Um homem de Detroit pensava que era padre. Ele nem era católico batizado.

Se você pensa que é padre, mas realmente não é, você tem um problema. Muitas outras pessoas também. Os batismos que você realizou são batismos válidos. Mas, e as confirmações? Não. As missas que você celebrou não eram válidas. Nem as absolvições ou unções dos enfermos. E os casamentos? Bem… é complicado. Alguns sim, outros não. Depende da papelada, acredite ou não.

Pope Francis ordains 10 men to the priesthood May 7, 2017. Credit: Daniel Ibáñez/CNA.
Papa Francisco ordena 10 homens ao sacerdócio – 7 de maio de 2017. Créditos: Daniel Ibáñez/CNA

O padre Matthew Hood, da arquidiocese de Detroit, aprendeu tudo isso da maneira mais difícil.

Ele pensou que tinha sido ordenado padre em 2017. E vinha exercido o ministério sacerdotal desde então.

E então, neste verão, ele soube que não era padre. Na verdade, ele soube que nem mesmo era batizado.

Se você quer se tornar um sacerdote, você deve primeiro se tornar um diácono. Se você deseja se tornar um diácono, primeiro deve ser batizado. Se você não for batizado, não pode se tornar diácono e não pode se tornar sacerdote.

Claro, padre Hood pensou que ele havia sido batizado quando bebê. Mas neste mês, ele leu um aviso emitido recentemente pela Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano . A nota dizia que mudar as palavras do batismo de algumas maneiras o torna inválido. Que se a pessoa que administra o batismo disser “Nós te batizamos em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”, ao invés de “Eu te batizo …” o batismo não é válido.

Seu batismo não era válido.

A Igreja presume que um sacramento é válido, ao menos que haja alguma prova em contrário. Teria presumido que pe. Hood foi batizado validamente, salvo se ele tivesse um vídeo mostrando o contrário.

Padre Hood ligou para sua arquidiocese. Ele precisava ser ordenado. Mas, primeiro, após três anos atuando como um padre, vivendo como um padre e se sentindo como um padre, ele precisava se tornar um católico. Ele precisava ser batizado.

Em pouco tempo, ele foi batizado, crismado e recebeu a Eucaristia. Ele fez um retiro e foi ordenado diácono. E em 17 de agosto, Matthew Hood finalmente se tornou padre. De verdade.

A Arquidiocese de Detroit anunciou essa circunstância incomum em uma carta publicada em 22 de agosto .

A carta explicava que depois de perceber o que havia acontecido, pe. Hood “foi recentemente batizado de forma válida. Além disso, uma vez que outros sacramentos não podem ser validamente recebidos na alma sem um batismo válido, o Padre Hood também foi recente e validamente crismado e ordenado diácono transitório, e depois sacerdote. ”

“Demos graças e louvor a Deus por nos abençoar com o ministério do Padre Hood.”

A arquidiocese divulgou um guia, explicando que as pessoas cujos casamentos foram celebrados pelo pe. Hood deveriam entrar em contato com sua paróquia, e que a arquidiocese estava fazendo seus próprios esforços para contactar essas pessoas.

A arquidiocese também disse que está fazendo esforços para entrar em contato com outras pessoas cujo batismo foi celebrado pelo diácono Mark Springer, o diácono que batizou Hood invalidamente. Acredita-se que ele tenha batizado outras pessoas de maneira inválida, durante 14 anos de atuação na Paróquia de St. Anastasia, em Troy, Michigan, usando a mesma fórmula inválida, um desvio do rito que os clérigos devem usar ao realizar batismos.

O guia esclareceu que, embora as absolvições realizadas pelo padre Hood antes de sua ordenação válida não eram em si válidas, “podemos ter certeza de que todos aqueles que se aproximaram do Padre Hood, de boa fé, para fazer uma confissão, não se afastaram sem alguma medida de graça e perdão de Deus”.

A arquidiocese também respondeu a uma pergunta que espera que muitos católicos façam: “Não é legalismo dizer que, embora houvesse a intenção de conferir um sacramento, não havia sacramento porque foram usadas palavras diferentes? Deus não vai apenas cuidar disso? ”

“A teologia é uma ciência que estuda o que Deus nos disse e, quando se trata de sacramentos, deve haver não apenas a intenção certa do ministro, mas também a ‘matéria’ certa (material) e a ‘forma’ certa (palavras / gestos – como um triplo derramamento ou imersão de água por quem diz as palavras). Se faltar um desses elementos, o sacramento não é válido”, explicou a arquidiocese.

“No que diz respeito a Deus ‘cuidando disso’, podemos confiar que Deus ajudará aqueles cujos corações estão abertos para Ele. No entanto, podemos ter um grau muito maior de confiança fortalecendo-nos com os sacramentos que Ele nos confiou ”.

“De acordo com o plano ordinário que Deus estabeleceu, os sacramentos são necessários para a salvação: o batismo traz a adoção na família de Deus e coloca a graça santificante na alma, visto que não nascemos com ela, e a alma precisa da graça santificante quando se afasta do corpo para passar à eternidade no céu”, acrescentou a arquidiocese.

A arquidiocese disse que primeiro tomou conhecimento de que o diácono Springer estava usando uma fórmula não autorizada para o batismo em 1999. O diácono foi instruído a parar de desviar-se dos textos litúrgicos naquela época. A arquidiocese disse que, embora ilícitos, acreditava que os batismos que Springer havia realizado eram válidos até o esclarecimento do Vaticano ser emitido neste verão.

O diácono agora está aposentado “e não está mais no ministério ativo”, acrescentou a arquidiocese.

Nenhum outro sacerdote de Detroit é considerado invalidamente batizado, disse a arquidiocese.

E pe. Hood, recém-batizado e recém-ordenado? Depois de uma provação que começou com a “inovação” litúrgica de um diácono, pe. Hood agora está servindo em uma paróquia com o nome de um santo diácono. Ele é o novo padre da Paróquia de São Lourenço, em Utica, Michigan.

A hora da Missa de Sempre.

Por FratresInUnum.com, 17 de abril de 2020 – O cancelamento das missas presenciais em quase todo mundo empurrou a Igreja Católica para o ambiente virtual e, com ele, decretou a completa falência da liturgia pós-conciliar, que nunca foi bem sucedida em lugar nenhum.

Quinta-feira Santa de 2020: Padre faz lava-pés de bonecos para representar fiéis.

Tempos atrás, afirmou-se que “o problema da missa nova é que ela nunca foi rezada”: cada missa é, literalmente, um rito, ao gosto do celebrante, com total liquidez, sem nenhum tipo de estabilidade.

