O Papa: liturgia “vive de uma relação correta e consistente entre a sã traditio e a legítima progressio”.

Apresentamos alguns trechos do discurso do Papa Bento XVI, pronunciado na última sexta-feira,  aos membros do Pontifício Instituto Litúrgico Santo Anselmo, por ocasião dos seus 50 anos de fundação.

Na véspera do Concílio, de fato, parecia cada vez mais viva, no campo da liturgia, a urgência de uma reforma, postulada também pelas petições realizadas por diversos episcopados. Além disso, a forte demanda pastoral que motivava o movimento litúrgico requeria que se favorecesse e suscitasse uma participação ativa dos fiéis nas celebrações litúrgicas, através do uso de línguas nacionais, e que se aprofundasse na questão da adaptação dos ritos às diversas culturas, especialmente em terra de missão. Além disso, mostrou-se clara desde o início a necessidade de um estudo mais aprofundado do fundamento teológico da Liturgia, para evitar cair no ritualismo ou promover o subjetivismo, o protagonismo do celebrante, e para que a reforma estivesse bem justificada no âmbito da Revelação e em continuidade com a tradição da Igreja.

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Caros amigos, o título escolhido para o Congresso do Ano Jubilar é muito significativo: “Instituto Pontifício: entre memória e profecia”. Quanto à memória, devemos observar os frutos abundantes suscitados pelo Espírito Santo em meio século de história, e assim devemos agradecer ao Dador de todo bem, apesar também dos mal-entendidos e erros na realização efetiva da reforma.

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Com o termo “profecia”, o olhar se abre a novos horizontes. A Liturgia da Igreja vai além da própria “reforma conciliar” (cf. Sacrosanctum Concilium, 1), cujo objetivo, de fato, não era principalmente o de mudar os ritos e gestos, mas sim renovar as mentalidades e colocar no centro da vida cristã e da pastoral a celebração do mistério pascal de Cristo. Infelizmente, talvez, também pelos pastores e especialistas, a liturgia foi tomada mais como um objeto a reformar que como um sujeito capaz de renovar a vida cristã, a partir do momento em que “existe um vínculo estreito e orgânico entre a renovação da Liturgia e a renovação de toda a vida da Igreja. A Igreja extrai da liturgia a força para a vida”.

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Cume para o qual tende a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, fonte da qual brota a sua força (cf. Sacrosanctum Concilium, 10), a liturgia, com o seu universo celebrativo, torna-se assim a grande educadora na primazia da fé e da graça. A liturgia, testemunha privilegiada da Tradição viva da Igreja, fiel à sua missão original de revelar e tornar presente no hodie das vicissitudes humanas da opus Redemptionis, vive de uma relação correta e consistente entre a sã traditio e a legítima progressio, lucidamente explicitada pela Constituição conciliar no n. 23. Com ambos os termos, os Padres conciliares quiseram gravar seu programa de reforma, em equilíbrio com a grande tradição litúrgica do passado e do futuro. Não raro, contrapõe-se, de maneira desajeitada, tradição e progresso. Na verdade, os dois conceitos estão integrados: tradição é uma realidade viva, que por isso inclui em si o princípio do desenvolvimento, do progresso. É como dizer que o rio da tradição leva em si também sua fonte e tende à desembocadura.

Fonte: Zenit.org

10 comentários sobre “O Papa: liturgia “vive de uma relação correta e consistente entre a sã traditio e a legítima progressio”.

  1. “(…) colocar no centro da vida cristã e da pastoral a celebração do mistério pascal de Cristo”. Com isso está tudo dito. A teologia do Mistério Pascal, contudo, não é a da Santa Missa. Ela foi feita para pôr de lado a realidade da transubstanciação. Bento XVI mostra que não aprendeu com o tempo. Continua o mesmo progressista de tempos passados. Uma lástima esse pronunciamento.

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  2. “A Igreja extrai da liturgia a força para a vida”

    E a reforma mexeu justamente com a Fonte de Energia…. Não imaginei que o texto “http://anotacoesdeumjovem.blogspot.com/2011/04/reforma-da-reforma-uma-historia-de.html” de 01/04 concordaria com o discurso do Papa em 06/05…

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  3. O Papa Bento XVI, enquanto prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, disse, em resposta às declaração da FSSPX, que o termo “mistério pascal” é completamente legítimo, ao rebater todas os argumentos da FSSPX com grande sabedoria.

