decidir se e em que medida o vernáculo seria usado na Liturgia, todavia, sempre com a aprovação da Santa Sé. Mesmo relativamente ao canto gregoriano, o Concílio é prudente enquanto, mesmo admitindo outros gêneros de música sacra, sobretudo a polifonia, afirma que a Igreja “reconhece como canto próprio da liturgia romana o canto gregoriano”, pelo que “terá este, na ação litúrgica, o primeiro lugar” (Sacrosanctum Concilium, n. 116). Tal concepção limitada do Concílio para o uso do vernáculo na Liturgia foi aventureiramente estendida pelos reformadores; tendo o latim quase totalmente desaparecido da cena, permaneceu como o órfão mais amado na Igreja. Digo isto não porque eu seja um fanático do latim; provenho de uma terra de missão, na qual o latim não é compreendido por quase toda a minha comunidade. Mas é um erro crer que uma língua deva sempre ser compreendida por todos. A língua, como sabemos, é um meio de comunicação de uma experiência que, quase sempre, é mais ampla do que a própria palavra. Língua e palavra são, portanto, secundárias e, em ordem de importância, estão, depois, a experiência e a pessoa. A língua leva consigo sempre uma originalidade do acontecimento. Por exemplo, o termo “OM” é intraduzível para a liturgia hinduísta; além disso, as religiões orientais usam uma língua que é estritamente limitada às suas formas de oração e de culto: o hinduísmo usa o sânscrito, o budismo o pali, e o islã o árabe corânico. Nenhuma destas línguas é falada hoje, e são usadas somente em sua forma cultual; cada uma destas línguas é respeitada e reservada, desde o início, pela expressão de “algo que está para além do som e das letras”. O judaísmo, por exemplo, usa o tetragrama YHWH para indicar o impronunciável nome de Deus. Por si mesmas, as quatro letras do sagrado tetragrama não têm nenhuma nuance linguística, mas constituem o nome santíssimo de Deus na tradição escrita da Massorá.

O uso litúrgico do latim na Igreja, mesmo que tenha se iniciado em torno no século IV, dá origem a uma série de expressões que são únicas e constituem a própria fé da Igreja. O vocabulário do Credo é claramente cheio de expressões em latim que são intraduzíveis. O papel da lex orandi em determinar a lex credendi da Igreja é validíssimo no caso do uso do latim na Liturgia, porque a doutrina é frequentemente mais compreendida na experiência de oração. Por tal razão, um sadio equilíbrio entre o uso do latim e do vernáculo deveria ser, segundo meu ponto de vista, mantido. A reintrodução do usus antiquor feita pelo Papa Bento XVI não era, então, um passo para trás, como alguns definiram, mas uma iniciativa que restituía à Sacra Liturgia um sentido de estupor místico, uma tentativa de impedir uma clara banalização daquilo que é fundamental para a vida da Igreja. Deve-se honrar e impulsionar tal iniciativa do Pontífice, que também pode conduzir à evolução de um novo movimento litúrgico, que poderia desembocar na “reforma da reforma”, desejo ardente do papa Ratzinger. De fato, alguns elementos do usus antiquor refletem melhor o sentido de maravilhamento e devoção com o qual nós somos chamados a re-presentar os acontecimentos do Calvário em nossas celebrações eucarísticas. E porque aceitamos os diversos desenvolvimentos positivos do novus ordo, como, por exemplo, o mais amplo uso do texto bíblico e um maior espaço à participação da comunidade nos vários momentos da Missa, deveríamos também assegurar que aquilo que acontece sobre os nossos altares não perca a própria capacidade de causar uma verdadeira transformação espiritual da comunidade. E é por isso que se torna necessária uma mutualidade dos elementos mais positivos das duas formas: isto é a “reforma da reforma”. A própria definição das duas formas como usus antiquor e novus ordo, para mim, é errônea, porque o sacrifício do Calvário nunca é antigo, mas é sempre novo e atual.

