Dubia – Cardeais apresentam a Francisco suas dúvidas sobre o processo sinodal. E continuam sem resposta.

Fonte: Instituto Plinio Corrêa de Oliveira.

Notificação aos fiéis leigos (Cân. 212 § 3) sobre os dubia apresentados ao Papa Francisco
Irmãos e irmãs em Cristo,

Nós, membros do Sacro Colégio dos Cardeais, tendo presente o dever de todos os fiéis de «manifestar aos sagrados Pastores a sua opinião acerca das coisas atinentes ao bem da Igreja» (Cân. 212 § 3) e, sobretudo, tendo presente a responsabilidade dos Cardeais de «assistir ao Romano Pontífice (…) individualmente (…) na solicitude quotidiana da Igreja universal.» (Cân. 349), consideradas várias declarações de alguns altos Prelados relativas à celebração do próximo Sínodo dos Bispos, evidentemente contrárias à doutrina e à disciplina constantes da Igreja, e que geraram e continuam a gerar entre os fiéis e outras pessoas de boa vontade grande confusão e a queda no erro, manifestamos ao Romano Pontífice a nossa profundíssima preocupação. Recorrendo à comprovada prática da apresentação de dubia [perguntas] a um superior, para lhe dar a ocasião de esclarecer, através das suas responsa [respostas], a doutrina e a disciplina da Igreja, com a nossa carta de 10 de Julho de 2023, apresentamos cinco dubia ao Papa Francisco, cuja cópia se encontra em anexo. O Papa Francisco respondeu-nos com carta de 11 de Julho de 2023.

Tendo estudado a sua carta, que não seguiu a prática das responsa ad dubia [respostas a perguntas], reformulamos os dubia para suscitar uma resposta clara, baseada na doutrina e na disciplina perenes da Igreja. Com a nossa carta de 21 de Agosto de 2023, apresentamos ao Romano Pontífice os dubia reformulados, cuja cópia se encontra em anexo. Até à data, não recebemos resposta.

Dada a gravidade da matéria dos dubia, especialmente tendo em vista a iminente sessão do Sínodo dos Bispos, julgamos ser nosso dever informar-vos, fiéis (Cân. 212 § 3), para que não sejais sujeitos à confusão, ao erro e ao desânimo, mas rezeis pela Igreja universal e, em particular, pelo Romano Pontífice, para que o Evangelho seja ensinado cada vez mais claramente e seguido cada vez mais fielmente.

Vossos em Cristo,

Walter Cardeal Brandmüller
Raymond Leo Cardeal Burke
Juan Cardeal Sandoval Íñiguez
Robert Cardeal Sarah
Joseph Cardeal Zen Ze-kiun

Roma, 2 de Outubro de 2023

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Dúbia

1) Dubium sobre a afirmação de que a Revelação Divina deve ser reinterpretada tendo por base as mudanças culturais e antropológicas em voga.

Depois das afirmações de alguns bispos, que não foram corrigidas nem retratadas, pergunta-se se, na Igreja, a Revelação Divina deve ser reinterpretada segundo as mudanças culturais do nosso tempo e segundo a nova visão antropológica que tais mudanças promovem; ou se a Revelação Divina é vinculante para sempre, imutável e que, portanto, não é de se contradizer, de acordo com o ditame do Concílio Vaticano II de que a Deus que revela é devida «a obediência da fé» (Dei Verbum 5); que o que é revelado para a salvação de todos deve permanecer para sempre «íntegro» e vivo, e deve ser «transmitido a todas as gerações» (7); e que o progresso da compreensão não implica qualquer mudança da verdade das coisas e das palavras, porque a fé foi transmitida «duma vez para sempre» (8), e o Magistério não é superior à palavra de Deus, mas ensina apenas o que foi transmitido (10).

2) Dubium sobre a afirmação de que a prática difusa da bênção das uniões com pessoas do mesmo sexo estaria de acordo com a Revelação e o Magistério (CIC 2357).

Segundo a Revelação Divina, atestada na Sagrada Escritura, que a Igreja «por mandato divino e com a assistência do Espírito Santo, […] ouve piedosamente, […] guarda religiosamente e expõe fielmente» (Dei Verbum 10): «No princípio», Deus criou o homem à sua imagem, macho e fêmea os criou, e abençoou-os, para que fossem fecundos (cfr. Gn 1, 27-28), pelo que o Apóstolo Paulo ensina que negar a diferença sexual é consequência da negação do Criador (Rm 1, 24 – 32). Pergunta-se: pode a Igreja derrogar este “princípio”, considerando-o, em contraste com o que ensina Veritatis splendor 103, como um simples ideal, e aceitando como “bem possível” situações objectivamente pecaminosas, como as uniões com pessoas do mesmo sexo, sem assim atentar contra a doutrina revelada?

3) Dubium sobre a afirmação de que a sinodalidade é uma «dimensão constitutiva da Igreja» (Const. Ap. Episcopalis communio 6), de modo que a Igreja, pela sua natureza, seria sinodal.

Dado que o Sínodo dos Bispos não representa o colégio episcopal, mas é um mero órgão consultivo do Papa, porquanto os bispos, como testemunhas da fé, não podem delegar a sua confissão da verdade, pergunta-se se a sinodalidade pode ser o supremo critério regulador do governo permanente da Igreja sem assim se convulsionar a sua configuração constitutiva tal como foi querida pelo seu Fundador, e segundo a qual a autoridade suprema e plena da Igreja há-de ser exercida tanto pelo Papa, em virtude do seu ofício, como pelo colégio dos bispos juntamente com a sua cabeça, o Romano Pontífice (Lumen gentium 22).

4) Dubium sobre o apoio dado por pastores e teólogos à teoria de que «a teologia da Igreja mudou» e, portanto, de que se poderia conferir a ordenação sacerdotal às mulheres.

No seguimento das afirmações de alguns prelados, que não foram corrigidas nem retractadas, segundo as quais, com o Concílio Vaticano II, teria mudado a teologia da Igreja e o significado da Missa, pergunta-se se ainda é válido o ditame do Concílio Vaticano II de que “o sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial diferem essencialmente e não apenas em grau” (Lumen gentium 10) e de que os prebíteros, em virtude do «sagrado poder da Ordem para oferecer o Sacrifício e perdoar pecados» (Presbyterorum Ordinis 2), agem em nome e na pessoa de Cristo mediador, e por meio dele torna-se perfeito o sacrifício espiritual dos fiéis? Pergunta-se, além disso, se ainda é válido o ensinamento da carta apostólica de São João Paulo II Ordinatio sacerdotalis, que ensina como verdade a ser mantida de forma definitiva a impossibilidade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, pelo que este ensinamento já não está sujeito a mudança nem à livre discussão de pastores ou teólogos.

5) Dubium sobre a afirmação «o perdão é um direito humano» e a insistência do Santo Padre no dever de absolver a todos e sempre, pelo que o arrependimento não seria condição necessária para a absolvição sacramental.

Pergunta-se se ainda está em vigor o ensinamento do Concílio de Trento segundo o qual, para a validade da confissão sacramental, é necessária a contrição do penitente, que consiste em detestar o pecado cometido com o propósito de não pecar mais (Sessão XIV, Capítulo IV: DH 1676), de modo que o sacerdote deve adiar a absolvição quando for claro que esta condição não está cumprida.

Cidade do Vaticano, 10 de Julho de 2023

Walter Card. Brandmüller
Raymond Leo Card. Burke
Juan Card. Sandoval Íñiguez
Robert Card. Sarah
Joseph Card. Zen Ze-Kiun, S.D.B.

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Resposta ao Papa Francisco e reformulação do Dúbia
CONFIDENCIAL

A Sua Santidade
FRANCISCO
Sumo Pontífice

Beatíssimo Padre,

Estamos muito gratos pelas respostas que gentilmente nos quisestes oferecer. Em primeiro lugar, gostaríamos de deixar claro que, se Vos fizemos estas perguntas, não foi por medo do diálogo com os homens do nosso tempo, nem das perguntas que nos poderiam fazer sobre o Evangelho de Cristo. De facto, estamos convencidos, como Vossa Santidade, de que o Evangelho traz plenitude à vida humana e oferece respostas a todas as nossas perguntas. A preocupação que nos move é outra: preocupa-nos ver que há pastores que duvidam da capacidade do Evangelho de transformar os corações dos homens e acabam por lhes propor não a sã doutrina, mas «ensinamentos de acordo com os próprios desejos» (cf. 2 Tm 4, 3). Preocupa-nos também que não se compreenda que a misericórdia de Deus não consiste em cobrir os nossos pecados, mas é muito maior, na medida em que nos torna capazes de corresponder ao Seu amor observando os Seus mandamentos, ou seja, convertendo-nos e acreditando no Evangelho (cf. Mc 1, 15).

Com a mesma sinceridade com que Vós nos respondestes, devemos acrescentar que as Vossas respostas não resolveram as dúvidas que tínhamos levantado, mas, quando muito, aprofundaram-nas. Por isso, sentimo-nos na obrigação de voltar a propor estas questões, reformulando-as, a Vossa Santidade, que, como sucessor de Pedro, é incumbido pelo Senhor de confirmar os Vossos irmãos na fé. Isto é ainda mais urgente em vista do iminente Sínodo, que muitos querem usar para negar a doutrina católica precisamente nas questões sobre as quais incidem os nossos dubia. Por isso, voltamos a propor-Vos as nossas perguntas, para que a essas se possa responder com um simples «sim» ou «não».

1. Vossa Santidade insiste em que a Igreja pode aprofundar a sua compreensão do depósito da fé. Isto é, de facto, o que a Dei Verbum 8 ensina e pertence à doutrina católica. A Vossa resposta, porém, não alcança a nossa preocupação. Muitos cristãos, incluindo pastores e teólogos, argumentam hoje que as mudanças culturais e antropológicas do nosso tempo deveriam levar a Igreja a ensinar o contrário do que sempre ensinou. Isto diz respeito a questões essenciais, não secundárias, para a nossa salvação, como a confissão de fé, as condições subjectivas para aceder aos Sacramentos e a observância da lei moral. Por isso, queremos reformular o nosso dubium: é possível que a Igreja ensine hoje doutrinas contrárias às que ensinou anteriormente em matéria de fé e de moral, seja pelo Papa ex cathedra, seja nas definições de um Concílio ecuménico, seja no magistério ordinário universal dos bispos espalhados pelo mundo (cf. Lumen Gentium 25)?

2. Vossa Santidade insistiu que não pode haver confusão entre o matrimónio e outros tipos de uniões de natureza sexual, e que, por conseguinte, quaisquer rito ou bênção sacramental de casais homossexuais, que dariam lugar a tal confusão, devem ser evitados. A nossa preocupação, porém, é outra: preocupa-nos que a bênção de casais homossexuais possa, em todo o caso, causar confusão, não só na medida em que possa fazer com que pareçam análogos ao matrimónio, mas também na medida em que os actos homossexuais sejam apresentados praticamente como um bem, ou pelo menos como o bem possível que Deus pede aos homens no seu caminho para Ele. Reformulamos, pois, a nossa dúvida: será possível que, em certas circunstâncias, um pastor possa abençoar uniões entre pessoas homossexuais, dando, assim, a entender que o comportamento homossexual enquanto tal não seria contrário à lei de Deus e ao caminho da pessoa para Deus? Ligado a este dubium, é necessário levantar um outro: continua a ser válido o ensinamento defendido pelo magistério ordinário universal, segundo o qual todo o acto sexual fora do matrimónio, e em particular os actos homossexuais, constitui um pecado objectivamente grave contra a lei de Deus, independentemente das circunstâncias em que se realiza e da intenção com que é praticado?

3. Insististes que existe uma dimensão sinodal da Igreja, na qual todos, incluídos os fiéis leigos, são chamados a participar e a fazer ouvir a sua voz. A nossa dificuldade, todavia, é outra: hoje está-se a apresentar o futuro Sínodo sobre a «sinodalidade» como se, em comunhão com o Papa, ele representasse a autoridade suprema da Igreja. Porém, o Sínodo dos Bispos é um órgão consultivo do Papa, não representa o Colégio dos Bispos e não pode resolver as questões nele tratadas nem emitir decretos sobre elas, a não ser que, em casos específicos, o Romano Pontífice, a quem compete ratificar as decisões do Sínodo, lhe tenha expressamente concedido poder deliberativo (cf. Cân. 343 C.I.C.). Trata-se de um ponto decisivo, na medida em que não envolver o Colégio dos Bispos em questões como as que o próximo Sínodo pretende levantar, que tocam a própria constituição da Igreja, iria precisamente contra a raiz daquela sinodalidade que se afirma querer promover. Permita-se-nos, portanto, reformular o nosso dubium: o Sínodo dos Bispos que se realizará em Roma, e que inclui apenas uma representação escolhida de pastores e de fiéis, exercerá, nas questões doutrinais ou pastorais sobre as quais será chamado a exprimir-se, a autoridade suprema da Igreja, que pertence exclusivamente ao Romano Pontífice e, una cum capite suo, ao Colégio dos Bispos (cf. Cân. 336 C.I.C.)?

