Por Francisco Panmolle
Fratres in Unum.com – Após a leitura do artigo O dilema moral de Pio XII, escrito pelo grande homem e (por necessidade lógica) grande católico Hermes Rodrigues Nery, questionei-me (e não só a mim) acerca do conhecimento, por vezes parco, que nós temos dos grandes homens do passado. Dentre estes, destaca-se o Santo Padre Pio XII, de veneranda memória, sobre o qual se propagam “fábulas e reconstituições históricas bastante grosseiras” [1] que já constituem uma verdadeira lenda negra. Esta apareceu, há pouco mais de uma década (1999), travestida de “séria investigação” conquanto não fosse senão o vômito requentado dos fautores do mal: “O Papa de Hitler – A história secreta de Pio XII” do jornalista John Cornwell. Esse foi o livro que motivou não só o supracitado artigo mas, também, o livro do vaticanista Andrea Tornielli: “Pio XII – O Papa dos Judeus”.
Tornielli, já bastante conhecido nos meios católicos, escreveu não como jornalista, apologeta ou historiador (o que, vale ressaltar, ele não é [2] e, por isso, consultou não raras vezes o professor Matteo Napolitano) mas como um cooperador da verdade, a qual tinha sido gravemente vilipendiada pela malícia do livro de Cornwell, acerca do qual assere:
O jornalista inglês John Cornwell, há mais de dois anos [1999], não duvidou em apodar Eugênio Pacelli como o Papa de Hitler e, embora seu livro tenha sido cabalmente refutado por conceituados estudiosos de diversas tendências, católicas ou não, contribuiu para que se tecesse mais um pedaço desta lenda negra.
O trabalho do jornalista inglês havia sido, segundo Tornielli, “cabalmente refutado”, donde surge a questão: por que, então, escrever mais um livro sobre o tema? A resposta encontra-se na natureza do cristão. Leão XIII, ao abrir os Arquivos Vaticanos, proferiu categoricamente que “a Igreja não deve temer a verdade” e isso por um motivo bastante óbvio, o católico é adorador da Verdade: “Ego sum via et veritas”! (Jo XIV, 6) Mas não é de hoje, ou de ontem tampouco, que a verdade acerca do venerável Pio XII fora preterida pela chamada “lenda negra”. Tendo isso em vista, Andrea Tornielli escreveu “O Papa dos Judeus” a fim de contribuir para o debate que, como afirma o autor, permite uma reconstituição histórica série que resultaria reconhecer que Eugênio Pacelli “pertence à categoria daqueles que merecem em Israel o título de ‘justos’” [3].
Acerca de “O Papa de Hitler” – cuja capa consta, sagaz e maliciosamente, de uma foto do então núncio Eugênio Pacelli saudado por um oficial alemão (e não nazista, posto que a Alemanha de então era a República de Weimar) e que tem por efeito “confirmar” sub-repticiamente o título – e de seu autor, creio que seja bastante elucidativo o seguinte trecho do capítulo segundo:
Apresentando-o [um relatório acerca do judeu Max Levien, chefe dos revolucionários espartaquistas,] como inédito e definitivo – “uma bomba de efeito retardado” (like a timebomb) –, o autor de O Papa de Hitler pretende provar a “incontroversa antipatia para com os judeus” do futuro Pio XII. O jornalista inglês conta que recuperou no Arquivo secreto do Vaticano, onde tinha permanecido sepultado e esquecido. Mas a verdade é que o texto, ao contrário do que afirmou Cornwell, não estava de modo nenhum inédito. Já tinha sido publicado integralmente alguns anos antes, juntamente com muitos outros, num livro documentado de Emma Fattorini, Germania e Santa Sede. Le nunziature di Pacelli tra la Grande Guerra e la Repubblica di Weimar (Il Mulino, Bolonha 1992). Portanto não é verdade que a carta tenha sido conservada ciosamente secreta – como afirma o autor de O Papa de Hitler – até ele ter conseguido desenterrá-la; como também não é verdade que Cornwell tenha investigado durante muitos meses nos Arquivos secretos. Em vez de se aventurar nos Palácios do Vaticano, ter-lhe-ia bastado passar numa boa livraria para encontrar, já muito bem impressa, a “prova” que procurava [4].
E a nota que lhe segue:
O jornalista inglês, na apresentação do seu livro no “Sunday Times” de 12 de setembro de 1999, afirmou que tinha frequentado o Arquivo secreto vaticano durante “muitos meses” (for months on end). “L’Osservatore Romano” de quarta-feira, 13 de outubro de 1999, desmentiu-o numa nota publicada com relevo na primeira página: “No referido Arquivo são cuidadosamente anotadas e guardadas indicações precisas acerca do dia e do lapso de tempo (horas e minutos), em que cada uma das pessoas foram admitidas à consulta. Destes dados conclui-se que o senhor Cornwell foi admitido nesse Arquivo desde 12 de maio de 1997 a 2 de junho de 1997, portanto já não durante ‘muitos meses’ mas por um período de cerca de três semanas. Também se conclui que, neste período de tempo muito mais limitado, o senhor Cornwell não se apresentou todos os dias e que, nos dias em que lá se deslocou, a sua permanência se limitou, frequentemente, a períodos muito breves” [5].
