Para debate: A regularização canônica da Fraternidade São Pio X.

Por Belvecchio – Una Vox | Tradução: Fratres in Unum.com

[destaques do original]

Cá estamos nós, pertos da festa dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo.

Em geral, a partir do final de junho, muitas estruturas eclesiásticas se concedem uma espécie de recesso. Prelados, oficiais e seminaristas saem de férias, ou quase. Uma espécie de desaceleração das incumbências anuais.

Precisamente próximo a esta data ocorreram algumas coisas notáveis. Recordamos a publicação do Motu Proprio Summorum Pontificum, em 7 de julho, sem esquecer a data de 02 de julho, dia da “grande excomunhão” precipitadamente imposta pela misericordiosa “Igreja do Concílio” sobre um de seus bispos: Dom Marcel Lefebvre, culpado de cultivar “uma incompleta e contraditória noção de Tradição. Incompleta, porque não tem suficientemente em conta o caráter vivo da Tradição” e contraditória porque “se opõe ao Magistério universal da Igreja, do qual é detentor o Bispo de Roma e o Corpo dos Bispos” (Motu Proprio Ecclesia Dei, de 2 de julho de 1988).

Na ocasião, João Paulo II, referindo-se à sagração dos quatro novos bispos da Fraternidade São Pio X, declarou que “Não se pode permanecer fiel à Tradição rompendo o vinculo eclesial com aquele ao qual o próprio Cristo, na pessoa do apóstolo Pedro, confiou o ministério da unidade na sua Igreja”.

Uma afirmação que põe no centro o problema que há vários anos inflama as paixões de muitos católicos: o valor primário da unidade da Igreja.

Não se trata, certamente, de algo pequeno, mas muitas vezes devemos constatar que esta exigência, não só legítima, mas também sacrossanta, acabou se sobrepondo àquela que sempre foi a suprema lei da Igreja: a salvação das almas.

Quando a unidade da Igreja acaba por ser perseguida mesmo à custa do bem das almas, é inevitável se perguntar sobre qual Igreja se está falando.

Neste mês de junho de 2011, eis que retorna outro tema recorrente totalmente ligado a essa nossa premissa: a regularização canônica da Fraternidade São Pio X… Assim exige a unidade da Igreja.

Ora, esta questão, que parece pronta para ser tratada neste momento em que se concluem os conhecidos colóquios entre a Santa Sé e a Fraternidade, tem, na verdade, mais de 10 anos.

O ano era 2000, quando mais de seis mil católicos provenientes dos cinco continentes se reuniram em Roma para lucrar as indulgências do Jubileu, sob os auspícios da Fraternidade São Pio X e seguindo os seus quatro bispos “cismáticos”. Naquela ocasião, para surpresa daqueles que sempre deram pouca importância aos “rebeldes de Lefebvre”, descobriu-se que havia bons católicos que recusavam o Concílio e, não obstante, rezavam pelo o Papa e demonstravam uma compostura e uma dignidade freqüentemente perdida nos encontros eclesiásticos ordinários do pós-concílio. Tamanha foi a surpresa que o então prefeito da Congregação para o Clero, Cardeal Castrillón, convidou para almoçar os quatro bispos “cismáticos”, para conhecê-los melhor. Daí parte a iniciativa do Cardeal, a fim de encontrar uma composição ao rompimento de 1988. E vieram as primeiras propostas de regularização, das quais se continua falando ainda hoje. Entre altos e baixos, desde então a Fraternidade tem mantido relações regulares com Roma, e é neste contexto que surgiram os conhecidos pedidos da Fraternidade de liberalização do uso do Missal tradicional e da retirada da excomunhão, tudo concomitantemente às reiteradas solicitações de Roma para que ela aceitasse uma regularização canônica. O Cardeal Castrillón obteve sucesso em 2001, para sanar a situação canônica do grupo de Campos, com a criação de uma Administração Apostólica pessoal e imediatamente pensou que poderia tomar uma decisão semelhante para a Fraternidade: Administração Apostólica ou Prelazia Pessoal.

Quando em abril de 2005 foi elevado ao Sólio Pontifício o Cardeal Ratzinger, Bento XVI se apressou em convocar, em agosto, o Superior Geral da Fraternidade, Dom Fellay, demonstrando que queria começar a resolver a velha questão que ele mesmo havia tratado enquanto Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé diretamente com o falecido Monsenhor Lefebvre.

Como se sabe, o trabalho de então do Cardeal Ratzinger e de Dom Lefebvre não chegou a nenhuma conclusão, apesar da assinatura do famoso “Protocolo” de 1988, que Dom Lefebvre imediatamente denunciou pela tentativa de Roma de constrangê-lo por meio de uma sagração episcopal dirigida.

Sabe-se que o Cardeal Ratzinger sempre lamentou o acordo não realizado, assim como, por exemplo, a falta de esclarecimento sobre o famoso “terceiro segredo” de Fátima, não obstante e talvez por causa da conhecida declaração sobre a revelação do Terceiro Segredo em 2001.

O Cardeal Ratzinger, agora Bento XVI, conhecia bem o assunto e estava plenamente consciente das exigências feitas pela Fraternidade desde 2000, assim como estava perfeitamente consciente do fato de que não bastava a excomunhão para definir uma questão tão complexa como as de tantas reservas manifestadas por muitos, e não apenas pela Fraternidade, em relação ao Concílio. Cabia tomar uma decisão para encontrar uma solução, e não apenas para ceder às exigências da Fraternidade, mas para colocar bases fixas sobre as velhas questões do abandono injustificado da liturgia tradicional e do perigoso declínio da Igreja a partir do Concílio.

Desde então, as ofertas de regularização canônica feitas, direta ou indiretamente, à Fraternidade têm se multiplicado e quase todo ano parecia que já estava pronto o projeto de acordo que bastaria ser assinado.

Enquanto isso, dois anos depois de se tornar Papa, Bento XVI desfez o primeiro nó importante: a Missa tradicional nunca foi abolida, portanto, qualquer sacerdote pode celebrá-la livremente. Foi o Motu Proprio Summorum Pontificum, e foi a solução de um incrível equívoco que persistiu por quase 40 anos, como se não se soubesse que a Igreja não pode apagar dois mil anos da liturgia com uma canetada, mesmo com o aval de um Concílio e de um Papa.

Era inevitável que alguém gritasse de escândalo, pois parecia que o Papa havia cedido à primeira das exigências da Fraternidade. Na realidade, o Papa sabia muito bem que Paulo VI tinha permitido um abuso e o havia assinado em baixo, mas sabia ainda mais que, sem essa solução, o problema da Missa Tradicional se tornaria o grande problema da Igreja. Mais do que o ato cismático de Lefebvre, como havia escrito João Paulo II, agora se corria o risco de ver crescer duas igrejas em uma… melhor então duas liturgias na mesma Igreja.

Obviamente, a publicação do motu proprio foi usada para fazer nova pressão sobre a Fraternidade, pois se dizia que diante da sabedoria e da magnanimidade do Papa era inconcebível que ela ainda se obstinasse a não aceitar alguma forma de regularização canônica. Passavam dos milhares aqueles que gritavam “incompreensão”… mas como, agora temos a Missa!

O fato é que, seja por preguiça mental, seja por uma grande vontade de viver em paz, muitos clérigos e leigos fingiam não saber que a Igreja não estava em crise pela ausência da missa tradicional ou pela obstinação da Fraternidade, mas pelo desvio doutrinal que a acomete há mais de 40 anos sobre a base do Concílio e de seus frutos.

Quando então este lembrete vinha da Fraternidade… Santo Deus! Mas que arrogância! Quem eles pensam que são?!

E todos achavam cômodo descarregar sobre a Fraternidade a responsabilidade de uma crítica que, no entanto, estava no coração de muitos, inclusive prelados.

Assim, entre uma oferta de Roma e uma recusa em Écône, se chega, a apenas um ano e meio do Motu Proprio, à remissão da excomunhão. Os quatro bispos não são mais cismáticos desde 21 de janeiro de 2009. E junto as especulações, suposições, hipóteses, e novamente pressões, pedidos e projetos. Agora sim… a Fraternidade não tem mais desculpas, a generosidade do Papa é tal que anula toda tergiversação… que a esse ponto se torna culpa grave!

Aqui está o acordo, assine-o!

Pena que o Papa, naquela ocasião, logo se apressou em esclarecer que, se já não havia mais excomunhão, aqueles bispos não podiam exercer legitimamente o seu ministério por causa de sua situação canônica irregular, proveniente de suas críticas à direção doutrinal estabelecida com o Concílio.

Em outras palavras: atenção! São bispos da Igreja Católica, estão em comunhão comigo que sou o Papa, mas não podem agir como bispos.

Aos que considerarem exagero tal modo de apresentar a situação e dado que este não é o local para fazer um discurso “técnico”, recordamos que a reserva manifestada pelo Papa se baseia no fato de que a esses bispos, embora não cismáticos, falta a jurisdição formal, isto é, não têm canonicamente um âmbito próprio para exercer o ministério que é próprio do bispo. Cada bispo atual enquanto cabeça de uma parte da Igreja, e a Fraternidade não seria ainda, canonicamente, uma parte da Igreja. Aqueles que conhecem um pouco de jurisprudência entendem que não estamos falando de coisas essenciais, mas de coisas de advogados, o que diz tudo.

Que se nos permita a ingenuidade de uma pergunta: mas quantos bispos há na Igreja, e especialmente em Roma, que não são cabeças de uma parte da Igreja e aos quais não se diz que não podem legitimamente exercer o seu ministério? [ndr: basta recordar os bispos auxiliares, que recebem a titularidade de uma diocese “fictícia” por mera formalidade] Falamos daqueles que têm uma jurisdição apenas no papel, uma jurisdição pro forma, mas na realidade são bispos de nada e de ninguém, em contraste com os quatro bispos da Fraternidade, que são bispos de uma estrutura eclesial com padres e religiosos e presidem o cuidado das almas de cerca de um milhão de fiéis. A Igreja tem muitos mistérios, mas às vezes os padres exageram!

Não passaram sequer três meses, eis que foi anunciado que a Santa Sé abriria uma mesa de discussão com a Fraternidade, a partir de outubro de 2009, para tentar se concentrar em todas as questões levantadas pelo Concílio.

O comunicado divulgado pela Comissão Pontifícia Ecclesia Dei, após a realização do primeiro colóquio, declarava: “examinaremos as questões relativas ao conceito de Tradição, ao Missal de Paulo VI, à interpretação do Concílio Vaticano II em continuidade com a Tradição doutrinal católica, aos temas da unidade da Igreja e dos princípios católicos do ecumenismo, da relação entre o Cristianismo e as religiões não-cristãs e a liberdade religiosa”.

Mais do que a “incompleta e contraditória noção de Tradição”, como pensava João Paulo II, aqui se trata de algo bem diferente, diz Roma; trata-se de lançar luz sobre uma maré obscura de questões surgida a partir do Concílio e que afetam aspectos essenciais da vida da Igreja e da fidelidade à doutrina católica.

Todos os pontos de vista podem ser expressos, mas o fato permanece: a Santa Sé não repudia a Fraternidade, depois de vinte anos depois do suposto “cisma”, mas a convoca para discutir… para discutir o Concílio e seus frutos.

Finalmente cai a máscara da hipocrisia, não se tratava de irregularidade canônica, nem de desobediência ao Papa, mas de problemas verdadeiros, problemas sérios, problemas relacionados com a liturgia e doutrina católica, problemas que requerem um sério confronto entre a Congregação para a Doutrina da Fé, sob a liderança do Papa, e a tão surrada Fraternidade, por quarenta anos acusada de todo tipo de rebelião. Problemas que tocam a suprema lei suprema da Igreja: a salvação das almas.

E a regularização canônica?

Durante anos, a Fraternidade tem declarado publicamente que não era uma questão canônica-logística que a preocupava, mas uma questão de doutrina, diante da qual ficava em segundo até mesmo a vida da Fraternidade, o reconhecimento de seus bispos, a tranqüilidade  pastoral de seus sacerdotes, a paz religiosa de seus fiéis. A fidelidade à Tradição da Igreja, a fidelidade à Verdade, valem muito bem cada sacrifício, cada renúncia, cada moléstia, cada ostracismo… cada condenação.

Não [interessa] a regularização canônica, portanto, mas o reconhecimento por parte de Roma que o problema não está na Fraternidade, mas no seio da Igreja de hoje. Apesar disso, porém, insistem: liberalizado o uso do Missal tradicional, levantamento da excomunhão, manutenção das conversações doutrinárias… falta apenas concluir um acordo para a regularização canônica da Fraternidade.

Vejamos por quê.

Primeiro ponto: o Papa demonstrou uma generosidade e coragem incomparável para vir ao encontro das necessidades da Fraternidade, liberando do uso da Missa tradicional, levantando a excomunhão e o lançando as conversações com uma ostentação e uma exibição impensável e, para muitos, inconcebível.

Mas as coisas são assim realmente?

Escrevemos várias vezes. Se o Papa tivesse feito tudo isso para atender às demandas da Fraternidade, não teria se mostrado corajoso e generoso, mas incauto e superficial, pois é evidente que nenhuma Fraternidade, ainda que de boa fé, pode obrigar o Papa a fazer o bem de uma parte no lugar do bem de toda a Igreja e das almas. Se o Papa fez o que fez para o bem da Igreja, como é lógico e justo, então incautos e superficiais são aqueles que falam de coragem e generosidade do Papa, pois o que um Papa pode fazer se não procurar o bem das almas?