4. Na Vossa resposta, Vossa Santidade deixou claro que a decisão de São João Paulo II na Ordinatio sacerdotalis deve ser considerada definitivamente e acrescentou, com razão, que é necessário compreender o sacerdócio não em termos de poder, mas em termos de serviço, para compreender correctamente a decisão de Nosso Senhor de reservar as Ordens Sagradas apenas para os homens. Por outro lado, no último ponto da Vossa resposta, acrescentastes que a questão pode ainda ser aprofundada. Preocupa-nos que alguns possam interpretar esta afirmação no sentido de que a questão ainda não está definitivamente decidida. De facto, São João Paulo II afirma na Ordinatio sacerdotalis que esta doutrina foi ensinada infalivelmente pelo magistério ordinário e universal, e, portanto, que pertence ao depósito da fé. Esta foi a resposta da Congregação para a Doutrina da Fé a um dubium levantado sobre a carta apostólica e esta resposta foi aprovada pelo próprio João Paulo II. Devemos, portanto, reformular o nosso dubium: poderia a Igreja, no futuro, ter a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, contradizendo, assim, que a reserva exclusiva deste sacramento aos homens baptizados pertence à própria substância do Sacramento da Ordem, que a Igreja não pode mudar?

5. Por fim, Vossa Santidade confirmou o ensinamento do Concílio de Trento, segundo o qual a validade da absolvição sacramental exige o arrependimento do pecador, que inclui o propósito de não voltar a pecar. E convidou-nos a não duvidar da infinita misericórdia de Deus. Gostaríamos de reiterar que a nossa pergunta não deriva da dúvida sobre a grandeza da misericórdia de Deus, mas, pelo contrário, nasce da nossa consciência de que essa misericórdia é tão grande a ponto de nos tornar capazes de nos convertermos a Ele, confessar a nossa culpa e viver como Ele nos ensinou. Por sua vez, há quem possa interpretar a Vossa resposta como se o simples facto de abeirar-se da confissão seja uma condição suficiente para receber a absolvição, pois poderia implicitamente incluir a confissão dos pecados e o arrependimento. Gostaríamos, portanto, de reformular o nosso dubium: pode receber validamente a absolvição sacramental um penitente que, embora admitindo um pecado, se recusar a fazer, de qualquer forma, o propósito de não o voltar a cometer?

Cidade do Vaticano, 21 de Agosto de 2023

Walter Card. Brandmüller
Raymond Leo Card. Burke
Juan Card. Sandoval Íñiguez
Robert Card. Sarah
Joseph Card. Zen Ze-kiun

c. c. S. Em.ª Rev.ma Luis Francisco Card. Ladaria Ferrer, S.I.

Declaração do Cardeal Burke sobre o Motu Proprio Traditionis Custodes.

Adaptado da versão portuguesa presente em Dies Irae.

Muitos fiéis — leigos, ordenados e consagrados — expressaram-me a profunda angústia que o Motu Proprio Traditionis Custodes lhes trouxe. Aqueles que estão afeiçoados ao Usus Antiquior (Uso Mais Antigo) [UA], que o Papa Bento XVI chamou de Forma Extraordinária do Rito Romano, estão profundamente desanimados com a severidade da disciplina que o Motu Proprio impõe e ofendidos pela linguagem que emprega para descrevê-los, assim como às suas atitudes e conduta. Como fiel, que também mantém um vínculo intenso com o UA, partilho plenamente dos seus sentimentos de profunda mágoa.

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Fiel beija o anel do Cardeal Raymond Burke, enquanto ele distribuía cumprimentos fora da Paróquia de St. Mary-St. Anthony em Kansas City, após a missa de 9 de fevereiro (NCR photo/George Goss)

Como Bispo da Igreja e como Cardeal, em comunhão com o Romano Pontífice e com a responsabilidade particular de assisti-lo no seu cuidado pastoral e no governo da Igreja universal, apresento as seguintes observações:  

  1. A título preliminar, deve-se perguntar por que o texto latino ou oficial do Motu Proprio ainda não foi publicado. Pelo que sei, a Santa Sé promulgou o texto nas versões italiana e inglesa, e, posteriormente, nas traduções alemã e espanhola. Visto que a versão em inglês é chamada de tradução, deve-se presumir que o texto original está em italiano. Se for esse o caso, há traduções de textos significativos na versão inglesa que não são coerentes com a versão italiana. No Artigo 1, o importante adjetivo italiano “unica” é traduzido para o inglês como “unique”, em vez de “only”. No Artigo 4, o importante verbo italiano “devono” é traduzido para o inglês como “should”, em vez de “must”.

  1. Em primeiro lugar, é importante estabelecer, nesta e nas duas observações seguintes (nn. 3 e 4), a essência do conteúdo do Motu Proprio. Da severidade do documento se depreende que o Papa Francisco emitiu o Motu Proprio para abordar o que ele entende ser um grave mal que ameaça a unidade da Igreja, ou seja, o UA. De acordo com o Santo Padre, aqueles que adoram de acordo com esse uso fazem uma escolha que rejeita “a Igreja e as suas instituições em nome daquela que eles julgam a ‘verdadeira Igreja’”, uma escolha que “contradiz a comunhão, alimentando aquela tendência divisiva (…) contra a qual reagiu firmemente o Apóstolo Paulo”.

  1. Claramente, o Papa Francisco considera o mal tão grande que tomou medidas imediatas, não informando os Bispos com antecedência e nem sequer prevendo a habitual vacatio legis, um período de tempo entre a promulgação de uma lei e a sua entrada em vigor. A vacatio legis proporciona aos fiéis e, especialmente, aos Bispos tempo para estudar a nova legislação relativa ao culto a Deus, o aspecto mais importante da sua vida na Igreja, com vista à sua implementação. A legislação, de fato, contém muitos elementos que requerem estudo quanto à sua aplicação.

  1. Além disso, a legislação impõe restrições ao UA, o que assinala a sua eliminação definitiva, por exemplo, a proibição de utilização de uma igreja paroquial para o culto segundo o UA e o estabelecimento de determinados dias para esse culto. Na sua carta aos Bispos de todo o mundo, o Papa Francisco indica dois princípios que devem guiar os Bispos na implementação do Motu Proprio. O primeiro princípio é “prover o bem daqueles que estão arraigados à forma anterior de celebração e precisam de tempo para regressar ao Rito Romano promulgado pelos santos Paulo VI e João Paulo II”. O segundo princípio é “interromper a ereção de novas paróquias pessoais ligadas mais ao desejo e à vontade de sacerdotes do que à real necessidade do ‘santo Povo fiel de Deus’”.

  1. Aparentemente, a legislação visa a correção de uma aberração atribuível, principalmente, ao “desejo e à vontade” de certos sacerdotes. A este respeito, devo observar, especialmente à luz do meu serviço como Bispo diocesano, que não foram os sacerdotes que, pela sua própria vontade, instaram os fiéis a solicitar a Forma Extraordinária. De fato, estarei sempre profundamente grato aos numerosos sacerdotes que, não obstante os seus já abundantes ​​compromissos, serviram generosamente os fiéis que legitimamente solicitaram o UA. Os dois princípios não podem senão comunicar aos fiéis devotos que têm um profundo apreço e apego ao encontro com Cristo através da Forma Extraordinária do Rito Romano, que eles sofrem de uma aberração que pode ser tolerada por um tempo, mas que deve ser finalmente erradicada.  

  1. De onde vem a ação severa e revolucionária do Santo Padre? O Motu Proprio e a Carta indicam duas fontes: primeiro, “os desejos formulados pelo episcopado” através de “uma minuciosa consulta dos bispos”, conduzida pela Congregação para a Doutrina da Fé em 2020, e, segundo, “o parecer da Congregação para a Doutrina da Fé”. Sobre as respostas à “consulta minuciosa” ou “questionário” enviado aos Bispos, o Papa Francisco escreve aos Bispos: “As respostas revelam uma situação que me preocupa e entristece, e me convence da necessidade de intervir”.

  1. Quanto às fontes, deve-se supor que a situação que preocupa e entristece o Romano Pontífice existe na Igreja em geral ou apenas em alguns lugares? Dada a importância atribuída à “consulta detalhada” ou “questionário”, e a gravidade do assunto que se trata, parece imprescindível que o resultado da consulta seja tornado público, juntamente com a indicação do seu caráter científico. Da mesma forma, se a Congregação para a Doutrina da Fé fosse da opinião que tal medida revolucionária deveria ser tomada, aparentemente teria preparado uma Instrução ou documento semelhante para abordá-la.     

  1. A Congregação conta com a perícia e a longa experiência de alguns oficiais — primeiro, servindo na Pontifícia Comissão Ecclesia Dei e, depois, na Quarta Seção da Congregação — que foram encarregados de tratar das questões relativas ao UA. Deve-se perguntar se o “parecer da Congregação para a Doutrina da Fé” refletiu a consulta daqueles com maior conhecimento dos fiéis devotos do UA.

  1. Em relação ao entendido grave mal constituído pelo UA, tenho uma vasta experiência ao longo de muitos anos e em muitos lugares diferentes com os fiéis que regularmente adoram a Deus de acordo com o UA. Com toda a franqueza, devo dizer que esses fiéis não rejeitam, de forma alguma, “a Igreja e as suas instituições em nome daquela que eles julgam a ‘verdadeira Igreja’”. Nem os encontrei fora da comunhão com a Igreja ou divisivos dentro da Igreja. Pelo contrário, amam o Romano Pontífice, os seus Bispos e sacerdotes, e, quando outros fizeram a escolha do cisma, eles quiseram permanecer sempre em plena comunhão com a Igreja, fiéis ao Romano Pontífice, muitas vezes à custa de grande sofrimento. Não se lhes pode imputar, de forma alguma, uma ideologia cismática ou sedevacantista.

  1. A Carta que acompanha o Motu Proprio afirma que o UA foi permitido pelo Papa São João Paulo II e, posteriormente, regulamentado pelo Papa Bento XVI com “o desejo de favorecer a resolução do cisma com o movimento liderado por Mons. Lefebvre”. O movimento em questão é a Fraternidade São Pio X. Embora ambos os Pontífices Romanos desejassem a resolução do cisma em questão, como deveriam todos os bons católicos, eles também desejavam manter em continuidade o UA para aqueles que permaneceram na plena comunhão da Igreja e não se tornaram cismáticos. O Papa São João Paulo II demonstrou caridade pastoral, de várias maneiras importantes, para com os fiéis católicos ligados ao UA, por exemplo, concedendo o indulto para o UA, mas também estabelecendo a Fraternidade Sacerdotal São Pedro, uma sociedade de vida apostólica para sacerdotes ligados ao UA. No livro O Último Testamento, o Papa Bento XVI respondeu à afirmação “a reautorização da Missa Tridentina é, muitas vezes, interpretada principalmente como uma concessão à Fraternidade de São Pio X” com estas palavras claras e fortes: “Isso é absolutamente falso! Era importante para mim que a Igreja fosse uma só consigo mesma interiormente, com o seu próprio passado; que o que antes era sagrado para ela não fosse, agora, errado de alguma forma” (pp. 201-202). De fato, muitos dos que atualmente desejam rezar de acordo com o UA, não têm experiência e talvez nenhum conhecimento da história e da situação presente da Fraternidade Sacerdotal São Pio X. São simplesmente atraídos pela santidade do UA.