CONCEPÇÕES ERRÔNEAS

Outro aspecto do processo de uma verdadeira renovação profunda da Igreja, por causa do papel decisivo que o culto desempenhou em sua vida e missão, é a necessidade de purificar a Liturgia de algumas concepções errôneas que penetraram pela euforia das reformas introduzidas por alguns liturgistas depois do Concílio – coisa que, é necessário reconhecê-lo, nunca esteve na mente dos padres conciliares quando aprovaram a histórica Constituição litúrgica Sacrosanctum Concilium.

a. Arqueologismo

A lista é aberta por um tipo de falso “arqueologismo” que tinha por slogan “voltemos à Liturgia da Igreja primitiva”. Escondia-se aqui a interpretação de que somente aquilo que se celebrava na Liturgia do primeiro milênio da Igreja fosse válido, pensava-se que o retorno a isto fizesse parte do aggiornamento. A Mediator Dei ensina que esta interpretação é errada: “A liturgia da época antiga é, sem dúvida, digna de veneração, mas o uso antigo não é, por motivo somente de sua antiguidade, o melhor, seja em si mesmo, seja em relação aos tempos posteriores e às novas condições verificadas” (Cf. Pio XII, S.S., Encíclica Mediator Dei, Enchiridion Encicliche, vol 6, Bolonha 1995, n. 487). Além disso, já que as informações sobre a práxis litúrgica dos primeiros séculos não são claramente atestadas nas fontes escritas do tempo, o perigo de um arbítrio simplista em definir tais práxis é ainda maior e corre o risco de ser uma pura conjectura. Além disso, não é respeitoso do processo natural de crescimento das tradições da Igreja nos séculos sucessivos. Nem está em consonância com a fé na ação do Espírito Santo ao longos dos séculos. E é, além de tudo, altamente pedante e irrealista.

b. Sacerdócio ministerial

Uma outra concepção errônea de reformismo em matéria de Liturgia é a tendência a confundir o altar com a nave. Observa-se frequentemente que a distinção essencial na Liturgia entre o papel do clero e dos leigos é confuso, por causa de uma compreensão errônea da diferença entre o ofício sacerdotal de todos os fiéis (sacerdócio comum) e o ofício do clero (sacerdócio ministerial): uma diferença muito bem explicada na Lumen Gentium. Este documento esclarece que o sacerdócio comum de todos os batizados foi sempre afirmado pela Igreja (cf. Ap 1,6; 1 Pd 2,9-10; Mediator Dei, nn. 39-41; e Lumen Gentium, n. 10), assim como o sacerdócio ministerial; os quais, cada um a seu modo, participam “do único sacerdócio de Cristo”… “embora se diferenciem essencialmente e não apenas em grau” (Lumen Gentium, n. 10). A Constituição litúrgica do Concílio afirma que a Liturgia prevê uma distinção entre as pessoas “que deriva do ofício litúrgico e da sagrada ordem” (Sacrosanctum Concilium, n. 32). A Mediator Dei era ainda mais categórica, afirmando que: “Ai soli Apostoli ed a coloro che, dopo di essi, hanno ricevuto dai loro successori l’imposizione delle mani, è conferita la potestà sacerdotale” (Mediator Dei, in Enchiridion Encicliche, vol. 6, Bolonha 1995, n. 468).

