“Devolução” doutrinal às conferências episcopais? Francisco já endossava essa ideia em 2013.

Por Rorate-Caeli | Tradução: Teresa Maria Freixinho – FratresInUnum.com – Em meio a toda discussão de alguns delegados sinodais e porta-vozes acerca da “devolução” ou “delegação” de questões morais importantes para as conferências episcopais, bem como as críticas de pouquíssimos Padres Sinodais e comentaristas católicos contra essa ideia, há o proverbial “elefante na sala” que ninguém quer mencionar. Estamos falando do fato de que o Papa Francisco já endossava a ideia de “devolução” ou “delegação” da autoridade doutrinal nos números 32-33 da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, a verdadeira concepção de todo o seu pontificado (nossos grifos):

  1. Dado que sou chamado a viver aquilo que peço aos outros, devo pensar também numa conversão do papado. Compete-me, como Bispo de Roma, permanecer aberto às sugestões tendentes a um exercício do meu ministério que o torne mais fiel ao significado que Jesus Cristo pretendeu dar-lhe e às necessidades atuais da evangelização. O Papa João Paulo II pediu que o ajudassem a encontrar «uma forma de exercício do primado que, sem renunciar de modo algum ao que é essencial da sua missão, se abra a uma situação nova». Pouco temos avançado neste sentido. Também o papado e as estruturas centrais da Igreja universal precisam de ouvir este apelo a uma conversão pastoral. O Concílio Vaticano II afirmou que, à semelhança das antigas Igrejas patriarcais, as conferências episcopais podem «aportar uma contribuição múltipla e fecunda, para que o sentimento colegial leve a aplicações concretas». Mas este desejo não se realizou plenamente, porque ainda não foi suficientemente explicitado um estatuto das conferências episcopais que as considere como sujeitos de atribuições concretas, incluindo alguma autêntica autoridade doutrinal. Uma centralização excessiva, em vez de ajudar, complica a vida da Igreja e a sua dinâmica missionária.

  1. A pastoral em chave missionária exige o abandono deste cômodo critério pastoral: «fez-se sempre assim». Convido todos a serem ousados e criativos nesta tarefa de repensar os objetivos, as estruturas, o estilo e os métodos evangelizadores das respectivas comunidades. Uma identificação dos fins, sem uma condigna busca comunitária dos meios para os alcançar, está condenada a traduzir-se em mera fantasia. A todos exorto a aplicarem, com generosidade e coragem, as orientações deste documento, sem impedimentos nem receios. Importante é não caminhar sozinho, mas ter sempre em conta os irmãos e, de modo especial, a guia dos Bispos, num discernimento pastoral sábio e realista.

Quando a Evangelii Gaudium foi publicada, em novembro de 2013, nós do Rorate imediatamente percebemos a importância crucial desse trecho, motivo pelo qual o realçamos. A realidade é que toda a conversa sobre “conspirações” e “lograr um objetivo de qualquer maneira” neste pontificado, Francisco e seus conselheiros próximos (Cardeal Maradiaga e Arcebispo Tucho Fernandez em particular) foram bem claros sobre suas intenções acerca de uma mudança “profunda, total e irreversível” na Igreja. Esse trecho da EG não poderia ser mais claro sobre a direção para onde Francisco deseja que a Igreja caminhe.

Se alguma vez uma medida de autoridade doutrinal tivesse que ser remetida às conferências episcopais, então, Roma se depararia com uma batalha interminável para regular, restringir ou recobrar essa autoridade. O dano à autoridade papal e o caos que se espalharia em toda a Igreja universal são muito terríveis para a nossa imaginação. Se estivéssemos falando das Igrejas locais profundamente enraizadas na Tradição e ciosas em guardar sua antiga herança teológica, litúrgica e canônica, então, haveria bem menos inquietação (embora a ideia de “devolução” doutrinal ainda seria completamente inaceitável do ponto de vista católico). Infelizmente, um senso genuíno de Tradição desapareceu em grande medida em nossa Igreja, e qualquer “devolução” de “autoridade doutrinal” muito certamente resultará em numerosas hierarquias se apressando cada vez mais para serem guiadas pelo espírito do mundo.