  1. Sim, existem indivíduos e até certos grupos que defendem posições radicais, tal como é o caso em outros setores da vida da Igreja, mas eles não são, de forma alguma, característicos do número cada vez maior de fiéis que desejam adorar a Deus de acordo com o UA. A Sagrada Liturgia não é uma questão da chamada “política da Igreja”, mas o encontro mais completo e perfeito com Cristo para nós neste mundo. Os fiéis em questão, entre os quais numerosos jovens adultos e jovens casais com filhos, encontram Cristo através do UA, que os torna cada vez mais próximos dele, através da mudança de vida e da cooperação com a graça divina que do Seu glorioso Coração trespassado brota para os seus corações. Eles não precisam fazer um julgamento sobre aqueles que adoram a Deus de acordo com o Usus Recentior (o Uso Mais Recente, que o Papa Bento XVI chamou de Forma Ordinária do Rito Romano) [UR], promulgado pela primeira vez pelo Papa São Paulo VI. Como me disse um sacerdote, membro de um instituto de vida consagrada que serve estes fiéis: Eu me confesso regularmente a um sacerdote de acordo com o UR e participo, em ocasiões especiais, da Santa Missa de acordo com o UR. Concluiu: Por que alguém me acusaria de não aceitar a sua validade?

  1. Se houver situações de atitude ou prática contrárias à sã doutrina e à disciplina da Igreja, a justiça exige que sejam abordadas individualmente pelos pastores da Igreja, pelo Romano Pontífice e pelos Bispos em comunhão com ele. A justiça é a mínima e insubstituível condição da caridade. A caridade pastoral não pode ser servida se as exigências da justiça não forem observadas.

  1. Um espírito cismático ou um cisma efetivo são sempre gravemente maus, mas não há nada no UA que fomente o cisma. Para quem conheceu o UA no passado, como eu, trata-se de um ato de culto marcado por uma bondade, verdade e beleza seculares. Eu conheci desde a minha infância a atração que ele exerce e, de fato, apeguei-me muito a ele. Tendo tido o privilégio de assistir o sacerdote como acólito da Missa desde os meus dez anos de idade, posso testemunhar que o UA foi uma grande inspiração da minha vocação sacerdotal. Para aqueles que vieram pela primeira vez ao UA, a sua rica beleza, especialmente porque manifesta a ação de Cristo renovando sacramentalmente o Seu Sacrifício no Calvário por meio do sacerdote que age na Sua pessoa, aproximou-os de Cristo. Conheço muitos fiéis para os quais a experiência do Culto Divino segundo o UA inspirou fortemente a sua conversão à Fé ou a procura da plena comunhão com a Igreja Católica. Além disso, numerosos sacerdotes que voltaram à celebração do UA ou que a aprenderam pela primeira vez disseram-me como esta enriqueceu profundamente a sua espiritualidade sacerdotal. Isso sem falar nos santos ao longo dos séculos cristãos para os quais o UA alimentou uma prática heróica das virtudes. Alguns deram as suas vidas para defender a oferta desta mesma forma de adoração divina.   

  1. Para mim e para outros que receberam tantas graças poderosas através da participação na Sagrada Liturgia segundo o UA, é inconcebível que ela agora possa ser caracterizada como algo prejudicial à unidade da Igreja e à sua própria vida. A este respeito, é difícil compreender o significado do Artigo 1 do Motu Proprio: “Os livros litúrgicos promulgados pelo santos Pontífices Paulo VI e São João Paulo II, em conformidade com os decretos do Concílio Vaticano II, são a única (unica, na versão italiana, que aparentemente é o texto original) expressão da lex orandi do Rito Romano”. O UA é uma forma viva do Rito Romano e nunca deixou de sê-lo. Desde o momento da promulgação do Missal do Papa Paulo VI, como reconhecimento da grande diferença entre o UR e o UA, a continuação da celebração dos Sacramentos segundo o UA foi permitida para certos conventos e mosteiros, e também para certos indivíduos e grupos. O Papa Bento XVI, na sua Carta aos Bispos do mundo, que acompanha o Motu Proprio Summorum Pontificum, deixou claro que o Missal Romano em uso antes do Missal do Papa Paulo VI “nunca foi juridicamente ab-rogado e, consequentemente, em princípio sempre foi permitido”.

  1. Mas pode o Romano Pontífice revogar juridicamente o UA? A plenitude do poder (plenitudo potestatis) do Romano Pontífice é o poder necessário para defender e promover a doutrina e a disciplina da Igreja. Não é um “poder absoluto” que incluiria o poder de mudar a doutrina ou de erradicar uma disciplina litúrgica que está viva na Igreja desde o tempo do Papa Gregório Magno e até antes. A correta interpretação do Artigo 1 não pode ser a negação de que o UA é uma expressão sempre vital “da lex orandi do Rito Romano”. Nosso Senhor, que deu o maravilhoso dom do UA, não permitirá que ele seja erradicado da vida da Igreja.

  1. É preciso recordar que, de um ponto de vista teológico, todas as celebrações válidas de um sacramento, pelo próprio fato de ser um sacramento, são também, além de qualquer legislação eclesiástica, um ato de culto e, portanto, também uma profissão de fé. Nesse sentido, não é possível excluir o Missal Romano segundo o UA como expressão válida da lex orandi e, consequentemente, da lex credendi da Igreja. É uma questão de uma realidade objetiva da graça divina que não pode ser mudada por um mero ato da vontade mesmo da mais alta autoridade eclesiástica.    

  1. O Papa Francisco afirma na sua carta aos Bispos: “Respondendo aos vossos pedidos, tomo a firme decisão de ab-rogar todas as normas, as instruções, as permissões e os costumes precedentes ao presente Motu Proprio, e declaro que os livros litúrgicos promulgados pelos santos Pontífices Paulo VI e João Paulo II, em conformidade com os decretos do Concílio Vaticano II, constituem a única [only, em inglês] expressão da lex orandi do Rito Romano”. A revogação total em questão, em rigor, requer que cada norma individual, instrução, permissão e costume sejam estudados, para verificar se “contradiz a comunhão, alimentando aquela tendência divisiva (…) contra a qual reagiu firmemente o Apóstolo Paulo”.

  1. Aqui é necessário observar que a reforma da Sagrada Liturgia realizada pelo Papa São Pio V, de acordo com as indicações do Concílio de Trento, foi bem diferente do que aconteceu depois do Concílio Vaticano II. O Papa São Pio V ordenou, essencialmente, a forma do Rito Romano como já existia há séculos. Da mesma forma, alguma ordenação do Rito Romano foi feita ao longo dos séculos pelo Romano Pontífice, mas a forma do Rito permaneceu a mesma. O que aconteceu após o Concílio Vaticano II constituiu uma mudança radical na forma do Rito Romano, com a eliminação de muitas das orações, significativos gestos rituais, por exemplo, as muitas genuflexões e os frequentes beijos do altar, e outros elementos que são ricos na expressão da realidade transcendente — a união do céu com a terra — que é a Sagrada Liturgia. O Papa Paulo VI lamentou a situação, de forma particularmente dramática, através da homilia que proferiu na festa dos Santos Pedro e Paulo em 1972. O Papa São João Paulo II trabalhou durante todo o seu pontificado, em particular durante os seus últimos anos, para resolver abusos litúrgicos graves. Ambos os Romanos Pontífices, como também o Papa Bento XVI, esforçaram-se para conformar a reforma litúrgica ao atual ensinamento do Concílio Vaticano II, uma vez que os proponentes e agentes do abuso invocaram o “espírito do Concílio Vaticano II” para se justificar.       

  1. O Artigo 6 do Motu Proprio transfere a competência dos institutos de vida consagrada e das sociedades de vida apostólica dedicadas ao UA para a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica. A observância do UA está no âmago do carisma desses institutos e sociedades. Embora a Congregação seja competente para responder às questões relativas ao direito canônico para tais institutos e sociedades, não é competente para alterar o seu carisma e constituições, a fim de acelerar a aparentemente desejada eliminação do UA na Igreja.

Existem muitas outras observações a ser feitas, mas estas parecem ser as mais importantes. Espero que possam ser úteis a todos os fiéis e, em particular, aos fiéis que adoram segundo o UA, em resposta ao Motu Proprio Traditionis Custodes e à Carta aos Bispos que o acompanha. A severidade desses documentos gera, naturalmente, uma profunda angústia e, até mesmo, uma sensação de confusão e abandono. Rezo para que os fiéis não cedam ao desânimo, mas, com a ajuda da graça divina, perseverem no amor à Igreja e aos seus pastores, e no amor pela Sagrada Liturgia. 

A esse respeito, exorto os fiéis a rezar com fervor pelo Papa Francisco, pelos Bispos e pelos sacerdotes. Ao mesmo tempo, de acordo com o cân. 212, §3, “segundo a ciência, a competência e a proeminência de que desfrutam, eles têm o direito, e mesmo por vezes o dever, de manifestar aos sagrados Pastores a sua opinião acerca das coisas atinentes ao bem da Igreja e de a exporem aos restantes fiéis, salva a integridade da fé e dos costumes, a reverência devida aos Pastores, e tendo em conta a utilidade comum e a dignidade das pessoas”. Finalmente, em gratidão a Nosso Senhor pela Sagrada Liturgia, o maior dom de Si mesmo para nós na Igreja, que eles continuem a salvaguardar e a cultivar o antigo e sempre novo Uso Mais Antigo ou Forma Extraordinária do Rito Romano.

Raymond Leo Cardeal Burke

Roma, 22 de Julho de 2021   

Festa de Santa Maria Madalena, Penitente 

Cardeal Burke: Nota sobre as declarações do Papa Francisco a respeito das uniões civis.

Por Cardeal Raymond Leo Burke, 22 de outubro de 2020 | Tradução: George-François SassineFratresInUnum.com: Os meios de comunicação mundiais têm noticiado com forte ênfase, como uma mudança de curso, a notícia de que o Papa Francisco declarou que as pessoas na condição homossexual, como filhos de Deus, “têm o direito de ter uma família” e que “ninguém deve ser expulso ou ficar infeliz por causa disso. ” Além disso, escrevem que ele declarou: “O que temos que criar é uma união civil. Desta forma, eles serão legalmente cobertos. Eu tenho defendido isso. ” As declarações foram feitas em entrevista a Evgeny Afineevsky, diretor do documentário “Francesco”, estreado em 21 de outubro de 2020, por ocasião do Festival de Cinema de Roma (Festa del Film di Roma).

Tais declarações geram grande perplexidade e causam confusão e erro entre os fiéis católicos, na medida em que são contrárias ao ensino da Sagrada Escritura e da Sagrada Tradição, e do recente Magistério pelo qual a Igreja guarda, protege e interpreta todo o depósito de fé contido na Sagrada Escritura e Sagrada Tradição. Eles causam embaraço e erro em relação ao ensino da Igreja entre as pessoas de boa vontade, que desejam sinceramente saber o que a Igreja Católica ensina. Eles impõem aos pastores de almas o dever de consciência de fazer os esclarecimentos adequados e necessários.

Em primeiro lugar, o contexto e a ocasião de tais declarações tornam-nas desprovidas de qualquer peso magisterial. Eles são corretamente interpretados como simples opiniões privadas da pessoa que os fez. Estas declarações não vinculam de modo algum as consciências dos fiéis, antes obrigados a aderir com submissão religiosa ao que ensinam sobre a matéria a Sagrada Escritura e a Sagrada Tradição e o Magistério ordinário da Igreja. Em particular, o seguinte deve ser observado.

  1. “Baseando-se na Sagrada Escritura, que apresenta os atos homossexuais como atos de grave depravação, a Tradição sempre declarou que“ os atos homossexuais são intrinsecamente desordenados ”(Catecismo da Igreja Católica, n. 2357; Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé , Persona humana, “Declaração sobre certas questões relativas à ética sexual, nº VIII [1]), por serem contrárias ao direito natural, fechadas ao dom da vida e vazias de uma verdadeira complementaridade afetiva e sexual. Portanto, eles não podem ser aprovados.
  1. As tendências particulares e por vezes profundas de pessoas, homens e mulheres, na condição homossexual, que são para eles uma prova, embora não possam por si mesmas constituir um pecado, representam, no entanto, uma inclinação objetivamente desordenada (Catecismo do Católico Igreja, nº 2358; Congregação para a Doutrina da Fé, Homosexualitatis problema, “Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre a Pastoral das Pessoas Homossexuais”, nº 3 [2]). Devem, portanto, ser recebidos com respeito, compaixão e sensibilidade, evitando qualquer discriminação injusta. A fé católica ensina o fiel a odiar o pecado, mas a amar o pecador.
  1. Os fiéis e, em particular, os políticos católicos são instados ​​a se opor ao reconhecimento legal das uniões homossexuais (Congregação para a Doutrina da Fé, Considerações sobre as propostas para dar reconhecimento legal às uniões entre pessoas homossexuais, Diverse questioni concernenti l’omosessualità , nº 10 [3]). O direito de constituir família não é um direito privado de se reivindicar, mas deve corresponder ao desígnio do Criador que quis o ser humano na diferença sexual, “homem e mulher os criou” (Gn 1,27), chamando assim o homem , masculino e feminino, à transmissão da vida. “Porque os casais garantem a sucessão de gerações e, portanto, são eminentemente de interesse público, o direito civil lhes concede o reconhecimento institucional. As uniões homossexuais, por outro lado, não precisam de atenção específica do ponto de vista jurídico, uma vez que não exercem essa função para o bem comum ”. (Ibidem, nº 9 [4]). Falar de união homossexual, no mesmo sentido que união conjugal de casados, é, de fato, profundamente enganoso, porque não pode haver tal união entre pessoas do mesmo sexo. No que diz respeito à administração da justiça, as pessoas na condição homossexual, como todos os cidadãos, podem sempre fazer uso das disposições da lei para salvaguardar os seus direitos privados.

