Péter Erdõ, um possível “Papa Goulash”.

IHU – Há muita conversa fiada nestes dias sobre um “papa do Terceiro Mundo”, e essa é uma possibilidade realista. Politicamente falando, no entanto, ela ignora um pouco de aritmética: 61 dos 116 cardeais que entrarão na Capela Sistina ainda vêm da Europa. Por isso, descontar os candidatos do Velho Continente significa excluir metade do banco de talentos a priori. A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 24-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Além disso, há europeus e europeus. Eleger um italiano pode surpreender alguns cardeais como uma volta para o futuro, mas escolher um papa a um canto há muito tempo negligenciado do continente pode parecer quase tão ousado para eles quanto escolher alguém, digamos, da América Latina.

Se assim for, muitas pessoas bem informadas da Igreja acreditam que o cardeal Péter Erdő, de Budapeste, Hungria, poderia ser visto muito seriamente.

Advogado canônico de formação, Erdő esteve na pista de alta velocidade eclesiástica por toda a sua carreira. Em 2001, quando ele ainda era bispo auxiliar e antes mesmo de completar 50 anos, foi eleito para o seu primeiro mandato como presidente do Conselho das Conferências Episcopais da Europa. Foi reeleito para um segundo mandato de cinco anos em 2006.

Em 2002, foi nomeado arcebispo da primeira Sé da Hungria com a tenra idade de 50 anos, e foi criado cardeal um ano depois. Aos 52 anos, foi o mais jovem cardeal a participar do conclave que elegeu Bento XVI, em 2005. Oito anos depois, ainda há apenas cinco cardeais eleitores mais jovens do que Erdő, que agora tem 60 anos.

No entanto, como Indiana Jones disse certa vez, “não é a idade, boneca, é a quilometragem”. Apesar da sua relativa juventude, poucos sugerem que a Erdő falte o tempero para a liderança.

Ele também representa uma Igreja perseguida durante a era soviética, simbolizada pela figura do cardeal József Mindszenty, que foi torturado e condenado à prisão perpétua por um tribunal comunista arbitrário, se refugiou na embaixada dos EUA em Budapeste durante 15 anos e morreu no exílio em Viena, em 1975. No início deste ano, Erdő convenceu o governo húngaro a derrubar formalmente o processo contra o seu antecessor, apresentado originalmente em 1949.

Dada a sua localização na Hungria, onde o Oriente se encontra com o Ocidente na Europa, não é nenhuma surpresa que Erdő seja um líder em relações católicas com as Igrejas ortodoxas, vistas por muitos cardeais como uma alta prioridade ecumênica. Ele também foi ao encontro dos líderes judeus e recentemente foi atacado por forças de extrema-direita da Hungria por ter almoçado em um restaurante judeu bem conhecido em Budapeste.

Erdő, certamente, é uma pessoa de confiança nos círculos vaticanos. Em 2011, ele foi nomeado membro do conselho de cardeais e bispos que supervisionam a sumamente importante Segunda Seção da Secretaria de Estado, responsável pelas relações diplomáticas do Vaticano. No mesmo ano, ele foi enviado pelo Vaticano a liderar uma investigação da Pontifícia Universidade Católica do Peru, acusada de desafiar o ensino e a disciplina da Igreja.

Erdő também fala fluentemente italiano, um importante pré-requisito para um possível papa.

Na maioria dos assuntos, Erdő é visto como um sólido conservador, mas também como uma figura pastoral com uma compreensão prática do que funciona no nível do varejo. Durante o último Sínodo dos Bispos sobre a Nova Evangelização, por exemplo, muitos prelados ficaram intrigados com a descrição de Erdő sobre as “missões na cidade” que ele incentivou em Budapeste, em que leigos visitam todas as casas católicas em uma dada paróquia para convidá-los a voltar para a Igreja.

Erdő também poderia atrair um surpreendente apoio do mundo em desenvolvimento. Como presidente dos bispos europeus, ele forjou fortes laços com os bispos africanos, promovendo encontros bianuais que alternam entre um local europeu e um africano. Como resultado, a maioria dos cardeais africanos conhecem Erdő e gostam dele.

