Que devo fazer?

Por Cardeal Odilo Pedro Scherer – Arcebispo de São Paulo (SP)

Não é raro ouvir dizer que tudo mudou em questão de moral; que cada um faz a sua moral, que não existe uma moral válida para todos, nada é mau, nada é bom; até mesmo o que se tinha como mau, agora pode ser considerado bom e o que se tinha como moralmente bom, muitas vezes, acaba acusado como mau. Como assim? Afinal, ainda existem princípios de conduta moral? O que devemos fazer? O que devemos evitar?

A discussão sobre os princípios morais e sobre o que deve orientar nossas decisões e ações vem desde o momento em que o homem se descobriu um ser pensante e livre para fazer escolhas. E não cessará até que haja um ser humano neste mundo. Para nós, cristãos, há alguns princípios de conduta moral claros, que deveriam orientar nossas decisões e ações. Tentarei expor alguns, na brevidade que requer este artigo.

Quando Jesus, no “sermão da montanha”, recomendou ao povo – “ouvistes o que foi dito…. eu, porém, vos digo”, ele fez a interpretação da lei de Deus a partir do seu sentido originário, livre de distorções (cf. Mt 5, 38-48). O que se diz “por aí” pode representar o esforço humano das culturas, filosofias e religiões para interpretar o que seria o sentido da lei moral. Mas Jesus dá a interpretação que é conforme à vontade de Deus, ao agir de Deus e à dignidade e santidade de Deus. Portanto, vale para nós o ensinamento de Jesus como critério para o discernimento e para o agir moral. O que “dizem por aí” através de tantas interpretações contraditórias da lei moral deve ser sempre avaliado à luz desse “eu, porém, vos digo”, do ensinamento de Jesus.

No mesmo trecho do “sermão da montanha”, Jesus vai mais longe e pede que seus discípulos não se contentem com indicações morais cômodas, nem com a lei do menor esforço: “Sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48). A referência para o discernimento e o agir moral não é pequena nem fácil; a perfeição de Deus é única e nunca será alcançada plenamente pelo homem. Porém, a altíssima perfeição divina permanece para nós como referência segura para o certo e o errado, o bem e o mal, o justo e o injusto. Nunca será bom o que for contrário à perfeição de Deus, para a qual devemos tender sempre.

Esse critério não é diferente daquilo que Moisés, em nome de Deus, já havia recomendado ao povo, ao lhe comunicar os dez mandamentos: “Sede santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo” (Lv 19,2). A santidade de Deus diz respeito à sua dignidade suprema, sua misericórdia, justiça, amor e providência em relação ao homem e ao mundo. A santidade de Deus é a referência máxima para o discernimento e o agir moral da pessoa de fé; e será boa toda decisão e cada ação que estiver em sintonia com a dignidade e a santidade de Deus; mas nunca será bom o que for contrário à santidade de Deus e, por isso, deve ser evitado.

Os dez mandamentos da lei de Deus são indicações do caminho da perfeição e da santidade para o homem e, na medida em que os coloca em prática, ele age bem e se santifica, pois está em sintonia com a vontade de Deus. Mas o contrário dos mandamentos, com certeza, não é caminho bom e, claramente, deve ser evitado, não podendo ser tomado como critério para a decisão e a ação moral.

São Paulo nos oferece um outro critério moral muito importante quando ele escreve à comunidade de Corinto, onde havia problemas de imoralidade: “Acaso não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito Santo habita em vós?” (1Cor 3,16). O cristão, pelo Batismo, tornou-se “morada de Deus” e “habitação do Espírito Santo”, e isso lhe confere uma nova e altíssima dignidade, que ele sempre deverá ter em conta nas suas decisões e ações morais. Essas devem estar em conformidade com a sua própria dignidade e com a dignidade de Deus. Por isso, ele sempre deverá se perguntar: “será que minha ação combina  com o respeito devido a Deus e a mim próprio?” Esse é um critério claro e seguro para o discernimento e a ação moral.

Concluindo a sua reflexão, Paulo confronta cada um com a própria liberdade e com a responsabilidade pelas escolhas feitas: “Tudo é vosso, mas vós sois de Cristo e Cristo é de Deus” (1Cor 3, 22-23). O cristão pertence a Cristo e recebeu o seu Espírito; por isso, precisa levar em conta a sua relação com Cristo e seus ensinamentos.