É fonte da mais profunda tristeza e premente preocupação pastoral que as opiniões particulares noticiadas com tanta ênfase pela imprensa e atribuídas ao Papa Francisco não correspondam ao ensino constante da Igreja, como está expresso na Sagrada Escritura e na Sagrada Tradição, e é guardado, protegido e interpretado pelo Magistério. Igualmente triste e preocupante é a turbulência, a confusão e o erro que causam entre os fiéis católicos, assim como o escândalo que causam, em geral, ao dar a impressão totalmente falsa de que a Igreja Católica mudou de rumo, isto é, mudou seu ensino perene sobre essas questões fundamentais e críticas.

Raymond Leo Cardeal Burke [Em seu site pessoal]

Roma, 22 de outubro de 2020

[1] “… suapte intrinseca natura esse inordinatos.” Sacra Congregatio pro Doctrina Fidei, Declaratio, Persona humana, “De quibusdam quaestionibus ad sexualem ethicam spectantibus,” 29 Decembris 1975, Acta Apostolicae Sedis 68 (1976) 85, n. 8. English Translation, p. 5, VIII.

[2] Cf. Congregatio pro Doctrina Fidei, Epistula, Homosexualitatis problema, “Ad universos catholicae Ecclesiae episcopos de pastorali personarum homosexualium cura,” 1 Octobris 1986, Acta Apostolicae Sedis 79 (1987) 544, n. 3. English Translation, pp. 1-2, no. 3.

[3] Congregatio pro Doctrina Fidei, Nota, Diverse quaestioni concernenti l’omosessualità, “De contubernalibus eiusdem sexus quoad iuridica a consectaria contubernii,” 3 Iunii 2003, Acta Apostolicae Sedis 96 (2004) 48, n. 10. English translation: English Translation, pp. 5-6, no. 10.

[4] “Poiché le coppie matrimoniali svolgono il ruolo di garantire l’ordine delle generazioni e sono quindi di eminente interesse pubblico, il diritto civile conferisce loro un riconoscimento istituzionale. Le unioni omosessuali invece non esigono una specifica attenzione da parte dell’ordinamento giuridico, perché non rivestono il suddetto ruolo per il bene comune.” Ibid., 47, n. 9. English translation: Ibid., p. 5, no. 9.

Cardeal Burke: Mensagem para a Semana mais santa do ano.

Por Cardeal Raymond Leo Burke | Tradução: José Antonio Ureta – FratresInUnum.com, 7 de abril de 2020

Caros amigos,

Desde o início de meu ministério como bispo de uma diocese, parecia que todos os anos, à medida que as celebrações do Natal e da Páscoa se aproximavam, havia um evento profundamente triste na diocese ou uma crise difícil de enfrentar pelo bem da diocese. Assim, enquanto eu antecipava com alegria as celebrações dos grandes mistérios de nossa salvação, algo acontecia que, do ponto de vista humano, colocava uma nuvem negra sobre as celebrações e questionava a alegria que elas inspiravam. Certa vez, quando comentei com um irmão bispo sobre essa experiência terrivelmente angustiante, ele simplesmente respondeu: “É Satanás, tentando roubar sua alegria”.

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Fiel beija o anel do Cardeal Raymond Burke, enquanto ele distribuía cumprimentos fora da Paróquia de St. Mary-St. Anthony em Kansas City, após a missa de 9 de fevereiro de 2017 (NCR photo/George Goss)

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Cardeal Burke: Mensagem sobre o combate ao Coronavirus, COVID-19

Por Cardeal Raymond Leo Burke | Tradução: Hélio Dias Viana – FratresInUnum.com

Caros Amigos,

Há algum tempo, estamos em combate contra a disseminação do coronavírus, o COVID-19. Tudo o que podemos dizer – e uma das dificuldades do combate é que ainda não se sabe muito sobre a peste –, é que batalha deverá continuar por algum tempo. O vírus envolvido é particularmente insidioso, pois possui um período de incubação relativamente longo – alguns dizem 14 dias e outros 20 – e é altamente contagioso, muito mais contagioso do que outros vírus que conhecemos.

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Junho de 2017 – Cardeal Burke em entrevista a FratresInUnum.com

Um dos principais meios naturais de nos defendermos contra o coronavírus é evitar qualquer contato próximo com os outros. É importante, de fato, mantermos sempre uma distância – dizem alguns que de um metro, outros que de quase dois – afastados um do outro e, é claro, evitar reuniões de grupo, ou seja, reuniões nas quais várias pessoas estejam próximas umas das outras. Além disso, como o vírus é transmitido por pequenas gotículas emitidas quando alguém espirra ou assoa o nariz, é essencial lavar frequentemente as mãos com sabão desinfetante e água morna por pelo menos 20 segundos, bem como lavar e limpar as mãos com produtos e toalhetes desinfetantes. É igualmente importante desinfetar mesas, cadeiras, bancadas, etc., nas quais essas gotículas possam ter pousado e a partir das quais elas são capazes de transmitir o contágio por algum tempo. Se espirrarmos ou assoarmos o nariz, somos aconselhados a usar um lenço facial de papel, descartá-lo imediatamente e depois lavar as mãos. Naturalmente, aqueles que estão diagnosticados com o coronavírus devem ficar em quarentena, e aqueles que não estão se sentindo bem, mesmo que não tenha sido detectado neles o coronavírus, devem, por caridade para com os outros, permanecer em casa, até que estejam se sentindo melhor.

Residindo na Itália, onde a disseminação do coronavírus tem sido particularmente letal, de modo especial para os idosos e para aqueles que já estão em um estado de saúde delicado, edifica-me o grande cuidado que os italianos estão tomando para se protegerem e aos outros do contágio. Como os senhores já devem ter lido, o sistema de saúde na Itália está sendo duramente posto à prova em sua tentativa de fornecer a necessária hospitalização e tratamento intensivo aos mais vulneráveis. Por favor, rezem pelo povo italiano, especialmente por aqueles para os quais o coronavírus pode ser fatal, bem como pelos responsáveis ​​por seus cuidados. Como cidadão norte-americano, acompanho a situação da disseminação do coronavírus em minha terra natal e sei que aqueles que vivem nos Estados Unidos estão cada vez mais preocupados em impedir sua disseminação, para que uma situação como essa da Itália não se repita lá.

Toda a situação certamente nos induz a uma profunda tristeza, e também ao medo. Ninguém deseja contrair a doença provocada pelo vírus, nem que alguém a contraia. Especialmente, não queremos que nem nossos amados idosos, nem outras pessoas frágeis sejam colocados em risco de morte pela disseminação do vírus. Para combater sua propagação, estamos todos em uma espécie de retiro espiritual forçado, confinados em quartos e incapazes de demonstrar os usuais sinais de afeto à família e aos amigos. Para os que estão em quarentena, o isolamento é claramente ainda mais severo, não sendo possível manter contato com ninguém, nem mesmo à distância.

Se a própria doença associada ao vírus não fosse suficiente para nos preocupar, não podemos ignorar a devastação econômica que a propagação do vírus causou, com seus efeitos graves sobre pessoas e famílias, como também sobre aqueles que nos servem de muitas maneiras em nossa vida cotidiana. Naturalmente, nossas cogitações não podem deixar de incluir a possibilidade de uma devastação ainda maior para a população de nossas pátrias e, de fato, do mundo.

Certamente, agimos bem aprendendo e empregando todos os meios naturais para nos defendermos do contágio. É um ato fundamental de caridade usar todos os meios prudentes para evitar contrair ou espalhar o coronavírus. Os meios naturais de impedir a sua propagação devem, no entanto, respeitar o que necessitamos para viver, por exemplo, o acesso a alimentos, água e medicamentos. O Estado, ao impor restrições cada vez maiores ao movimento dos indivíduos, prevê, no entanto, que eles possam ir ao supermercado e à farmácia, observando as precauções de distanciamento social e de uso de desinfetantes por parte de todos os envolvidos.

Ao ponderar o necessário para viver, não devemos nos esquecer de que nossa primeira consideração é o nosso relacionamento com Deus. Recordamos as palavras de Nosso Senhor no Evangelho de São João: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra e meu Pai o amará, e nós viremos a ele e nele faremos nossa morada” (14,23).  Cristo é o Senhor da natureza e da História. Ele não está distante e desinteressado de nós e do mundo. Ele nos prometeu: “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 20). Ao combater o mal do coronavírus, nossa arma mais eficaz é, portanto, nosso relacionamento com Jesus Cristo Nosso Senhor através da oração e da penitência, de devoções particulares e da Sagrada Liturgia. Voltemo-nos para Cristo, a fim de que nos liberte da peste e de todo dano, e nunca Ele deixará de responder com amor puro e desinteressado. É por isso que é essencial para nós, a todo o momento e principalmente em tempos de crise, ter acesso às nossas igrejas e capelas, aos Sacramentos, às devoções e orações públicas.

Assim como podemos comprar alimentos e remédios, tomando o cuidado de não espalhar o coronavírus ao fazê-lo, assim também devemos poder rezar em nossas igrejas e capelas, receber os Sacramentos e participar de atos de oração e devoção pública, para que reconheçamos a proximidade de Deus conosco e permaneçamos próximos d’Ele, solicitando piedosamente Sua ajuda, sem a qual estamos realmente perdidos. No passado, em tempos de peste, os fiéis se reuniam em fervorosa oração e participavam de procissões. De fato, no Missal Romano, promulgado pelo Papa S. João XXIII em 1962, há textos especiais para a Santa Missa a ser oferecida em tempos de pestilência — a Missa Votiva pela Libertação da Morte em Tempo de Pestilência (Missae Votivae ad Diversa 23). Da mesma forma, na tradicional Ladainha dos Santos, rezamos: “Da praga, da fome e da guerra, ó Senhor, livrai-nos”.

Muitas vezes, quando nos encontramos em grande sofrimento e mesmo enfrentando a morte, perguntamos: “Onde está Deus?” Mas a verdadeira questão é: “Onde estamos nós?” Em outras palavras, Deus está certamente conosco para nos ajudar e salvar, especialmente no momento de severas provações ou da morte, mas muitas vezes estamos longe d’Ele por causa de nossa incapacidade de reconhecer nossa total dependência d’Ele e, portanto, de rezar diariamente a Ele e de Lhe tributar a nossa adoração.

Nestes dias, ouvi muitos católicos devotos dizerem que estão profundamente tristes e desencorajados por não poderem rezar e adorar em suas igrejas e capelas. Eles entendem a necessidade de observar a distância social e de seguir as outras precauções, e respeitarão essas práticas prudentes, que podem facilmente serem feitas em seus locais de culto. Mas, muitas vezes, eles têm de aceitar o profundo sofrimento de terem suas igrejas e capelas fechadas, e de não terem acesso à Confissão e à Santíssima Eucaristia.

Sob a mesma ótica, uma pessoa de fé não pode analisar a atual calamidade em que nos encontramos sem considerar também o quanto a cultura de nosso povo está distante de Deus. Ela não é apenas indiferente à Sua presença em nosso meio, mas abertamente rebelde em relação a Ele e à boa ordem com que Ele nos criou e nos sustenta no ser. Basta pensar nos ataques violentos e diários à vida humana, masculina e feminina, que Deus fez à Sua própria imagem e semelhança (Gn 1, 27), nos ataques aos nascituros inocentes e indefesos e àqueles que têm o primeiro título aos nossos cuidados, ou seja, aqueles que estão muito sobrecarregados com doenças graves, anos avançados ou necessidades especiais. Somos testemunhas diárias da propagação da violência em uma cultura que não respeita a vida humana.