Isso foi clara e soberanamente percebido nas últimas semanas, em que os padres vieram para a internet ostentar a sua absoluta ignorância, em um arco que vai desde a gramática até o catecismo da primeira comunhão. Obviamente, não faltaram abusos e aberrações, em uma horrenda epifania em que superabundam homilias indigentes e o que há de pior na música e no canto, atrocidades com as quais os católicos estão mais do que habituados.

De outro lado, os fiéis estão furiosos com o completo abandono. Bispos encastelados em seus palácios, com medo da morte, e padres submissos aos bispos, em uma escravidão vergonhosa, enquanto o povo grita de fome. Assim, o pastoralismo do Vaticano II, a “Igreja em saída” do Papa Francisco, tudo foi por água abaixo, devidamente abatido pelo pastores que deveriam ter “cheiro de ovelhas”.

Contudo, a derrota da liturgia conciliar não termina por aí. Como em um passe de mágica, o “comunitarismo” da missa nova foi espanado como a poeira de uma cômoda. Os mesmos que passaram a vida inteira dizendo que o povo não podia “assistir a missa”, mas teria de “participar da missa” — entendendo por participação as conhecidas cafonices de bater-palmas, sacudir as mãos, cutucar o irmão ou qualquer outra esquisitice –, agora regrediram ao nível da “missa assistida” à distância, numa distância muito maior que aquela, sempre criticada, dos fiéis em relação ao longínquo retábulo das Igrejas tradicionais.

Os mesmos que passaram a vida criticando a comunhão espiritual – claro, para defender a comunhão dada para adúlteros e pecadores públicos, a comunhão como sinal de acolhida –, agora, defendem a comunhão via Youtube, pelo olhar e pelo desejo, dizendo que agora basta olhar para a Hóstia desde o sofá. Ironicamente, voltamos aos tempos, tão criticados por eles mesmos, anteriores a São Pio X, em que tão raivosamente afirmavam que a consagração era assistida pelo povo e em que quase ninguém comungava.

Nas novas missas sem povo, por que não celebrar em latim e de frente para Deus – já que não há ninguém adiante, mesmo, nem ninguém que possa responder? Será que não perceberam que a missa conciliar foi abolida pela obsolescência pastoralista que se tornou anulante de si mesma?

Até o Papa Francisco reconhece o fracasso da “comunidade virtual”. Em homilia proferida hoje, afirmou:

Digo isso porque alguém me fez refletir sobre o perigo deste momento que estamos vivendo, essa pandemia que fez que todos nos comunicássemos também religiosamente através da mídia, inclusive esta Missa, estamos todos comunicados, mas não juntos, espiritualmente juntos. O povo é pequeno. Há um grande povo: estamos juntos, mas não juntos. Também o Sacramento: hoje vocês terão a Eucaristia, mas as pessoas que estão em conexão conosco (terão) somente a Comunhão espiritual. E esta não é a Igreja. Esta é a Igreja de uma situação difícil, que o Senhor a permite, mas o ideal da Igreja é sempre com o povo e com os Sacramentos. Sempre.

Evidentemente, as missas transmitidas pela internet podem ser um alívio à completa indigência dos fiéis absolutamente abandonados por seus pastores, mas está longe de ser uma solução satisfatória, mesmo em tempos de pandemia, como pretendem alguns.

Mas, o que está ruim, ainda pode piorar. Alguns ultra-progressistas, ao criticar as missas pela internet, sugerem rezar apenas em casa, caindo no protestantismo mais despudorado, cujo germe está dado desde há tantas décadas. Há bispos que reclamam publicamente de que a Igreja entrou numa espécie de psicose eucarística e que é preciso libertar-se dela. Alguns sucessores dos Apostólos (!) chegaram a criticar padres que abençoam o povo e as cidades com o Santíssimo Sacramento pelas ruas. Nem Lutero chegou a tamanhas absurdidades!

Os fatos demonstram, uma vez mais, a fragilidade de uma reforma litúrgica que fracassou por completo. Falta apenas a humildade de reconhecê-lo e somos adultos o bastante para saber que o nosso episcopado ideologizado ainda não saiu do romantismo conciliar mais adolescente, e defende com a boca aquilo mesmo que desfaz com as próprias mãos.

Se de um mal Deus Nosso Senhor tira vários bens, parece claro que Ele impõe aos modernistas que engulam a seco um revés a todo o discurso e jargões proferidos por décadas — comunidade, participação ativa, protagonismo leigo, liturgia inculturada, fazendo-os ter de aprender a celebrar sozinhos e sem firulas. Pois, afinal, a solução, pura e simples, já demonstrada e agora reforçada pela pandemia, é deixar de lado as invencionices e retornar à Missa de Sempre.

Vaticano: Papa publica decreto sobre traduções litúrgicas.

Cidade do Vaticano, 09 set 2017 (Ecclesia) – O Vaticano publicou hoje o decreto do Papa Francisco sobre as traduções litúrgicas, o motu próprio ‘Magnum principium’, que visa favorecer a participação de todos na celebração.

“A oração litúrgica tem que se «adaptar à compreensão do povo» para ser plenamente vivida, com um estilo expressivo, fiel aos textos originários, mas capaz de comunicar o anúncio de salvação em qualquer contexto linguístico e cultural”, assinala a nota explicativa divulgada pelo jornal do Vaticano.

O decreto implica uma mudança no Código de Direito Canónico, modificando o cânone 838, relativo à publicação dos livros litúrgicos e às suas versões nas diversas línguas, na linha das recomendações do documento do Concílio Vaticano II sobre a Liturgia, ‘Sancrosanctum concilium’, de 1963.

Francisco estabelece que a tradução de textos litúrgicos, aprovada pelas Conferências Episcopais nacionais, já não seja submetida a revisão por parte da Santa Sé (recognitio), mas à sua confirmação (confirmatio).

“A Sé Apostólica exerce unicamente um ato de «confirmação», ratificando em substância o trabalho dos episcopados e obviamente pressupondo a sua fidelidade e a correspondência das versões ao texto litúrgico original”, precisa a nota explicativa do Jornal do Vaticano.

A decisão do Papa foi tomada “com base no trabalho de uma comissão de bispos e peritos por ele instituída”.

O motu próprio vai entrar em vigor a 1 de outubro próximo, regulando a relação entre a Santa Sé e as conferências episcopais na preparação e na tradução dos textos litúrgicos, a fim de tornar “mais fácil e frutuosa”.