Segundo ponto: o Papa tinha em vista principalmente a unidade da Igreja. Mas se pode buscar a unidade da Igreja liberando o uso do Missal tradicional e sancionando, pela primeira vez em dois mil anos, um bi-ritualismo anômalo precursor de confusão e de divisão? É possível buscar a unidade da Igreja anulando uma sacrossanta excomunhão contra um grupo de rebeldes que recusam o Concílio e contestam as decisões do Papa? É possível buscar a unidade da Igreja declarando publicamente que o Concílio, os seus documentos, a sua liturgia, a sua pastoral, são passíveis de discussão, de reexame, de redefinição, e exatamente com base nas solicitações partidárias do mesmo grupo de rebeldes?

Também sobre isso escrevemos muitas vezes. Se o Papa tivesse feito tudo isso para proteger a unidade da Igreja, mesmo à custa de confusão, do reconhecimento da dissidência aberta e do questionamento de tudo o que o Magistério tem dito e feito do Concílio em diante, teria dado prova de perseguir não o bem das almas, mas a realização de um fim prático, mais ideológico do que teológico, pois é evidente que, seguindo esta lógica, se delinearia uma Igreja multifacetada e prometéica, que seria realmente unida, mas tendo colocado junto tudo e o contrário de tudo, com o maior dano possível para o bem das almas. Se, pelo contrário, o Papa fez o que fez para o bem da Igreja e das almas, como é lógico e justo, então não se poderá mais falar de prioridade da unidade, mas de necessidade de esclarecimento, mesmo à custa de colocar em retaguarda a liturgia reformada, a remoção de bispos que causaram danos à Igreja, a revisão de todas as ambigüidades e desvios surgidas no Concílio e desenvolvidas no pós-concílio.

É necessário admitir que a Fraternidade nisso tudo não é importante, se não pela função de estímulo que providencialmente desenvolveu ao longo dos anos.

Terceiro ponto: a legitimação canônica da Fraternidade permitiria à Igreja se servir regular e proficuamente do apostolado de seu clero e leigos, que poderia ser desenvolvido sem qualquer impedimento formal e psicológico que o têm limitado até agora.

Nós repetimos, mas somos obrigados a pedir para relerem o que escrevemos nestes anos sobre o assunto, bem conscientes de que também as nossas considerações são resultado de um determinado ponto de vista que não pode se arrogar o direito de valer para tudo e para todos.

Quando, a partir de 2000, o Cardeal Castrillón inaugurou a nova fase das relações entre a Santa Sé e a Fraternidade, uma das justificativas avançadas por muitos, na verdade mais resmungada do que declarada, foi precisamente a do grande bem que poderia vir a todos com a admissão formal no corpo eclesial de tropas novas, aguerridas e bem armadas, para se opor às fileiras dos modernistas.

Este raciocínio, que ouvimos repetidamente em diferentes níveis, revela, no entanto, um problema enorme, todo inserido no corpo eclesial. Problema que surgiu logo após a conclusão do Concílio, que assumiu proporções preocupantes após a entrada em vigor da liturgia reformada e que explodiu com a implementação das disposições conciliares através dos ensinamentos e pastorais das Congregações e das Conferências Episcopais.

Fora o caso de Dom Lefebvre e de sua Fraternidade, e excluindo os numerosos sacerdotes que sofreram o ostracismo e os muitos fiéis que foram tratados durante anos como pestilentos… tudo gente preconceituosa e “ideologizada”, é claro!… quantos bispos e cardeais, quantos sacerdotes e quantos fiéis se levantaram para denunciar em voz alta o escândalo de uma crise da Igreja gerada pela deriva doutrinal e pela ruína litúrgica? Quantos se expuseram à discriminação e à condenação por dizer a verdade? Quantos pensaram, antes de tudo, na preservação do seu estado, em vez de seu dever de estado? E quantos se esforçaram em justificar também o injustificável? E ainda quantos se entrincheiraram atrás da obediência ao Papa e aos bispos? E depois quantos se contentaram em ter o benefício exclusivo de alguma Missa semanal e até mesmo mensal? E, finalmente, quantos realmente se lançaram na corrida para ser os primeiros a condenar a suposta desobediência audaz de Dom Lefebvre e de toda a Fraternidade?

Neste contexto, torna-se muito crítica a perspectiva do grande bem que poderia trazer à Igreja a passagem da Fraternidade à legitimidade canônica. A não ser que não se queira pensar que aquilo que os “outros” não fizeram em 45 anos, milagrosamente poderia ser feito pelos herdeiros de Dom Lefebvre.

Em vez disso, é necessário considerar seriamente se esta visão otimista é fundamentada sobre dados objetivos e sobre precedentes em condições de sustentá-la.

Em 1988, com base nas mesmas instâncias da Fraternidade, mas em desacordo com a ruptura com o Papa decidida por Dom Lefebvre com as sagrações episcopais, nasce a Fraternidade São Pedro. Em 2001 [ndr: na realidade, 2002], nasce a Administração Apostólica de Campos, convencida de que havia chegado a hora de conduzir a batalha de dentro. Em seguida, em 2006, com o Instituto do Bom Pastor, até então certos de que se havia produzido uma fenda na parede modernista, através da qual se poderia irromper na estrutura católica pós-conciliar e derrotar o inimigo. Sem mencionar as outras pequenas realidades, os chamados “Ecclesia Dei”, dentre as quais se destaca por várias razões os beneditinos de Le Barroux.

E então, de uma análise do trabalho realizado por essas instituições, que balanço se pode elaborar de modo a justificar a validade dessa perspectiva?

Omitindo os parênteses do vendaval de 2000, orquestrado por Roma para reprimir qualquer ambição de fidelidade aos propósitos de sua fundação, a Fraternidade São Pedro acabou por se limitar à difusão da missa tradicional, onde e como pôde, talvez seguindo as instâncias limitadas de uma parte do mundo tradicional anglo-saxão.

Fora os primeiros anos de super-ativismo internacional de seu bispo, a Administração Apostólica de Campos não produziu qualquer reflexo minimamente comparável ao de seu pai espiritual, o falecido Dom Antônio de Castro Mayer, nem ocorre que tenha influenciado minimamente sobre o andamento das dioceses do Brasil, nem tampouco sobre a sua própria diocese de Campos.

O Instituto do Bom Pastor, embora ainda muito jovem para se fazer um balanço, dá a impressão de ainda não ter decidido que trabalho quer fazer, visto a alternância entre hesitações e decisões, talvez devido à pressão dos acontecimentos.

Se voltarmos nosso olhar para o Barroux, ficamos impressionados pela força com que os beneditinos tradicionais defendem e transmitem a liturgia tradicional, mas ficamos desconcertados pela mesma força com que alguns deles defendem a liturgia moderna e pregam e praticam as novidades doutrinais criadas pelo Concílio e cultivadas no pós-concílio.

Mas este é uma conversa que, se Deus quiser, proporemos outra vez.

No conjunto, portanto, fora os casos pessoais de clérigos que tenham falado com coragem e determinação, o exemplo desses Institutos leva a desmentir todo otimismo sobre a perspectiva em questão. Tudo aponta para o contrário, quase a certificar que a legitimidade canônica dentro de uma Igreja que ainda não se recuperou da infecção conciliar não produz qualquer efeito positivo, pelo contrário, leva esses Institutos a um tipo de homologação, passando por uma osmose perigosa, pela qual as infecções do modernismo que passam pelos diversos Institutos são muito mais numerosas e virulentas que os anticorpos que eles introduzem na atual estrutura eclesial.

Acrescente-se a estas considerações que, de repente, logo após o famoso discurso à Cúria de 22 de dezembro de 2005, no qual Bento XVI lança o colete salva-vidas de hermenêuticas contrastantes, a correta hermenêutica da “renovação na continuidade” e a equivocada hermenêutica “da descontinuidade e da ruptura”, eis que se abrem os olhos de todos, eis que se descobre onde estava o truque. Na hermenêutica… na hermenêutica sobre a qual ainda hoje ninguém sabe quem desenvolveu ou confirmou, tanto a correta como a errada. Outro mistério da Igreja moderna!

E eis que surgem cardeais e bispos, até agora cuidadosamente desaparecidos, para defender esta explicação, como se estivessem por 40 anos em um retiro sabático forçado.

Aqui surgem centenas de teólogos profissionais e casuais que nos explicam como essa teoria é o que há de mais inteligente possível, e que é exatamente isso o que eles fizeram em 40 anos, através do vários pronunciamentos do Magistério, dos quais jamais saíram nada de corretivo apenas por culpa daqueles desconhecidos hermeneutas da ruptura que, aliás, levaram a melhor, talvez pelo apoio que lhes foi dado pela “mídia” mencionada por Bento XVI no mesmo discurso. Quer ver que a terrível crise em que se contorse a Igreja há 45 anos é tudo culpa dos jornais?

E eis que surgem milhares de clérigos e leigos que se dizem dispostos a levantar a bandeira da defesa da Tradição da Igreja, carregando as armas do Concílio engraxadas e lustradas com a miraculosa hermenêutica da reforma na continuidade. Milhares de católicos que, depois de praticar por 45 anos os ensinamentos de seus bispos, descobrem que basta relê-los de acordo com a hermenêutica da continuidade para fazê-los coincidir com toda a Tradição, como se nestes últimos 45 anos não tivesse ocorrido nada de estranho, além de um certo remediável qui pro quo.

Até a detonação da bomba da liberalização do uso do Missal de 1962. Uma iluminação! O Missal tradicional nunca esteve ab-rogado! Estão resolvidos todos os problemas!

E vamos correndo para a Missa Tradicional. Quem por anos havia esnobado e até mesmo denegrido os arqueologizantes amantes do “velho”, eis que se descobre defensor do “patrimônio a ser preservado”, em fiel obediência à “vontade do Santo Padre”. A usual metamorfose muito humana de alinhamento com o comandante de plantão.  Fiel ao Papa… sempre… seja quando ele marginaliza e praticamente proíbe a liturgia bimilenar da Igreja, seja quando ao grito de “contra-ordem… companheiros!” relança e defende o uso universal. Assim disse o Papa!

Ainda bem que os caminhos do Senhor são insondáveis ​​e que Ele vê e provê… apesar das fraquezas dos homens… para sempre tirar o bem do mal. Ainda bem! Por que é só por isso que a liberalização do uso do Missal tradicional tem dado tantos bons frutos em todo o mundo católico.

Agora, quando se diz que a Igreja se beneficiaria muito com uma regularização canônica da FSSPX, além de subestimar os elementos que temos aqui esboçado, parece ser esquecido o estado objetivo em que se encontra hoje a Igreja nas pessoas de milhares de bispos, teólogos e leigos “competentes” que contam.

A Fraternidade continua a declarar, pela voz do seu Superior Geral, Dom Fellay, e pelas vozes de outros clérigos e leigos que, embora sem autoridade, têm conteúdo, fato que muitos desprezam de modo negligente,… continua a declarar que a crise não acabou, que, na verdade, em alguns aspectos ela sequer esboça um fim. Que só o bom Deus poderá curar as feridas que sangram de Seu Corpo Místico. Exagero? Forçado por seus preconceitos? Talvez… mas!

Por mais de um ano se levantaram vozes do mundo católico que, partindo do referido discurso de Bento XVI, tentaram “fazer um debate” sobre a necessidade de uma revisão séria de muitos ensinamentos e de muitas pastorais modernas. Além das aprovações e dos que se uniram de muitos lugares, como era natural, e além dos gritos de “escândalo” que imediatamente saíram das bocas torcidas ainda muito irredutivelmente “modernistas”, o que aconteceu no restante do mundo católico?

Calmamente, mas com força sempre crescente, muitos expoentes do clero e dos leigos “que contam”, ergueram uma barricada em defesa de tudo o que os primeiros colocaram em questão. Foram escritas centenas de páginas, utilizados todos os textos autorizados e, fato que hoje não pode ser desprezado, foram mobilizados dezenas de sites, alguns surgidos pela necessidade, para explicar, com dados litúrgicos e teológicos à mão, obviamente!, que tais vozes estão teológica e historicamente em erro, seja pela escassez de argumentos, seja pelo relativo saber dos autores, seja pelo… algo definitivamente inédito … sua indevida ingerência em campos em que não têm competência. E todas essas pessoas estão de acordo, e não por acaso, como uma espécie de refrão que repetem, que nem o Concílio nem o Papa podem errar, pois são assistidos pelo Espírito Santo. Portanto, se o Papa diz que o único erro está na hermenêutica, deveria ser óbvio para qualquer católico que é o Espírito Santo que o diz. Todas as outras considerações, por mais ilustres, seriam desprovidas do necessário apoio sobrenatural e, portanto, sem valor, exceto as de mera opinião pessoal. Pela simples propriedade transitória, é igualmente evidente que somente aqueles que defendem a hermenêutica da continuidade estão corretos, porque se beneficiariam indiretamente da mesma assistência da qual se beneficia o Papa.

O fogo de barragem contra Mons. Gherardini e, recentemente, contra o Professor de Mattei é só um exemplo atual de uma técnica de persuasão oculta e chantagem disciplinar e teológica que é usada há 45 anos contra fiéis católicos.

Esta técnica, então, refinada pela particular competência e pela específica preparação, é a mesma usada pela Congregação para a Doutrina da Fé por ocasião dos colóquios com a Fraternidade.

