Eles proporcionam beleza, sacralidade e elevação das almas nas celebrações litúrgicas.

Com suas vozes bem treinadas e dedicação a toda prova, os cantores gregorianos são aliados eficazes na criação de uma atmosfera propícia à contemplação dos Sagrados Mistérios. Em entrevista exclusiva ao Fratres in Unum, quatro deles nos falam sobre a importância do canto gregoriano na Santa Missa.

Coral Gregoriano cantando na Vigília Pascal de 2012 na igreja Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé. Créditos ao blogue Sentinela Católico.
Coral Gregoriano cantando na Vigília Pascal de 2012 na igreja Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé. Créditos ao blogue Sentinela Católico.

O Dr. Pedro Paulo Lima Ribeiro é médico especializado em neuropediatria, casado, pai de um filho e residente no bairro da Tijuca, RJ. Atualmente, ele coordena os corais das missas tradicionais celebradas na igreja Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé, no Rio de Janeiro, e Nossa Senhora Aparecida, em São Gonçalo, além de cantar em diversas celebrações especiais em igrejas dos municípios do Rio de Janeiro, São Gonçalo e Niterói.

Fabiano Rollim é casado, pai de 3 filhos e atua como empresário na área de consultoria e treinamento em gerenciamento de projetos. O simpático niteroiense é presença certa aos domingos no coro da igreja dos Sagrados Corações, na Ponta da Areia, Niterói, bem como nos primeiros sábados do mês na Igreja Nossa Senhora Aparecida, em São Gonçalo, e em diversas outras ocasiões e lugares.

O Dr. Fernando Reis de Souza, 34 anos, é médico cardiologista e compõe o coral gregoriano da Igreja Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé, Rio, e Nossa Senhora Aparecida, em São Gonçalo, além de atuar com os demais cantores desta entrevista em outros lugares, quando necessário.

De poucas palavras e olhar atento, João Ricardo Carlson, que também participou de nossa entrevista, reside na cidade do Rio de Janeiro e canta com os demais cantores, sobretudo no Rio de Janeiro e São Gonçalo.

Nossa admiração e apreço a esses humildes servos da liturgia.

* * *

Qual é a importância do Canto Gregoriano na Santa Missa?

Pedro Paulo – O Canto Gregoriano é o canto católico romano por excelência, isto é o Canto da Igreja Latina. Há também outros cantos litúrgicos que se desenvolveram em determinadas dioceses tais como o Canto Ambrosiano, na diocese de Milão, ainda cantado, e o Canto Hispânico ou Mozárabe, ainda em uso na Catedral de Toledo. O canto gregoriano se desenvolveu a partir da Basílica Vaticana e ganhou maior notoriedade porque Carlos Magno o difundiu por todo o Império.

O repertório do Canto Gregoriano pode ser dividido entre o Canto da Missa e Canto do Ofício Divino (Matinas, Laudes, Prima, Terça, Sexta, Noa, Vésperas e Completas).

No que tange aos cantos da Missa, podemos também dividir as peças entre aquelas que cabem ao Celebrante e ministros (diácono e subdiácono), ao coro (Schola Cantorum) e aos fiéis.

Ao celebrante cabem as entoações do Glória e Credo, as orações (Coleta e Postcommunio), já que a Secreta não é cantada, mas dita submissa voce, daí o seu nome, além da Epístola, Evangelho, Prefácio, Pater Noster e Ite Missa est.

À Schola cabem as peças do Próprio da Missa e do Ordinário. Entende-se como próprio da Missa as peças que variam a cada Missa. Ex. Introito Ad te levavi do 1° Domingo do Advento, ofertório Ave Maria do 4° Domingo do Advento, etc.

As peças do Próprio são: Intróito, Gradual, Alleluia, Ofertório e Comunhão. Nos tempos da Septuagésima, Quaresma e Paixão, canta-se o Tracto no lugar do Alleluia e no Tempo Pascal, no lugar do Gradual, canta-se um outro Alleluia. As peças do próprio dão a cada Missa uma identidade que a diferencia da Missa de outro Domingo ou Festa. Aliás, os Domingos são conhecidos pelas primeiras palavras do Intróito, ex. Domingo Gaudete (3° Advento), Laetare (4° Quaresma), Quasimodo ( Domingo “in albis”).

As peças do próprio, por sua maior dificuldade, são atribuídas à Schola.

As peças do ordinário são aquelas que não variam, a saber: as antífonas da aspersão de água benta aos Domingos (Asperges e Vidi aquam), Kyrie, Glória, Credo, Sanctus e Agnus Dei). Os fiéis em geral podem cantar estas peças alternando com os cantores.