O Papa reformula o cânone em questão, definindo em particular a distinção entre “revisão” – avaliação das adaptações que cada conferência episcopal pode fazer aos textos litúrgicos, a fim de valorizar as legítimas diversidades de povos e etnias no culto divino – e “confirmação” – das traduções preparadas e aprovadas pelos bispos -, tarefas de competência da Santa Sé.

Papa: superar leituras infundadas e superficiais da reforma litúrgica, que é irreversível.

Cidade do Vaticano (RV) –  “Não basta reformar os livros litúrgicos para renovar a mentalidade (…), a educação litúrgica de Pastores e fiéis é um desafio a ser enfrentado sempre de novo”.” Depois deste magistério e  depois deste longo caminho, podemos afirmar com segurança e com autoridade magisterial que a reforma litúrgica é irreversível”.

Ao encontrar na manhã desta quinta-feira na Sala Paulo VI os participantes da Semana Litúrgica Nacional italiana, o Papa Francisco falou sobre a irreversibilidade da reforma litúrgica, recordando – ao começar seu pronunciamento – os acontecimentos “substanciais e não superficiais” ocorridos no arco dos últimos 70 anos na história Igreja e em particular, “na história da liturgia”.

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A opinião do Padre Conciliar mais radical: Coexistência completa da Missa Tradicional com a Missa Nova.

Missa Solene Coram Episcopo celebrada (verus populum) durante a Oitava Semana Litúrgica Nacional em Portland,1947. O Arcebispo E.D. Howard está no trono; à sua direita, o Reverendíssimo Joseph Gilmore, Bispo de Helena; à sua esquerda está o Reverendíssimo Francis Carroll, Bispo de Calgary.
Missa Solene Coram Episcopo celebrada (verus populum) durante a Oitava Semana Litúrgica Nacional em Portland,1947. O Arcebispo E.D. Howard está no trono; à sua direita, o Reverendíssimo Joseph Gilmore, Bispo de Helena; à sua esquerda está o Reverendíssimo Francis Carroll, Bispo de Calgary.

Por Rorate-Caeli| Tradução: Teresa Maria Freixinho – Fratres in Unum.com – Dentre os Padres Conciliares que publicamente expressaram sua opinião a respeito da Sagrada Liturgia durante os debates (Primeira e Segunda Sessões) sobre o esquema De Sacra Liturgia, que levou à Constituição sobre a Sagrada Liturgia (Sacrosanctum Concilium), ninguém foi mais radical do que o bispo de origem alemã Wilhelm Josef Duschak, S.V.D., Vigário Apostólico de Calapan, nas Filipinas.

Ele foi o único bispo a propor, nas discussões conciliares oficiais, uma reforma real do Cânon da Missa, uma questão que era considerada impensável para a maioria dos Padres Conciliares — embora ela seria realizada “ad experimentum” em muitos países tão logo o Concílio terminasse, e, de modo permanente, com a criação do novo Ordinário da Missa, em 1969. Assim, Duschak estava na vanguarda dos reformadores litúrgicos mais radicais – o único bispo a expressar abertamente o que os demais bispos e, especialmente, muitos periti disseram e escreveram no submundo conciliar:

Dom Duschak* de Mindoro foi o primeiro a insinuar que o latim fosse completamente eliminado da Missa e que os sacerdotes estivessem sempre virados para as pessoas; outros bispos haviam encorajado um uso maior dos idiomas vernáculos, ainda que conservassem um pouco de latim. Duschak propôs a Missa Orbis ou a Missa do Mundo. Entrevistado posteriormente, Duschak disse: “Eu não tenho muita esperança de que minha ideia seja aceita em um futuro próximo. Porém, como um bom filipino, eu digo: paciência!”

Porém, mesmo um reformador litúrgico tão radical como Dom Duschak exibia um comportamento em relação à Missa Tradicional em Latim que envergonharia os mais recalcitrantes dentre seus colegas no episcopado de nossa própria era. De acordo com o Padre Ralph Wiltgen, S.V.D., o coordenador de imprensa de mente liberal do Serviço de Notícias do Concílio Divine Word Missionaries, recordou em seu famoso “The Rhine flows into the Tiber”, com relação às memórias dessa primeira sessão do Concílio (1962):

Dom Duschak enfatizou que ele não estava propondo a abolição da forma atual da Missa em Latim. Ele estava meramente propondo que uma forma adicional ou estrutura da Missa fosse introduzida.

___________
*Nota 1: O arquivo original em PDF estava localizado aqui  (http://www.jesuits.ph/windhover/WH4Q05.pdf, visited on Oct. 26, 2006), mas desde então ele foi removido. Uma cópia pode ser encontrada na Internet Wayback Archive. A mesma referência também é encontrada em diversas obras que cobrem as reformas litúrgicas.

Nota 2: É interessante observar que  Duschak também respondeu a jornalistas quanto ao pedido por uma nova forma da Missa dentre os povos nativos de seu Vicariato:

Ao ser indagado se a sua proposta teve origem nas pessoas a quem ele servia, ele respondeu, “Não, penso que elas se oporiam a ela, da mesma forma que muitos bispos se opõem a ela. Porém, se ela pudesse ser posta em prática, penso que eles a aceitariam.

E assim eles fizeram: a revolução litúrgica, como quase todas as revoluções, emanaram da “Elite Iluminada” para as pessoas ignorantes…

Iniciada a reforma da reforma da reforma litúrgica?

Duas notícias de Blogonicus:

Piero Marini será o novo Prefeito do Culto Divino?

Segundo informa o Pe. Ray Blake, no seu sempre excelente blog, fazendo eco ao publicado por Liam Connolly (ver abaixo), o arcebispo Piero Marini seria nomeado, em questão de horas, como novo Prefeito da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos.

Arcebispo Marini foi o responsável por boa parte das liturgias do pontificado de João Paulo II e por alguns anos de Bento XVI, sendo particularmente culpado pela péssima impressão que as missas pontifícias causavam aos olhos e ao coração dos católicos fiéis.

A saída de Piero Marini, que nunca é demais lembrar foi discípulo de Annibale Bugnini, da sua função de liturgista foi comemorada por muitos dentro e fora do Vaticano. Piero representava o pior gosto e senso litúrgico da pós-reforma e seu banimento significava apenas o óbvio – não há lugar para tais idiotices na liturgia da Igreja!

Entretanto, como afirmei mais cedo hoje:

Um novo estilo se instalou, para desespero daqueles preocupados com a coerência de uma reforma da reforma. Não é possível afirmar, com honestidade, que Francisco continua no caminho da reforma da reforma iniciado por Bento XVI, ainda que de forma diferente.