Cortesia, educação, disponibilidade, caridade… mas uma coisa é indiscutível: nenhum erro no Concílio, nem em suas aplicações, da liturgia moderna ao ecumenismo, da colegialidade à liberdade religiosa, da dignidade do homem ao imperativo da unidade da Igreja. Todos os desvios são filhos da hermenêutica da ruptura, já parcialmente corrigida pelo recente magistério dos Papas e ainda mais, desde 2005, pelo magistério de Bento XVI. Não se dar conta desta evidência elementar significa simplesmente ter “uma incompleta e contraditória noção de Tradição. Incompleta, porque não têm suficientemente em conta o caráter vivo da Tradição”, contraditória porque “se opõe ao Magistério universal da Igreja, do qual é detentor o Bispo de Roma e o Corpo dos bispos”.

Depois de mais de 20 anos, estamos ainda parados no mesmo ponto, com a única adição sutil da hermenêutica. A crise ainda continua.

Esboçado esse mosaico, surgem algumas questões: como poderia a Fraternidade operar neste contexto, após aceitar uma legítima posição canônica? Com qual eficácia? Com que e com quem a Fraternidade poderia contar para conduzir a necessária batalha pela verdade? Quantos fiéis católicos viriam lhe ajudar? Quantos clérigos se disporão a auxiliar seu apostolado e pregação?

Temos em mente não apenas tantos católicos que hoje parecem engrossar as fileiras dos que poderíamos chamar de “conservadores”, mas também os católicos que até recentemente olhavam com alguma simpatia para a Fraternidade e que há três anos a olham com prepotência, porque é evidente que para eles a precondição para que possam no futuro apoiar a tão desejada batalha “interna” da Fraternidade é que esta compartilhe em tudo o seu hosana pelo Papa e pela hermenêutica da reforma na continuidade.

Em outras palavras, todos esperamos hoje que a Fraternidade aceite a regularização canônica, porque deveria ser a Fraternidade a tirar do fogo a batata que eles deixaram assar por 45 anos, e isso a Fraternidade deveria fazer: ou por si ou com a ajuda de tanta boa vontade dos que até hoje a convidam a abraçar as suas posições e convicções. Porque o que conta não são as motiviações da batalha de quarenta anos pela Tradição, que permitiu mesmo a existência de muitos, mas as necessidades atuais da tão desejada “paz litúrgica”, a urgência da releitura da Tradição à luz da hermenêutica da reforma na continuidade, os urgentes pedidos por uma maior unidade da Igreja, que, finalmente, inclua todos os crentes em Cristo: os católicos tradicionais, os católicos modernistas, os católicos mais ou menos, os movimentos eclesiais, os fiéis leigos, os cristãos separados e todos aqueles que queiram partilhar deste esplêndido momento de reconciliação e de amor sob a liderança iluminada do Papa.

Belvechio

41 comentários sobre “Para debate: A regularização canônica da Fraternidade São Pio X.

  1. O que duas letras não fazem! Quanta diferença entre a Federação Internacional Una Voce e o “Una Vox”, hehe…

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  2. Podemos resumir o texto na seguinte parte: “a legitimidade canônica dentro de uma Igreja que ainda não se recuperou da infecção conciliar não produz qualquer efeito positivo, pelo contrário, leva esses Institutos a um tipo de homologação, passando por uma osmose perigosa, pela qual as infecções do modernismo que passam pelos diversos Institutos são muito mais numerosas e virulentas que os anticorpos que eles introduzem na atual estrutura eclesial”
    Ou seja, se aceitar a legitimidade a FSSPX vai abandonar a luta pela tradição se tornando uma só com a babel litúrgica pós-conciliar, onde “todos são um”. É óbvio que existe uma propaganda maciça de que o Papa Bento XVI tenha altíssimas boas intenções e que age unicamente impulsionado pelo Espírito Santo, mas a verdade é que a aplicação do Concílio Vaticano II está em pleno vigor, e que se houve erros foi por culpa da “hermenêutica”.
    Afinal, a prática ecumênica deve valer também para os “irmãos separados” de Lefebvre, e para a”plena união” o “radicalismo” deve desaparecer no convívio com a nova Igreja conciliar e renovada, que possui a “dinâmica do Espírito” que certamente se fará sentir entre os radicais.

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  3. Durante quase duas décadas, vimos a FSSPX sendo acusada de cismática. Curiosamente, sabemos as razões teológicas de todos os cismas. O cisma ortodoxo, por exemplo, tem como causa, o filioque e o “primus inter pares” (adotado pelo CVII com a colegialidade), mas e a FSSPX, quais seriam as razões teológicas implícitas, naqueles que a acusaram e ainda continuam acusando-a de cisma?
    No Motu Proprio Ecclesia Dei, o Papa JPII, tentou situar a razão teológica em:
    “uma incompleta e contraditória noção de Tradição. Incompleta, porque não tem suficientemente em conta o caráter vivo da Tradição” e contraditória porque “se opõe ao Magistério universal da Igreja, do qual é detentor o Bispo de Roma e o Corpo dos Bispos” (Motu Proprio Ecclesia Dei, de 2 de julho de 1988).

    Aqui bem poderia se dizer, que se acusa a FSSPX daquilo que tem sido o conceito de tradição da Igreja Conciliar. Na verdade, para considerar o caráter vivo da tradição, é preciso considerar que, toda a revelação não se findou com os apóstolos, falta sempre alguma coisa, que este caráter vivo absorveria. Daí faz se necessário “a continuidade na novidade”, o Espírito Santo, estaria sempre revelando continuamente, a Igreja, aquilo que faltou revelar aos apóstolos. Então, a missão do Espírito Santo, já não é nos lembrar todas as coisas, mas nos ensinar aquilo que a tradição e o magistério, não ensinaram durante 1969 anos. No fim das contas, o conceito de tradição viva, é o que se pressuõe estar incompleto e não o conceito pelo qual, tudo foi revelado aos apóstolos. Não sem razão o Prof. Dorrmann em um texto que estava no excelente site da Associação Cultural Santo Tomás, ao apresentar a estranha teologia de JPII, considera que para a mesma, o Concílio Vaticano II, representou um enriquecimento do Depositum Fidei.

    Curiosamente, o então Cardeal Ratzinger, testemunha sem querer, a favor do conceito de tradição sustentado pela FSSPX, leiam:

    Sobre o conceito de Tradição (Dei Verbum): “A recusa da proposta de tomar o texto de Lérins, conhecido e santificado, de certo modo, por dois concílios, mostra de novo que se deixou para trás Trento e o Vaticano I, e a contínua releitura de seus textos… [o concílio Vaticano II] tem outra idéia da maneira como se realiza a identidade histórica e a continuidade. O ‘semper’ estático de Vincent de Lérins não lhe parece apropriado para exprimir esse problema.” (Joseph RATZINGER, LThK, Bd 13, p. 521). Carta 62 de Dom Fellay – http://www.fsspx.com.br/exe2/?p=136

    Ora, a FSSPX sustenta a mesma regra de São Vicente de Lérins, consagragada por Trento e pelo Vaticano I. Se o Vaticano II sustenta uma outra concepção de tradição, ele sim é cismático e as razões teológicas deste cisma, são plenamente visíveis, não só por este testemunho, mas por tudo que envolve o CVII. Considerando-se isto, parece me que, quem necessita de regularização de fato, não é a FSSPX. Não há como considerar a questão da unidade, sem desconsiderar que a Igreja do Concílio Vaticano II, rompeu com a mesma ao nível da tradição, o alicerce de toda a unidade católica.

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  4. Salve Maria!

    O texto é um tanto tendencioso. Se a Santa Sé “marginaliza” a Missa Tridentina fica-se contra, não sem razão. Mas se ela libera o uso do Missal antigo, não se reconhece que se trata de uma atitude louvável e ainda se atribui os bens resultantes aos “caminhos insondáveis da providência”. Caminhos insondáveis? Os frutos espirituais provenientes da assistência à Santa Missa não são nenhuma novidade. Também não vejo nenhuma superficialidade em se reconhecer a coragem do papa. Às vezes a busca pelo bem das almas requer coragem, sim.

    A questão da “regularização” da FSSPX obviamente requer toda a prudência por parte dos envolvidos. O “terceiro ponto” seria a principal razão, a meu ver, de um “sim” da FSSPX, mas é certo que não se pode esquecer o que aconteceu com certos institutos, como o de Campos, muito menos o problema doutrinal que está na raiz de toda a crise da Igreja. É, sem dúvida, uma questão delicada.

    Só não posso concordar com a idéia* de que há uma nova Igreja em Roma, uma “Igreja conciliar”, pois isso na prática reduz a Igreja à FSSPX e coloca o Papa e a Hierarquia fora dela, uma vez que não vejo como se pode pertencer ao mesmo tempo à Igreja Católica e a uma outra. Pode haver motivos justos para um “não”, mas este certamente não está entre eles. O poder das chaves continuará sempre com Pedro. Nesse sentido, vale a pena ler a tese do Pe. Calderón, que atribui o que chama de “magistério conciliar” não a uma nova Igreja, mas às respectivas pessoas privadas de seus proponentes.

    Oremos pelo Papa e pela FSSPX também.

    Leonardo Brum

    * Não atribuo esta idéia a FSSPX propriamente, mas a alguns de seus apoiadores que se valem desse tipo de argumento para justificarem sua oposição a um eventual acordo.

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  5. Eis aí o texto do mês.
    Eu concordo em tudo. E ele esboça magistralmente as preocupações que expus nesses dias, e também as minhas suspeitas.
    Como são várias partes interessantes que merecem ser ressaltadas, limito-me a ficar com apenas uma delas, porque, repito, o texto é tão panorâmico que seria cansativo repeti-lo. Merece ser impresso, relido e divulgado.

    A parte que “elegi é a última”.

    “Em outras palavras, todos esperamos hoje que a Fraternidade aceite a regularização canônica, porque deveria ser a Fraternidade a tirar do fogo a batata que eles deixaram assar por 45 anos (POIS É: A HIERARQUIA ERRA, E DEPOIS AINDA POR CIMA PRESSIONAM… JUSTO A FSSPX, QUE NÃO COMUNGOU DESSAS AVENTURAS), e isso a Fraternidade deveria fazer: ou por si ou com a ajuda de tanta boa vontade dos que até hoje a convidam a abraçar as suas posições e convicções. Porque o que conta não são as motivações da batalha de quarenta anos pela Tradição, que permitiu mesmo a existência de muitos, mas as necessidades atuais da tão desejada “paz litúrgica” mas as necessidades atuais da tão desejada “paz litúrgica”, a urgência da releitura da Tradição à luz da hermenêutica da reforma na continuidade, os urgentes pedidos por uma maior unidade da Igreja, que, finalmente, INCLUA TODOS OS CRENTES EM CRISTO: OS CATÓLICOS TRADICIONAIS, OS CATÓLICOS MODERNISTAS, OS CATÓLICOS MAIS OU MENOS, OS MOVIMENTOS ECLESIAIS (OU SEJA, AQUELA HISTÓRIA DA GAVETINHA PARA A TRADIÇÃO, PARA A RCC, PARA ISSO, PARA AQUILO… PERFEITO), os fiéis leigos, os cristãos separados e todos aqueles que queiram partilhar deste esplêndido momento de reconciliação e de amor sob a liderança iluminada do Papa.

    Em time que está ganhando não se mexe…

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  6. Dois pontos…

    É parecer comum entre os Doutores da Igreja que os atos extremos só devem ser buscados quando todos os outros recursos, menos drásticos, não foram eficazes.

    No caso das sagrações que resultaram na excomunhão dos quatro bispos da FSSPX, tratou-se de uma necessidade espiritual, em vista a salvação das almas. Portanto, um ato extremo e extremamente necessário!

    Ora, atualmente a regularização canônica oferecida não implica e nem se exige adesão aos desvios do Concílio. Nessas circunstâncias não a razão para permanecer na situação de “fora da lei”.

    Ademais, Dom Lefebvre, antes de sofrer a punição de excomunhão, evidentemente injusta, permaneceu em situação regular, ligado a hierarquia pela submissão. Lutou contra o Concílio e sua missa. E mesmo atuando em comunhão com Roma ou, como dizem alguns, dentro do legalismo agora oferecido, não se deixou ludibriar muito menos corromper pelas inovações conciliares.

    Dom Lefebvre não pediu: “Por favor, me excomungue, pois não quero estar ligado a essa Roma modernista enquanto ela não se converter”. Se as excomunhões de 1988 não tivessem se concretizado, até hoje a FSSPX estaria em situação regular, isto é, ligada pela submissão e pela legalidade, à Igreja ou hierarquia do Vaticano II. Ou será que para forçar a conversão dos romanos (termo querido de Dom Williamson) a FSSPX pediria sua própria excomunhão para sair do puro legalismo?

    Rezemos para que o orgulho ou os pretextos de fidelidade, não desenvolva o espírito de seita nos que são considerados os grande defensores da tradição.

    Para finalizar, uma indagação: com a legalização, a FSSPX racha ou não racha?

    Robson.

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  7. “O texto é um tanto tendencioso. Se a Santa Sé “marginaliza” a Missa Tridentina fica-se contra, não sem razão. Mas se ela libera o uso do Missal antigo, não se reconhece que se trata de uma atitude louvável e ainda se atribui os bens resultantes aos “caminhos insondáveis da providência””.

    Leonardo Brum:

    Como considerar louvável, a liberação de algo que nunca foi proibido? Para haver liberação, não tem que se haver a proibição? Louvar tal liberação, não seria louvar a contradição?

    Quanto a questão da nova Igreja:

    Você pode demonstrar que a Igreja pós-conciliar tem o mesmo conceito de tradição, anterior ao Concílio?

    Fique com Deus.