Após estas explicações iniciais, percebemos que a música sacra é coisa muito séria e não pode ser improvisada. A música sacra, que se desenvolveu ao longo dos séculos, sempre se distinguiu da música profana. Não tem cabimento o uso de ritmos de dança na Liturgia. Também não tem sentido cantar uma peça sacra que não seja adequada ao tempo litúrgico.

Além do canto gregoriano, também foram escritas peças polifônicas, principalmente do Ordinário da Missa.

Quando ouvimos uma Missa de Palestrina, Victória ou Haydn, trata-se do Ordinário da Missa. Palestrina também musicou todos os ofertórios. Sugiro que ouçam o Ascendit Deus e Super flumina Babylonis.

Concluímos que a Santa Igreja é detentora de um patrimônio musical de valor incalculável que, em grande parte, foi inspirado no Gregoriano.

O Canto Gregoriano permite-nos realmente cantar a Missa e não cantar na Missa.

O que é necessário para formar um coral gregoriano em uma paróquia?

Pedro Paulo – Em primeiro lugar é preciso comprometer-se com a causa. Reunir pelo menos duas a três pessoas. Algum conhecimento de leitura musical é desejável, porém, não obrigatório. O mais importante é ser musical e “ter bom ouvido”. Os livros litúrgicos podem ser “baixados” na internet, entretanto ter o livro é muito importante, folheá-lo sempre para saber onde estão as peças. A internet também oferece uma gama de gravações muito Unix para o aprendizado. Aliás, cantar de ouvido não é desdouro, pois originalmente estas músicas eram aprendidas de ouvido. Só mais tarde surgiram os primeiros manuscritos. Para os que iniciam, começar pelo ordinário, pelas peças mais simples.

Uma condição importantíssima: o Padre ser católico!

É preciso fazer algum curso especializado para ingressar em um coral gregoriano?

Pedro Paulo – Não. O mais importante é ser musical. A teoria vai sendo explicada paulatinamente. Recomendo um livro, atualmente somente encontrado em sebos. Autor: Dom Eugene Cardine. Primeiro ano de Canto gregoriano e Semiologia gregoriana.

Quando e com que frequência normalmente vocês ensaiam?

Pedro Paulo – Atualmente os ensaios são na minha casa, Tijuca, todas as quartas feiras, das 19h às 21:30h.  O ideal seria numa igreja ou salão paroquial.

Na sua opinião, quais são as peças mais difíceis de serem cantadas na missa?

Pedro Paulo – De modo geral, as peças do Ordinário são mais fáceis que as do Próprio, entretanto, há Kyries e Glorias bem difíceis. Entre as peças do próprio, as mais difíceis são os cantos interlecionais, isto é Graduais, Tractos e Alleluias. Há também ofertórios bem difíceis. Os Intróitos e as Antífonas da Comunhão são mais simples.

Na minha opinião, uma das peças mais difíceis é o Responsório Collegerunt pontifices, do Domingo de Ramos.

Palestrina – Super flumina Babylonis

Que livros próprios os cantores gregorianos utilizam para cantar nas missas?

Fabiano Rollim – O livro padrão para quem canta gregoriano nas Missas no Rito de São Pio V (Forma Extraordinária) é o Liber Usualis. Nele encontramos as peças gregorianas a serem cantadas em todas as Missas do ano litúrgico de acordo com o calendário antigo (antes da reforma pós-conciliar), além de conter os cantos gregorianos para as horas canônicas do Ofício Divino (substituído, após a reforma litúrgica, pela Liturgia das Horas).

O Liber Usualis pode ser adquirido pela internet, mas apenas vindo do exterior. Outra opção é procurá-lo em sebos. Nesse sentido, o site http://www.estantevirtual.com.br/ é uma boa ferramenta de busca.

Entretanto, não encontrar um Liber Usualis original não é motivo para não conhecer essa riqueza da Igreja. Na internet pode-se fazer download do Liber Usualis em pdf (http://www.musicasacra.com/pdf/liberusualis.pdf) ou acessar diretamente as partituras e gravações de áudio em sites especializados, como o http://www.renegoupil.org/ e o http://antoinedanielmass.org/kyriale/.

Para as Missas na Forma Ordinária (Missal de Paulo VI), a referência é o Graduale Romanum de 1974. Não conheço um local na internet de onde se possa baixá-lo, mas existe uma tabela com a lista de todos cantos gregorianos próprios para as Missas na Forma Ordinária, disponível em http://musicasacra.com/pdf/propers1974.pdf. De posse dessa tabela, é possível encontrar os cantos no antigo Liber Usualis.

Qual é a diferença entre Canto Gregoriano e o Canto Polifônico?