Como presidente dos bispos europeus, Erdő coordena o apoio à Igreja em todo o mundo em desenvolvimento, recebendo a gratidão de um grande número de cardeais dessas regiões.

Os norte-americanos podem ficar intrigados ao saber que Erdő também tem uma experiência in loco nos EUA, tendo recebido bolsas de pesquisa em 1995 e 1996 para estudar na Universidade da Califórnia, em Berkeley.

Os prós de Erdő como um possível papa se resumem a três pontos-chave.

Primeiro, a matemática. Seus dois mandatos como presidente dos bispos europeus sugerem que ele tem um sólido apoio desse bloco, e suas boas relações com os africanos sugerem que, se a sua candidatura tiver que decolar, eles podem subir a bordo. Serão necessários 77 votos para chegar a uma maioria de dois terços neste conclave, e os europeus e africanos juntos representam 72.

Erdő provavelmente poderia contar com o apoio de alguns latino-americanos, incluindo o cardeal Juan Luis Cipriani, do Peru, cuja posição Erdő basicamente apoiou no impasse em torno da universidade peruana.

Em outras palavras, você começa a contar os números, e não é difícil entrever uma coalizão vencedora.

Segundo, Erdő é visto como um administrador capaz, alguém forte o suficiente para implementar as coisas. Essa é provavelmente uma condição sine qua non no atual clima dentro do Colégio de Cardeais, muitos dos quais estão determinados a fazer com que o próximo papa ponha sob controle a burocracia interna do Vaticano.

Terceiro, Erdő tem boas credenciais conservadoras, dentre outras coisas tendo recebido um doutorado honoris causa na Universidade de Navarra, administrada pela Opus Dei, em 2011. Mas ele também se perfila como um agente de compromissos e consensos, com a capacidade de manter unido um órgão altamente díspar de bispos europeus.

Ele também abrange muitas das preocupações de justiça social que tendem a ter grande importância para os cardeais mais centristas. Em um discurso em 2007 aos bispos da América Latina reunidos no Brasil, Erdő expressou solidariedade com as suas preocupações, incluindo o aumento da pobreza e a destruição ambiental.

Os contras de Erdő também podem ser estabelecidos em três pontos.

Acima de tudo, ele pode exibir um veio pessimista sobre a relação entre a Igreja e a cultura em geral. No sínodo do ano passado, por exemplo, ele criticou os meios de comunicação.

“Muitos meios de comunicação divulgam uma apresentação da fé cristã e da história que frequentemente abunda em calúnias, desinformando o público quanto ao conteúdo da nossa fé, assim como quanto àquilo que compõe a realidade da Igreja”, disse.

Embora muitos cardeais provavelmente concordariam com isso, alguns poderiam se perguntar se essa é a tonalidade certa para um papa que eles querem que vá ao encontro do mundo em geral.

Segundo, embora Erdő seja visto como uma eficaz figura de bastidores, ele não é exatamente a personalidade mais dinâmica em locais públicos. Alguns cardeais podem se perguntar se ele tem a presença de palco necessária para ser papa.

Terceiro, a sua juventude pode levar alguns cardeais a se perguntarem se um voto em Erdő significaria uma opção por um pontificado excessivamente longo. Os últimos dois papas estavam na casa dos seus 80 anos quando seus pontificados acabaram, ou seja, o “Papa Erdő” possivelmente poderia governar por 20 anos ou mais.

Se ele conseguir passar por essas barreiras, no entanto, Erdő poderá parecer uma possibilidade atraente, especialmente em um conclave no qual não parece haver qualquer favorito claro.

Se um candidato de fora do Ocidente não tem força, o conclave de 2013 ainda poderia produzir uma escolha um pouco exótica, potencialmente dando à Igreja um “Papa Goulash”.

13 comentários sobre “Péter Erdõ, um possível “Papa Goulash”.

  1. Lembro-me que ele fora cogitado para a CDF. Ao que parece, é um bom nome, sobretudo pelo bom trânsito dentro dos palácios vaticanos. Precisamos de um papa forte, que consiga dissipar toda essa fumaça de licenciosidade que conspurca a Igreja. E o cardeal Erdo satisfaz ao menos essa credencial, ao que parece.