É o cúmulo da ironia que apologistas e comentaristas católicos continuem omissos em vista desse ataque óbvio à autoridade da Sé Apostólica e à unidade da Igreja universal, devido precisamente ao seu sentido equivocado de “lealdade” ao papado e ao desejo de promover a “unidade” (frequentemente entendido que as críticas deveriam ser sufocadas e que todo mundo deveria fingir que está tudo bem).

2 comentários sobre ““Devolução” doutrinal às conferências episcopais? Francisco já endossava essa ideia em 2013.

  1. Tratei dessa preocupação, chegando incluisve a mencionar a Evangelium Gaudium, na entrevista que fiz no começo do ano com Dom Damasceno. Ver: https://fratresinunum.com/2015/03/06/igreja-e-sociedade-atual-segundo-dom-damasceno/

    Hermes Rodrigues Nery – O sr. como presidente da CNBB pode nos fazer somente mais uma colocação que é a seguinte: a Evangelii Gaudium que o sr. citou agora há pouco, traz uma questão, que é a discussão sobre a reforma da cúria romana, que traz em uma de suas partes o aceno à possibilidade de dar autoridade doutrinal para as conferências episcopais. Como o sr. vê este processo da reforma da cúria romana, como presidente de uma conferência episcopal?

    Dom Raymundo Damasceno Assis – É uma questão que também não foi discutida, que está acenada na Evangelii Gaudium mas que não foi discutida, nem aprofundada.

    Hermes Rodrigues Nery – A partir da sua experiência, o que sr. tem a dizer sobre isso?

    Dom Raymundo Damasceno Assis – Creio que muitas atribuições poderiam ser dadas às Conferências Episcopais, sem necessidade de recorrer à Santa Sé, para tomar determinadas decisões de âmbito nacional. Situações que, realmente, não são de grande importância, que poderiam ser resolvidas pelas Conferências Episcopais. Há muitas questões para as quais devemos recorrer à Santa Sé, e eu creio que muitas poderiam ser atribuições próprias da Conferência porque é algo do conhecimento delas, da esfera delas e que não entram em questões doutrinárias propriamente. São questões muitas vezes administrativas, que poderiam ser resolvidas pelas Conferências Episcopais.

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  2. Os desejos de promoverem autonomia às conferencias episcopais nos critérios acima – para começar, a abertura, depois viria a invasão – ao invés de provirem de Roma e de reuniões de bispos que, juntos com o papa tomariam as decisões e deliberariam para se evitarem tantos mal-entendidos doutrinarios se alicerçariam em:
    1 – Haveriam interesses de forças ideológicas dentro da Igreja atuantes em instalar o caos e dispersarem o rebanho.
    2 – Deturparem a doutrina da Igreja para que em nada se diferenciasse dos modelos liberalistas das igrejas ortodoxas e de suas seitas, ou dos milhares de grupos protestantes nas suas infindas divisões dissensas entre si.
    3 – Incidindo tais prerrogativas a determinadas dioceses cujos titulares não seguem os ensinamentos da Igreja, ao contrario, são promotoras de quanto possam de um cristianismo imanente, ideologizado, facilitarão em mais a alienação á fé católica, como as afinadas com a esquerdista Teologia da Libertação, tão facilmente encontradas em varias dioceses e paróquias no Brasil e da A Latina, e que seriam talvez as maiores propulsoras dos comunistas ao poder no presente.
    4 – Resumindo; o intuito de propagarem as controversias a partir de dentro da Igreja, objetivariam preparar o mundo para uma igreja e religião universais, sob ensinamentos ex católicos, eivados de componentes relativistas doutras religiões.

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