Fabiano Rollim – A principalmente diferença está expressa no próprio nome “polifonia”, literalmente “muitos sons”. Enquanto no canto gregoriano todos os membros do coro cantam em uníssono, isto é, a mesma melodia a uma só voz, no canto polifônico existem várias melodias devidamente intercaladas durante a execução da peça. O número de melodias ou “vozes” presentes em um canto polifônico pode variar.

Conte-nos sobre algum fato pitoresco já ocorrido em alguma de suas apresentações.

Fabiano Rollim – Não fazemos propriamente “apresentações”, mas trata-se de um serviço litúrgico, isto é, o canto na Missa. Lembro-me de certos comentários que ouvi após algumas Missas, vindos de pessoas que não estavam acostumadas a ouvir o canto gregoriano. Um amigo de longa data, após participar de sua primeira Missa com canto gregoriano comentou: “puxa, conseguimos até rezar nessa Missa!” Outro comentário foi de uma mãe que observou sua pequena filha que, sempre inquieta e agitada nas Missas dominicais, permaneceu “estranhamente” em silêncio durante toda a Missa onde o coral cantou cantos gregorianos e polifônicos. Esses são apenas dois exemplos de reações típicas que observamos entre fiéis católicos ao tomarem contato com essa riqueza litúrgica da Igreja.

Fernando Reis de Souza – Eu canto gregoriano há pouco tempo, apenas há um ano e meio, desde que começou a ser rezada a Missa Tradicional na Antiga Sé, ou seja, ainda tenho pouca história pra contar.

Tem sido interessante notar a diferença entre a acústica das diferentes Igrejas onde cantamos. E, mesmo dentro da Antiga Sé, há grande diferença acústica dependendo de onde se posiciona o coro. Certo domingo, ao ouvir o Mons. José de Matos entoar o Prefácio, percebemos, chamados a atenção pelo Pedro Paulo, uma voz feminina, muito aguda, afinadíssima, cantando junto com o padre, com uma precisão tal que parecia ter ensaiado previamente. Ficamos intrigados… Quem seria a tal soprano tão afinada?! Após a Missa perguntamos ao padre, mas ele nada ouvira. Após várias Missas ouvindo o mesmo fenômeno, chegamos à conclusão que seriam os harmônicos formados pela acústica da Igreja que causam esta impressão, audível apenas do coro.

E depois dizem que a Igreja católica não canta!

Que instrumentos musicais podem e devem ser admitidos para acompanhar os cantores gregorianos?

Fabiano Rollim – Originalmente o canto gregoriano era cantado à capela, isto é, sem acompanhamento de instrumentos. Todavia, o órgão, e apenas ele, pode ser admitido para acompanhar o canto gregoriano.

No canto gregoriano não há ritmo. A pronúncia das palavras e versos é que dá o sentido de andamento ao canto. Esse já seria um motivo para inviabilizar o acompanhamento por instrumentos que tenham caráter rítmico, como, por exemplo, o violão. O órgão também pode ser tocado com ritmo, é claro, mas a característica desse instrumento permite um tipo de acompanhamento que privilegie a melodia, sem marcação de ritmo.

Dentre as peças até hoje selecionadas para cantar nas missas, qual ou quais lhe causam mais comoção e por quê?

Os cantores Fabiano Rollim, Pedro Paulo e Ricardo Carlson ao lado do reverendíssimo padre Anderson Batista da Silva, um grande incentivador do Canto Gregoriano em sua paróquia.
Os cantores Fabiano Rollim, Pedro Paulo e Ricardo Carlson ao lado do reverendíssimo padre Anderson Batista da Silva, um grande incentivador do Canto Gregoriano em sua paróquia.

Fabiano Rollim – Uma peça que me marcou profundamente pela beleza e dificuldade inicial de aprendizado foi o canto de ofertório Jubilate Deo, cantado nas Missas do II Domingo após a Epifania e do IV Domingo após a Páscoa.

Essa peça manifesta uma sublime sintonia, por assim dizer, entre uma letra que expressa o louvor de toda a criação a seu único Deus e Senhor e a melodia que simplesmente nos arrebata à presença dEle.

Mas eu poderia dar-lhe uma lista de peças encantadoras como o Ave Verum, Adoro Te Devote, Intróitos como os da Missa da Ascensão do Senhor (Viri Galilei), do Natal (Puer Natus) e do IV Domingo da Quaresma (Lætare Jerusalem), além de diversos Alleluias e Graduais belíssimos.

Em que a experiência de cantar em um Coral Gregoriano afetou a sua visão da liturgia católica?