O cardeal Cañizares, atual prefeito, mesmo com sua predileção pelo movimento dos “neocatecumenais”, não é nem de perto um mau negócio quando comparado com Piero Marini. O retorno de Piero Marini, se confirmado, é um desagravo aos modernistas e uma humilhação (mais uma!) aos tradicionalistas ou mesmo conservadores. É, como disse o Pe. Blake, o “horror dos horrores”.

Se confirmado, será o ponto de “cisma” entre Francisco e Bento XVI. Lembrando que Francisco teve um encontro reservado com Piero Marini em abril, poucos dias após sua eleição, onde já se especulava a nomeação.

A elevação de Piero Marini a um posto que considero de importância igual ao da Doutrina da Fé é lamentável. Ela deixará claro, como já disse, a direção de Francisco e ferirá de morte o coração de muitos bons católicos.

“Quem viver, verá”.

* * *

DEMITIDOS – Liturgistas de Bento XVI

Como informam os blogs Rorate Caeli e Secretum Meum Mihi, os consultores da Oficina de Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice foram todos – T.O.D.O.S – removidos dos seus postos [nota do Fratres: o que inclui Monsenhor Nicola Bux e o Pe. Uve Michael Lang].

Como acontece com todos os cargos consultivos na Cúria, há um prazo de cinco anos, que pode ser renovado por mais cinco, para que o sacerdote ou bispo membro de um dicastério exerça seu trabalho. Entretanto, Francisco preferiu nomear novos membros.

A liturgia foi o destaque do pontificado de Bento XVI e penso que o tema tem o mesmo peso para Francisco, mas numa direção inversa. O papa atual já deu mostras de como quer que a vida litúrgica do Sumo Pontífice seja conduzida – simplicidade e pobrismo.

Dos 5 nomes indicados por Francisco, 2 são ligados ao Santo Anselmo, que foi o grande centro disseminador da reforma litúrgica selvagem.

Um dos nomeados, o carmelita Giuseppe Midili, no centro, durante conferência na Espanha.

Mas o que isso significa?

Significa que as mudanças na liturgia do Papa serão rápidas. Um novo estilo se instalou, para desespero daqueles preocupados com a coerência de uma reforma da reforma. Não é possível afirmar, com honestidade, que Francisco continua no caminho da reforma da reforma iniciado por Bento XVI, ainda que de forma diferente.

Entretanto, Francisco começa da base. Remove-se os consultores, que são a “equipe teórica” das celebrações. Depois, penso eu, virá uma remodelação dos cerimoniários. Por último a demissão de Mons. Guido Marini.

Os consultores de Bento XVI representavam o “suprassumo” do seu pensamento litúrgico e davam ao departamento a condução teológica que Ratzinger sintetizou tão bem em “Introdução ao Espírito da Liturgia”.

Eu repito que somente alguém desonesto ou mentalmente afetado pode afirmar uma continuidade litúrgica entre Bento XVI e Francisco. Não há! Vivemos nestes dias uma transição, mas Francisco deixa muito claro qual o caminho a ser percorrido. E o Papa atual não está preocupado com hermenêuticas quaisquer que sejam.

Diferentemente dos nomes anteriores, que já eram conhecidos em diversas partes do mundo pela sua postura crítica em relação à reforma litúrgica e seus excessos, os nomes apontados por Francisco emergem do completo anonimato.

Podemos esperar de tudo um pouco. Um movimento reacionário e restauracionista está tomando conta do Vaticano. A Igreja, com Francisco, está na contramão, caminha de marcha ré e com os olhos fechados para a realidade. Oremos!

Cardeal Joseph Ratzinger: “Devemos mencionar os perigos que, nas últimas décadas, infelizmente, não permaneceram apenas como fantasias de tradicionalistas inimigos da reforma”.

“Parece-me muito importante que o Catecismo, ao mencionar os limites do poder da suprema autoridade da Igreja acerca da reforma, chame a atenção sobre qual é a essência do primado, assim como é enfatizado pelos Concílios Vaticano I e II: o papa não é um monarca absoluto cuja vontade é lei, mas sim o guardião da autêntica Tradição e, por isso, o primeiro fiador da obediência. Ele não pode fazer o que quiser, e justamente por isso pode se opor àqueles que pretendem fazer o que querem”.

A liturgia entre reformistas radicais e intransigentes

IHU – Foi publicado na Itália o livro de Alcuin Reid Lo sviluppo organico della liturgia. I principi della riforma liturgica e il loro rapporto con il Movimento liturgico del XX secolo prima del Concilio Vaticano II [O desenvolvimento orgânico da liturgia. Os princípios da reforma litúrgica e a sua relação com o Movimento Litúrgico do século XX antes do Concílio Vaticano II] (Cantagalli, 432 páginas). O livro tem um prefácio do então cardeal Joseph Ratzinger, futuro Bento XVI, que aqui publicamos.

O artigo foi publicado no sítio Vatican Insider, 26-06-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Nas últimas décadas, a questão da correta celebração da liturgia tornou-se cada vez mais um dos pontos centrais da controvérsia em torno do Concílio Vaticano II, ou seja, de como ele deve ser avaliado e acolhido na vida da Igreja.

Há os estrênuos defensores da reforma, para os quais é uma culpa intolerável que, sob certas condições, tenha sido readmitida a celebração da Santa Eucaristia segundo a última edição do Missal antes do Concílio, a de 1962. Ao mesmo tempo, porém, a liturgia é considerada como “semper reformanda”, de modo que, no fim, é a “comunidade” individual que faz a sua “própria” liturgia, na qual ela mesma se expressa. Um Liturgisches Kompendium [compêndio litúrgico] protestante (editado por Christian Grethlein e Günter Ruddat, Göttingen, 2003) apresentou recentemente o culto como “projeto de reforma” (pp. 13-41), refletindo também o modo de pensar de muitos liturgistas católicos . Por outro lado, há também os críticos ferozes da reforma litúrgica, que não só criticam a sua aplicação prática, mas também as suas bases conciliares. Estes veem a salvação somente na rejeição total da reforma.

Entre esses dois grupos, os reformistas radicais e os seus adversários intransigentes, muitas vezes se perde a voz daqueles que consideram a liturgia como algo vivo, algo que cresce e se renova no seu ser recebida e no seu atuar-se. Estes últimos, no entanto, com base na mesma lógica, também insistem no fato de que o crescimento só é possível se for preservada a identidade da liturgia e ressaltam que um desenvolvimento adequado só é possível prestando atenção às leis que, do interior, sustentam esse “organismo”. Como um jardineiro acompanha uma planta durante o seu crescimento com a devida atenção às suas energias vitais e às suas leis, assim também a Igreja deve acompanhar respeitosamente o caminho da liturgia através dos tempos, distinguindo o que ajuda e cura, daquilo que violenta e destrói.