    Abraço

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  8. Texto fantástico! Deve ser lido divulgado e discutido. Eu era um dos maiores defensores e rezava muito para que a Fraternidade voltasse à estrutura da Igreja como prelazia pessoal ou sob outra forma jurídica. Depois da leitura deste texto prefiro rezar para que Roma, na pessoa do Santo padre, convoque uma revisão documento a documento, item, por item, do Vaticano II e que PROÍBA com autoridade radical imediata, total, todos os abusos litúrgicos atuais e toda variedade de ritos que só confundem mais e mais os fieis. E que a FSSPX, para o bem de toda Igreja Católica continue unida ao papa em espírito, mas firme no que sempre defendeu e não seja apenas mais um organismo acoplada a estrutura visível da Igreja sem poder nenhum de fato para denunciar, ensinar e influenciar os bispos modernistas a reverem os erros que divulgam. Agora tenho certeza de que esta tem maior poder permanecendo fora aparetemente, para ser de dentro da Igreja.

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  9. Caro Gederson, Salve Maria!

    Se usei o termo “liberação” foi porque o autor do texto em questão também o usou, mas não é o mais adequado. O Summorum Pontificum não fala em “liberação”, mas afirma, tal como você, que o Missal anterior nunca foi ab-rogado. E isto foi algo louvável por parte do Papa, sim. Por que não? Reconhecer isto não me torna partidário da hermenêutica da continuidade.

    Quanto à segunda questão, essa demonstração é impossível de ser feita porque simplesmente não existe Igreja pós-conciliar. É justamente esta idéia de “nova Igreja” que rejeito. O que existe é a Igreja Católica Apostólica Romana, cuja cabeça visível é Bento XVI. Se há papas que defendem um conceito de Tradição diferente do ensinamento da Igreja Católica, tal idéia só pode ser atribuída aos mesmos papas enquanto teólogos privados. E isto quem diz não sou eu e sim o Pe. Calderón, da própria FSSPX.

    Quando fiz meu comentário, o seu ainda não estava visível, provavelmente aguardando moderação, mas minha crítica se aplica perfeitamente à sua pessoa. Essa idéia de nova Igreja faz com que alguns apoiadores da FSSPX não se limitem em defendê-la da acusação de cisma, passando a apontar como cismáticos o Papa e a Hierarquia, que teriam rompido com a Igreja Católica para passar à “Igreja conciliar”, uma igreja cismática. Esta é a conseqüência lógia de sua afirmação de que o Vaticano II foi um ato cismático. Assim, como eu disse, “reduz[-se] a Igreja à FSSPX e coloca[-se] o Papa e a Hierarquia fora dela,” Muito cuidado, meu caro. É assim que se abrem as portas para o sedevacantismo.

    Em Cristo,
    Leonardo Brum

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  10. Caro Leonardo,
    Salve Maria!

    Rapidamente, logo mais te respondo com mais tempo. Quanto ao conceito de tradição, o que você disse citando o Padre Calderon, vai contra a evidência demonstrada:

    Sobre o conceito de Tradição (Dei Verbum): “A recusa da proposta de tomar o texto de Lérins, conhecido e santificado, de certo modo, por dois concílios, mostra de novo que se deixou para trás Trento e o Vaticano I, e a contínua releitura de seus textos… [o concílio Vaticano II] tem outra idéia da maneira como se realiza a identidade histórica e a continuidade. O ‘semper’ estático de Vincent de Lérins não lhe parece apropriado para exprimir esse problema.” (Joseph RATZINGER, LThK, Bd 13, p. 521). Carta 62 de Dom Fellay – http://www.fsspx.com.br/exe2/?p=136

    Veja, você diz que o Padre Calderon disse que eles podem defender um conceito de tradição apenas enquanto doutores privados, mas aqui neste trecho e no Motu Proprio Ecclesia Dei, se vê claramente que adotou-se um novo conceito de tradição, que Mons. Gherardini cansou de demonstrar estar em ruptura com a tradição. Seria ele um sedevacantista? Eu não sou sedevacantista, mas qual crime e maior, ser modernista ou ser sedevacantista?

    Por enquanto é isto…

    Fique com Deus.

    Abraço

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  11. Perfeito Leonardo!

    Esse estado de independência em relação à legítima hierarquia facilita o espírito autocéfalo, próprio das seitas. Assim, gradativamente, pretende-se suprir com a “super-suplência”, tudo o que aparece como suspeito ou mesmo nulo. Apropria-se dos tribunais do Papa e justificam: “É a suplência! É a suplência!”. Tiram de suas mãos o volante da Igreja e alegam: “É a suplência! É a suplência!”. Colocam em cheque as ordenação sacerdotais feitas segundo o novo rito e bradam: “É a suplência! É a suplência!”. Afirma que ligar-se a hierarquia pela submissão é pecado… e argumentam: “É a suplência! É a suplência!”. Restam apenas eleger um novo Papa e, mais uma vez justificar: “É a suplência! É a suplência!”

    Um membro jamais pode desejar permanecer separado do Corpo visível da Igreja. Isso é uma lástima.

    Dom Lefebvre dizia que, só pelo fato de estarem separados da Igreja pela excomunhão, era de se lamentar.

    A união visível deve ser buscada com afinco. E, na medida em que essa legalização não resulte em uma traição ou negação da fé, deve-se aceitar! Senão, o gosto pela independência pode produzir erros graves, culminando no sedevacantismo prático e formal.

    Robson

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  12. Pra quem nao tem medo de ser excomungado, mesmo por uma causa justa, nao custaria aceitar um ordinariato e depois romper novamente!!

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  13. Não ia escrever mais aqui, mas o texto me deixou um tanto indignado. Cisma, quê cisma? Querer ser católico de verdade? Cisma é aquele que recusa a “idéia” de um papa a partir de considerá-lo “idéia”, “invenção” ou “ideologia”. Qual cisma pode haver de cobrar do papa ser papa verdadeiro e como vigário ou representante do Rei reinar de verdade, inclusive, como mais alto e isolado magistrado? Magistrado para punir e afastar como Bom Pastor que espeta os lobos e diante deles não dorme? Se o pastor foge não por medo, foge porquê? Liberal contra si mesmo ou porque recusa que um pastor não deve ter a grande carga de espetar os lobos? Liberal contra os outros quando diz querer incluir mais alguns ou todos? O texto usou da tática modernista. Quando se escreve muito e se divaga para “doirar a pílula”, acreditando que convencer é só não ofender, conforme a diplomacia muito difundida na Igreja, pode saber que foge do essencial para não acordar a Verdade.

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  14. “Agora, o Vaticano II, que fez uma exceção para a Tradição Apostólica – embora sem nunca apresentá-la com o significado doravante considerado como “tradicional” desta qualificação – sistematicamente ignorou todas as outras. Por outro lado, encontramos no Concílio uma qualificação diferente: Tradição viva, que discutirei posteriormente”.

    “Em todo caso, a atual chamado para a Tradição viva pode ser resumido como um verdadeiro perigo para a fé de cada cristão e de cada comunidade cristã como um todo”.

    Mons. Gherardini – Sobre a noção de “Tradição Viva”. Monsenhor Brunero Gherardini, Concilio Ecumenico Vaticano II: Un discorso da fare – https://fratresinunum.com/2009/12/29/sobre-a-nocao-de-%E2%80%9Ctradicao-viva%E2%80%9D-excertos-da-obra-de-monsenhor-brunero-gherardini-concilio-ecumenico-vaticano-ii-un-discorso-da-fare/

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  15. Prezado Gederson,

    Se me permite fazer uma observação, “evidência demonstrada” parece-me contraditório, pois o que é evidente não necessita de demonstração. Em todo caso, se dermos crédito à tese do Pe. Calderón, aquilo que você chama de evidência não passa de aparência. Vou repetir o que escrevi no primeiro comentário:

    “Nesse sentido, vale a pena ler a tese do Pe. Calderón, que atribui o que chama de ‘magistério conciliar’ não a uma nova Igreja, mas às respectivas pessoas privadas de seus proponentes.”

    A idéia central da tese do Pe. Calderón é a de que, desde o Concílio, não houve mais exercício formal do Magistério Eclesiástico. Este fato não é nada evidente, pois não faltam documentos emanados de Roma nos últimos 40 anos. Conseqüentemente, tal fato necessita ser demonstrado e foi preciso um livro inteiro para fazê-lo. O ideal é que você leia “A Candeia Debaixo do Alqueire”, mas posso falar do conteúdo do livro em linhas bem gerais.

    Primeira distinção teológica: o Magistério Autêntico da Igreja tem por órgãos autênticos o Papa e os Bispos sob algumas modalidades (declaração ex-cathedra, concílio, etc.) e pode ser classificado em “infalível” e “meramente autêntico”. O infalível tem grau máximo de autoridade enquanto o meramente autêntico comporta diversos graus que equivalem ao grau de assistência do Espírito Santo ao magister. Mesmo possuindo eventualmente um grau de autoridade ínfimo, o Magistério Autêntico da Igreja exige submissão e docilidade da alma católica.

    Segunda distinção teológica: uma mesma pessoa física pode comportar mais de uma pessoa moral. Assim, o mesmo Bento XVI, por exemplo, pode atuar enquanto Papa, enquanto bispo de Roma e enquanto teólogo privado.

    Postas as premissas, o livro está dividido em quatro artigos em forma de disputatio. Pe. Calderón demonstra primeiramente que o magistério conciliar não foi infalível. Depois, que o magistério conciliar pode ser posto em discussão por ter sido exercido ao modo dialogao e não impositivo, mas disso decorre a terceira demonstração que é a de que o magistério conciliar possui zero grau de autoridade. Ele não é nem mesmo Magistério meramente autêntico. Não há nele a mais ínfima assistência do Espírito Santo e este fato tem importantes conseqüências:

    – O magistério conciliar não exige submissão dos fiéis;
    – Os fiéis não só tem o direito de negarem submissão a ele, mas o dever de se opor à medida que ele contraria o que a Igreja sempre ensinou;
    – O papa e os bispos não atuam em quanto tais, mas enquanto teólogos privados ao exercerem o magistério conciliar;
    – O magistério conciliar não pode ser formalmente atribuído à Igreja Católica.

    Isto corrige a problemática postura teológica daqueles que o Pe. Calderón chama de “tradicionalistas críticos”, ou seja, aqueles que reconhecem o concílio como magistério autêntico, mas que se acham no direito de criticá-lo pelo simples fato de que ele não é infalível. Tal postura só dá margem para que os modernistas ponham em discussão todo o magistério ordinário das Encíclicas anti-liberais, desde a Mirari Vos, de Gregório XVI, à Humani Generis, de Pio XII, passando pela Pascendi, de São Pio X. O magistério das Encíclicas é, via de regra meramente autêntico. Estaria entre estes Mons. Gherardini? Não sei. Estou aguardando ansiosamente a publicação do livro dele em português pela Pinus.

    A tese também é contrária ao sedevacantismo pois, se o magistério conciliar é uma espécie de exercício material (mas não formal) do Magistério da Igreja, isto se deve apenas ao modo dialogado de tal exercício e não do suposto fato de que o papado é material ou coisas do gênero. O Papa não perdeu sua autoridade. Ele apenas não a exerce efetivamente, apenas de modo aparente.

    O último artigo do livro é bem interessante, pois trata de um eventual comprometimento indireto da autoridade do magistério conciliar. Assim, Pe. Calderón fala sobre a Missa Nova, os movimentos eclesiais, as supostas aparições, as canonizações, o Código de Direito Canônico, etc.

    Pois bem, tudo isso se aplica à Dei Verbum e ao Motu Proprio Ecclesia Dei, que você cita. Não estou negando que haja uma ruptura conceitual. Como disse, não sou partidário da hermenêutica da continuidade. O que defendo é que, mesmo querendo agir enquanto papas e bispos, os proponentes destes dois documentos falam enquanto teólogos privados. E nós conhecemos bem a orientação teológica deles.

    O que não se pode querer é inventar uma “Igreja Conciliar” e fazer do papa uma espécie de cismático que passou a ser cabeça dela. Isto não resolve nada, apenas complica mais as coisas e dá margens a erros terríveis.

    Quanto ao que é pior, sedevacantismo ou modernismo, sinceramente não sei dizer.

    Perdoe-me se me estendi muito.

    Em Cristo,
    Leonardo Brum

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  16. Apenas para esclarecer, quando pergunto “Estaria entre estes Mons. Gherardini?”, refiro-me aos tradicionalistas críticos e não aos modernistas.

    Leonardo Brum

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  17. Eu gostaria que o Santo Padre sintetizasse a doutrina da FSSPX contra o CV II e as reprovasse com alguma censura teologica ao mesmo tempo que nos informasse o que deveriamos crer. Imaginem? Isso seria censurar o proprio ensino tradicional da Igreja e canonizar o ‘icanonizável’. Aliás, se o CV II é para ser crido, por que não é feito isso que foi sugerido, se essa sempre foi a postura da Igreja ao longo dos séculos? Ou é porque eles não conseguem encaixar o CV II com o magistério anterior ou porque são movidos por principios equivocados do concílio que impede qualquer tipo de condenação. Acho que os dois, né?! Pois hoje em dia já não se condena mais nada e a FSSPX faz muito bem em recusar qualquer tipo de acordo. A FSSPX não constitui uma hierarquia própria. Sempre respeitou o Santo Padre e sabe que qualquer solução passa por seu governo. Quem diz o oposto mente por malícia, pois é negar um fato evidente. Ela foi escurraçada para fora da Igreja por uma hierarquia que se prostituiu a si própria para tentar converter os protestantes. Vide a fabricação de um rito da missa p/ se parecer com a ceia protestante, a recusa em condenar suas doutrinas, antes ao contrário afirmar que temos comunhão com eles e que eles não desprovidos de significado de salvação, a oração em comum, ecumenismo, etc. Agora querem a FSSPX de volta com o pretexto de o Santo Padre está sendo generoso, quando na verdade Ele está corrigindo erros históricos? Querem a FSSPX de volta sem no entanto se voltar minimamente para o ensino tradicional da Igreja. Com certeza a permissão da missa tradicional é um passo importante, mas se tem a sensação de que tal ato de governo foi apenas para sanar uma fratura interna na Igreja, p/ atender os pentelhos dos tradicionalistas, diriam os liberais. Continuamos sendo vistos como marginais e cismáticos e querem ainda nos levar p/ uma plena comunhão? Liberar a missa é uma coisa. Mas determinar e obrigar que a partir de agora todos os seminaristas devem ser formados também no rito tradicional e ordenar que a missa seja celebrada todos os dias em todas as paróquias, apesar de um bi-ritualismo inédito, isso sim me faria ver que as coisas poderiam estar mudando de direção. Até muito pouco ou quase nada foi feito e tudo continua como está. A FSSPX deve continuar como está condenado os erros atuais.