    Mas ainda acredito que um Papa para o mundo da comunicação contemporâneo deve ser minimamente carismático, pois o seu ministério pastoral assim exige hoje em dia. Pode ser um ponto contra, embora muitas vezes somos surpreendidos pelo próprio Espírito Santo, que nos dá força e voz quando parece faltar.

    Certamente o seu nome não surgiu à toa nos meios de comunicação. Alguém de “dentro” deve ter cantado essa pedra.

    Que Deus instrua os cardeais a escolher o melhor para a Igreja.

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  2. É uma boa escolha! Tenho medo de que a eleição de um cardeal tão jovem acabe resultando em outra renúncia, o que não seria nada bom. Mas se ele aceitar ficar até o fim da vida parece bastante interessante. Provavelmente seria um pontificado longo o suficiente para que o progressismo seja sepultado de uma vez, e a Igreja seja modernizada não na sua doutrina e liturgia, mas na burocracia administrativa e nos métodos de evangelização. Isso sim é o verdadeiro progresso, o verdadeiro “aggiornamento”. A mesma Fé Católica, sem concessões, mas difundida por meios mais eficazes. Essa é a única saída possível para o abismo em que nos encontramos.

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  3. “Que Deus abençôe os Hùngaros!” È assim que a nova constituição da Hungria, em vigor desde janeiro de 2012, se refere a Deus. O paìs que martirizou o Cardeal Mindszenty parece voltar atràs em seus laicismo e ateìsmo. Aliàs, a palavra républica desapareceu dessa constituição, de modo que o nome do paìs é apenas “Hungria”. Nada mais coerente, jà que as repùblicas atuais se baseiam num modelo francês da época da revolução e nada tem a ver com o senso primevo da palavra repùblica, que não exclui um governo monàrquico. Mas o que é interessante destacar com relação ao artigo acima, é que tendo a Hungria chocado a Europa ao mencionar Deus em sua constituição e ao querer reendireitar-se, causando indignação sobretudo da França e sofrendo pressões da União Européia, talvez os cardeais eleitores, em sua maioria voltados para questões mundanas, não queiram reforçar o panorama hùngaro diante da Europa elegendo papa o primaz de um paìs que se afasta ideologicamente do que é preconizado pelos lideres da UE. Imaginem sò, si o “Papa Erdo” hungariza a Europa em 20 ou 25 anos de pontificado, teremos o terreno fertil para uma nova cristandade, isto é, uma Europa que se reconheça cristã e exclua todas os desvios (aborto, casamento homossexual, eutanasia, culto do eu, entrada da Turquia na UE apoiada por Angela Merkel). Assim, concordo que talvez o Espirito Santo possa soprar “Erdo” aos espiritos dos cardeais. Mas serà que eles ouvirão? O Espirito Santo não obriga ninguém, mas talvez se rezarmos para Santo Estêvao I, rei da Hungria e fundador da sede primacial ocupada pelo Cardeal Erdo, ele possa ajudar o Espirito Santo, jà que não foi nem um pouco conciliador ou politicamente correto na cristianização de seu paìs.

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  4. Marcelo de Souza, excelente ter mencionado isto sobre a Hungria, uma nação que quer voltar a honrar seu berço católico.
    Aprovaram leis que protegem a família de verdade, baseada no casamento de um homem e uma mulher cuja missão é cumprida através da criação de filhos, é uma “comunidade autônoma… estabelecida antes do surgimento da lei e do Estado” e que o Estado tem de respeitá-la como questão de sobrevivência nacional.
    A nova lei diz: “A vida embrionária e fetal deverá ter garantido o direito à proteção e respeito desde o momento da concepção”, e o Estado tem de incentivar “circunstâncias favoráveis” para o cuidado das crianças.
    A lei obriga os meios de comunicação a respeitar o casamento e a responsabilidade de criar e educar filhos e concede aos pais, em vez de ao Estado, a responsabilidade principal na proteção dos direitos da criança.
    A lei enumera as responsabilidades para os menores de idade, inclusive o respeito e o cuidado dos pais idosos.
    O propósito da lei é “criar um ambiente legislativo previsível e seguro para a proteção da família e a promoção do bem-estar familiar, e o cumprimento da Lei Fundamental”, a nova constituição da nação, a qual entrou em vigor em 1 de janeiro e foi aprovada por uma votação de 262 contra 44 em abril passado.
    A Lei Fundamental anulou a constituição húngara da era comunista e data sua democracia desde a revolução contra a União Soviética em 1956 e o colapso soviético em 1990. A Hungria é a última nação da Europa Central a aprovar uma constituição pós-era comunista.
    A constituição pede a proteção da vida desde a concepção e proíbe a tortura, tráfico humano, eugenia e clonagem humana. Ela reconhece o casamento como a “união matrimonial de um homem e uma mulher”