Se é assim, então devemos tentar definir qual é a estrutura interna de um rito, bem como as suas leis vitais, de modo a encontrar os caminhos certos para preservar a sua energia vital na mudança dos tempos para incrementá-la e renová-la. O livro do padre Alcuin Reid se coloca nesta linha. Percorrendo a história do Rito Romano (missa e breviário), desde as origens até as vésperas do Concílio Vaticano II, ele tenta estabelecer quais são os princípios do seu desenvolvimento litúrgico, obtendo, assim, da história, com os seus altos e baixos, os critérios sobre os quais toda reforma deve se basear.

O livro está dividido em três partes. A primeira, muito breve, analisa a história da reforma do Rito Romano desde as suas origens no fim do século XIX. A segunda parte é dedicada ao movimento litúrgico até 1948. A terceiro – de longe a mais extensa – trata da reforma litúrgica sob Pio XII até as vésperas do Concílio Vaticano II. Esta parte se revela muito útil, justamente porque tal fase da reforma litúrgica não é mais muito lembrada, apesar de que justamente nela – assim como na história do movimento litúrgico, evidentemente – se encontram todas as questões acerca das modalidades corretas para uma reformas, fazendo com que seja possível adquirir também critérios de julgamento.

A decisão do autor de se deter no limiar do Concílio Vaticano II é muito sábia. Ele evita, assim, entrar na controvérsia ligada à interpretação e à recepção do Concílio, ilustrando o momento histórico e a estrutura das várias tendências, o que é determinante para a questão acerca dos critérios da reforma.

No fim do seu livro, o autor elenca os princípios para uma correta reforma: ela deve ser igualmente aberta ao desenvolvimento e à continuidade com a Tradição; deve saber-se ligada a uma tradição litúrgica objetiva e fazer com que a continuidade substancial seja salvaguardada.

O autor, depois, de acordo com o Catecismo da Igreja Católica, sublinha que “mesmo a suprema autoridade da Igreja não deve modificar a liturgia arbitrariamente, mas somente em obediência à fé e com respeito religioso pelo mistério da liturgia” (CC, n. 1.125). Como critérios adicionais encontramos, enfim, a legitimidade das tradições litúrgicas locais e o interesse pela eficácia pastoral.

Eu gostaria de ressaltar ainda, do meu ponto de vista pessoal, alguns dos critérios já brevemente indicados da renovação litúrgica. Vou começar com os dois últimos critérios fundamentais. Parece-me muito importante que o Catecismo, ao mencionar os limites do poder da suprema autoridade da Igreja acerca da reforma, chame a atenção sobre qual é a essência do primado, assim como é enfatizado pelos Concílios Vaticano I e II: o papa não é um monarca absoluto cuja vontade é lei, mas sim o guardião da autêntica Tradição e, por isso, o primeiro fiador da obediência. Ele não pode fazer o que quiser, e justamente por isso pode se opor àqueles que pretendem fazer o que querem.

A lei à qual deve se ater não é o agir ad libitum, mas sim a obediência da fé. Razão pela qual, com relação à liturgia, ele tem a tarefa de um jardineiro e não de um técnico que constrói máquinas novas e joga fora as velhas. O “rito”, ou seja, a forma de celebração e de oração que amadurece na fé e na vida da Igreja, é forma condensada da Tradição viva, na qual a esfera do rito expressa o conjunto da sua fé e da sua oração, tornando assim experimentável, ao mesmo tempo, a comunhão entre as gerações, a comunhão com aqueles que rezam antes de nós e depois de nós. Assim, o rito é como um dom feito à Igreja, uma forma viva de parádosis.

É importante, a esse respeito, interpretar corretamente a “continuidade substancial”. O autor nos adverte expressamente com relação ao caminho equivocado no qual podemos ser conduzidos por uma teologia sacramental neoescolástica separado da forma viva da liturgia. Partindo dela, se poderia reduzir a “substância” à matéria e à forma do sacramento e dizer: o pão e o vinho são a matéria do sacramento, as palavras da instituição são a sua forma; somente essas duas coisas são necessárias, todo o resto pode até mudar. Sobre esse ponto, modernistas e tradicionalistas se encontram de acordo. Basta que haja a matéria e que sejam pronunciadas as palavras da instituição: todo o resto é “à vontade”. Infelizmente muitos sacerdotes hoje agem com base nesse esquema, e até as teorias de muitos liturgistas, infortunadamente, se movem nessa direção.

Eles querem superar o rito como algo rígido e constroem produtos da sua imaginação, considerada pastoral, em torno desse núcleo residual, que é, assim, relegado ao reino da magia, ou privado totalmente do seu significado. O movimento litúrgico tinha tentado superar esse reducionismo, produto de uma teologia sacramental abstrata, e nos ensinar a considerar a liturgia como o conjunto vivo da Tradição que se fez forma, que não pode ser rasgado em pequenos pedaços, mas que deve ser visto e vivido na sua totalidade viva.

Quem, como eu, na fase do movimento litúrgico às vésperas do Concílio Vaticano II, ficou impressionado com essa concepção só pode constatar com profunda dor a destruição daquilo que estava em seu coração.

Eu gostaria de comentar brevemente outras duas intuições que aparecem no livro do padre Alcuin Reid. O arqueologismo e o pragmatismo pastoral – este último, no entanto, é muitas vezes um racionalismo pastoral – são ambos incorretos. Poderiam ser descritos como um par de gêmeos profanos. Os liturgistas da primeira geração eram, em sua maioria, historiadores e, consequentemente, propensos ao arqueologismo.

Eles queriam desenterrar as formas mais antigas na sua pureza original; viam os livros litúrgicos em uso, com os seus ritos, como expressão de proliferações históricas, fruto de mal-entendidos e ignorância passados. Tentava-se reconstruir a mais antiga Liturgia romana e limpá-la de todos os acréscimos posteriores. Não era algo totalmente equivocado; mas a reforma litúrgica é, contudo, algo diferente de uma escavação arqueológica, e nem todos os desenvolvimentos de algo vivo devem seguir a lógica de um critério racionalista/historicista.

Essa é também a razão pela qual – como o autor observa com razão – na reforma litúrgica a última palavra não deve ser deixada aos especialistas. Especialistas e pastores têm, cada um, o seu próprio papel (assim como, na política, os técnicos e aqueles que são chamados a decidir representam dois níveis diferentes). Os conhecimentos dos estudiosos são importantes, mas não podem ser imediatamente transformados em decisões dos pastores, que têm a responsabilidade de ouvir os fiéis na implementação com inteligência junto com eles do que hoje ajuda a celebrar os Sacramentos com fé ou não.