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  18. ERRATA:

    Onde se lê “dialogao”, leia-se “dialogado”.
    Onde se lê “em quanto”, leia-se e”enquanto” [essa doeu].
    Onde se lê “tem o direito”, leia-se “têm o direito”.

    Entre outros erros menores de estilo. A pressa é, realmente, inimiga da perfeição. Perdão.
    Aproveito para perguntar ao moderador se há combinações de caracteres que me permitam escrever em itálico ou negrito aqui.
    Grato.

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  19. E uma pergunta aos neo conservadores?
    Como se pode aceitar na pelna unidade um grupo que rejeita um concílio ecumênico?
    Esses que dogmatizam que a fsspx deve aceitar o acordo caem numa contradição terrível

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  20. Prezado Leonardo,

    Evidência demonstrada, é aquela que não pode ser percebida imediatamente. Para os defensores do Concílio, a sua contnuidade com a tradição, é evidente, mas eles não são capazes de demonstrar tal evidência. Toda evidência é demonstrável, mesmo as que são percebidas imediatamente, pois não somos iguais e não temos as mesmas condições intelectuais. Quanto ao que digo ser apenas aparência, repasso a palavra a Mons. Gherardini, que lançou recentemente um novo livro, intitulado “”Quaecumque dixero vobis”, onde no começo lança o desafio:

    Existe continuidade entre o Vaticano II e a tradição apostólica?

    Reinterando que “Uma simples asserção afirmativa [de continuidade] não tem per se nenhum valor apodítico. Não basta afirmar, ocorre demonstrar, e isto, o próprio Vaticano II negligência”.

    E continua o texto do Sim Sim Não Não:

    “…Ratzinger: Concílio=Tradizione

    O autor cita vários discursos feito por Ratzinger, teólogo, Bispo, Cardeal e Papa, sobre a continuidade entre o Vaticano II e a tradição, que é o fio condutor do seu pensamento teológico, segundo o qual “defender hoje a verdadeira tradição da Igreja significa defender o Concílio [Vaticano II]”1 e também: “a defesa da tradição é a defesa do Concílio”2. O seu intento de sempre (em 1960 como em 2011), assim, é aquele de promover o Vaticano II (ib., pg 11). “Palavra clara – comenta Gherardini – para exprimir um pensamento claro como: se vai professar a secular fé da Igreja, deve professar – ou basta que você professe – a fé do Vaticano II” (ib., p.19). Nestas circunstâncias, o problema da obrigatoriedade do Vaticano II mesmo se levanta para Bento XVI. O Concílio – segundo ele – é abssolutamente necessário para ser católico (cfr. ib., p.20).

    Gherardini observa que “nenhum Papa jamais falou tanto frequentemente e tanto insistentemente de tradição quanto o teólogo, o Bispo, o Cardeal e o Papa Ratziger” (ivi). Porém a questão é saber que coisa entende por “Tradição” Ratzinger e que coisa entende o mesmo Vaticano II por Tradição. Na verdade Hegel fala sempre de Deus, mas o seu não é o Deus pessoal e transcendente, mas o pensamento absoluti e transcendente do homem. No caso de Ratzinger e do Vaticano II se trata talvez da Tradição Apostólica, ou seja da Fé e da doutrina de sempre? (ib., p.23).”

    Dois conceitos diversos de tradição

    No livro o autor passa em revista todas as citações do conceito de Tradição feitos pelo Vaticano II e compara com a definição dos precedentes Concílios Ecumênicos e dogmáticos (especialmente o Tridentino e o Vaticano I).
    Quanto a Ratzinger, no seu exame Gherardini demonstra claramente que ele repudia o “radicalismo” de quem quer correr muito e provávelmente joga assim a máscara que serve para promover o Vaticano II, mostrando – invés de esconder – que isso esta em ruptura con a Tradição Apostólica e em seguida é inaceitável, assim como repudia o “catolicismo integral” definido por ele “apenas aparentemente católico” porque “porque na realidade perverte desde a profundidade as posições rigorosamente católicas”3. Ora, o campeão do catolicismo integral é São Pio X, Papa anti-modernista por antonomasia, cujo o lema era “instaurare omnia in Christo” que é a essência do catolicismo integral (“omnia”= tudo, integro) ou do integral e totalmente católico. Mas isso é para Ratzinger é fundamentalmente “a-cristão”, havendo ele optado para o “demì-chrètieri” do humanismo integral maritaniano onde para ele não se pode ser integralmente cristão, mas si deve ser integralmente humanista. O que diz a sua londa “revolta antropolátrica” da teologia conciliar4.

    A conclusão a que chega Gherardini é que se trata de dois conceitos diversos de Tradição: para Ratzinger a Tradição é o Vaticano II e vive-versa (o afirma, mas não o demonstra: é uma petição de princípio, como um cão que morde o seu rabo), enquanto para a doutrina católica a Tradição é este que Jesus e o Espírito Santo tem ensinado pelos apóstolos e estes aos primeiros Padres Apostólicos e eclesiásticos que a tem transmitido substancialmente inalterada, para nós.
    [1] 203 pagine, 18 euro, , Corso Re Umberto, n° 37; 10128-Torino.
    [2] J- Ratinger – V. Messori, Rapporto sulla Fede, Milano, San Paolo, 1985, p. 32.
    [3] J- Ratinger – V. Messori, Rapporto sulla Fede, cit., p. 41.
    [4] J- Ratinger, Les principes de la théologie catholique, Parigi, Téqui, 1985, p. 421.
    http://www.sisinono.org/anteprime-anno-2011/156-anno-xxxvii-nd-6

    Dito isto, não se pode ter dúvidas que aquilo que chamo de evidência, é evidência mesmo, e não tem nada de aparência. Mons. Gherardini em suas obras tem se dedicado a demonstrar estes dois conceitos antagônicos de tradição. Em um deles chega mesmo a dizer que, “condenar o conceito de tradição da FSSPX, é condenar o conceito de tradição da Igreja até Pio XII”.

    Já quanto a questão da hipótese de ruptura da hierárquia com a fé, ela não é absurda, e é na escatologia que ela encontra suas principais razões. Exatamente por estas razões escatológicas, que Pio IX, mandou que se publicasse a mensagem de La Salette, onde se lê que “Roma perderia a fé e se tornaria a sé do anticristo”. Ora, em caso de cumprimento desta profecia, temos uma outra Igreja, como descrito claramente em Apocalipse 13. Tudo isto pode ser lido no livro “O drama do Fim dos Tempos” do Padre Emanuel André e no livro “O anticristo” do Padre Agostinho Léman. No caso do segredo de La Salette, pode se até mesmo alegar que se trata de uma revelação particular, mas não se pode negar que seu conteúdo, concorda com o depósito da fé! Como não se pode negar, que a separação entre Igreja e Estado, representou a retirada do obstâculo, que retinha o anticristo (Consenso unânime dos Pais da Igreja aos quais segue Santo Tomás).

    Dom Mayer, Gustavo Corção falaram em uma outra Igreja. Ettiene Gilson, dizia não ter certeza de que morreria na mesma Igreja. Em um jantar informal entre os 4 Bispos da FSSPX, o Papa e o Cardeal Hoyos, este último tentou lançar a conversa do “Aquilo que nos une, é maior do que aquilo que nos separa”. Dom Williamson, respondeu a ele: “Excelência, são duas religiões”.

    Por enquanto, fico por aqui…

    Fique com Deus.

    Abraço

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  21. Prezado Leonardo Brum, Salve Maria!

    Muito me admira sua promoção da tese que o Padre Calderón inventou, sendo que ainda há pouco você me escrevia sobre o assunto e, quando lhe respondi oferecendo uma refutação à inovação anti-tradicional do livro Candeia…, você se recusou até mesmo a recebê-la!

    E isso sob pretexto de que só a leria depois de respondida pelo referido Padre (que, no entanto, jamais a respondeu ou responderá, pois não tem resposta)… Ora, como então, recusando-se a sequer tomar conhecimento de toda objeção, você pretende agora promover a tese controvertida — é uma questão disputada, não nos esqueçamos, como o próprio Pe. Calderón reconhece — como “a solução”?

    Leonardo Brum, tu citas a Candeia como quem cita o Corão!

    Você, assim, presta um mau serviço à Fraternidade que pretende defender, pois restringir suas leituras só à literatura de circulação interna do grupo, sem confrontá-la com o que se objeta no mundo exterior, é típico das… seitas! (Claro que a maioria dos católicos não deve ler livros impugnando a doutrina da Igreja, donde o Índex, o Imprimatur etc., mas bem se vê que grave seria tratar uma fraternidade sacerdotal emergencial como se fizesse as vezes da Santa Igreja Romana, e uma tese recente de um professor de seminário como se fora encíclica ou bula além de toda a crítica!)

    E tanto pior para você: dita leitura teria evitado que você fizesse o papelão que acaba de fazer promovendo má doutrina: por exemplo, ao dizer que “o último artigo do livro é bem interessante”, quando na verdade repete um erro muito antigo e mil vezes refutado:

    Nota – Sobre a infalibilidade dos decretos disciplinares e das leis litúrgicas, fez-se muita confusão sobretudo após a aparição do Novus Ordo Missæ, em 1969. Arnaldo X. da Silveira em “La nouvelle messe de Paul VI: qu’en penser?” (Diff. de la Pensée Française 1975, pp. 161-211), depois de ter citado textos a favor da infalibilidade das leis litúrgicas, acaba por restringi-la. O autor não logra distinguir os dois aspectos da infalibilidade da Igreja nesse campo, acima citados: a infalibilidade puramente negativa, que comporta a validade, a não-nocividade, a inexistência de erros contra a Fé e a moral nos ritos e leis litúrgicas; [distinta] da infalibilidade positiva de uma verdade dogmática a partir dos textos litúrgicos. Para esta última, se a Igreja, para fazer conhecer um dogma, quer antes utilizar a liturgia do que dele dar definição, é necessário que dê a conhecer explicitamente sua vontade de querer obrigar a crer a verdade doutrinal significada pela liturgia. Para a primeira infalibilidade, em contrapartida (a inexistência de erros), não é necessário nenhum ato particular da Autoridade: ela [essa infalibilidade] é inerente à própria lei apenas seja promulgada, como vimos quando tratamos da infalibilidade do objeto secundário. Com essa distinção se responde também aos casos de aparente erro na infalibilidade em matéria litúrgica citados por Da Silveira.”
    (Rev. Pe. Giuseppe MURRO, do Intituto Mater Boni Consilii, L’Infallibilità della Chiesa [A infalibilidade da Igreja], in: Sodalitium, n.º 41, julho-agosto de 1995, pp. 57-75, cit. na p. 65-66; há uma trad. franc., L’infaillibilité de l’Église, in: Sodalitium (éd. française), n.º 40, janeiro de 1996, pp. 36-55, cit. na p. 45).

    Ora, é exatamente na fonte contaminada por esse grave erro que o Pe. Calderón foi beber a tese do artigo IV da Candeia, como o próprio Autor nos diz:

    “Arnaldo Xavier da Silveira trata este assunto de maneira correta e completa num apêndice à sua obra L’Ordo Missae de Paul VI: Qu’en penser?, Chiré-en-Montreuil, 1975, pp. 161-211. Ali podem ver-se muitas citações do magistério e de teólogos que sustentam estas afirmações.)”
    (Pe. Álvaro CALDERÓN,A Candeia Debaixo do Alqueire, Rio de Janeiro: Sétimo Selo, 2009, p. 242-243 [Art. IV, Resp. à 2.ª Obj.])

    É realmente uma pena, Leonardo.

    Quanto à sua dúvida sobre o que é pior, modernismo ou sedevacantismo (o Padre Calderón não tem essa dúvida, muito pelo contrário, mas aqui você não se faz discípulo dele?), primeiro há que parar de defender, contra os modernistas, teses que são, também elas, modernistas (como a supracitada negação da infalibilidade negativa da Igreja), para só depois estar em posição de formar um juízo equânime, sim?

    Nossa Senhora das Mercês, rogai por nós!