O resultado de tais confusões de papéis na época moderna é a tendência a clericalizar os leigos e a laicizar o clero. Índice de tais confusões é a sempre maior remoção das balaustradas dos altares dos nossos presbitérios e o fato de as pessoas permanecerem sentadas ou agachadas por terra em torno do altar; são pessoas demais a entrar e circular no presbitério, causando distração e distúrbio em nossas funções litúrgicas. A Santa Eucaristia, em tais situações, se torna um espetáculo, e o sacerdote um showman. O sacerdote não é mais como no passado – como escreveu K. G. Rey, em seu artigo Coming of age manifestations in the Catholic Church –: “ o mediador anônimo, o primeiro entre os fiéis diante de Deus e não do povo, representante de todos, que oferece com eles o sacrifício, recitando as orações prescritas. Hoje, ele é uma pessoa distinta, com características pessoais, o seu estilo de vida pessoal, com o seu próprio rosto voltado ao povo. Para muitos sacerdotes, esta mudança é uma tentação que não sabem gerenciar… se torna para eles o nível de sucesso do próprio poder pessoal e, por isso, o indicador do sentimento de segurança pessoal e de autoestima” (K. G. Rey, Pubertätserscheinungeng in der Katolischen Kirche, Kritische Texte, Benzinger, vol. 4, p. 25). O padre, aqui, se torna o ator principal, que recita um drama  com outros atores sobre o altar, e quanto mais são capazes e sensacionais, tanto mais sentem que recitaram bem. Em um cenário assim, o papel central de Cristo desaparece, e também, se num primeiro momento isso parece agradável, à longo prazo se torna extremamente banal e cansativo.

c. Actuosa participatio

(…)

Existem pessoas, também em nosso tempo, que desejam tornar a Liturgia mais interessante ou apetecível; fazem suas próprias regras, correndo, assim, o risco de esvaziar a Liturgia de seu essencial dinamismo interior, com o resultado final de que as chamadas formas de culto se tornam, por fim, insípidas e maçantes. Se tais improvisações tornassem a Liturgia verdadeiramente mais eficaz e interessante, então, por que com tais experimentações e criatividade o número dos participantes aos domingos caiu tanto e tão drasticamente em nossos dias? Esta é a pergunta que  devemos enfrentar com coragem e humildade. É justo considerar os requisitos antropológicos de uma sã Liturgia, sobretudo em relação aos símbolos, as rubricas e à participação; mas não se deve ignorar o fato de que estes não teriam significado sem uma correlação à chamada essencial de Cristo para unirmo-nos a Ele em Sua incessante Ação Sacerdotal.

Fonte: Diocese Suburbicária de Porto-Santa Rufina | Tradução e destaques: Fratres in Unum.com

O Prefeito da Congregação para a liturgia convida a ver o Papa como modelo para celebrar a Missa.

A “criatividade selvagem” pós-conciliar provocou a ruptura com os lefebvristas, assegura o Cardeal.

Por I.Media | Tradução: Fratres in Unum.com – Após o Concílio Vaticano II (1962-1965), a “criatividade selvagem” de certas experiências litúrgicas “irritou” uma parte da Igreja e levou à “ruptura” entre Roma e os os fiéis de Dom Marcel Lefebvre, considera o Prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos. Assim se exprimiu o Cardeal Antonio Maria Cañizares em uma conferência sobre a reforma litúrgica pós-conciliar, em Roma, na noite de 15 de janeiro de 2013.

Enquanto a constituição conciliar Sacrosanctum Concilium, sobre a reforma litúrgica, era aprovada em dezembro de 1963, alguns realizavam “experiências de uma criatividade selvagem” pouco respeitando o “Espírito do Concílio”, explicou o Cardeal Cañizares no final de um ciclo de encontros sobre o Concílio Vaticano II, proposto pela Embaixada de Espanha junto à Santa Sé. O alto prelado lamentou, então, que tais excessos tenham levado à “ruptura” com uma parte da Igreja. De fato, aos olhos do prelado espanhol, essa “má interpretação” do texto conciliar “irritou” alguns, provocando a separação realizada por Dom Lefebvre em 1988, com a sagração de quatro bispos sem mandato pontifício.

De acordo com o Prefeito, na época do Concílio Vaticano II, “mudança” foi uma “palavra mágica”, embora a “renovação litúrgica deva ser inscrita na continuidade”, sem o que corremos o risco de fazer da reforma de uma “caricatura”.