Portanto, para as pessoas de fé, existem critérios morais firmes e conhecidos, que precisam ser levados em conta no discernimento e na ação moral. E o cristão já não poderá mais se orientar simplesmente “pelo que se diz por aí”: nos jornais, revistas, novelas, filmes, mídias sociais, discussões filosóficas ou ideológicas… Sua referência: deverá lembrar sempre o ensinamento de Jesus: “Eu, porém, vos digo”.

9 comentários sobre “Que devo fazer?

  1. O “Que devo fazer” do Emin. Cardeal D Odilon foram os parâmetros em que devemos pautar em ãmbito geral de nossos comportamentos – se formos cristãos, não joguetes de circunstancias, oportunismos oferecidos pela midia e dos ideologistas atuais, uns amorais – e como tal, se assumimos a fé, deveremos ter as leis do Senhor Deus para nos servirem de bússola.
    Um dos trunfos que o globalismo mais tem acumulado vitorias é justamente na desconstrução da fé e da ética-moral cristãs visando uma situação em que prevaleçam o relativismo generalizado, a alienação e desobediencia à doutrina da Igreja, porém, nunca avisando que por trás dessas supostas concessões o desejo é de alienar para mais facilmente escravizar as multidões!
    Doutro lado, dia 19/05/17 o Papa Francisco condenaria os católicos “fanatizados”, e que seriam os desejosos de clareza doutrinaria, apresentando trechinhos da homilia dele na Casa Santa Marta, coincidindo no mesmo dia com os discursos dos firmantes das dubia, os cardeais L Burke e C Caffarra no Foro Romano pela Vida.
    *“Existiram [concilios], até ao Vaticano II, que esclareceram a doutrina: por ex., quando recitamos o Credo, é o resultado de concilios que definiram a doutrina… É um dever da Igreja esclarecer a doutrina para que se compreenda melhor o que Jesus disse nos Evangelhos, o qual é o espírito dos Evangelhos….
    ““ No entanto, sempre existiram pessoas sem nenhum cargo tumultuando a comunidade cristã com raciocinios que perturbam a alma: Ei, isso não. Isso que foi dito é herético, aquilo não se pode dizer, aquilo não, “a doutrina da Igreja é esta”… São fanáticos de coisas que não são claras, como estes fanáticos que iam por aí espalhando cizania para dividir a comunidade cristã. Este é o problema: quando a doutrina que vem da Igreja, que vem do Evangelho a que se inspira no Espírito Santo – porque Jesus disse: ‘Éle os ensinará e o fará recordar o que foi ensinado’ – aquela doutrina se torna ideologia. E este é o grande equívoco dessa gente.” …
    Hoje é meu dever pedir a graça de uma obediencia madura ao magisterio da Igreja, à obediencia ao que a Igreja sempre ensinou e continua nos ensinando…
    (Confiram se as relações entre os trechos se sintonizam).
    *roratecaeli

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  2. Perfeitamente!
    Para ser perfeito faltou denunciar claramente quem são os hipócritas desse nosso tempo.
    “Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas!” (São Mateus, 23)