Da mesma forma, basta pensar no ataque generalizado à integridade da sexualidade humana, ou seja, a nossa identidade como homem ou mulher, com a pretensão de definir, arbitrariamente e a miúde recorrendo a uma mutilação, uma identidade sexual diferente daquela que nos foi dada por Deus. Com uma preocupação ainda maior, testemunhamos o efeito devastador sobre indivíduos e famílias da chamada “teoria de gênero”.

Também testemunhamos, mesmo dentro da Igreja, um paganismo que adora a natureza e a terra. Existem pessoas na Igreja que se referem à terra como nossa mãe, como se viéssemos da terra e a terra fosse a nossa salvação. Mas viemos das mãos de Deus, Criador do Céu e da terra. Somente em Deus encontramos a salvação. Rezamos nas palavras divinamente inspiradas do salmista: “Só [Deus] é meu rochedo e minha salvação; minha fortaleza: jamais vacilarei” (Sl 62 [61], 6). Vemos como a própria vida de fé se tornou cada vez mais secularizada e, portanto, relativizou a Realeza de Cristo, o Verbo de Deus encarnado, Rei do Céu e da terra. Testemunhamos tantos outros males que derivam da idolatria, do culto a nós mesmos e ao nosso mundo, em vez de adorar a Deus, fonte de todo ser. Tristemente vemos em nós mesmos a verdade das palavras inspiradas de São Paulo sobre “a impiedade e perversidade dos homens, que pela injustiça aprisionam a verdade”: eles “trocaram a verdade de Deus pela mentira, e adoraram e serviram à criatura em vez do Criador, que é bendito pelos séculos. Amém!” (Rm 1, 18 e 25).

Muitos com quem estou em contato, refletindo sobre a atual crise sanitária mundial e todos os seus efeitos conexos, expressaram-me a esperança de que ela nos leve — como indivíduos e famílias e como sociedade — a reformar nossas vidas, a nos voltarmos para Deus, que certamente está perto de nós e que é imensurável e incessante em Sua misericórdia e amor para conosco. Não há dúvida de que grandes males como a peste são um efeito do pecado original e de nossos pecados atuais. Deus, em Sua justiça, deve reparar a desordem que o pecado introduz em nossas vidas e em nosso mundo. De fato, Ele cumpre as exigências da justiça com Sua superabundante misericórdia.

Deus não nos deixou no caos e na morte que o pecado introduziu no mundo, mas enviou Seu Filho unigênito, Jesus Cristo, para sofrer, morrer, ressuscitar dos mortos e subir glorioso à Sua direita, a fim de permanecer conosco sempre, purificando-nos do pecado e inflamando-nos com o Seu amor. Em Sua justiça, Deus reconhece nossos pecados e a necessidade de sua reparação, enquanto em Sua misericórdia Ele derrama sobre nós a graça para que possamos nos arrepender e fazer reparação. O Profeta Jeremias orou: “Senhor! Conhecemos nossa malícia e a iniquidade de nossos pais. Bem sabemos que pecamos contra vós”; mas em seguida continuou sua súplica: “Pela honra, porém, de vosso nome, não nos abandoneis, nem desonreis o vosso trono de glória. Lembrai-vos! E não rompais o pacto que conosco firmastes” (Jr 14, 20-21).

Deus nunca vira as costas para nós; Ele nunca romperá Sua aliança de amor fiel e duradouro conosco, mesmo que sejamos tão frequentemente indiferentes, frios e infiéis. À medida que o presente sofrimento nos revela tanta indiferença, frieza e infidelidade de nossa parte, nós somos chamados a nos voltarmos para Deus e implorar a Sua misericórdia. Estamos confiantes de que Ele nos ouvirá e nos abençoará com Seus dons de misericórdia, perdão e paz. Juntamos nossos sofrimentos à Paixão e Morte de Cristo e, como diz São Paulo: “O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a Igreja” (Col 1, 24). Vivendo em Cristo, conhecemos quão verdadeira é a nossa oração bíblica: “Vem do Senhor a salvação dos justos, que é seu refúgio no tempo da provação” (Sl 37 [36], 39). Em Cristo, Deus nos manifestou plenamente a verdade expressa na oração do salmista: “A bondade e a fidelidade outra vez se irão unir, a justiça e a paz de novo se darão as mãos” (Sl 85 [84], 11).

Em nossa cultura totalmente secularizada, há uma tendência de ver a oração, os atos de devoção e o culto como outra atividade qualquer, como por exemplo, ir ao cinema ou a um jogo de futebol, o que não é essencial e, portanto, pode ser cancelado com o fim de tomar precauções para conter a propagação de um contágio mortal. Mas a oração, os atos de devoção e o culto, e acima de tudo a Confissão e a Santa Missa são essenciais para permanecermos saudáveis ​​e fortes espiritualmente, e para buscarmos a ajuda de Deus em um momento de grande perigo para todos. Portanto, não podemos simplesmente aceitar as determinações de governos civis, que tratariam o culto a Deus da mesma maneira que ir a um restaurante ou a uma competição atlética. Caso contrário, as pessoas que já sofrem tanto com os efeitos da peste serão privadas desses encontros efetivos com Deus, que está em nosso meio para restaurar a saúde e a paz.

Nós, bispos e sacerdotes, precisamos reivindicar publicamente a necessidade para os católicos de orar e render culto em suas igrejas e capelas, e seguir em procissão pelas ruas e caminhos, pedindo a bênção de Deus para Seu povo que sofre tão intensamente. Precisamos insistir em que os regulamentos do Estado, e para o próprio bem do Estado, reconheçam a devida importância dos locais de culto, especialmente em tempos de crise nacional e internacional. No passado, de fato, os governos entendiam, acima de tudo, a importância da fé, da oração e do culto do povo para vencer uma pestilência.

Mesmo que tenhamos encontrado uma maneira de nos suprir de alimentos, remédios e outras necessidades durante um período de contágio, sem arriscar irresponsavelmente a propagação do mesmo, devemos também encontrar uma maneira de suprir as necessidades da nossa vida espiritual. Devemos poder oferecer mais oportunidades para a Santa Missa e devoções das quais vários fiéis possam participar sem violar as precauções necessárias para a não propagação do contágio. Muitas de nossas igrejas e capelas são muito grandes. Eles permitem que um grupo de fiéis se reúna para rezar e adorar sem violar os requisitos de “distância social”. O confessionário com a tela tradicional é geralmente equipado com um véu fino, e se não houver poderá facilmente ser colocado, o qual pode ser tratado com desinfetante, para que o acesso ao Sacramento da Confissão seja possível sem grandes dificuldades nem o risco de transmissão do vírus. Se uma igreja ou capela não possui uma equipe suficientemente grande para desinfetar regularmente os bancos e outras superfícies, não tenho dúvida de que os fiéis, em gratidão pelos dons da Santa Eucaristia, Confissão e devoção pública, de bom grado ajudarão.

Ainda que, por qualquer motivo, não possamos ter acesso às nossas igrejas e capelas, devemos lembrar que nossos lares são uma extensão de nossa paróquia, uma pequena igreja para a qual trazemos Cristo após nosso encontro com Ele na igreja maior. Que nosso lar, durante esse período de crise, reflita a verdade de que Cristo é o convidado de todo lar cristão. Vamos nos voltar para Ele através da oração, especialmente o Rosário, e outras devoções. Se a imagem do Sagrado Coração de Jesus, juntamente com a imagem do Imaculado Coração de Maria, ainda não estiver entronizada em nossa casa, agora seria a hora de fazê-lo. O lugar da imagem do Sagrado Coração é para nós um pequeno altar em casa, junto ao qual nós nos reunimos cônscios da presença de Cristo dentro de nós pela infusão do Espírito Santo em nossos corações, e colocamos nossos corações muitas vezes pobres e pecaminosos no Seu glorioso Coração trespassado — sempre aberto para nos receber, curar nossos pecados e nos encher de amor divino. Se desejarem entronizar a imagem do Sagrado Coração de Jesus, recomendo-lhes o manual A entronização do Sagrado Coração de Jesus, disponível através do Apostolado Mariano de Catequistas. Também está disponível nas traduções para o polonês e o eslovaco.

Para aqueles que não podem ter acesso à Santa Missa e à Sagrada Comunhão, recomendo a prática devota da Comunhão Espiritual. Quando estamos corretamente dispostos a receber a Santa Comunhão, isto é, quando estamos em estado de graça e não temos consciência de nenhum pecado mortal cometido e pelo qual ainda não fomos perdoados no Sacramento da Penitência, e desejamos receber Nosso Senhor na Santa Comunhão, mas somos incapazes de fazê-lo, unamo-nos espiritualmente ao Santo Sacrifício da Missa, rezando a Nosso Senhor Eucarístico nas palavras de Santo Afonso Ligório: “Como agora não posso Vos receber sacramentalmente, vinde espiritualmente ao meu coração”. A Comunhão Espiritual é uma bela expressão de amor a Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento e não deixará de nos atrair abundantes graças.

Ao mesmo tempo, se estivermos conscientes de ter cometido um pecado mortal e formos incapazes de ter acesso ao Sacramento da Penitência ou Confissão, a Igreja nos convida a fazer um ato de perfeita contrição, isto é, de pesar pelo pecado “procedente do amor Deus, amado sobre todas as coisas”. Um ato de perfeita contrição “obtém o perdão dos pecados mortais, se incluir o propósito firme de recorrer, logo que possível, à confissão sacramental” (Catecismo da Igreja Católica, nº 1452). Um ato de contrição perfeita dispõe nossa alma para a Comunhão Espiritual.

Finalmente, fé e razão, como sempre fazem, trabalham juntas para fornecer a solução justa e correta para um desafio difícil. Devemos usar a razão, inspirada pela fé, para encontrar a maneira correta de lidar com uma pandemia mortal. Ela deve dar prioridade à oração, à devoção e ao culto, à invocação da misericórdia de Deus sobre Seu povo que sofre tanto e está em perigo de morte. Feitos à imagem e semelhança de Deus, desfrutamos dos dons do intelecto e do livre arbítrio. Usando esses dons dados por Deus, unidos aos dons também dados por Deus, de Fé, Esperança e Caridade, encontraremos nosso caminho neste momento de provação universal, causa de tanta tristeza e medo.

Podemos contar com a ajuda e a intercessão do grande exército de nossos amigos celestiais, aos quais estamos intimamente unidos na Comunhão dos Santos. A Virgem Mãe de Deus, os Santos Arcanjos e Anjos da Guarda, São José, Verdadeiro Esposo da Virgem Maria e Padroeiro da Igreja Universal, São Roque, a quem invocamos em tempos de epidemia, e os outros santos e bem-aventurados, a quem nos voltamos regularmente em oração, estão ao nosso lado. Eles nos guiam e constantemente nos asseguram que Deus jamais deixará de ouvir nossa oração; Ele responderá com Sua misericórdia e amor incomensuráveis ​​e incessantes.

Caros amigos, eu lhes ofereço essas poucas reflexões profundamente consciente de quanto estão sofrendo por causa da pandemia do coronavírus. Espero que elas possam ajudá-los. Sobretudo, que os inspirem a se voltarem para Deus em oração e atos de culto, cada qual de acordo com suas possibilidades, para poder assim experimentar Seu remédio e Sua paz. A estas reflexões junto a promessa da minha lembrança diária de suas intenções em minha oração e penitência, especialmente no oferecimento do Santo Sacrifício da Missa.

Peço que, por favor, se lembrem de mim em suas orações diárias.

Seus, no Sagrado Coração de Jesus, no Imaculado Coração de Maria e no Coração puríssimo de São José,

Raymond Leo Cardinal Burke

21 de março de 2020

Festa de São Bento Abade

Cardeal Burke e Dom Athanasius: Um esclarecimento sobre o significado da fidelidade ao Sumo Pontífice.

Agradecemos aos reverendíssimos Cardeal Burke e Dom Athanasius a honra da publicação em FratresInUnum.com, com exclusividade em língua portuguesa.