Uma das debilidades da primeira fase da reforma depois do Concílio foi que quase somente os especialistas tinham voz no capítulo. Teria sido desejável uma maior autonomia por parte dos pastores. Porque, muitas vezes, obviamente, é impossível elevar o conhecimento histórico ao posto de nova norma litúrgica, esta “arqueologismo” se vinculou muito facilmente ao pragmatismo pastoral. Decidiu-se, em primeiro lugar, eliminar tudo o que não era reconhecido como original e, consequentemente, como “substancial”, para depois integrar a “escavação arqueológica” – quando ainda parecesse insuficiente – com o “ponto de vista pastoral”.

Mas o que é “pastoral”? Os julgamentos intelectualistas dos professores sobre essas questões eram muitas vezes determinados pelas suas considerações racionais e não levavam em conta o que realmente sustenta a vida dos fiéis. De modo que, hoje, após a vasta racionalização da liturgia na primeira fase da reforma, estamos novamente em busca de formas de solenidade, de atmosferas “místicas” e de uma certa sacralidade.

Mas uma vez que existem – necessariamente e cada vez mais evidentes – julgamentos largamente divergentes sobre o que é pastoralmente eficaz, o aspecto “pastoral” tornou-se uma fenda para a irrupção da “criatividade”, que dissolve a unidade da liturgia e nos coloca muitas vezes diante de uma deplorável banalidade. Com isso, não queremos dizer que a liturgia eucarística, assim como a liturgia da Palavra, não sejam muitas vezes celebradas a partir da fé, de modo respeitoso e “bonito”, no melhor sentido da palavra.

Mas, como estamos buscando os critérios da reforma, também devemos mencionar os perigos que, nas últimas décadas, infelizmente, não permaneceram apenas como fantasias de tradicionalistas inimigos da reforma. Gostaria de me deter ainda sobre o fato de que, naquele compêndio litúrgico acima mencionado, o culto foi apresentado como “projeto de reforma”, isto é, como um canteiro de obras onde sempre há muito a fazer. Semelhante, embora um pouco diferente, é a sugestão, por parte de alguns liturgistas católicos, de adaptar a reforma litúrgica à mudança antropológica da modernidade e de construí-la de modo antropocêntrico.

Se a liturgia aparece sobretudo como o canteiro de obras do nosso agir, então isso significa que esquecemos do essencial: Deus. Porque, na liturgia, não se trata de nós, mas sim de Deus. O esquecimento de Deus é o perigo mais iminente do nosso tempo. A essa tendência, a liturgia deveria opor a presença de Deus. Mas o que acontece se o esquecimento de Deus entra até mesmo na liturgia, se na liturgia pensamos apenas em nós mesmos?

Em toda reforma litúrgica e em toda celebração litúrgica, o primado de Deus deveria sempre ocupar o primeiríssimo lugar. Com isso, foi muito além do livro do padre Alcuin. Mas acredito que, no entanto, tenha ficado claro que este livro, com a riqueza das suas ideias, nos ensina critérios e nos convida a uma reflexão posterior. Por isso eu recomendo a sua leitura.

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Atenção: blog em recesso ao longo de todo o mês de agosto.

Cardeal Ranjith e a Sacra Liturgia.

Ocorre em Roma, de terça a sexta-feira desta semana [25 a 28], na Pontifícia Universidade da Santa Cruz, a conferência Sacra Liturgia, que reúne renomados liturgistas do mundo todo. Da interessante conferência do Cardeal Malcom Ranjith, Arcebispo de Colombo, Sri Lanka, destacamos apenas alguns pontos para instigar os leitores à sua leitura na íntegra — aos que puderem traduzir outros trechos, agradecemos antecipadamente.

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“Se tais improvisações tornassem a Liturgia verdadeiramente mais eficaz e interessante, então, por que com tais experimentações e criatividade o número dos participantes aos domingos caiu tanto e tão drasticamente em nossos dias?”

LATIM E LITURGIA

Cardeal Ranjith.
Cardeal Ranjith.

A respeito do uso do latim na liturgia, vale a pena sublinhar o que foi decretado pelo Concílio: “Deve conservar-se o uso do latim nos ritos latinos, salvo o direito particular” (Sacrosanctum Concilium, n. 36), e consentia no uso do vernáculo para as leituras, monições e algumas orações e cantos. Naturalmente, confiava à competente autoridade eclesiástica territoriais decidir se e em que medida o vernáculo seria usado na Liturgia, todavia, sempre com a aprovação da Santa Sé. Mesmo relativamente ao canto gregoriano, o Concílio é prudente enquanto, mesmo admitindo outros gêneros de música sacra, sobretudo a polifonia, afirma que a Igreja “reconhece como canto próprio da liturgia romana o canto gregoriano”, pelo que “terá este, na ação litúrgica, o primeiro lugar” (Sacrosanctum Concilium, n. 116). Tal concepção limitada do Concílio para o uso do vernáculo na Liturgia foi aventureiramente estendida pelos reformadores; tendo o latim quase totalmente desaparecido da cena, permaneceu como o órfão mais amado na Igreja. Digo isto não porque eu seja um fanático do latim; provenho de uma terra de missão, na qual o latim não é compreendido por quase toda a minha comunidade. Mas é um erro crer que uma língua deva sempre ser compreendida por todos. A língua, como sabemos, é um meio de comunicação de uma experiência que, quase sempre, é mais ampla do que a própria palavra. Língua e palavra são, portanto, secundárias e, em ordem de importância, estão, depois, a experiência e a pessoa. A língua leva consigo sempre uma originalidade do acontecimento. Por exemplo, o termo “OM” é intraduzível para a liturgia hinduísta; além disso, as religiões orientais usam uma língua que é estritamente limitada às suas formas de oração e de culto: o hinduísmo usa o sânscrito, o budismo o pali, e o islã o árabe corânico. Nenhuma destas línguas é falada hoje, e são usadas somente em sua forma cultual; cada uma destas línguas é respeitada e reservada, desde o início, pela expressão de “algo que está para além do som e das letras”. O judaísmo, por exemplo, usa o tetragrama YHWH para indicar o impronunciável nome de Deus. Por si mesmas, as quatro letras do sagrado tetragrama não têm nenhuma nuance linguística, mas constituem o nome santíssimo de Deus na tradição escrita da Massorá.