    Felipe Coelho

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  22. Complementando:

    Caro Leonardo, estou sem muito tempo para lhe responder, por isto não terei como responder-lhe tudo. Se permite uma observação, a sua leitura da obra do Pe Calderón, aparece em “ruptura”, com o pensamento do autor, expresso no livro que segue a Candeia: “Prometeo, a religião do homem”. Onde pode se ler:

    “Bento XVI começou seu pontificado com uma tremenda confusão: o Concílio Vaticano II não teria sido bem compreendido. Ora, tudo foi mudado pelo Concílio: a liturgia, o catecismo e o direito canônico, a vida dos seminários, dos conventos e das paróquias, e quarenta anos depois um Papa que foi teólogo do Concílio afirma que ainda não se deu a correta interpretação dele. A comoção nos meios eclesiásticos não podia ser maior, pois tal afirmação põe em questão toda a reforma conciliar.

    A maioria dos bispos se reúne para defender a hermenêutica vulgata — chamemo-la assim — do Concílio como novo começo, que animou as reformas. A Fraternidade São Pio X de certo modo está de acordo, embora sem o eufemismo: a única hermenêutica possível é a de ruptura com a tradição. Em contrapartida, os grupos tradicionalistas amparados sob as asas da Comissão “Ecclesia Dei” se apressam a dizer que pode e deve dar-se a hermenêutica da continuidade. O momento é solene. Roma convidou a Fraternidade São Pio X a discutir sobre o Concílio — horror! gritam os bispos — com a intenção, certamente, de mostrar-lhe um Vaticano II sem contradição na história dos dogmas”.

    Neste contexto, o Padre Álvaro Calderón, professor desde há muito tempo do seminário argentino da FSSPX, ensaia uma hermenêutica do Concílio que reúne duas notáveis qualidades. Primeira, indica de maneira muito precisa os múltiplos pontos doutrinais em que o Concílio rompe com a tradição, e, mais ainda, patenteia certas questões difíceis que foram usadas como véus. Segunda, traça as linhas de um processo contínuo que vai do humanismo e do renascimento ao “novo humanismo” conciliar. Embora o aspecto histórico esteja menos desenvolvido [no livro], permite porém entender por que Bento XVI defende que o Concílio não é algo totalmente novo: está em continuidade com cinco séculos de catolicismo liberal”[grifo nosso]. Novo livro do Padre Calderón (“A Religião do Homem”), e nova Semana de Humanidades em La Reja – http://contraimpugnantes.blogspot.com/2010/06/novo-livro-do-padre-calderon-religiao.html

    Fique com Deus.

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  23. No meu entender, o problema de fundo na postura lefebvriana — que explica a resistência à “regularização” e que é, no fim das contas, o que torna a postura deles inaceitável para os outros católicos que querem guardar a Tradição — é acreditar que a Santa Sé Romana, a Sé de Pedro, não guarda mais integralmente a fé católica apostólica romana. Essa crença deles vai de encontro à Tradição.

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  24. A FSSPX trabalhando com uma aprovação formal da Igreja, sem deixar de lado suas convicções, com bispos originários da própria Fraternidade, em qualquer Diocese, sem que os bispos e padres locais tivessem um milímetro de possibilidade de acusá-la de desobediente ou cismática…”Adveniat regnum tuum, Domine”! Se assim acontecer, venham aqui para o sertão bahiano.

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  25. Felipe Coelho, Salve Maria!

    Nunca lhe escrevi. Pode ter sido outro usando meu nome. Por favor, passe-me maiores detalhes para que isso se esclareça.

    Leonardo Brum

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  26. Muito prezado Leonardo, Salve Maria!

    Por caridade, aceite minhas mais sinceras desculpas. Confundi os Leonardos!
    Acabo de encontrar os e-mails a que me referia, e o sobrenome, de fato, é bem diferente.
    Novamente, perdoe-me a confusão.

    Se fosse possível editar os comentários (Ferreti?), eu apagaria tudo que escrevi entre a saudação e a primeira citação, num rompante de indignação que, vemos agora, não tinha tanta razão de ser…
    (Digo “tanta”, porque sua comparação entre modernismo e sedevacantismo é, também ela, um pouco revoltante e, como já observei, nada calderóniana!)

    Àquele Leonardo que não é você, eu havia, inclusive, indicado a tradução de um outro texto antigo, do Padre Ricossa, em que já se continha, aliás bem desenvolvida, o cerne da objeção ao Artigo IV da Candeia a que me referi: http://wp.me/pw2MJ-rU
    Trata-se do Prefácio à Edição Italiana de parte da obra do Dr. Arnaldo Xavier da Silveira.

    De todo o modo, repito: peço desculpas por confundi-lo com outro Leonardo, de posição semelhante à sua, mas não tanto. (Pois — noto um pouco embaraçado — entre Birmingham e o sul da Itália há, de fato, uma bela distância!)

    Abraço,
    Em JMJ,
    Felipe Coelho

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  27. Leonardo.

    Imputaram-lhe um suposto fanatismo, pelo qual você transforma ou têm em alta consideração, textos de professores de seminário como se fossem bulas, encíclicas, e outros documentos revestidos de autoridade indiscutível.

    Interessante que esse argumentador, que assume posturas e juízos de caráter inquestionável, mais pela soberba e não pela autoridade inexistente, se refugia em textos que também não são bulas ou encíclicas, muito menos infalíveis, cujo valor se confia por causa de um mero elogio papal, que, como sabemos, pouco significa.

    Assim a lebre morre pela própria boca…

    Para bom entendedor, meia palavra basta!

    Robson Silveira.

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  28. Salve Maria, Robson.

    O paralelo que você vê não existe, pelo simples fato de que a minha “imputação de fanatismo” só tinha razão de ser pela confusão que fiz e pela qual já me retratei.

    Afinal, recusar tomar conhecimento de toda objeção e continuar promovendo a tese a que se objeta como “A” solução seria certamente fanatismo, você não concorda?

    Mas, felizmente, nenhum dos Leonardos, nem ninguém aqui, que eu saiba, cai nesse erro, razão pela qual pedi desculpas tão logo fui notificado de ter confundido duas pessoas diferentes.

    Abraços,
    Em JMJ,
    Felipe Coelho

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  29. Salve Maria, Felipe,

    Emitir juízos ignorando ou repudiando a realidade, e levando isso com obstinada cegueira, seria sim um puro fanatismo.

    Infelizmente a tecnologia tão útil para o apostolado, não me transmitiu com antecedência sua retratação. Se eu tivesse dado um clique em atualizar a página, antes de postar minha objeção, certamente seria poupado do equívoco.

    Em todo caso, desconsidere o que eu disse.

    Robson.

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  30. A Gederson e Felipe,
    Salve Maria!

    Em primeiro lugar, digo ao Felipe que suas desculpas estão aceitas. Em todo caso, gostaria de fazer algumas considerações para que fique clara minha posição em relação à tese do Pe. Calderón. Não a cito cegamente, como se estivesse “além de toda crítica” vinda do exterior e há três elementos em meus textos que evidenciam este fato:

    – Minha vontade de ler o livro de Mons. Gherardini que, embora não critique A Candeia diretamente, diverge dela em pontos importantes até onde sei;
    – Minha posição diferente da do Pe. Calderón em relação ao sedevacantismo, reconhecida pelo próprio Felipe;
    – O fato de que coloquei toda minha breve exposição do conteúdo do livro sob uma premissa condicional: “se dermos crédito à tese do Pe. Calderón…“.

    É claro que eu dou crédito, pois trata-se do melhor que eu pude ler até agora acerca da crise da Igreja. Também considerei conveniente citar a obra por pressupor que Gederson, meu interlocutor, por estar ligado ao SPES, seja outro que aderiu à tese. Asssim, teríamos uma base comum para as discussões. Creio não estar enganado quanto a isso.

    Portanto, Felipe, ainda que eu fosse aquele outro Leonardo, considero que certas acusações feitas a mim de sua parte foram exageradas. Em todo caso, como dito, as desculpas estão aceitas.

    Passando ao que realmente interessa, digo que Felipe, apesar de discordar completamente de minhas idéias, compreendeu bem melhor o que eu escrevi do que Gederson. Creio que Felipe, contra Gederson, concorda que não há em minha exposição da obra uma “ruptura” com o pensamento do autor. Estou certo?

    Afirmo pela terceira vez: não sou partidário da hermenêutica da continuidade. Não vejo sentido em se ficar apresentando para mim textos e argumentos que demonstrem a ruptura doutrinal do Concílio e do Pós-Concílio com a Tradição Católica, uma vez que eu concordo com tudo isso! Há um novo conceito de Tradição adotado pelas autoridades eclesiásticas atuais, sim, não estou negando. O que está em discussão é se é correto atribuir esta ruptura a uma “nova Igreja” e, conseqüentemente, a validade deste tipo de argumentação para se rejeitar um acordo da FSSPX com o Vaticano.

    O que qualifico como “aparente” não é a ruptura doutrinal. Esta é inegável. Aparente é a atuação das pessoas morais dos papas e bispos nos atos que promovem tal ruptura, pelo menos de acordo com o Pe. Calderón. Pelo visto, esta é uma distinção que diferencia o Pe. Calderón de Mons. Gherardini. Fico, salvo melhor juízo, com Pe. Calderón.

    É claro que, ainda que estes atos aparentes de Magistério devam ser atribuídos somente às pessoas privadas dos papas e bispos, todos eles estão conexos. Sendo assim, é compreensível que se atribua o conjunto desses atos a uma espécie de anti-igreja, uma vez que estes provêm das autoridades sem pertencer à verdadeira Igreja, além de pretenderem fazer as vezes dos autênticos atos da Igreja Católica. Mas ainda assim, esta anti-igreja ou “nova igreja” ou “igreja conciliar” não teria existência na realidade, uma vez que consideramos legítima a atual Hierarquia, sendo tal anti-igreja um ente de razão que pode ser denominado “Igreja” por alguma analogia metafisicamente justificável, concedo. O problema é que até que todas essas distinções sejam feitas, a semente do erro já foi plantada: o emprego indiscriminado do termo “Igreja conciliar” leva a crer que existe realmente uma anti-igreja que usurpou as estruturas pertencentes à Esposa de Cristo. E neste estado, apenas duas alternativas são possíveis: ou a contradição ou o sedevacantismo. Bem diferente é o uso que o Pe. Calderón faz da expressão “magistério conciliar”. Uma das primeiras coisas que ele faz n’A Candeia é definir de maneira muito precisa a expressão*.

    Farei três citações para ilustrar que há uma tendência sedevacantista no emprego de expressões como “Igreja conciliar” e afins. A primeira é uma interessante crítica de Felipe Coelho ainda em seus tempos de Montfort:

    “Ademais, algumas especulações não muito felizes sobre a ‘nova Igreja pós-conciliar’ (que Corção chama de ‘A Outra’…) levaram saudosistas de Corção como Dom Lourenço Fleichmann às portas do sedevacantismo.” [cf. http://www.montfort.org.br/old/index.php?secao=cartas&subsecao=filosofia&artigo=20041019134832&lang=bra%5D

    Ironicamente, Felipe acabou adentrando a porta. Espero que o mesmo não aconteça com você, Gederson.

    A segunda citação provém de um recente artigo de D. Williamson, intitulado “Verdadeiro Papa I” (o negrito é meu):

    “Depois que, há três semanas (CE 195, 09 de abril), eu disse que a ‘beatificação’ de amanhã de João Paulo II fará dele apenas um Neo-Beato da Neo-Igreja, me perguntaram, com alguma razão, se eu era um desses ‘sedevacantistas’.” [cf. http://www.fsspx.com.br/exe2/?p=2011%5D

    Ele mesmo reconhece o cheiro de sedevacantismo nessa forma de se expressar. É certo que depois ele alega que as duas igrejas não se excluem mutuamente, mas não de modo convincente a meu ver.

    Por fim, cito novamente Felipe Coelho, agora já sedevacantista, criticando a tese do Pe. Calderón (negrito meu, novamente):

    “Com efeito, perante a Igreja Conciliar, não estamos diante de uma Candeia posta sob o Alqueire, mas de uma Anti-Igreja (com sua própria doutrina, hierarquia e ritos nocivos e inválidos) eclipsando momentaneamente, embora quase totalmente, a verdadeira e única Igreja Católica Apostólica Romana, na qual e pela qual queremos viver e morrer.” [cf. http://aciesordinata.wordpress.com/2011/03/30/textos-essenciais-em-traducao-inedita-liv/ (comentário)]

    Aqui se vê a idéia de “Igreja Conciliar” levada às últimas conseqüências e sua oposição à tese do Pe. Calderón.

    Por todos esses motivos rejeito a idéia de que existe realmente uma “Igreja Conciliar”.

    Logo mais voltarei para tratar de uma das objeções de Felipe à tese do Pe. Calderón.

    Perdoem-me por me alongar novamente.

    Leonardo Brum

    *Temos inclusive, Gederson, um amigo em comum que muito admiro, mas que, a meu ver, emprega expressões infelizes ao referir-se à Igreja. Já escrevi a ele em privado sobre isso mas, como houve uma falha em minha primeira argumentação, tive que ficar devendo a ele uma tréplica.

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  31. Salve Maria, Leonardo!

    Obrigado por desenterrar meu velho comentário montfortiano, que hoje me enche de vergonha! Relê-lo hoje, depois de tantos anos, foi para mim uma humilhação bastante salutar. Como é péssimo o exagero de adotar juízos sobre questões contingentes de que não fizemos pessoalmente a prova, apenas por confiança no parecer de outrem, cujas motivações e embasamentos para tanto não raro estão muito distantes do que seria de esperar!

    Sobre o problema terminológico que você suscita, uma coisa que não sei se você ou outros têm claro, então digo logo, é que o uso do termo “Igreja Conciliar” pelos sedevacantistas está diretamente relacionado à convicção de que Paulo VI não somente “protestantizou”, como invalidou (ou, no mínimo, tornou duvidosamente válidos) os sacramentos que reformou, notadamente o novo rito de sagração episcopal. Daí a hierarquia pós-conciliar ser vista, pelos sedevacantistas em geral, como algo análogo à hierarquia anglicana; Bento XVI, nesse caso, ainda hoje seria somente padre, por exemplo.