Como dito, contudo, o livro de Cornwell não é o primeiro a propagandear a “lenda negra” – como também não o fora a não menos hedionda peça de Hochhuth, “O Vigário”. Assim sendo, o trabalho de Tornielli não é a mera refutação de “O Papa de Hitler” mas se estende, como é necessário, a outras calúnias e imprecisões. Algumas das quais são tão grosseiras que demonstram a predisposição generalizada à calúnia, como o seguinte exemplo. No aniversário da noite dos cristais de 1998, o rabino chefe askhenazi de Israel, Meir Lau exclamou: “Onde estava o Papa naquele dia? Onde estava Pio XII a 9 de novembro de 1938, enquanto os nazistas destruíram as sinagogas e as lojas dos judeus? Por que não condenou a kristallnatch?” – e continuou – “Caros amigos, se Pio XII tivesse dito uma só palavra em 1938, hoje a história dir-nos-ia que tinham sido salvos muito mais judeus”. Os jornais do dia seguinte constavam de títulos como “Onde estava Pio XII?” e “Vergonhoso silêncio de Pio XII sobre o progrom de novembro”. Havia só um problema com esse “silêncio” pacelliano: Pio XII só foi eleito no ano seguinte. Mas, como atesta Tornielli, “o ‘deslize’ não foi julgado digno de retificação, nem sequer em três linhas na última página” [6].
“O Papa dos Judeus” é um trabalho cuidadoso e apurado do vaticanista Tornielli, que merece atenção e destaque, mas, graças ao Bom Deus e à Sua Mãe Santíssima, não é o único. Muitos bravos homens já se levantaram – também entre nós, como o atesta o supracitado artigo do professor Hermes Rodrigues Nery –, até mesmo fora das fileiras católicas. Dentre estes, é justo fazer referência ao rabino estadunidense David G. Dalin, com seu “The Myth of Hitler’s Pope: How Pope Pius XII Rescued Jews from the Nazis” (“O Mito do Papa de Hitler – Como o Papa Pio XII Resgatou Judeus [das mãos] dos Nazistas”, sem qualquer previsão de tradução para o português), o qual refuta diretamente ao ex-seminarista progressista John Cornwell. O rabino conclui: “Todos [os polemistas] utilizam os sofrimentos do povo judeu há cinquenta anos atrás para forçar mudanças na Igreja Católica hoje” [7]. Lapides clamabunt! (Lc XIX,40)
Termino esse apontamento com a citação de Tornielli ao supracitado rabino: “Quase nenhum dos livros recentes quer realmente tratar de Pio XII e do holocausto. O seu verdadeiro assunto é outro muito diferente: Pio XII torna-se uma arma para falar da Igreja de hoje, a maior arma dos católicos liberais contra os tradicionalistas”[8]!
* * *
TORNIELLI. A. Pio XII. O Papa dos Judeus. Porto: Livraria Civilização Editora. 397p.
O livro contém apêndice com fotocópias, bibliografia e índice de nomes, o que facilita o aprofundamento no tema.
Um outro livro muito interessante sobre este assunto e traduzido para português – ignoro se disponível no Brasil – é os “Judeus do Papa”, da autoria de Gordon Thomas – http://www.wook.pt/ficha/os-judeus-do-papa/a/id/14319590
Paulatinamente, começa a ser feita justiça a um Papa tão caluniado, difamado e ultrajado.
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Excelente o livro de Tornielli. Pode ser comprado na livraria Cultura http://www.livrariacultura.com.br ou na Saraiva http://www.livrariasaraiva.com.br
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Obrigado Francisco Panmolle por seu artigo sobre o livro de Tornielli, logo no início deste “ano da fé”. O papa Pio XII será sempre uma referência na defesa da sã doutrina. Que o seu exemplo nos fortaleça no seguimento d’Aquele que é o Senhor da Vida e da História, Nosso Salvador!
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Reblogged this on Adalberto de Queiroze comentado:
Coloquei este livro em minha lista de livros “A ler em 2013”. O Frates in Unun é sempre uma boa fonte de informações para os católicos e demais pessoas de bem que prezam a Verdade. Paz e Bem.
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Onde podemos encontrar esse livro precioso…?
Pio XII foi o maior Papa do século XX, soube juntar sua CULTURA ENCICLOPÉDICA à SANTIDADE…
Só em denunciar, com antecedência clarividente, na sua magistral Mediator Dei, a tramóia suicida, a tão “famosa” volta às fontes, que foi cometida por irresponsáveis hierarcas e companhia contra a Liturgia Católica, detonando de alto a baixo o CULTO CATÓLICO, só isso lhe outorga o adjetivo de MAGNUS…
E depois querem nos enfiar goela a baixo a beatificação de Paulo VI primeiro que a de Pio XII…
É rir pra não chorar…
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Não acho que Pio XII foi o “maior Papa do século XX”.