O Concílio não ofereceu tanto “mudanças”, mas antes uma “visão” da liturgia “em continuidade com toda a tradição da Igreja e da reflexão teológica” realizada sobre este tema, continuou o Cardeal Cañizares. Igualmente, segundo ele, “as mudanças são o resultado desta reflexão teológica dentro da tradição” e nas pegadas do “movimento litúrgico” iniciado na França, no século XIX, por Dom Prosper Guéranger (1805-1875), que tinha a peito aprofundar a liturgia para extrair a sua substância, a fim de fazê-la conhecida e amada.

Renovar o senso litúrgico

“Mesmo aqueles que seguem a Fraternidade Sacerdotal São Pio X, quando participam de uma missa celebrada corretamente, afirmou ainda o alto prelado, eles dizem que não haveria a necessidade desta separação com a Igreja Católica se ela [a missa] fosse assim em todos os lugares”. O Cardeal Cañizares, em seguida, esclareceu que, segundo o testemunho de Dom Bernard Fellay, atual superior da Fraternidade, Dom Lefebvre obviamente não desejaria a ruptura se a missa fosse celebrada por todos segundo “a forma mais estrita” do novo Missal de Paulo VI (1963-1978).

Enquanto a nova evangelização é uma prioridade para os católicos, o chefe de dicastério considerou que não haverá “futuro para a Igreja, e mesmo para a humanidade, sem a renovação do senso litúrgico”. “A reforma mais urgente é a formação litúrgica, enormemente carente, e isso é visível”, enfatizou novamente. E acrescentou: “Onde os pastores e os fiéis têm uma boa formação litúrgica, a vitalidade das comunidades é mais forte”.

O padre não deve ser o “protagonista” de uma “liturgia espetáculo”, disse ainda o Cardeal Cañizares, mas a sua missa deve mais “compreensível, consciente e ativa”.

Questionado por jornalistas sobre a sensibilidade litúrgica de Bento XVI e, em especial, o recente retorno do fanon papal, um ornamento tradicional, o Cardeal Cañizares considerou que é necessário “ver as celebrações do Papa como um modelo a ser seguido”. “O Papa ensina não só por suas palavras, mas também por suas ações, e sua forma de celebrar é um exemplo para toda a cristandade”, concluiu.

“Por muitos” ou “por todos”? A resposta certa é a primeira.

Por Sandro Magister | Tradução: Fratres in Unum.com

Cidade do Vaticano, 3 de maio de 2012 – As Igrejas de várias nações do mundo estão restaurando na Missa, uma após a outra, as palavras da consagração do cálice tiradas literalmente dos Evangelhos e usadas por séculos mas, nas últimas décadas, substituídas por uma tradução diferente.

Enquanto o texto tradicional na versão latina original ainda diz: “Hic est enim calix sanguinis mei […] qui pro vobis et pro multis effundetur,” as novas fórmulas pós-conciliares leram no “pro multis” um imaginário “pro omnibus”. E, ao invés de “por muitos”, traduziram por “por todos”.

Ainda no último período do pontificado de João Paulo II, algumas autoridades vaticanas, incluindo Joseph Ratzinger, tentaram renovar a fidelidade nas traduções ao “pro multis”. Mas sem sucesso.

Bento XVI resolveu cuidar disso pessoalmente. Prova disso está na carta que ele escreveu no último dia 14 de abril aos bispos da Alemanha.

O link para o texto completo da carta segue abaixo. Nela, Bento XVI resume as questões principais da controvérsia para melhor fundamentar sua decisão de restaurar a correta tradução do “pro multis”.

Mas, para melhor compreender o contexto, vale lembrar aqui de alguns elementos.

Em primeiro lugar, ao dirigir sua carta aos bispos da Alemanha, Bento XVI também deseja alcançar os bispos de outras regiões de língua alemã: Áustria, os Cantões Alemães na Suíça e o Tirol do Sul, na Itália.