    Vejo, no mais, que você (por favor, corrija-me se exagero novamente) tem dois verdadeiros “dogmas” implícitos em toda a sua argumentação, e como todo dogma não suscetíveis de questionamento: “acordo da FSSPX com Roma” = mui-to bo-om!; “sedevacantismo” = péssimo.

    Provavelmente, há ainda um terceiro, especialmente surreal: “Dom Williamson” = inimigo público número um, causa principal, senão única, da não solução da crise atual! (Ao que, me pergunto se não será ele, em última instância, quem convoca certas reuniões em Assis ou pretende beatificá-las?… Tudo é possível, para quem use os óculos cor-de-rosa (armações made in Vila Monumento!) da menina Alice…)

    É por isso que nem peço que você justifique aquela sua discordância com o Pe. Calderón… Não precisa.

    Por outro lado, fico contente de descobrir que foi você, então, quem questionou o Prof. Silveira sobre as infelizes expressões dele inculpando a Santa Igreja pelos males atuais? Saiba que nisso estou com você, meu caro! Mas, por justiça ao ilustre professor tomista, sou obrigado a notar que você não propõe solução alternativa… Criticar a tudo e a todos, fundando-se na certeza inconcussa de “dogmas” proclamados no quintal, mas sem propor nada de coerente em lugar daquilo que se critica… É essa a praxe onde mesmo? E como será que um bom moralista consideraria esse modo de proceder?

    Para concluir, deixo-lhe a seguir, a esse propósito, algumas boas citações para você se certificar de que sua posição é realmente melhor que a do Prof. Sydney, extraídas de uma das últimas grandes sínteses tomistas de Teologia — com que, no mais, nem sempre me parece possível de concordar, e em cuja capa se lê: “Prefácio: Cardeal Ratzinger”!

    Jean-Hervé NICOLAS, O.P., [1910-2001],Synthèse dogmatique: de la Trinité à la Trinité, 2. ed., Friburgo: Universitaires/Paris: Beauchesne, 1986:

    Cumpre não “tornar insolúvel a questão das faltas, erros e mesmo omissões cometidos em nome da Igreja. A não ser que se diga que, cada vez que há erro ou falta, não foi a Igreja que agiu; mas isso levaria diretamente à Igreja invisível.” (p. 678)
    […]
    Essa escapatória, além de pressupor e conduzir a essa doutrina protestante, não leva em conta que “…cada vez que [o membro da Igreja] age por conta da Igreja, [ele] se identifica com ela” (p. 682).
    […]
    “Conforme a Escritura, uma diferença fundamental aparece entre o primeiro povo de Deus, Israel, e o novo povo de Deus, a Igreja: Israel é um povo pecador, que se afasta de Deus, retorna a Ele, desperta Sua cólera, obtém Seu perdão… A Igreja mesma jamais é objeto da cólera de Deus, ela não se desvia de Deus: mas os homens podem desviar-se dela.” (p. 688)
    […]
    “a pessoa-Igreja somente existe e age nas pessoas que compõem a Igreja e pelas ações delas.” (p. 695 [contra Maritain])
    […]
    ”Na realidade, a Igreja não é uma pessoa puramente e simplesmente distinta das pessoas que a compõem; seria isso uma abstração. Se ela é santa pessoalmente, ela só pode ser santa em seus membros. Dizer que ela é santa em si mesma e pecadora em seus membros é reduzir a nada sua santidade pessoal.” (p. 696).
    […]
    “Se a Igreja fosse santa objetivamente e não pessoalmente, faltar-lhe-ia a santidade que uma pessoa deve ter na economia da salvação. Pura e simplesmente, ela seria não santa, ou seja pecadora.” (p. 696)
    […]
    Em se tratando de “atos realizados, ao longo da história, pela Igreja como tal, agindo por seus representantes plenipotenciários, em seu nome, por sua autoridade”, observa o Pe. J.-H. Nicolas, O.P., “seria artificial, e finalmente insustentável, pretender que a responsabilidade desses atos não cabe a ela [à Igreja], pois a sua ‘autoridade’ é que foi engajada, e tais atos não teriam existência histórica se não a envolvessem (a Inquisição, por exemplo, não teria sido o que foi, se fosse coisa de indivíduos somente, agindo em nome de coletividades não eclesiais; ou se ela tivesse sido desautorizada pelas autoridades da Igreja, ao passo que foi por elas encorajada).” (p. 700-701).
    […]
    “Os poderes da Igreja são santificantes, não somente porque lhe são dados por Deus em vista da santificação dos homens, mas também porque, no seu exercício, a Igreja é preservada, pela assistência do Espírito Santo, de desviar-se, e de fazer desviar o povo de Deus da santidade verdadeira, o Reino de Deus.” (p. 702)

    Abraços,
    Em JMJ,
    Felipe Coelho

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  32. Caro Leonardo,
    Salve Maria!

    Como disse o Pe Bouchacourt em dos seus últimos editoriais “É praticamente impossível dar uma explicação puramente racional a essa crise, assim como é impossível explicar a Paixão de Cristo. Tocamos um mistério! ” Penso que aquilo que estamos contemplando, esta além das respostas que até agora foram dadas. Trata-se a meu ver da “hora e do poder das trevas” sobre a Igreja, é sua paixão que se desenrola, ou seja, estamos diante de um problema escatológico.

    Quanto a questão da nova Igreja, não acredito que o Pe Calderón pense diferente daquilo que coloquei. Mons. Lefebvre, por exemplo, não pensa diferente. No texto “Onde esta o cisma?”, você poderá ler claramente:

    “Este concílio representa, tanto aos olhos das autoridades romanas como aos nossos, uma nova Igreja à que por outro lado chamam “a Igreja conciliar”. (Onde esta o cisma? Mons. Marcel Lefebvre – Retirado do Livro “La Iglesia Nueva – Mons. Marcel Lefebvre” Editora ICTION, Buenos Aires 1983http://www.fsspx-brasil.com.br/page%2004-3-onde-esta-cisma.htm

    Penso que este texto resolve parte da problemática que você levantou aqui (fora isto, cabe lembrar o discurso em que Dom Lefebvre fala da Roma de sempre e da Roma modernista). Pelo que me lembroÉ fato para FSSPX que existe uma nova Igreja, (repare na fonte do livro) não há como negá-lo, em sua própria argumentação, nem mesmo um Concílio Ecumênico, pode dispensar o exercício formal do magistério, pois isto, é vital a sua existência. Isto está bem dentro do liberalismo moderado, para o qual (segundo Dom Curzio Nitoglia), “Deus é um Rei que reina mas não governa e deixa que o homem tenha praticamente o seu posto de governante, contentando-se – como dizem os deístas – de existir sem ser previdente”. Analogamente, se não existe o exercício formal do magistério, o Papa é um Rei que reina, mas não governa, ele deixa que o Bispo ocupe seu cargo de governante, este por sua vez repassa o cargo ao Padre, que por sua vez o repassa ao leigo e no fim das contas, o que vemos, é o procedimento em prol da maioria (democracia). Isto o próprio Padre Calderón, diz de outra forma:

    “Se houve algo notório no Concílio Vaticano II, foi o giro liberal na atitude da suprema autoridade. O Papa renunciou à sua autoridade em benefício dos bispos; os bispos renunciaram à sua em benefício dos teólogos; os teólogos tinham renunciado à sua ciência para escutar o homem; e a voz do homem – supostamente dotada da infalibilidade do sensus fidei – não era outra senão a publicidade. Este é o procedimento em prol da promoção da maioria.” Apresentação da Candeia debaixo do alqueire – http://www.fsspx-brasil.com.br/page%2005-2-apresentacao-livro-calderon.htm

    Não é possível colocar vinho novo em odres velhos. Leia o texto de Dom Lefebvre (outro texto interessante, é o “Dom Lefebvre fala” – http://www.permanencia.org.br/drupal/node/316), nele ainda poderá ler Dom Lefebvre dizendo que o CVII foi cismático, uma vez que se separou daquilo que deveria constituir sua essência: a tradição.

    Por fim, quanto a Mons. Gherardini, o livro deve ser bem interessante. Parece que ele está aprofundando ao máximo a análise dos dois conceitos de tradição. O desafio com o qual ele inicia o livro, é genial: “não basta afirmar que o Concílio esta em continuidade com a tradição, é necessário demonstrar, e isto, o próprio CVII negligência.” Já fazem anos que os ouvimos falando nesta continuidade e na inerrância dos textos conciliares, sem que isto seja de fato demonstrado. Mons. Guido Pozzo, partindo da premissa desta inerrância, chegou a defender que a Igreja foi vitima de uma ideologia para conciliar. Mas o que fez o magistério para impedir este assalto?

    Fique com Deus.

    Abraço

    Gederson

    P.S.: Leia a Carta Encíclica Summi Pontificatus e compare-a ao Discurso de abertura do Concílio Vaticano II. Lembrando que a Summi Pontificado, foi a primeira Encílica de Pio XII e o programa de seu pontificado. Enquanto que o dicurso de abertura do Concílio, é o seu programa. Você vai encontrar muito mais contradições do que as destacadas abaixo…

    Summi Pontificatus:

    20. A época atual, veneráveis irmãos, acrescentando novos erros aos desvios doutrinais do passado, levou-os a extremos dos quais se não podia originar senão desorientamento e ruína. E antes de tudo, é certo que a raiz profunda e última dos males que deploramos na sociedade moderna é a negação e repulsa de uma norma de moralidade universal, quer na vida individual, quer na vida social e das relações internacionais, isto é, o desconhecimento, tão difundido nos nossos tempos, e o esquecimento da própria lei natural, que tem o seu fundamento em Deus, criador onipotente e Pai de todos, legislador supremo e absoluto, onisciente e justo vingador das ações humanas. Quando se renega Deus, abala-se toda a base de moralidade; sufoca-se ou, pelo menos, debilita-se de muito a voz da natureza, que ensina, até aos iletrados e às tribos ainda alheias à civilização, o que é bem e o que é mal, o que é lícito e o que é ilícito, e faz sentir a responsabilidade das próprias ações perante o Juiz supremo. Carta Encíclica Summi Pontificatus – Pio XII

    Compare com o discurso de abertura do Concílio, realizado por João XXIII:

    2. A Igreja sempre se opôs a estes erros; muitas vezes até os condenou com a maior severidade. Agora, porém, a esposa de Cristo prefere usar mais o remédio da misericórdia do que o da severidade. Julga satisfazer melhor às necessidades de hoje mostrando a validez da sua doutrina do que renovando condenações. Não quer dizer que faltem doutrinas enganadoras, opiniões e conceitos perigosos, contra os quais nos devemos premunir e que temos de dissipar; mas estes estão tão evidentemente em contraste com a reta norma da honestidade, e deram já frutos tão perniciosos, que hoje os homens parecem inclinados a condená-los, em particular os costumes que desprezam a Deus e a sua lei, a confiança excessiva nos progressos da técnica e o bem-estar fundado exclusivamente nas comodidades da vida. Eles se vão convencendo sempre mais de que a dignidade da pessoa humana, o seu aperfeiçoamento e o esforço que exige é coisa da máxima importância. E o que mais importa, a experiência ensinou-lhes que a violência feita aos outros, o poder das armas e o predomínio político não contribuem em nada para a feliz solução dos graves problemas que os atormentam. Discurso de Abertura do Concílio Vaticano II – João XXIII

    Comparada ainda com outro trecho da Summi Pontificatus:

    14. Como vigário daquele que, numa hora decisiva, diante do representante da mais alta autoridade terrena de então, pronunciou a grande palavra: “Nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade; quem está pela verdade, ouve a minha voz” (Jo 18,37), de nada nos sentimos mais devedores ao nosso cargo, e também ao nosso tempo, como de, com apostólica firmeza, “dar testemunho da verdade”. Este dever implica necessariamente a exposição e a refutação dos erros e das culpas humanas que devem ser conhecidas para que se torne possível a cura: “conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres” (Jo 8,32). No cumprimento deste nosso dever, não nos deixaremos influenciar por considerações terrenas, nem nos deteremos diante de difidências e contrastes, de recusas e incompreensões, nem diante do temor de desprezos e falsas interpretações.Animar-nos-á sempre aquela paternal caridade que, enquanto sofre pelos males que afligem seus filhos, não deixará de indicar-lhes o remédio, esforçando-nos por imitar o divino modelo dos Pastores, o Bom Pastor Jesus Cristo que é, a um tempo, luz e amor: “Seguindo a verdade com amor” (Ef 4,15).

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  33. Salve Maria, Felipe!

    Eu diria que você não me parece mais cuidadoso agora do que em seus tempos de Montfort ao emitir juízos. Este último foi feito com um pouco mais de prudência, admito, pois que me pede uma eventual correção, mas isso era de se esperar depois daquele equívoco do qual lhe perdoei. Em todo caso, sinto lhe dizer que você exagera novamente e vou lhe explicar o porquê.

    De uma maneira geral, digo que não me baseio em pseudo-dogmas em minha argumentação. É uma impressão sua que pretendo desfazer ao analisar especificamente as três idéias que você me imputa.

    – Primeiro pseudo-dogma: “acordo da FSSPX com Roma” = mui-to bo-om!