Fernando Reis de Souza – Não há outro motivo para essa dedicação que temos, senão por amor à liturgia. Eu ainda me considero um novato, não só no canto gregoriano, como também na liturgia tradicional. Eu havia assistido a Missa Tradicional apenas duas vezes em Niterói, antes de se iniciarem na Antiga Sé. Eu já cantava há mais de 15 anos nas Missas da minha paróquia de origem (liturgia de Paulo VI – paróquia de São Francisco de Paula, na Barra da Tijuca). Mas quando assisti a Missa Tradicional com canto gregoriano, pensei: “acho que devo cantar com eles”. Então, o interesse pelo canto gregoriano e a liturgia caminham juntos. Ao mesmo tempo que leio sobre canto gregoriano, estudo técnica vocal e estudo as partituras com uma espécie de “arqueologia musical” (com a ajuda imprescindível do Pedro Paulo), também leio livros e artigos sobre liturgia, dado o grande interesse que nos desperta esta íntima relação do canto com a liturgia.

Outro fato interessante tem sido a experiência de cantar gregoriano entremeado com polifonias na “Missa nova” (de Paulo VI), mas rezada de forma realmente digna pelo Pe. Anderson na Paróquia de Nossa Senhora Aparecida (Patronato, São Gonçalo). Só então pude ver como na liturgia pós-conciliar a maior ou menor dignidade empreendida na Missa fica “nas mãos” do padre que a reza, dependendo deste e da “equipe litúrgica” (comentarista, leitores e, sobretudo, os músicos), o que não acontece na Missa tradicional, que não permite muitas interferências do padre.

Fale-nos da sua percepção da liturgia como membro de um Coral Gregoriano.

João Ricardo Carlson – O canto ajuda a perceber a liturgia como um todo unitário em que tudo está voltado para Deus, numa relação de comunhão, onde nos oferecemos a Ele e Ele se dá a nós.

O canto gregoriano permite no mínimo, vislumbrar alguns dos estados místicos mencionados, por exemplo, por Santa Teresa de Ávila. É como já se disse várias vezes, um antegozo do céu.

* * *

Gaudete in Domino

Nota: A pedido do Monsenhor José de Mattos, Administração Apostólica São João Maria Vianey, os cantores gregorianos do Rio de Janeiro oferecem um pequeno ensaio de dez minutos ao final das missas dominicais das 9h, no Salão Paroquial da Antiga Sé. O ensaio é aberto a todos os fiéis e dirigido pelo Dr. Pedro Paulo L. Ribeiro.

2 comentários sobre “Eles proporcionam beleza, sacralidade e elevação das almas nas celebrações litúrgicas.

  1. Caríssimos, salve Maria!

    Este assunto é de estrema importância, gostaria de compartilhar algumas fontes de estudos e documentos que podem formar e instruir novos grupos. Em especial sito a Instrução da Sagrada Congregação dos Ritos Sobre a Musica Sacra e a Sagrada Liturgia dado em Roma, sede da Sagrada Congregação dos ritos no dia da festa de São Pio X, 3 de setembro de 1958. Segue o link desde e a referencia dos documentos.

    Documento: Instrução sobre a musica sacra e a sagrada liturgia.
    https://www.4shared.com/office/I_fCVtbT/Instruo_musica_sacra.html

    venerável Pio XII http://www.vatican.va/holy_father/pius_xii/encyclicals/documents/hf_p-xii_enc_20111947_mediator-dei_po.html

    DIVINI CULTUS SANCTITATEM de 1928 adverte os organistas contra “a presunção da música moderna”. Indica a música Gregoriana como o ideal para a liturgia sob o ponto de vista da beleza http://www.vatican.va/holy_father//pius_xi/apost_constitutions/documents/hf_p-xi_apc_19281220_divini-cultus-sanctitatem_lt.html Segue este em anexo e portugues.

    musicae-sacrae:
    http://www.vaticanva/holy_father/pius_xii/encyclicals/documents/hf_p-xii_enc_25121955_musicae-sacrae_po.html

    Musicam sacram
    Instrução da Sagrada Congregação dos Ritos
    (EDREL nn. 2395 – 2463)

    Musicae Sacrae Disciplina
    encíclica do Papa Pio XII sobre a música sacra

    INSTRUÇÃO GERAL DO MISSAL ROMANO
    (EXTRACTOS)

    LITURGIA E MúSICA SACRA
    Conferência do Card. Ratzinger
    na abertura do VIII Congresso de Música Sacra

    Tra le sollecitudini
    Motu Proprio do Papa Pio X
    sobre a restauração da música sacra

    Parabéns aos cantores e ao reverendíssimo padre Anderson Batista da Silva,

    A Deus honra e gloria.

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