De fato, se na Alemanha, apesar da forte resistência, a conferência episcopal optou recentemente pela tradução do “pro multis” não mais com o “für alle”, por todos, mas com o “für viele”, por muitos, este não é o caso da Áustria.

Tampouco é o caso da Itália. Em novembro de 2010, por votação, dos 187 bispos votantes, somente 11 escolheram o “per molti”. Uma maioria esmagadora votou a favor do “per tutti”, indiferentes às instruções do Vaticano. Um pouco antes, as conferências episcopais de 16 regiões italianas, com exceção da Ligúria, se pronunciaram pela retenção da fórmula “per tutti”.

Em outras partes do mundo, estão retornando ao uso do “por muitos”: na América Latina, na Espanha, na Hungria, nos Estados Unidos. Frequentemente com desacordo e desobediência.

Mas Bento XVI claramente deseja ver esta questão resolvida. Sem imposições, mas instando os bispos a preparar o clero e os fiéis, com uma catequese apropriada, para uma mudança que deve ocorrer inevitavelmente.

Depois desta carta, fica fácil prever que o “per molti” também será restaurado nas Missas celebradas na Itália, apesar do voto contrário dos bispos em 2010.

A nova versão do missal, aprovada pela conferência episcopal italiana, está atualmente sob o exame da Congregação para o Culto Divino. E, neste ponto, certamente será corrigida de acordo com as instruções papais.

Um Segundo ponto diz respeito aos contínuos obstáculos encontrados pela tradução do “por muitos”.

Até 2001, os proponentes de traduções mais “livres” dos textos litúrgicos apelavam a um documento de 1969 do “Consilium ad exsequendam Constitutionem de Sacra Liturgia”, cujo secretário era monsenhor Annibale Bugnini, um documento sem assinatura, estranhamente escrito [originalmente] em francês, comumente referido por suas primeiras palavras: “Comme le prévoit”.

Em 2001, a Congregação para o Culto Divino publicou uma instrução, “Liturgiam Authenticam,” para a correta implementação da reforma litúrgica conciliar. O texto, datado de 28 de março, foi assinado pelo cardeal prefeito Jorge Arturo Medina Estevez e pelo arcebispo secretário Francesco Pio Tamburrino, e foi aprovado pelo papa João Paulo II numa audiência concedida oito dias antes ao cardeal secretário de estado Ângelo Sodano.

Lembrando que o rito romano “tem seu próprio estilo e estrutura que devem ser respeitados o máximo possível na tradução”, a instrução recomendava a tradução de textos litúrgicos que fossem “não tanto um trabalho de invenção criativa, senão um [trabalho] de fidelidade e exatidão na transcrição dos textos latinos para a língua vernácula”. Boas traduções – prescrevia o documento – “devem ser livres de uma dependência exagerada dos modos modernos de expressão e, de modo geral, livres de uma linguagem psicologizante”.

A instrução “Liturgiam Authenticam” sequer citava o “Comme le prévoit”. E era uma omissão voluntária, para privar o texto definitivamente de uma autoridade e de uma oficialidade que ele jamais havia tido.

Mas, apesar disso, a instrução encontrou uma enorme e fortíssima resistência, mesmo dentro da Cúria romana, tanto que foi ignorada e contradita por dois documentos pontifícios subseqüentes.

O primeiro foi a encíclica “Ecclesia de Eucharistia” de João Paulo II em 2003. No segundo parágrafo, onde lembra as palavras de Jesus para a consagração do vinho, afirma: “Tomai, todos, e bebei: Este é o cálice do meu Sangue, o Sangue da nova e eterna aliança, que será derramado por vós e por todos para remissão dos pecados” (cf. Mateus 14,24; Lucas 22,20 e 1Cor 11,25). O “por todos” ali presente é uma variação que não tem base alguma nos textos bíblicos citados, evidentemente introduzido a partir das traduções presentes nos missais pós-conciliares.