Este, sem dúvida, foi são Pio X.
Pio XII também não consagrou o mundo ao Imaculado Coração de Maria da maneira que Nossa Senhora pediu em Fátima.
Em comparação com os últimos Papas, sem dúvida, o melhor (não foi tão difícil assim a concorrência).
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O fato de consagrar ou não o mundo ao Imaculado Coração não desmerece em nada o potificado de Pio XII. Foi um papa firme na ortodoxia.
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O Papa dos judeus foi João Paulo II: deixou a B’Nai Brith muito feliz com tanto ecumenismo maçônico, tantas humilhações à Igreja, tantas simpatias judaizantes e tantos desvios doutrinários…
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Importante, principalmente para aqueles “zelosos””tradicionalistas”, que não perdem uma oportunidade para criticar os papas pós-conciliares da Santa Igreja Católica, e o Concílio Vaticano II, principalmente pela não condenação explícita do comunismo, algumas passagens do livro de A. Tornielli:
“… :impressiona-nos especialmente uma passagem de um discurso pronunciado por Paulo VI a 2 de Setembro de 1965, que o purpurado cita para justificar a atitude da Santa Sé. Voltando de Castelgandolfo para Roma, após a última sessão do Concílio, o Papa Montini decidiu visitar as catacumbas de Domitila. O lugar, disse, sugeria-lhe a lembrança ‘daquelas parcelas da Santa Igreja que ainda vivem em catacumbas’, daquela ‘ Igreja que vive miseravelmente, sofre e, a duras penas sobrevive nos países com regimes ateus e totalitários’. E acrescenta de seguida: ‘ A Santa Sé abstém-se de levantar com mais frequência e veemência a voz legítima do protesto e da deploração, não porque ignore ou se desinteresse por essa realidade mas por um pensamento que reflecte a paciência cristã e para não provocar males maiores’ . Para não provocar males maiores, a idêntica motivação que, vinte anos antes, levara Pio XII a actuar de modo semelhante.” (cf. p. 18-19)
“É claro – e não cansamos de o afirmar – que, tanto no neste como noutros casos, é impossível estabelecer uma comparação com Pio XII e a Segunda Guerra mundial. Não somente porque o horror da Shoah e a loucura do nazismo não tem paralelo, mas porque, primeiro Paulo VI e, depois e sobretudo João Paulo II, inauguraram um estilo papal muito mais interventivo do que o do seu predecessor Pacelli: decidiram falar com mais e com uma linguagem mais direta, como testemunharam os apelos pelo Vietname, pelo Líbano, pelo Golfo, pela Bósnia e pelo Kosovo.” (cf. p. 194-195)
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Como sempre, ultimamente, chego um pouco atrasado por aqui, mas creio ser um dever deixar algumas informações registradas, pois os deveres de estado pressupõe também fazer justiça a um santo nome tão difamado e incompreendido.
Desejo a todos e a cada um felicidades e muito bom-combate neste novo ano que se inicia!
Fiquem com Deus e Nossa Senhora!!!
http://www.olavodecarvalho.org/convidados/sobran.htm
http://www.olavodecarvalho.org/semana/070201jb.html
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Marcus Moreira Lassance Pimenta, então, vê se n se atrassa mais! Chega na hora!
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O livro do Tornielli tem um grave defeito: ele tenta justificar de modo infantil a Ostpolitik do Vaticano e de Paulo VI. Como bom vaticanista, ele não podia deixar de aproveitar a oportunidade para, ao provar algo verdadeiro, incluir uma tentativa de legitimar algo indesculpável.
Pio XII foi um importante papa, não um grande papa. Grande são os santos e no século em questão, só tivemos um papa santo: José Sarto, o grande Pio X!
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Caríssima Ana e demais fratres, graças a Deus estamos mais um ano reunidos – mesmo que virtualmente – pela inestimável intermediação de nosso fratres-mor, sr. Ferretti! Um pouco assim, um pouco assado; meio brarro, meio tijolo; mas todos reunidos em busca da verdade nos fatos católicos da atualidade.
Esse desejo é já compartilhar o que de bom temos e buscamos: a amizade que se irmana nos valores imorredouros.
Mais um ano que se inicia e mais batalhas que começam. Espero que ao final ganhemos a palma dos justos!
Para quem quiser e tiver uma curiosidade boa, apesar de ter o tal Orkut (já largado de mão desde há muito) firmado com o meu nome completo, podem dar uma espiadela no Facebook de minha esposa, Patricia de Oliveira Pimenta, para verem o [bom] motivo do meu sumiço.
Força & Honra a todos!
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