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  4. Bento XVI ,enquanto apóstolo do Senhor, será sempre iluminado pelo Divino Espírito Santo e contará com nossas humildes orações. Amém.

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  5. O comentário de José Menezes é muito certo.
    Eu diria ainda que o fundamental para essa nova teologia do Mistério Pascal foi a remoção do “mysterium fidei” das palavras da Consagração na nova missa de Paulo VI, sem dúvida, um golpe na Presença Real com consequências desastrosas.

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  6. Essa ruptura é vista precisamente no fato de tudo ser interpretado, de agora em diante, à luz do “mistério pascal”, e não do sacrifício expiatório e redentor de Cristo; a categoria de mistério pascal é tida como o coração da reforma litúrgica, e é precisamente isto que parece ser a prova de ruptura com a doutrina clássica da Igreja. É claro que há autores que são abertos a tal equívoco; mas que isso seja um equívoco é completamente evidente para os que olham mais de perto. Na realidade, o termo “mistério pascal” claramente se refere às realidade que tomaram lugar da Quinta-feira Santa até a manhã do Domingo de Páscoa: a Última Ceia como antecipação da Cruz, o drama do Gólgota e a Ressurreição do Senhor. Na expressã “mistério pascal” estes acontecimentos são vistos de modo sintético, como um só evento, como “a obra de Cristo”, como ouvimos o Concílio dizer no início, que teve lugar historicamente e ao mesmo tempo transcende este ponto específico no tempo. Como este evento é, interiormente, um ato de culto prestado a Deus, poderia tornar-se culto divino, e dessa forma estar presente para todas as épocas. A teologia pascal do Novo Testamento, sobre a qual lançamos um rápido olhar, dá-nos a entender precisamente isto: o aparente episódio profano da Crucificação de Cristo é um sacrifício de expiação, um ato salvador do amor reconciliador de Deus feito homem. A teologia da Páscoa é a teologia da redenção, uma liturgia de um sacrifício expiatório. O Pastor tornou-se Cordeiro. A visão do cordeiro, que aparece na história de Isaac, o cordeiro que fica preso nos arbustos e resgata o filho, tornou-se uma realidade; o Senhor tornou-se um Cordeiro; ele se permite ser preso e sacrificado, para nos libertar.

    Cardeal Joseph Ratzinger

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  7. Gostaria de crer que esse discurso teria sido preparado por algum assessor que diplomaticamente o escreveu para uma convidada platéia de discípulos de Bugnini. De qualquer forma, do discurso aproveita-se alguma coisa em prol da Tradição, mas os modernistas aproveitam muito mais com certas frases e locuções ambíguas, como, por exemplo, que a Missa seria tanto uma Epifania de Cristo quanto também da Igreja, não somente da Igreja Triunfante mas também no sentido mesmo da assembléia que lhe presta assistência. Epifania do povo!? Como sujeito ou como objeto-predicado dessa epifania, ou as duas coisas?! Porque é neste terceiro sentido que precisamente 99.99% das celebrações da Missa Nova a interpretam: um povo que celebra a si próprio, com uma “certa presença” do Espírito Santo, “no meio de nós”. Enfim, não me parece à toa que o discurso foi destacadamente publicado pela Zenit, que viu material farto para distorcer dizendo até que Bento XVI aprovaria a reforma “realizada” pelo Vaticano II. Uma coisa é a reforma proposta pelo Concílio (que até contém algumas poucas coisas boas), outra bem diferente foi a revolução realizada pela Comissão do maçom Bugnini e seus seis hereges protestantes. E essa diferença Ratzinger de vez em quando repete, salutarmente. Entretanto, seu conceito de Tradição aplicada à liturgia, embora não coincidente com a babel de Bugnini, Dona Ione Burst, Dom Isnard et caterva, nem com certas tendências autointituladas conservadoras, tampouco adere à Tradição a que tantos papas do passado mostraram-se fiéis em suas reformas dos ritos e livros litúrgicos.

    Rezemos pelo papa, sejamos gratos ao Senhor pelo que temos e aguardemos esperançosamente por dias melhores, não por merecimento, mas por misericórdia.

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  8. “sã traditio e a legítima progressio”

    Se é legítima, então dogmatiza e acabe com a discussão!

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