    E, claro, foi muito criticada e sofreu pressão da ONU, UE

    Hungria também transferiu escolas públicas a instituições religiosas.

    O governo húngaro está transferindo as escolas públicas para as instituições religiosas.

    Essa política deixa furiosos os líderes socialistas dentro e fora da Hungria, inclusive nos países europeus onde a educação pública apresenta resultados calamitosos.

    As iradas queixas vão contra o fato de que, com tal política, o governo húngaro está restaurando a moral tradicional.

    Nas escolas, voltam os cantos religiosos e a oração em comum no início das aulas.

    Os pais dos alunos escolhem o catecismo que será ensinado a seus filhos.
    Oitenta escolas já foram cedidas pelas prefeituras que, além do mais, ficaram satisfeitas por não terem de arcar com despesas insustentáveis na crise.
    Rozsa Hoffmann, ministro da Educação, deplora a falta de valores morais nas escolas públicas: “Nós queremos reabilitá-los, seja a proteção da vida humana, o respeito pelo trabalho e pelas leis, a honestidade e o amor à pátria. A escola não é um local só para adquirir conhecimentos, ela também deve transmitir valores” – justificou.

    A lei de educação se insere no contexto da nova Constituição que exalta os valores cristãos e reabilita a “Santa Coroa” dos reis católicos, encarnação do poder soberano magiar.

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  5. Dois pontos negativos apresentados parecem-me exatamente o contrário: a crítica aos meios de comunicação social e a “juventude”.

    A percepção da imprensa está corretíssima! Veja-se a mídia brasileira.

    A idade de Sua Eminência aparenta ser ideal. Nem tão jovem, nem tão velho.

    A contraposição que a mídia secular faz é que, dada a renúncia, a Igreja precisa de um Papa mais novo, a fim de que possa findar seu mandato pontifício apenas com sua morte, ao contrário de Sua Santidade, o Papa Bento XVI.

    Não concordo com essa visão, porque, mesmo não tendo visto antes, sempre soube que a renúncia era uma possibilidade.

    Ao meu sentir, não precisamos de um Papa que agrade a Imprensa e penso que a idade não seja relevante. Necessitamos, tal qual Bento XVI, de um Papa que seja servo da Verdade, guardião da Verdadeira Fé e fiel a Nosso Senhor Jesus Cristo.

    No mais, aguardo a eleição, sem dar palpites, posto que comece a simpatizar com a idéia de um papa húngaro…

    Salve Maria Santíssima!

    Deus seja louvado!

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  6. Os pontos ruins são: crítica aos que maldizem a Igreja (isso deveria ser bom, não?), falta de presença de palco (é um conclave ou Show de Talentos?) e jovem (com tempo para defenestrar muitos lobos em pele de cordeiro)….

    Que Deus nos conceda um santo pastor, não por nossos méritos mas por Vossa bondade…

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  7. Também achei engraçado considerarem essas críticas à mídia como um ponto fraco… Isso é exatamente do que precisamos, um papa que não tenha medo de apontar o dedo para a grande mídia e dizer claramente que ela está MENTINDO. Não adianta afagar a cabeça dos inimigos. Fomos jogados dentro de uma guerra cultural pela qual não pedimos; a única saída é lutar (e vencer).

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