O uso litúrgico do latim na Igreja, mesmo que tenha se iniciado em torno no século IV, dá origem a uma série de expressões que são únicas e constituem a própria fé da Igreja. O vocabulário do Credo é claramente cheio de expressões em latim que são intraduzíveis. O papel da lex orandi em determinar a lex credendi da Igreja é validíssimo no caso do uso do latim na Liturgia, porque a doutrina é frequentemente mais compreendida na experiência de oração. Por tal razão, um sadio equilíbrio entre o uso do latim e do vernáculo deveria ser, segundo meu ponto de vista, mantido. A reintrodução do usus antiquor feita pelo Papa Bento XVI não era, então, um passo para trás, como alguns definiram, mas uma iniciativa que restituía à Sacra Liturgia um sentido de estupor místico, uma tentativa de impedir uma clara banalização daquilo que é fundamental para a vida da Igreja. Deve-se honrar e impulsionar tal iniciativa do Pontífice, que também pode conduzir à evolução de um novo movimento litúrgico, que poderia desembocar na “reforma da reforma”, desejo ardente do papa Ratzinger. De fato, alguns elementos do usus antiquor refletem melhor o sentido de maravilhamento e devoção com o qual nós somos chamados a re-presentar os acontecimentos do Calvário em nossas celebrações eucarísticas. E porque aceitamos os diversos desenvolvimentos positivos do novus ordo, como, por exemplo, o mais amplo uso do texto bíblico e um maior espaço à participação da comunidade nos vários momentos da Missa, deveríamos também assegurar que aquilo que acontece sobre os nossos altares não perca a própria capacidade de causar uma verdadeira transformação espiritual da comunidade. E é por isso que se torna necessária uma mutualidade dos elementos mais positivos das duas formas: isto é a “reforma da reforma”. A própria definição das duas formas como usus antiquor e novus ordo, para mim, é errônea, porque o sacrifício do Calvário nunca é antigo, mas é sempre novo e atual.

CONCEPÇÕES ERRÔNEAS

Outro aspecto do processo de uma verdadeira renovação profunda da Igreja, por causa do papel decisivo que o culto desempenhou em sua vida e missão, é a necessidade de purificar a Liturgia de algumas concepções errôneas que penetraram pela euforia das reformas introduzidas por alguns liturgistas depois do Concílio – coisa que, é necessário reconhecê-lo, nunca esteve na mente dos padres conciliares quando aprovaram a histórica Constituição litúrgica Sacrosanctum Concilium.

a. Arqueologismo

A lista é aberta por um tipo de falso “arqueologismo” que tinha por slogan “voltemos à Liturgia da Igreja primitiva”. Escondia-se aqui a interpretação de que somente aquilo que se celebrava na Liturgia do primeiro milênio da Igreja fosse válido, pensava-se que o retorno a isto fizesse parte do aggiornamento. A Mediator Dei ensina que esta interpretação é errada: “A liturgia da época antiga é, sem dúvida, digna de veneração, mas o uso antigo não é, por motivo somente de sua antiguidade, o melhor, seja em si mesmo, seja em relação aos tempos posteriores e às novas condições verificadas” (Cf. Pio XII, S.S., Encíclica Mediator Dei, Enchiridion Encicliche, vol 6, Bolonha 1995, n. 487). Além disso, já que as informações sobre a práxis litúrgica dos primeiros séculos não são claramente atestadas nas fontes escritas do tempo, o perigo de um arbítrio simplista em definir tais práxis é ainda maior e corre o risco de ser uma pura conjectura. Além disso, não é respeitoso do processo natural de crescimento das tradições da Igreja nos séculos sucessivos. Nem está em consonância com a fé na ação do Espírito Santo ao longos dos séculos. E é, além de tudo, altamente pedante e irrealista.

b. Sacerdócio ministerial

Uma outra concepção errônea de reformismo em matéria de Liturgia é a tendência a confundir o altar com a nave. Observa-se frequentemente que a distinção essencial na Liturgia entre o papel do clero e dos leigos é confuso, por causa de uma compreensão errônea da diferença entre o ofício sacerdotal de todos os fiéis (sacerdócio comum) e o ofício do clero (sacerdócio ministerial): uma diferença muito bem explicada na Lumen Gentium. Este documento esclarece que o sacerdócio comum de todos os batizados foi sempre afirmado pela Igreja (cf. Ap 1,6; 1 Pd 2,9-10; Mediator Dei, nn. 39-41; e Lumen Gentium, n. 10), assim como o sacerdócio ministerial; os quais, cada um a seu modo, participam “do único sacerdócio de Cristo”… “embora se diferenciem essencialmente e não apenas em grau” (Lumen Gentium, n. 10). A Constituição litúrgica do Concílio afirma que a Liturgia prevê uma distinção entre as pessoas “que deriva do ofício litúrgico e da sagrada ordem” (Sacrosanctum Concilium, n. 32). A Mediator Dei era ainda mais categórica, afirmando que: “Ai soli Apostoli ed a coloro che, dopo di essi, hanno ricevuto dai loro successori l’imposizione delle mani, è conferita la potestà sacerdotale” (Mediator Dei, in Enchiridion Encicliche, vol. 6, Bolonha 1995, n. 468).

O resultado de tais confusões de papéis na época moderna é a tendência a clericalizar os leigos e a laicizar o clero. Índice de tais confusões é a sempre maior remoção das balaustradas dos altares dos nossos presbitérios e o fato de as pessoas permanecerem sentadas ou agachadas por terra em torno do altar; são pessoas demais a entrar e circular no presbitério, causando distração e distúrbio em nossas funções litúrgicas. A Santa Eucaristia, em tais situações, se torna um espetáculo, e o sacerdote um showman. O sacerdote não é mais como no passado – como escreveu K. G. Rey, em seu artigo Coming of age manifestations in the Catholic Church –: “ o mediador anônimo, o primeiro entre os fiéis diante de Deus e não do povo, representante de todos, que oferece com eles o sacrifício, recitando as orações prescritas. Hoje, ele é uma pessoa distinta, com características pessoais, o seu estilo de vida pessoal, com o seu próprio rosto voltado ao povo. Para muitos sacerdotes, esta mudança é uma tentação que não sabem gerenciar… se torna para eles o nível de sucesso do próprio poder pessoal e, por isso, o indicador do sentimento de segurança pessoal e de autoestima” (K. G. Rey, Pubertätserscheinungeng in der Katolischen Kirche, Kritische Texte, Benzinger, vol. 4, p. 25). O padre, aqui, se torna o ator principal, que recita um drama  com outros atores sobre o altar, e quanto mais são capazes e sensacionais, tanto mais sentem que recitaram bem. Em um cenário assim, o papel central de Cristo desaparece, e também, se num primeiro momento isso parece agradável, à longo prazo se torna extremamente banal e cansativo.