O segundo documento é a última das cartas que João Paulo II costumeiramente endereçava aos padres toda Quinta-feira Santa. Tinha a data remetente de 13 de março de 2005, escrita no Hospital Gemelli, e afirmava no 4º parágrafo que:

“‘Hoc est enim corpus meum quod pro vobis tradetur’. O corpo e o sangue de Cristo são dados pela salvação do homem, da totalidade do homem e por todos os homens. Esta salvação é integral e ao mesmo tempo universal, pois ninguém, ao menos que livremente o escolha, é excluído do poder salvífico do sangue de Cristo: ‘qui pro vobis et pro multis effundetur´. É um sacrifício oferecido por “muitos” como diz o texto bíblico (Mc 14,24; Mt 26,28; Is 53, 11-12); esta expressão tipicamente semítica se refere à multidão que é salva por Cristo, o único Redentor, e, ao mesmo tempo, infere a totalidade dos seres humanos a quem a salvação é oferecida: o sangue do Senhor é “derramado por vós e por todos”, como algumas traduções legitimamente explicitam. O corpo de cristo é verdadeiramente oferecido ‘pela vida do mundo’ ( Jo 6, 51; 1 Jo 2,2).”

João Paulo II estava com a vida por um fio, estaria morto 20 dias depois. E foi um papa nestas condições, que sequer tinha forças para ler, a quem obrigaram assinar um documento em favor do “por todos”.

Na Congregação para a Doutrina da Fé, que não tinha recebido o texto antecipadamente, a questão foi recebida com desapontamento. Tanto que, alguns dias mais tarde, no dia 21 de março, segunda-feira da Semana Santa, numa reunião tumultuada entre os chefes de alguns dicastérios da Cúria, o Cardeal Ratzinger registrou seu protesto.

E menos de um mês depois, Ratzinger foi eleito papa. Anunciado ao mundo com visível satisfação pelo cardeal protodiácono Medina, o mesmo que havia assinado a instrução “Liturgiam Authenticam”.

Com Bento XVI como papa, a restauração da tradução correta do “pro multis” imediatamente se tornou um objetivo de sua “reforma da reforma” na arena litúrgica.

Ele sabia que encontraria uma oposição ferrenha. Mas nesta arena ele nunca teve medo de tomar decisões difíceis, como o provou o motu proprio “Summorum Pontificum” pela liberação da Missa no rito antigo.

Um fato bem interessante é o modo com o qual Bento XVI quer implementar suas decisões. Não somente com ordens peremptórias, mas através da persuasão.

Três meses depois de sua eleição a papa, ele fez com que a Congregação para o Culto Divino, liderada então pelo cardeal Francis Arinze, conduzisse uma pesquisa entre as conferências episcopais para descobrir suas opiniões a respeito da tradução do “pro multis” pelo “por muitos”.

Tendo reunido tais opiniões, no dia 17 de outubro de 2006, sob a instrução do papa, o cardeal Arinze enviou uma carta circular a todas as conferências episcopais, elencando seis motivos em favor do “por muitos” e encojarando-os – sempre que a formula “por todos” estivesse sendo usada – a “realizar a catequese necessária dos fiéis” em face da mudança.

É esta catequese que Bento XVI sugere que seja feita na Alemanha particularmente, numa carta enviada aos bispos alemães no último dia 14 de abril. Nela, ele aponta que não lhe parece que esta iniciativa pastoral sugerida com autoridade há seis anos atrás tenha sido jamais realizada.

Clique para abrir – Carta de Bento XVI à Conferência Episcopal Alemã a respeito do “Pro Multis”: “O respeito pela palavra de Jesus é a razão para a formulação da oração”.

Essa estranha missa que o Papa não quer.

É a missa segundo o rito do Caminho Neocatecumenal. Bento XVI ordenou à Congregação para a Doutrina da Fé que a examine a fundo. Sua condenação parece certa.