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  3. Parabéns ao Cardeal por defender a existência de critérios morais objetivos!
    Não obstante, identifico um viés muito perigoso em suas falas, o qual poderíamos chamar de “moral do ideal”: mostra-se a observância das Leis Divinas como necessária para a santificação, mas omite-se distinguir entre santificação e salvação.
    Ora, a Moral existe para nos ensinar a pelo menos irmos para o Céu quando morrermos, escapando pois do inferno; já para quem quer ser santo – o que é outro assunto! -, existe a Ascética.
    Santidade é o exercício das virtudes em grau heroico e supereminente; não é a simples guarda dos Mandamentos. Guardar os Mandamentos é o mínimo para se salvar, não para ser santo.
    Se os Mandamentos são apresentados como um simples convite à santidade, e não como exigência fundamental para poder se salvar eternamente, é fácil passar a ver as coisas indispensáveis à salvação como meros ideais a serem buscados, mas cujo não-alcance não acarretaria maiores problemas na vida pós-morte.
    Por exemplo: a perfeita fidelidade conjugal seria, por certo, um ideal maravilhoso a ser muito incentivado aos que almejem a santidade, mas não um preceito obrigatório cuja não-observância é pecado mortal e leva ao inferno os que nele morrem sem se converterem. Os cônjuges fiéis não são santos; até aí, eles nada mais fizeram que sua estrita obrigação.
    Mas agora, na “Moral do Ideal”, é como se os Mandamentos sutilmente virassem simples conselhos de perfeição – bons para se santificar, mas não necessários para se salvar.
    Ora, os verdadeiros conselhos evangélicos (Pobreza, Celibato, Obediência), e as demais coisas puramente facultativas na vida cristã (como são por exemplo as diferentes práticas de piedade), distinguem-se muito bem das obrigações estritas e básicas.
    Se quem não cumprisse os Mandamentos simplesmente não fosse santo nem atingisse a perfeição cristã, o mal seria relativamente pequeno; mas o fato é que quem não cumpre os Mandamentos, perde a própria salvação eterna.
    É ótimo santificar-se; mas antes de mais nada é preciso salvar-se.
    Não misturemos indevidamente Teologia Moral e Teologia Ascética!
    A ‘Moral do Ideal’ é a nova estratégia dos modernistas para corroerem sutilmente a Moral Tradicional. É como se eles pensassem lá consigo: “mostremos o obrigatório como facultativo, e o realmente facultativo como exagero de outras eras; assim um novo ‘sentir moral’ se irá paulatinamente constituindo – sem aquela velha história de pecado mortal, culpa, expiação, juízo divino, inferno, purgatório…”
    E não nos iludamos achando que sem a Moral fundamental alguma santidade verdadeira seja possível. Já Santa Teresa de Ávila, em sua autobiografia, contava que uma das coisas que mais a haviam prejudicado espiritualmente eram os confessores ignorantes, que ensinavam ser pecado leve o que era pecado grave, e ser pura imperfeição o que era pecado pelo menos leve, e serem um nada as puras imperfeições de fato. Ora, pecado grave difere de pecado leve, que difere por sua vez de puras imperfeições. É do máximo interesse para qualquer verdadeiro aspirante à santidade ter bem claras essas distinções e saber aplicá-las com mestria. Se ele seguir, porém, a ‘Moral do Ideal’, são inumeráveis os descaminhos que o esperam…

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  4. Resta a D. Odilo ensinar EXPRESSAMENTE a doutrina correta sobre os temas candentes atuais, por exemplo, as heresias e baboseiras da cambada de Kasper e seus admiradores golpistas, simoníacos e bufões. Assim, desse jeito, o magistério odiloense parece aspirina genérica.
    Falou e não disse.

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    1. Concordo! Oportunistas a Igreja está cheia! Dizer é uma coisa, praticar é outra! Façam o que eu digo mas não façam o que eu faço!

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  5. Dizem por aí que não tem nada demais católico desfilar no carnaval, que é uma festa “familiar” e que podem até “homenagear” Nossa Senhora. Eu porém vos digo: por que permitiste tal profanação, Dom Odilo?

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  6. Pois é. Achei bonito, mas se pudesse eu perguntaria a Dom Odilo que me esclarecesse em qual momento o homem “se descobriu um ser pensante” e etc, e se “antes disso” por acaso não estaria obrigado à observância da lei moral. Bem assim, também gostaria de saber se, não sendo mais o homem um ser “pensante”, mas sim um “conduzido” pelos poderes seculares à última ideologia anticristã do momento, ele também estaria desobrigado, por ignorante que se tornou da verdade.
    Também gostaria de saber se essa suma de verdades que ele (bem) expôs obriga somente os “cristãos”, e quais cristãos. Queria saber também quem tem autoridade para ensiná-la e exigí-la, ou se se trata de um imperativo sem intermediários, que devemos buscar diretamente “na Bíblia”. E quais são os resultados para quem o descumpre.
    Está bonito, é alguma coisa, em vista de mar de baboseira falada pelos bispos da contemporaneidade. Mas não basta. Esse discurso solto assim soa bem, mas não educa ninguém.

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  7. Enquanto houver sacrilégios como o ocorrido no carnaval com a Santíssima Virgem Maria e comunhões dadas nas mãos não haverá mudança nenhuma.
    Esses sacrilégios sendo promovidos por prelados traidores são a raiz de toda revolução ocorrendo no mundo: islã, comunismo, NOM…George Soros, seja o diabo que for: um muçulmano se explodindo e mantando crianças que frequentam shows eróticos de “cantora” pervertida. Que é isso? Consequência? Castigos?

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  8. Muito pertinente. Porém, penso que faltou fazer referência ao Catecismo da Igreja. Afinal, quantos dos fiéis tem condições de, somente a partir da Bíblia, discernir o que é certo e o que é o errado, neste mundo tão cheio de informações, confusas e tendenciosas? Os pastores da Igreja precisam orientar os fiéis a buscarem o mínimo de informação necessária para uma vida cristã no Catecismo, ou na sua versão simplificada, o Compêndio do Catecismo. Embora fundamental, esse precioso Guia, tem sido desprezado.

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