c. Actuosa participatio

(…)

Existem pessoas, também em nosso tempo, que desejam tornar a Liturgia mais interessante ou apetecível; fazem suas próprias regras, correndo, assim, o risco de esvaziar a Liturgia de seu essencial dinamismo interior, com o resultado final de que as chamadas formas de culto se tornam, por fim, insípidas e maçantes. Se tais improvisações tornassem a Liturgia verdadeiramente mais eficaz e interessante, então, por que com tais experimentações e criatividade o número dos participantes aos domingos caiu tanto e tão drasticamente em nossos dias? Esta é a pergunta que  devemos enfrentar com coragem e humildade. É justo considerar os requisitos antropológicos de uma sã Liturgia, sobretudo em relação aos símbolos, as rubricas e à participação; mas não se deve ignorar o fato de que estes não teriam significado sem uma correlação à chamada essencial de Cristo para unirmo-nos a Ele em Sua incessante Ação Sacerdotal.

Fonte: Diocese Suburbicária de Porto-Santa Rufina | Tradução e destaques: Fratres in Unum.com

Bartolucci, 95 anos.

“A reforma litúrgica dos anos 60 foi realizada por pessoas secas: Repito ‘pessoas secas’. Eu as conheci”.

Cardeal Domenico Bartolucci
Cardeal Domenico Bartolucci

Kreuz.net | Tradução: Fratres in Unum.com – No último dia 7, o Cardeal Domenico Bartolucci completou seu 95º aniversário. O cardeal foi ordenado padre em dezembro de 1939 para a Arquidiocese de Florença;

De 1957 até 1997 ele dirigiu o coro da Capela Sistina, que sempre cantava nas missas pontifícias. Em 1997, o regente nomeado a cargo vitalício foi afastado pelo Papa João Paulo II (+2005). Ele soube disso em razão da nomeação de seu sucessor. Depois, o demitido caiu no esquecimento.

Ele sobreviveu a João Paulo II.

Sem dúvida, o então Monsenhor continuou trabalhando como compositor. Suas obras preenchem mais de quarenta volumes. Em 2006, dirigiu uma peça de coral escrita para o Papa Bento XVI na Capela Sistina com o título em latim “Oremus pro Pontifice nostro Benedicto” — Rezemos por nosso Papa Bento.

O Papa elevou o músico eclesiástico ao cardinalato em novembro de 2010.

Sentimentalismo e Desejo de Mudança

O Cardeal nunca celebrou uma Missa nova em sua vida sacerdotal. Ele não tem uma opinião muito boa da suposta reforma litúrgica dos anos 60 do último século.

Ela teria sido feita por pessoas secas, explicou o cardeal em uma entrevista no verão de 2009: “Repito: secas. Eu as conheci.”

A reforma litúrgica foi uma “moda”: “Todo mundo fala sobre isso, tudo ‘renovado’, todo mundo queria ser um pequeno papa na busca de sentimentalismo e desejo de mudança”.

Circo em vez de Liturgia

O Cardeal Bartolucci também foi um crítico do declínio litúrgico durante o pontificado de João Paulo II. As cerimônias e danças papais com tambores teriam contribuído para o processo de desintegração.

Certa vez Monsenhor Bartolucci saiu mais cedo de uma dessas missas papais com as palavras: “Vocês podem me buscar quando o circo acabar”.

O Terceiro Cardeal mais idoso

O Cardeal Bartolucci encontra-se entre os dignatários mais velhos de 80 anos que foram elevados ao purpurado devido a serviços especiais prestados à Igreja. Atualmente ele é o terceiro cardeal mais idoso da Igreja. Há dois cardeais mais velhos do que ele, o Cardeal Fiorenzo Angelini (95) e o Cardeal Ersilio Tonini (97).

Ahhhhh tá…

Do artigo de Mario Ponzi, na edição de 30 de março de 2012 do Osservatore Romano, sobre o encontro entre o Papa Bento XVI e Fidel Castro:

Castro mostrou-se cansado e marcado pelos anos, mas lúcido e vivaz. E quando se encontrou face a face com Bento XVI compreendeu-se como na realidade ele tinha o desejo de o conhecer pessoalmente. Sem dúvida, tratou-se de um encontro autêntico. Castro demonstrou imediatamente uma grande curiosidade de conhecer, de saber. Dirigiu ao Papa uma série de perguntas de amplo alcance. A primeira foi inesperada: mas por que motivo a liturgia mudou tanto? A sua recordação estava fixa no período precedente ao Concílio, e o Pontífice começou a sua resposta precisamente pelo Vaticano II. Os padres conciliares julgaram que se devia mudar a liturgia para a tornar mais acessível aos fiéis, explicou o Papa. Mesmo se isto — acrescentou — criou situações que sugeriram ulteriores modificações, também para dar aos fiéis a possibilidade de penetrar mais profundamente no seu significado verdadeiro e, portanto, de participar de modo mais consciente.

Como diversos articulistas notaram, as missas celebradas em Cuba por João Paulo II (1998) e Bento XVI provavelmente foram as únicas acompanhadas por Fidel Castro desde sua juventude, quando estudante, na década de 30, em um colégio de jesuítas. Impossível não recordar as palavras de Monsenhor Klaus Gamber (em uma obra prefaciada pelo então Cardeal Ratzinger):

Um católico que, durante vinte anos, tivesse ficado longe da Igreja e que quisesse, após uma conversão íntima, praticar de novo sua religião, não reconheceria sua Igreja na atual. Apenas entrando num templo católico – sobretudo se é fortemente moderno – tudo lhe pareceria estranho. Pensaria ter se enganado e ter entrado em outro tipo de comunidade cristã. Quadros e imagens quase desapareceram das igrejas. Normalmente no lugar do Crucifixo em cima do altar há uma indefinível “obra de arte” moderna. O próprio altar se converteu num bloco de pedra desnudo, que mais do que altar parece uma tumba megalítica. Nosso católico não encontrará por ali o sacrário, nem a mesa da comunhão e notará a ausência do aroma de incenso, cujo perfume permanecia durante todo o dia no santuário. E possivelmente também não encontrará confessionários. É que sucedia àquela senhora católica que por amor a seu marido protestante adotou há anos a religião deste último; certamente ela continuava participando da missa em sua Igreja católica, porque ali se sentia na casa de Deus. Faria o mesmo hoje, quando não se distingue, por assim dizer, uma missa católica e uma ceia protestante?