Por Cardeal Raymond Leo Burke e Dom Athanasius Schneider

FratresInUnum.com, 24 de setembro de 2019 – Nenhuma pessoa honesta pode mais negar a confusão doutrinária quase geral que reina hoje em dia na vida da Igreja em nossos dias. Isto deve-se, em particular, às ambiguidades acerca da indissolubilidade do matrimónio, que tem vindo a ser  relativizada pela prática da admissão à Santa Comunhão de pessoas que coabitam em uniões irregulares, deve-se à crescente aprovação de atos homossexuais, intrinsecamente contrários à natureza e à vontade revelada de Deus, deve-se a erros a respeito do caráter único de Nosso Senhor Jesus Cristo e da Sua obra redentora, que vem sendo relativizado através de afirmações errôneas sobre a diversidade das religiões, e, em especial,  deve-se ao reconhecimento de diversas formas de paganismo e das respetivas práticas rituais em virtude do Instrumentum Laboris para a próxima Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a região Pan-Amazônica.

Cardinal Raymond Burke and Bishop Athanasius Schneider.

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Um novo Syllabus ante a letargia espiritual no exercício do Magistério. A Declaração dos Cardeais Burke, Pujats e bispos do Cazaquistão.

Por FratresInUnum.com, 11 de junho de 2019

Temos a honra de apresentar, com exclusividade, a versão portuguesa da Declaração lançada por Dom Raymond Cardeal Leo Burke, Dom Janis Cardeal Pujats, Dom Tomash Peta, Dom Jan Pawel Lenga e Dom Athanasius Schneider.

Nota explicativa à Declaração de verdades relacionadas com alguns dos erros mais comuns na vida da Igreja do nosso tempo

A Igreja atual sofre uma das maiores epidemias espirituais de sempre. Uma confusão e desorientação doutrinais de alcance quase universal. Este fenômeno representa um sério perigo de contágio para a saúde espiritual e a salvação eterna de numerosas almas. Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer uma letargia espiritual generalizada no exercício do Magistério a diversos níveis da hierarquia da Igreja de hoje. Em grande parte, isso se deve ao facto que não ter sido observado o dever apostólico – como tem sido afirmado também pelo Concílio Vaticano II – de que os bispos devem «solicitamente afastar os erros que ameaçam o seu rebanho» (Lumen gentium, 25).

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Os signatários, da esquerda para a direita: Cardeal Burke, Cardeal Pujats, Dom Tomash Peta, Dom Jan Pawel Lenga e Dom Athanasius Schneider

Os tempos em que vivemos se caracterizam por uma aguda fome espiritual dos fiéis católicos de todo o mundo para que se reafirmem as verdades que foram obscurecidas, minadas e negadas por alguns dos mais perigosos erros da nossa época. Os fiéis que padecem desta fome espiritual se sentem abandonados e se encontram, por isso, numa espécie de periferia existencial. Esta situação requer com urgência um remédio concreto. Não admite mais demora uma Declaração pública das verdades que se opõem aos erros mencionados. Temos, portanto, presentes as seguintes palavras do Papa São Gregório Magno, válidas para todos os tempos: «Não se canse nossa língua para exortar e, tendo assumido o cargo de bispo, não nos condene nosso silêncio ante o tribunal do justo Juiz. (…) O rebanho que nos foi encomendado abandona Deus, e nós nos calamos. Vive no pecado, e não estendemos a mão para corrigi-lo» (Hom. In ev., 17, 3.14).

Estamos conscientes da grave responsabilidade que temos como bispos católicos, conforme a admoestação de São Paulo, que ensina que Deus deu à sua Igreja «pastores e doutores com o propósito de aperfeiçoar os santos para a obra do ministério, para que o Corpo de Cristo seja edificado, até que todos alcancemos a unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus e cheguemos à maturidade, atingindo a medida da estatura da plenitude de Cristo. O objetivo é que não sejamos mais como crianças, levados de um lado para o outro pelas ondas teológicas, nem jogados para cá e para lá por todo vento de doutrina e pela malícia de certas pessoas que induzem os incautos ao erro. Longe disso, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo. É a partir dele que todo o Corpo inteiro, bem ajustado e unido, por meio de todas as articulações que o sustentam, segundo uma força à medida de cada uma das partes, realiza o seu crescimento como Corpo, para se construir a si próprio no amor» (Ef. 4, 12-16).

Com o espírito de caridade fraterna, publicamos a presente Declaração de verdades como modo de ajuda espiritual concreta para que bispos, sacerdotes, paróquias, comunidades religiosas, associações de fiéis leigos e pessoas privadas tenham a oportunidade de confessar privada e publicamente as verdades que mais se negam ou desfiguram em nossos tempos. A seguinte exortação do apóstolo São Paulo deve entender-se como dirigida a cada bispo e fiel leigo de hoje: «Combate a boa batalha da fé. Toma posse da vida eterna, para a qual foste convocado, tendo já realizado boa confissão diante de muitas testemunhas. Na presença de Deus, que a tudo dá vida, e de Cristo Jesus, que perante Pôncio Pilatos fez o perfeito testemunho, eu te exorto Guarda este mandamento imaculado e irrepreensível até a manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo» (1 Tim. 6,12-14).

Diante dos olhos do Divino Juiz e da própria consciência, cada bispo, sacerdote e fiel leigo tem o dever moral de dar testemunho inequívoco das verdades que hoje em dia se obscurecem, minam e negam. Declarando estas verdades mediante actos públicos e privados podia iniciar-se um movimento de confissão da verdade, da defesa e da reparação pelos pecados generalizados contra a fé e pelos pecados secretos e públicos de apostasia, dissimulada ou manifesta, de não poucos clérigos e leigos. É necessário ter presente que o que importa num tal movimento não é o número, mas a verdade, como afirmou São Gregório Nazianzeno diante da confusão doutrinal generalizada da crise ariana, quando declarou que Deus não se compraz nos números (cfr. Or. 42,7).

Ao dar testemunho da perene fé católica, o clero e os fiéis recordarão a verdade de que «a totalidade dos fiéis que receberam a unção do Santo (cfr. Jo. 2, 20 e 27), não pode enganar-se na fé; e esta sua propriedade peculiar manifesta-se por meio do sentir sobrenatural da fé do povo todo, quando este, «desde os Bispos até ao último dos leigos fiéis», manifesta consenso universal em matéria de fé e costumes.» (Concílio Vaticano II, Lumen gentium, 12).

Os santos e grandes bispos que viveram em tempos de crises doutrinais podem interceder por nós e guiar-nos mediante seu ensinamento, como o fazem as seguintes palavras de Santo Agostinho dirigidas ao Papa São Bonifácio I: «Dado que todos os que exercemos o episcopado compartilhamos uma mesma vigilância pastoral (embora tu vigies desde uma altura superior), faço o que posso com respeito à minha pequena porção de rebanho na  medida em que o Senhor se digna conceder-me mediante as tuas orações» (Contra ep. pel., 1,2).

A voz unânime dos pastores e dos fiéis numa precisa Declaração de verdades será indubitavelmente um meio eficaz de ajuda fraterna e filial ao Sumo Pontífice na extraordinária situação atual de confusão doutrinal generalizada e de desorientação que reina na Igreja.

Fazemos esta Declaração com espírito de caridade cristã, que se manifesta velando pela saúde espiritual dos pastores e dos fiéis; quer dizer, de todos os membros do Corpo de Cristo, que é a Igreja, tendo presentes as seguintes palavras de São Paulo na sua Primeira Epístola aos Coríntios: «Para que não haja divisão no corpo, mas que os membros tenham igual cuidado uns dos outros. De maneira que, se um membro padece, todos os membros padecem com ele; e, se um membro é honrado, todos os membros se regozijam com ele.» (1 Cor.12, 25-27), e na carta aos Romanos: «Pois assim como em um corpo temos muitos membros, e nem todos os membros têm a mesma função, assim nós, embora muitos, somos um só corpo em Cristo, e individualmente uns dos outros. De modo que, tendo diferentes dons segundo a graça que nos foi dada, se é profecia, seja ela segundo a medida da fé; se é ministério, seja em ministrar; se é ensinar, haja dedicação ao ensino; ou que exorta, use esse dom em exortar. (…) Aborrecei o mal e apegai-vos ao bem. Amai-vos cordialmente uns aos outros com amor fraternal, preferindo-vos em honra uns aos outros; não sejais vagarosos no cuidado; sede fervorosos no espírito, servindo ao Senhor» (Rm. 12, 4-11).

Os cardeais e bispos signatários desta “Declaração de verdades” a encomendam ao Coração Imaculado da Mãe de Deus sob a invocação “Salus populi Romani”, considerando o privilegiado significado espiritual que este ícone tem para a Igreja Romana. Que toda a Igreja Católica possa, sob a proteção da Virgem Imaculada e Mãe de Deus, “lutar intrepidamente a boa batalha da fé, perseverar firmemente na doutrina dos apóstolos e proceder seguramente entre as tempestades do mundo até chegar à cidade celestial” (Prefácio da Missa em honra da Bem-aventurada Virgem Maria “Salvação do povo Romano”).

31 de maio de 2019

Cardeal Raymond Leo Burke, Patrono da Soberana e Militar Ordem de Malta

Cardinal Janis Pujats, Arcebispo emérito de Riga

Tomash Peta, Arcebispo da arquidiocese de Maria Santíssima em Astana

Jan Pawel Lenga, Arcebispo-Bispo emérito de Karaganda

Athanasius Schneider, Bispo Auxiliar da arquidiocese de Maria Santíssima em Astana

* * *

«A Igreja do Deus vivo, coluna e fundamento da verdade» (1 Tim 3,15)

Declaração de verdades relacionadas com alguns dos erros mais comuns

na vida da Igreja de nosso tempo

Fundamentos da fé

  1. O sentido correto das expressões tradição viva, Magistério vivo, hermenêutica da continuidade e desenvolvimento da doutrina contém a verdade que, cada vez que se aprofunde o entendimento do depósito da fé, o conteúdo duma doutrina católica não pode ser contrário ao sentido que a Igreja sempre havia exposto na mesma doutrina, no mesmo sentido e no mesmo entendimento (cf. Concílio Vaticano I, Dei Filius, 3, c. 4: «in eodem dogmate, eodem sensu, eademque sententia»).
  1. «O próprio sentido das fórmulas dogmáticas permanece na Igreja sempre verdadeiro e coerente, mesmo quando se torna mais esclarecido e melhor compreendido. Devem os fiéis, portanto, rejeitar a opinião segundo a qual aquelas fórmulas dogmáticas (ou pelo menos algumas categorias das mesmas) não poderiam expressar a verdade determinadamente, mas apenas aproximações mutáveis da mesma, que no fundo, seriam, de algum modo, deformações ou adulterações da própria verdade; assim — sempre segundo tal opinião — dado que as mesmas fórmulas dogmáticas expressam apenas de modo indefinido a verdade, deveria esta ser continuamente procurada, através das tais « aproximações ». Os que abraçam semelhante opinião não conseguem fugir ao relativismo dogmático e falsificam o conceito de infalibilidade da Igreja, relativo à verdade que há-de ser ensinada e aceite de maneira explícita» (Sagrada Congregação pela Doutrina da fé, Declaração sobre a doutrina católica acerca da doutrina católica sobre a Igreja para a defender de alguns erros hodiernos, 5)