Por Sandro Magister | Tradução: Fratres in Unum.com

Roma, 11 de abril de 2012 – Com uma carta assinada ao Cardeal William J. Levada, Bento XVI ordenou à Congregação para a Doutrina da Fé se examine as missas neocatecumenais estão ou não de acordo com a doutrina católica e a praxe litúrgica da Igreja Católica.

Um “problema” que o Papa julga ser de “grande urgência” para toda a Igreja.

Há tempos Bento XVI está preocupado com as modalidades particulares com que as comunidades do Caminho Neocatecumenal celebram suas missas, no sábado à noite, em locais separados.

Sua preocupação aumentou também pela trama feita às suas costas na cúria no inverno passado, sobre a qual informou http://www.chiesa nos seguintes artigos:

“Plácet” ou “Non plácet”? A aposta de Carmen e Kiko. (13.1.2012)

Aos neocatecumenais, o diploma. Mas não o que eles esperavam. (23.1.2012)

Ocorreu que o Pontifício Conselho para os Leigos, presidido pelo Cardeal Stanislaw Rylko [ndr: que também promoveu a aprovação da Canção Nova…] , havia preparado um texto de um decreto de aprovação global de todas as celebrações litúrgicas e para-litúrgicas do Caminho Neocatecumenal, que devia ser publicado em 20 de janeiro por ocasião de um encontro previsto do Papa com o Caminho.

O decreto havia sido redigido por indicação da Congregação para o Culto Divino, presidida pelo Cardeal Antonio Cañizares Llovera. Os fundadores e líderes do Caminho, Francisco “Kiko” Argüello e Carmen Hernández, foram informados disso e, felizes, anteciparam a seus seguidores a iminente aprovação.

Tudo sem o conhecimento do Papa.

Bento XVI tomou ciência do texto do decreto poucos dias antes do encontro de 20 de janeiro.

E o achou incoerente e equivocado. Ordenou que fosse anulado e reescrito segundo as suas indicações.

De fato, em 20 de janeiro, o decreto publicado se limitou a aprovar as cerimônias para-litúrgicas que marcam as etapas catequéticas do Caminho.

Em seu discurso, o Papa enfatizou que somente elas haviam sido convalidadas, enquanto deu aos neocatecumenais uma verdadeira e própria lição sobre a missa — quando um ultimato — sobre como celebrá-la em plena fidelidade às normas litúrgicas e em efetiva comunhão com a Igreja.

Nestes mesmos dias, Bento XVI recebeu em audiência o arcebispo de Berlim, Rainer Maria Woelki, homem de sua confiança, que logo seria feito cardeal. Woelki lhe falou, entre outras coisas, precisamente das dificuldades que os neocatecumenais criavam em sua diocese, com suas missas separadas no sábado à noite, oficiadas por uns trinta sacerdotes do movimento.

O Papa pediu a Woelki que lhe fizesse uma nota escrita sobre o tema. Em 31 de janeiro, Woelki enviou a ele uma carta com informações mais detalhadas.

Dias mais tarde, em 11 de fevereiro, o Papa enviou uma cópia desta carta à Congregação para a Doutrina da Fé, junto com um pedido seu de examinar o quanto antes a questão, que “não concerne somente à arquidiocese de Berlim”.

Segundo as indicações do Papa, a comissão de exame presidida pela Congregação para a Doutrina da Fé tinha de ter a colaboração de outros dois dicastérios vaticanos: a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos e o Pontifício Conselho para os Leigos.

E assim foi. Em 26 de março, no Palácio do Santo Ofício, sob a presidência do Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, o Arcebispo Luis Francisco Ladaria Ferrer, jesuíta, se reuniram para um primeiro exame da questão os Secretários dos outros dois dicastérios — o Arcebispo Augustine J. Di Noia, dominicano, do Culto Divino, e o bispo Josef Clemens, do [Conselho] para os leigos — e quatro peritos por eles designados. Um quinto perito, ausente, Dom Cassiano Folson, prior do mosteiro de São Bento em Nursia, enviou sua opinião por escrito.