    Ora, Felipe, você seria poupado desse equívoco se lesse com maior atenção meu primeiro comentário a este post, no qual levantei o problema da idéia de “Igreja Conciliar”. Repetirei um trecho aqui com um destaque:

    “A questão da ‘regularização’ da FSSPX obviamente requer toda a prudência por parte dos envolvidos. O ‘terceiro ponto’ seria a principal razão, a meu ver, de um ‘sim’ da FSSPX, mas é certo que não se pode esquecer o que aconteceu com certos institutos, como o de Campos, muito menos o problema doutrinal que está na raiz de toda a crise da Igreja. É, sem dúvida, uma questão delicada.

    Só não posso concordar com a idéia de que há uma nova Igreja em Roma, uma ‘Igreja conciliar’, pois isso na prática reduz a Igreja à FSSPX e coloca o Papa e a Hierarquia fora dela, uma vez que não vejo como se pode pertencer ao mesmo tempo à Igreja Católica e a uma outra. Pode haver motivos justos para um ‘não’ , mas este certamente não está entre eles.”

    Logo, sua acusação nesse ponto não tem o menor cabimento. Obviamente, você considera o acordo em questão “mui-to ruim” em qualquer hipótese, mas nem por isso lhe acuso de fazer de tal posição um “dogma”. Trata-se, simplesmente, de uma conseqüência lógica do seu sedevacantismo. E isso me leva a tratar do próximo ponto.

    – Segundo pseudo-dogma: “sedevacantismo” = péssimo

    É péssimo, mesmo. Mas se assim penso, não é por dogmatismos infundados, mas pelo mesmo motivo de sua posição em relação a um eventual acordo FSSPX-Roma, ou seja, o sedevacantismo é péssimo à medida que eu o considero uma falsa solução (se é que podemos assim chamá-lo) para a atual crise da Igreja e que tem por grave conseqüência a falta da devida reverência a alguém que é o verdadeiro vigário de Cristo. Minha posição decorre logicamente de minha adesão à tese do Pe. Calderón e também, não nego, de certa influência do prof. Orlando Fedeli, que Deus o tenha. Mas sem “dogmatismos”. Sobre dita influência, tratarei dela mais adiante ainda neste texto.

    – Terceiro [provável] pseudo-dogma: “Dom Williamson” = inimigo público número um, causa principal, senão única, da não solução da crise atual!

    Tolice, Felipe! Não vou lhe dizer que “morro de amores” por D. Williamson. Não me agradam certas coisas que ele diz, ou faz, ou escreve, como aquele artigo que aqui citei. Mas, para que essa sua má impressão se desfaça, digo-lhe que tive, numa discussão privada, a ocasião de criticar o Papa Bento XVI por conta de sua posição em relação ao levantamento da excomunhão de D. Williamson, pelo menos de acordo com aquele péssimo livro de Peter Seewald que tanta celeuma causou este ano. Creio que este fato seja suficiente. Por outro lado, também não vejo no Papa Bento XVI o “inimigo público número um”. O grande inimigo a ser combatido e vencido é o próprio Satanás.

    Ademais, você deve ter sempre em mente que certas coisas que escrevo podem ter um destinatário específico. Muito do que escrevi nessa discussão estava direcionado ao Gederson, com o qual procurei estabelecer certas bases comuns, em especial, a veracidade tese do Pe. Calderón e a conseqüente falsidade do sedevacantismo. E não faz sentido levantar questionamentos sobre bases comuns. Elas são simplesmente pressupostas. É de tal confusão que derivou aquela sua acusação de que eu citava A Candeia… “como quem cita o Corão”. Se eu estivesse discutindo sobre o mesmo assunto com alguém da Montfort, por exemplo, eu me apoiaria na mesma tese — por considerá-la correta — mas não da mesma maneira.

    Assim, uma vez que não me apóio em nenhum pseudo-dogma para argumentar, sua outra crítica à minha pessoa também cai por terra: “Criticar a tudo e a todos, fundando-se na certeza inconcussa de ‘dogmas’ proclamados no quintal, mas sem propor nada de coerente em lugar daquilo que se critica”. Eu não faço isso. E se eventualmente não proponho nada de coerente em minhas críticas, isso se deve ao simples fato de que sou suscetível a falhas em meus argumentos e não por querer induzir ninguém a um erro que acho ser a verdade e “pronto”. Não sou infalível. Justamente por ter consciência disso, prefiro entabular certas discussões em privado, ao invés de “disparar a metralhadora” na internet. Aliás, diga-se de passagem, ter citado o nome que claramente preferi omitir por discrição aqui foi muito indelicado de sua parte.

    Em todo caso, não posso deixar de lhe agradecer pelas citações que me serão úteis para a elaboração da tréplica à qual me referi. Seria preciso estudar com mais atenção o que está dito aí, mas elas bem que poderiam virar uma série de objeções de uma disputatio na qual em contrário diria o Pe. Calderón: “Uma ação materialmente dada pela Hierarquia eclesiástica, cuja obra imediata e todas as suas derivações são más em sua substância, não pode pertencer formalmente à Santa Igreja” (cf. A Candeia, p. 261 da edição brasileira). Arrisco dizer que esta distinção entre matéria e forma nos atos da Igreja/Hierarquia seja a solução para o problema suscitado.

    Por fim, concluo relatando uma impressão pessoal que pode muito bem estar equivocada. Parece-me que na raiz de todas essas suas últimas críticas dirigidas a mim está a constatação da influência do Prof. Fedeli em meu pensamento. Pelo visto, tal constatação lhe perturbou de tal modo que nem viu o quão absurdo era o que estava escrevendo, especialmente em relação ao “primeiro pseudo-dogma”. Diria que certas paixões lhe ofuscaram a razão. Se eu estiver enganado quanto a isso, peço perdão, de antemão.

    Tendo atendido seu pedido de ser corrigido em caso de novo equívoco, despeço-me, por agora.

    Em Cristo,
    Leonardo Brum

    P.S.: Não estou esquecido de sua objeção à tese do Pe. Calderón. Peço-lhe apenas um tanto de tempo para dar uma resposta.

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  34. Prezado Gederson, Salve Maria!

    Receio que estejamos andando em círculos nesta nossa discussão. Porém, este interessante texto de D. Lefebvre que você indicou pode nos trazer luzes para uma melhor compreensão da questão. O texto não soluciona o problema em pauta aqui, mas, pelo contrário, o levanta. Diria que D. Lefebvre chegou numa espécie de aporia teológica: por um lado o Concílio se apresenta como um ato cismático no qual tomou parte boa parte da Hierarquia da Igreja, inclusive o Papa. Por outro, a Hierarquia e o Papado permanecem legítimos. Como isso é possível? D. Lefebvre deixa então o problema “aos teólogos e aos historiadores”, limitando-se a prosseguir com sua resistência (não o estou criticando por isso). O que venho tentando dizer é que você, caro Gederson, parece não ter se dado conta da aporia, de modo a sustentar as duas sentenças confitantes ao mesmo tempo. Não vejo como pode ser possível um membro da Igreja Católica ser ao mesmo tempo membro de outra igreja [real], ainda mais quando este membro é a própria cabeça visível da Igreja. D. Lefebvre deixou a solução para os teólogos e quem finalmente resolveu a aporia foi o Pe. Calderón. E ele não fala em cisma por parte da Hierarquia.

    Aproveito uma das citações deixadas por Felipe. Se “Na realidade, a Igreja [Católica] não é uma pessoa puramente e simplesmente distinta das pessoas que a compõem; seria isso uma abstração”, o mesmo não se pode dizer da chamada “Igreja Conciliar”. Esta última sim, é uma abstração que se distingue pura e simplesmente das pessoas que a “compõem” pelo fato de que estas mesmas pessoas constituem a Hierarquia da verdadeira Igreja. Conceder-lhe existência real, insisto, é temerário.

    Em Cristo,
    Leonardo Brum

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  35. Caro Leonardo Brum,
    Salve Maria!

    Também acredito que estamos andando em círculos. Nossa conversa partiu do princípio da existência de uma Igreja Conciliar e de sua não existência pela sua parte. Dentro disto, afirmei que a partir do momento que se adota um novo conceito de tradição, tem se uma nova religião e aquilo que pode ser chamado de uma “nova Igreja”, a Igreja Conciliar. Então citei o então Cardeal Ratzinger, falando acerca da substituição do conceito de tradição. Você disse que isto não passaria de aparência, então, citei Mons. Gherardini, que em sua obra vem demonstrando que existe de fato dois conceitos de tradição diversos. Assim, o primeiro problema de que tratamos, é a existência ou não de uma “Igreja Conciliar”. Dom Lefebvre para a aporia teológica que você colocou, parte do princípio da existência desta “Igreja Conciliar”. Para ele o problema não era a existência ou não desta Igreja, mas sim a presidência do Papa, sobre duas Igrejas, onde uma lutava mortalmente contra a outra (Paulo VI, falou da autodemolição da Igreja, na Alocução “Livrai nos do mal”). Neste sentido, tem se de fato um outro problema, para o qual a resposta não é apenas, a contradição ou o sedevacantismo. Dom Lefebvre, por exemplo, preferiu suspender seu juízo, por adentrar em uma matéria, para a qual o magistério da Igreja, não deu resposta definitiva. Para o problema, da existência de uma “Igreja Conciliar” (uma nova religião), recomendo-lhe a leitura dos textos:

    The post-conciliar church… A new religion?
    http://www.sspx.org/catholic_faqs/post-conciliar_church_a_new_religion.htm

    Un papa per due chiese?

    Clique para acessar o Nova_et_Vetera0009.pdf

    Por fim, cito Dom Williamson, no próprio texto que você colocou aqui:

    “Depois que, há três semanas (CE 195, 09 de abril), eu disse que a “beatificação” de amanhã de João Paulo II fará dele apenas um Neo-Beato da Neo-Igreja, me perguntaram, com alguma razão, se eu era um desses “sedevacantistas”. Afinal, se eu abertamente declaro que Bento XVI é um Neo-Papa, como posso ainda acreditar nele como sendo um verdadeiro Papa? Na verdade, eu creio que ele seja, ao mesmo tempo, Neo-Papa da Igreja Conciliar e verdadeiro Papa da Igreja Católica, porque os dois ainda não excluem completamente um ao outro, então eu não sou o que é classificado como um sedevacantista. Eis a primeira parte do meu raciocínio:

    Por um lado, eu considero que Bento XVI é um Papa válido, porque foi validamente eleito como Bispo de Roma pelos párocos de Roma, isto é pelos Cardeais, no conclave de 2005, e se, por algum defeito oculto, a eleição em si não fosse válida, foi convalidada, como ensina a Igreja, por ele ter sido posteriormente aceito como Papa pela Igreja do mundo todo. De modo que, em relação a Bento XVI, eu que quero demonstrar todo o respeito, reverência e apoio devidos ao Vigário de Cristo.

    Por outro lado, é óbvio, pelas palavras e atos do Pontífice, que ele é um Papa “Conciliar” e chefe da Igreja Conciliar. Coisa simples de observar a partir das duas mais recentes evidências: a neo-beatificação de amanhã de João Paulo II, um grande promotor do Vaticano II, e a próxima comemoração, em outubro, do desastroso evento de Assis de 1986 de João Paulo II, que violou o Primeiro Mandamento de Deus, em nome do ecumenismo conciliar do homem. Enquanto este Mandamento exclui todas as falsas religiões (Deut. V, 7-9), o Vaticano II praticamente as abraça todas (Unitatis Redintegratio, Nostra Aetate). Então, para além de ser o Vigário de Cristo, eu acredito que Bento XVI também esteja traindo a sua sagrada função de confirmar os seus irmãos na Fé (Lc XXII, 32), de tal forma que, enquanto eu quero respeitá-lo devidamente como Pedro, eu digo também que não posso segui-lo ou obedecê-lo (Atos V, 29) quando ele não se comporta como Pedro. Era esta a distinção que fazia Dom Lefebvre”. Verdadeiro Papa? I – Dom Richard Williamson – http://www.fsspx.com.br/exe2/?p=2011

    Fique com Deus.

    Abraço

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  36. Prezado Gederson, Salve Maria!

    Agradeço os textos que me recomenda. Procurarei lê-los assim que possível, embora não conheça bem o idioma italiano. Em todo caso, gostaria de advertir que há um ponto em minha argumentação que você ainda não compreendeu. Você escreve:

    “Então citei o então Cardeal Ratzinger, falando acerca da substituição do conceito de tradição. Você disse que isto não passaria de aparência(…)”

    Insisto: não é a adoção deste novo conceito que é aparente. A “hemenêuntica da ruptura” é a única possível, concordo. O que qualifiquei como aparente não foi isso e sim a atuação das pessoas morais do papa e dos bispos na adoção desses conceitos e nos atos correlatos, embora as pessoas físicas sejam as mesmas. Toda autodemolição foi promovida por membros da Hierarquia, claro, mas é preciso distinguir que pessoas morais estão atuando. Segundo o Pe. Calderón, deve-se atribuir tais atos ao Papa e aos bispos enquanto teólogos privados.

    Como eu disse em outro comentário, D. Williamson alega que as duas Igrejas não se excluem mutuamente, mas não de modo convincente. Não vislumbro nada na sã teologia que sustente a tese de que alguém possa pertencer a duas Igrejas ao mesmo tempo, sendo que uma delas é a verdadeira. Em suma, como se pode aderir a uma falsa igreja sem excluir-se da verdadeira? Em todo caso, procurarei ler os textos que me mandou para ver se há neles alguma explicação plausível para algo que aos meus olhos continua sendo uma aporia.

    Encerro minha participação por aqui. Grato pela atenção.

    Em Cristo,
    Leonardo Brum

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