Credo

  1. «O Reino de Deus, começado aqui na terra na Igreja de Cristo, “não é deste mundo” (cf. Jo18, 36), “cuja figura passa” (cf. 1 Cor 7, 31), e também que o seu crescimento próprio não pode ser confundido com o progresso da cultura humana ou das ciências e artes técnicas; mas consiste em conhecer, cada vez mais profundamente, as riquezas insondáveis de Cristo, em esperar sempre com maior firmeza os bens eternos, em responder mais ardentemente ao amor de Deus, enfim em difundir-se cada vez mais largamente a graça e a santidade entre os homens. Mas com o mesmo amor, a Igreja é impelida a interessar-se continuamente pelo verdadeiro bem temporal dos homens. Pois, não cessando de advertir a todos os seus filhos que eles “não possuem aqui na terra uma morada permanente” (cf. Hb 13, 14), estimula-os também a que contribuam, segundo as condições e os recursos de cada um, para o desenvolvimento da própria sociedade humana; promovam a justiça, a paz e a união fraterna entre os homens; e prestem ajuda a seus irmãos, sobretudo aos mais pobres e mais infelizes. Destarte, a grande solicitude com que a Igreja, Esposa de Cristo, acompanha as necessidades dos homens, isto é, suas alegrias e esperanças, dores e trabalhos, não é outra coisa senão o ardente desejo que a impele com força a estar presente junto deles, tencionando iluminá-los com a luz de Cristo, congregar e unir a todos Naquele que é o seu único Salvador. Tal solicitude entretanto, jamais se deve interpretar como se a Igreja se acomodasse às coisas deste mundo, ou se tivesse resfriado no fervor com que ela mesma espera seu Senhor e o Reino eterno» (Paulo VI, Constituição apostólica Solemni hac liturgia,Credo do  povo de Deus”, 27). É, portanto, errado afirmar que o que mais glorifica a Deus é o progresso das condições terrenas e temporais da humanidade.
  1. Depois da instituição da Nova e Eterna Aliança em Cristo Jesus, ninguém pode salvar-se obedecendo apenas à lei de Moisés sem fé em Cristo como Deus verdadeiro e único Salvador da humanidade e (cf. Rm. 3,28; Gál. 2,16).
  1. Nem os muçulmanos nem outros que não têm fé em Jesus Cristo, Deus e homem, mesmo que sejam monoteístas, podem render a Deus o mesmo culto de adoração que os cristãos; quer dizer, a adoração sobrenatural em Espírito e em Verdade (cf. Jn. 4,24; Ef. 2,8) por parte dos que receberam o Espírito da filiação (cf. Rm. 8,15).
  1. As formas de espiritualidade e religiões que promovem alguma forma de idolatria ou panteísmo não podem considerar-se sementes nem frutos do Verbo, pois são enganos que impedem a evangelização e a eterna salvação de seus sequazes, como ensina a Sagrada Escritura: «O deus, desta presente era perversa, cegou o entendimento dos descrentes, a fim de que não vejam a luz do Evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus» (2 Cor. 4,4).
  1. O verdadeiro ecumenismo tem por objetivo que os não-católicos se integrem à unidade que a Igreja Católica possui de modo inquebrantável em virtude da oração de Cristo, sempre atendida pelo Pai: «para que sejam um» (Jn. 17,11), a unidade, que a Igreja professa no Símbolo da fé: «Creio na Igreja uma». Por conseguinte, o ecumenismo não pode ter como finalidade legítima a fundação de uma Igreja que ainda não existe.
  1. O inferno existe, e os que estão condenados a ele por causa de algum pecado mortal do qual não se arrependeram, são castigados aí pela justiça divina (cf. Mt. 25,46). Conforme ao ensinamento da Sagrada Escritura, não só se condenam por toda a eternidade os anjos caídos, mas também as almas humanas (cf. 2 Tes.1,9; 2 Pe.3,7). Ademais, os seres humanos condenados por toda a eternidade não serão exterminados porque, segundo o ensinamento infalível da Igreja, suas almas são imortais (cf. V Concílio de Laterão, sessão 8).
  1. A religião nascida da fé em Jesus Cristo, Filho encarnado de Deus e único Salvador da humanidade, é a única religião positivamente querida por Deus. Portanto, é errada a opinião que diz que do mesmo modo que Deus quis que haja diversidade de sexos e de nações, assim também Ele quer que houvesse diversidade de religiões.
  1. «A nossa religião [cristã] instaura efetivamente uma relação autêntica e viva com Deus, que as outras religiões não conseguem estabelecer, se bem que elas tenham, por assim dizer, os seus braços estendidos para o céu» (Paulo VI, Exortação apostólica Evangelii nuntiandi,53).
  1. O dom do livre arbítrio com que Deus Criador dotou a pessoa humana concede ao homem o direito natural de escolher unicamente o bem e o verdadeiro. Nenhum ser humano tem, portanto, o direito de ofender a Deus escolhendo o mal moral do pecado ou o erro religioso da idolatria, da blasfêmia ou de uma religião falsa.

A lei de Deus

  1. Mediante a graça de Deus, a pessoa justificada possui a força necessária para cumprir as exigências objetivas da lei divina, dado que para os justificados é possível cumprir todos os mandamentos de Deus. Quando a graça de Deus justifica o pecador, pela sua própria natureza leva à conversão de todo o pecado grave (cf. Concílio de Trento, sessão 6, Decreto sobre a justificação, 11 e 13).
  1. «Os fiéis hão de reconhecer e respeitar os preceitos morais específicos, declarados e ensinados pela Igreja em nome de Deus, Criador e Senhor. O amor de Deus e o amor do próximo são inseparáveis da observância dos mandamentos da Aliança, renovada no sangue de Jesus Cristo e no dom do Espírito.» (João Paulo II, Encíclica Veritatis splendor,76). De acordo com o ensinamento da mesma encíclica, é errada a opinião dos que «crêem poder justificar, como moralmente boas, escolhas deliberadas de comportamentos contrários aos mandamentos da lei divina e natural». Por isso, «estas teorias não podem apelar à tradição moral católica» (ibid.).
  1. Todos os mandamentos da lei de Deus são igualmente justos e misericordiosos. É, portanto, errada a opinião que diz que obedecendo a uma proibição divina – como por exemplo ao sexto mandamento, de não cometer adultério – uma pessoa pode, em razão dessa obediência, pecar contra Deus, prejudicar-se a si mesma moralmente ou pecar contra outros.
  1. “Nenhuma circunstância, nenhum fim, nenhuma lei no mundo poderá jamais tornar lícito um ato que é intrinsecamente ilícito, porque contrário à Lei de Deus, inscrita no coração de cada homem, reconhecível pela própria razão, e proclamada pela Igreja” (João Paulo II, Encíclica Evangelium vitae, 62). A revelação divina e a lei natural contêm princípios morais que incluem proibições negativas que proíbem terminantemente certas ações, porquanto estas são sempre gravemente ilícitas por causa do seu objeto. Por conseguinte, é errada a opinião de que uma boa intenção ou uma boa consequência podem ser suficientes para justificar a execução de tais ações (cf. Concilio de Trento, sess. 6, de iustificatione, c. 15; João Paulo II, Exhortação Apostólica, Reconciliatio et Paenitentia, 17; Encíclica Veritatis splendor,80).
  1. A lei natural e a lei Divina proíbem a mulher que concebeu uma criança de matar a vida que porta em seu ventre, seja que o faça ela mesma ou com a ajuda de outros, direta ou indiretamente (cf. João Paulo II, Encíclica Evangelium vitae,62).
  1. As técnicas de reprodução «são moralmente inaceitáveis, porquanto separam a procriação do contexto integralmente humano do ato conjugal» (João Paulo II, Encíclica Evangelium vitae, 14).
  1. Nenhum ser humano pode estar jamais moralmente justificado nem se lhe pode permitir desde o ponto de vista moral matar a si mesmo ou fazer-se matar por outros com o fim de escapar ao sofrimento. «A eutanásia é uma violação grave da Lei de Deus, enquanto morte deliberada moralmente inaceitável de uma pessoa humana. Tal doutrina está fundada sobre a lei natural e sobre a Palavra de Deus escrita, é transmitida pela Tradição da Igreja e ensinada pelo Magistério ordinário e universal» (João Paulo II, Encíclica Evangelium vitae, 65).
  1. Por mandado divino e pela lei natural, o matrimônio é a união indissolúvel de um homem e uma mulher (cf. Gn. 2,24; Mc.10,7-9; Ef. 5,31-32). “Por sua própria índole, a instituição matrimonial e o amor conjugal estão ordenados para a procriação e educação da prole, que constituem como que a sua coroa” (Concílio Vaticano II, Gaudium et spes, 48).
  1. Segundo o direito natural e divino, todo o ser humano que faz uso voluntário de suas faculdades sexuais fora do matrimônio legítimo peca. Portanto, é contrário à Sagrada Escritura e à Tradição afirmar que a consciência é capaz de determinar legitimamente e com acerto que os atos sexuais entre pessoas que contraíram matrimônio civil podem em alguns casos ser moralmente bons ou até ser pedidos ou inclusivamente ordenados por Deus, ainda que uma delas ou ambas sejam casadas sacramentalmente com outra pessoa (1 Cor. 7. 11; João Paulo II, Exortação Apostólica Familiaris consortio, 84).
  1. A lei natural e Divina exclui “toda a ação que, ou em previsão do ato conjugal, ou durante a sua realização, ou também durante o desenvolvimento das suas consequências naturais, se proponha, como fim ou como meio, tornar impossível a procriação” (Paulo VI, Encíclica Humanae vitae, 14).
  1. Todo o marido ou esposa que se divorciou do cônjuge com quem estava validamente casado e que contraiu depois um matrimônio civil com outra pessoa enquanto ainda está vivo o seu cônjuge legítimo, coabitando maritalmente com o parceiro civil, e que opta por viver neste estado com pleno conhecimento da natureza deste ato e pleno consentimento da vontade a este ato, está em pecado mortal e não pode, portanto, receber a graça santificante nem crescer na caridade. Por conseguinte, a não ser que tais cristãos convivam como irmão e irmã, não podem receber a Sagrada Comunhão (cf. João Paulo II, Exortação apostólica Familiaris consortio, 84).
  1. Duas pessoas do mesmo sexo pecam gravemente quando se procuram prazer venéreo mútuo (cf. Lev. 18,22; 20,13; Rm.1,24-28; 1 Cor.6,9-10; 1 Tim.1,10; Judas 7). Atos de homossexualidade “não podem, em caso algum, ser aprovados” (Catecismo da Igreja Católica, 2357). Assim pois, é contrária à lei natural e à Revelação Divina a opinião que afirma que do mesmo modo que o Deus Criador tem dado a alguns seres humanos a inclinação natural de sentir desejo sexual para pessoas do outro sexo, assim também Ele tem dado a outros a inclinação de desejar sexualmente pessoas do mesmo sexo, e que é a vontade do Criador que em determinadas circunstâncias essa tendência seja efeituada.

  1. Nem as leis dos homens, nem alguma autoridade humana podem outorgar a duas pessoas do mesmo sexo o direito de casar-se, nem as declarar casadas, já que isso é contrário ao direito natural e à lei de Deus. “No plano do Criador, a complementaridade dos sexos e a fecundidade pertencem, portanto, à própria natureza da instituição do matrimônio” (Congregação para a Doutrina da Fé, Considerações sobre os projetos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais, 3).

  1. Aquelas uniões que recebem o nome de matrimônio sem a realidade do mesmo, não podem obter a bênção da Igreja, por serem contrárias à lei natural e divina.

  1. As autoridades civis não podem reconhecer uniões civis ou legais entre duas pessoas do mesmo sexo que claramente imitam a união matrimonial, ainda que estas uniões não recebam o nome de matrimônio, porque fomentariam pecados graves entre os seus participantes e seriam motivo de grave escândalo (cf. Congregação para a Doutrina da fé, Considerações acerca dos projetos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais,3 de junho de 2003, 11).

  1. Os sexos masculino e feminino, homem e mulher, são realidades biológicas, criadas pela sábia vontade de Deus (cf. Gen. 1, 27; Catecismo da Igreja Católica, 369). É, portanto, uma rebelião contra a lei natural e Divina e um pecado grave que um homem tente converter-se em mulher mutilando-se, ou simplesmente declarar-se mulher, ou que uma mulher tente converter-se em homem, ou afirmar que as autoridades civis tenham o dever ou o direito de proceder como se tais coisas fossem ou pudessem ser possíveis e legítimas (Catecismo da Igreja Católica, 2297).

  1. Em conformidade com a Sagrada Escritura e com a constante tradição do Magistério ordinário e universal, a Igreja não errou ao ensinar que as autoridades civis podem aplicar legitimamente a pena capital aos malfeitores quando seja verdadeiramente necessário para preservar a existência ou manter a ordem justa na sociedade (cf. Gn.9,6; Jn.19,11; Rm.13,1-7; Inocêncio III, Professio fidei Waldensibus praescripta; Catecismo Romano do Concílio de Trento, p. III, 5, n. 4; Pio XII, Discurso aos juristas católicos de 5 de dezembro de 1954).

  1. Toda a autoridade na terra e no céu pertence a Jesus Cristo; por isso as sociedades civis e qualquer outra associação de homens estão sujeitas à Sua realeza, pois «o dever de render a Deus um culto autêntico corresponde ao homem individual e socialmente considerado» (Catecismo da Igreja Católica, 2105; cf. Pio XI, Encíclica Quas primas, 18-19; 32).