Os juízos exprimidos sobre a missa dos neocatecumenais foram todos críticos. Muito severo foi também o que a própria Congregação para a Doutrina da Fé havia pedido, antes da reunião, ao teólogo e cardeal Karl J. Becker, jesuíta, professor emérito da Pontifícia Universidade Gregoriana e consultor do dicastério.

O dossiê fornecido para a reunião pela Congregação para a Doutrina da Fé incluía a carta do Papa de 11 de fevereiro, a carta do Cardeal Woelki ao Papa no original alemão e em versão inglesa, o parecer do Cardeal Becker e um guia à discussão no qual se colocava, de maneira explícita, a conformidade com a doutrina e a praxe litúrgica da Igreja Católica do art. 13 § 2 do estatuto dos neocatecumenais, com o qual eles justificam suas missas separadas no sábado à noite.

Na realidade, o perigo temido por Bento XVI e muitos outros bispos — como se conclui das numerosas denúncias que chegam ao Vaticano — é que as modalidades particulares com que as comunidades neocatecumenais de todo o mundo celebram suas missas introduzam, de fato, na liturgia latina, um novo “rito”, composto de forma artificial pelos fundadores do Caminho, estranho à tradição litúrgica, cheio de ambiguidades doutrinais e causa de divisão nas comunidades dos fiéis.

O Papa confiou à comissão por ele desejada a tarefa de averiguar o fundamento destes temores, em vista das conseqüentes decisões.

Os juízos elaborados pela comissão serão examinados em uma próxima reunião plenária da Congregação para a Doutrina da Fé, uma quarta-feira — uma “feria quarta” — da segunda metade de abril.

Nomes tradicionais no calendário litúrgico para os Ordinariatos.

Apesar do título de matéria, trata-se apenas de medidas pontuais: a restauração de alguns nomes e datas antigas no novo calendário litúrgico dos recém erigidos ordinariatos inglês, conforme o artigo que apresentamos, e americano, segundo informa Rorate-Caeli. Substancialmente, calendário e lecionário permanecem os mesmos do Missal de Paulo VI.

Roma restaura o calendário litúrgico tradicional para o Ordinariato inglês.

Por Vini Ganimara | Tradução: Fratres in Unum.com

Podemos considerar Anglicanorum Coetibus, a constituição de Bento XVI que permite aos anglicanos entrar na Igreja Católica sem abandonar as suas melhores tradições, como um esboço, no melhor dos casos uma base, cujos detalhes mereciam ser precisados.

Para o Ordinariato Pessoal inglês Our Lady of Walsingham, Roma acaba de conceder a restauração do calendário litúrgico tradicional. Os chamados Domingos “do tempo comum” no Missal de Paulo VI são abandonados e substituídos pelos “Domingos depois da Epifania” e pelos “Domingos depois da Santíssima Trindade” (este tempo específico é próprio dos usos litúrgicos anglicanos; seria para nós os “Domingos depois de Pentecostes”). Os chamados Domingos da “Septuagésima”, da “Sexagésima” e da “Quinquagésima” são restaurados (eles não existem mais no Missal de Paulo VI, mas são mantidos aos que utilizam o Missal dito de São Pio V). As “Rogações”, três dias de orações públicas antes da Ascensão, são restauradas às suas datas (elas são móveis para  o rito reformado, de acordo com a vontade própria das conferências episcopais; mas fixas para o rito tradicional). Os chamados dias das “Quatro Têmporas” são restaurados (eles desapareceram no Missal de Paulo VI; mas são mantidos no de São Pio). A Oitava de Pentecostes é restaurada (suprimida no Missal de 1969; mantida no de 1962).

Além disso, e o assunto não é menor, o Ordinariato Our Lady of Walsingham já fez saber que todas as liturgias eucarísticas serão celebradas ad orientem…