Os sacramentos

  1. No santíssimo Sacramento da Eucaristia realiza-se uma maravilhosa transformação de toda a substância do pão no Corpo de Cristo e de toda a substância do vinho no Seu Sangue, uma transformação que a Igreja Católica chama muito apropriadamente transubstanciação (cf. IV Concílio de Laterão, cap.1; Concílio de Trento, sessão 13, c.4). «Qualquer interpretação de teólogos, buscando alguma inteligência deste mistério, para que concorde com a fé católica, deve colocar bem a salvo que na própria natureza das coisas, isto é, independentemente do nosso espírito, o pão e o vinho deixaram de existir depois da consagração, de sorte que o Corpo adorável e o Sangue do Senhor Jesus estão na verdade diante de nós, debaixo das espécies sacramentais do pão e do vinho» (Paulo VI, Carta apostólica Solemni hac liturgia, “Credo do povo de Deus”, 25).
  1. As palavras com as quais o Concílio de Trento expressou a fé da Igreja na Sagrada Eucaristia são idôneas para os homens de todos os tempos e lugares, já que são «doutrina sempre válida» da Igreja (João Paulo II, Encíclica Ecclesia de Eucharistia,15).
  1. Na Santa Missa é oferecido à Santíssima Trindade um sacrifício verdadeiro e próprio, e este sacrifício tem um valor propiciatório tanto para os homens que vivem na terra como para as almas do purgatório. É, portanto, errada a opinião segundo a qual o Sacrifício da Missa consistiria simplesmente no facto de o povo oferecer um sacrifício espiritual de oração e louvor, assim como a opinião que a Missa pode ou deve definir-se somente como a entrega que Cristo faz de Si mesmo aos fiéis como alimento espiritual para eles (cf. Concílio de Trento, sessão 22, c. 2).
  1. «A Missa, celebrada pelo sacerdote, que representa a pessoa de Cristo, em virtude do poder recebido no sacramento da Ordem, e oferecida por ele em nome de Cristo e dos membros do seu Corpo Místico, é realmente o Sacrifício do Calvário, que se torna sacramentalmente presente em nossos altares. Cremos que, como o Pão e o Vinho consagrados pelo Senhor, na última ceia, se converteram no seu Corpo e Sangue, que depois iriam ser oferecidos por nós na Cruz; assim também o Pão e o Vinho consagrados pelo sacerdote se convertem no Corpo e Sangue de Cristo que assiste gloriosamente no céu. Cremos ainda que a misteriosa presença do Senhor, debaixo daquelas espécies que continuam aparecendo aos nossos sentidos do mesmo modo que antes, é uma presença verdadeira, real e substancial» (Paulo VI, Carta Apostólica Solemni hac liturgia, “Credo do povo de Deus”,24).
  1. «A imolação incruenta por meio da qual, depois de pronunciadas as palavras da consagração, Cristo está presente no altar no estado de vítima é realizada só pelo sacerdote enquanto representa a pessoa de Cristo e não enquanto representa a pessoa dos fiéis. (…) Que os fiéis oferecem o sacrifício por meio do sacerdote, é claro, pois o ministro do altar age na pessoa de Cristo enquanto Cabeça, que oferece em nome de todos os membros; pelo que, em bom direito, se diz que toda a Igreja, por meio de Cristo, realiza a oblação da vítima. Quando, pois, se diz que o povo oferece juntamente com o sacerdote, não se afirma que os membros da Igreja de maneira idêntica à do próprio sacerdote realizam o rito litúrgico visível – o que pertence somente ao ministro de Deus para isso designado – mas sim que une os seus votos de louvor, de impetração, de expiação e a sua ação de graças à intenção do sacerdote, aliás do próprio sumo pontífice, a fim de que sejam apresentados a Deus Pai na própria oblação da vítima, embora com o rito externo do sacerdote.” (Pio XII, Encíclica Mediator Dei,83).
  1. O sacramento da penitência é o único meio ordinário pelo qual se podem absolver os pecados graves cometidos depois do batismo. Segundo o direito divino todos estes pecados devem confessar-se segundo sua espécie e seu número (cf. Concílio de Trento, sessão 14, cân. 7).
  1. O direito divino proíbe ao confessor de violar o sigilo do sacramento da penitência seja por que motivo for. Nenhuma autoridade eclesiástica tem o poder para dispensá-lo do segredo do sacramento da penitência, e tão-pouco as autoridades civis estão facultadas para obrigá-lo a isso (cf. Código do Direito Canônico 1983, can. 1388 § 1; Catecismo da Igreja Católica 1467).
  1. Segundo a vontade de Cristo e a tradição imutável da Igreja, não se pode administrar o sacramento da Sagrada Eucaristia a quem está objetivamente em estado de pecado grave público, e tão-pouco se deve dar a absolvição sacramental a quem manifesta não estar disposto a ajustar-se à lei de Deus, ainda que esta falta de disposição corresponda a uma só matéria grave (cf. Concílio de Trento, sess. 14, c. 4; João Paulo II, Mensagem ao Cardeal William W. Baum,  22 de março de 1996).
  1. Conforme a tradição constante da Igreja, não se pode administrar o sacramento da Sagrada Eucaristia a quem nega alguma verdade da fé católica professando formalmente sua adesão a uma comunidade cristã herética ou oficialmente cismática (cf. Código do Direito Canônico 1983, can. 915; 1364).
  1. A lei que obriga os sacerdotes a observar a perfeita continência mediante o celibato tem sua origem no exemplo de Jesus Cristo e pertence à uma tradição imemorial e apostólica segundo o testemunho constante dos Padres da Igreja e dos Romanos Pontífices. Por esta razão, não se deve abolir esta lei na Igreja Romana por meio da inovação dum suposto celibato opcional dos sacerdotes, seja ao nível regional ou universal. O testemunho válido e perene da Igreja afirma que a lei da continência sacerdotal «não impõe nenhum preceito novo, e que estes preceitos devem observar-se, porque alguns os descuidaram por ignorância e preguiça. Contudo, os mencionados preceitos remontam aos apóstolos e foram estabelecidos pelos Padres, como está escrito: “Assim, irmãos, permanecei firmes e conservai as tradições que vos foram ensinadas, tanto de viva voz, quanto por meio das nossas cartas” (2 Tes. 2,15). De facto, muitos, desconhecendo os estatutos dos nossos predecessores, violaram com sua presunção a castidade da Igreja e deixaram-se guiar pela vontade do povo sem temer os castigos divinos» (Papa Sirício, decretal Cum in unum do ano 386).
  1. Pela vontade de Cristo e pela constituição divina da Igreja, apenas varões batizados podem receber o sacramento da Ordem, seja para o episcopado, o sacerdócio ou o diaconado (cf. Carta apostólica de João Paulo II Ordinatio sacerdotalis,4). Ademais, a afirmação de que apenas um Concílio ecuménico pode dirimir esta questão é errada, dado que a autoridade dum Concílio ecuménico não é maior do que a do Romano Pontífice (cf. V Concílio de Laterão, sessão 11; Concílio Vaticano I, sessão 4, c. 3).

31 de maio de 2019

Cardeal Raymond Leo Burke, Patrono da Soberana e Militar Ordem de Malta

Cardeal Janis Pujats, Arcebispo emérito de Riga

Tomash Peta, Arcebispo da arquidiocese de Maria Santíssima em Astana

Jan Pawel Lenga, Arcebispo-Bispo emérito de Karaganda

Athanasius Schneider, Bispo Auxiliar da arquidiocese de Maria Santíssima em Astana

Também o encontro sobre abusos cria sérios “dubia”. A carta aberta de dois cardeais.

Por Sandro Magister, 19 de fevereiro de 2019 | Tradução: FratresInUnum.com

Até um mês atrás, a dupla finalidade da reunião que, de 21 a 24 de fevereiro, congregará em torno do Papa os chefes da hierarquia católica mundial, era a “proteção de menores e adultos vulneráveis”, como escreveu Francisco, na “carta ao povo de Deus” publicada em 20 de agosto.

CupichProva disso era a edição de “L’Osservatore Romano” de 11 de janeiro, que, ao fim da primeira página de Andrea Tornielli, diretor editorial de todos os meios de comunicação vaticanos e porta-voz do Papa, deixava clara a dupla finalidade, inclusive no título:

> Incontro tra Pastori…

No entanto, mais tarde os “adultos vulneráveis” desapareceram da agenda oficial do encontro. E, com eles, a questão dos abusos homossexuais contra jovens, muitos jovens, apesar de eles constituírem, estatisticamente, a maior parte dos abusos cometidos pelo clero.

Na concorrida coletiva de imprensa de 18 de fevereiro, na qual se apresentava a reunião (foto), o Cardeal Blase Cupich, número um da comissão organizadora, insistiu, pelo contrário, em negar que a prática homossexual seja a causa dos abusos, apesar de ter dito que a diminuição dos delitos nos últimos anos, nos Estados Unidos, se deu também por conta da investigação detalhada de aspirantes ao sacerdócio, excluindo os que eram de “risco”.

É fato que se proibiu não só a questão da homossexualidade no clero, mas também a própria palavra “homossexualidade”, que não aparece no relatório de informação sobre o encontro colocado à disposição de todos os meios de comunicação do mundo:

> Incontro: La protezione dei minori nella Chiesa. Vaticano, 21-24 febbraio 2019

A eliminação da questão da homossexualidade da agenda do encontro é claramente fruto de uma decisão do Papa Francisco, na qual não escondeu estar mais convencido que não se trata de abusos sexuais, mas de abuso de poder; não de pessoas individuais, mas de uma casta, a casta clerical.

Mas, muitos na Igreja duvidam que tudo deva se reduzir ao “clericalismo”.

Não é a primeira vez que Francisco cria “dubia” na doutrina, na moral e na praxis. Continuam sendo memoráveis o que denunciaram quatro cardeais depois da publicação de “Amoris Laetitia”, ao que o Papa nunca deu resposta.

E agora, novamente, dois desses cardeais, o alemão Walter Brandmüller e o americano Raymond Leo Burke, acreditaram ser seu dever vir à luz pública com a carta aberta que publicamos a seguir, dirigida aos bispos que participarão do encontro sobre a “proteção dos menores”.

Eles fazem um chamamento urgente a não permanecer calados diante de outra “chaga [que é] a agenda homossexual”, que invadiu a Igreja e que, na sua opinião, é um abandono da “verdade do Evangelho” e, consequentemente, também está na original da crise de fé atual.

Na reunião dos próximos dias, comprovar-se-á em que medida será escutado este apelo.

* * *

CARTA ABERTA AOS PRESIDENTES DAS CONFERÊNCIAS EPISCOPAIS

Tradução: Dubia

Caros irmãos, Presidentes das Conferências Episcopais,

É com profunda aflição que nos dirigimos a todos vós!

O mundo católico está desorientado e levanta uma pergunta angustiante: para onde está a ir a Igreja?

Diante desta deriva, hoje em curso, pode parecer que o problema se reduz ao problema dos abusos de menores, um crime horrível, especialmente se perpetrado por um sacerdote, que, todavia, não é senão uma parte de uma crise bem mais ampla. A chaga da agenda homossexual difunde-se no seio da Igreja, promovida por redes organizadas e protegida por um clima de cumplicidade e de conspiração de silêncio (“omertà”). Como é evidente, as raízes deste fenómeno encontram-se nessa atmosfera de materialismo, relativismo e hedonismo, em que se põe abertamente em discussão a existência de uma lei moral absoluta, ou seja, sem excepções.

Acusa-se o clericalismo de ser responsável pelos abusos sexuais, mas a primeira e a principal responsabilidade do clero não recai sobre o abuso de poder, mas em se ter afastado da verdade do Evangelho. A negação, até mesmo em público, por palavras e nos factos, da lei divina e natural, está na raiz do mal que corrompe certos ambientes da Igreja.

Diante de tal situação, cardeais e bispos calam. Também vós vos calareis aquando da reunião convocada para o próximo dia 21 de Fevereiro, no Vaticano?

Em 2016, estivemos entre os que interpelaram o Santo Padre acerca dos “dubia” que dividiam a Igreja após a conclusão do Sínodo sobre a família. Hoje, esses “dubia” não só continuam sem receber qualquer resposta, mas são apenas parte de uma crise da fé mais geral. Por isso, vimos encorajar-vos a que levanteis a vossa voz para salvaguardar e proclamar a integridade da doutrina da Igreja.

Rezamos e pedimos ao Espírito Santo para que assista a Igreja e ilumine os pastores que a guiam. Neste momento, é urgente e necessário um acto resolutório. Confiamos no Senhor que nos prometeu: “Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos” (Mt 28, 20).

Walter Card. Brandmüller

Raymond Leo Card. Burke