Entrevista com Dom Viganò. A autoridade dos Bispos sobre os ditames de especialistas independentes.

O discurso claro e distinto de Mons. Carlo Maria Viganò sobre as questões mais significativas deste difícil momento, desde a jurisdição dos Bispos até a violação — pelos golpes do Decreto do Presidente do Conselho de Ministros (DPCM) da Itália — de direitos superiores e vigentes garantidos pela Constituição. A entrevista foi concedida a Marco Tosatti, e a tradução para FratresInUnum.com elaborada por Hélio Dias Viana.

Excelência, o mais recente decreto presidencial de Giuseppe Conte desconsiderou as esperanças da Conferência Episcopal Italiana (CEI) e continuou o bloqueio das missas em toda a Itália. Alguns canonistas e especialistas em direito concordatário expressaram muitas reservas sobre o comportamento do governo. Qual é o seu pensamento sobre isso?

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A Concordata entre a Santa Sé e o Estado italiano reconhece à Igreja, como seu direito próprio, plena liberdade e autonomia no exercício de seu ministério, que vê sua expressão social e pública na celebração da Santa Missa e na administração dos sacramentos, nas quais nenhuma autoridade pode interferir, nem mesmo com o consentimento da própria autoridade eclesiástica, que não é dona, mas administradora da graça transmitida pelos sacramentos.

A jurisdição sobre os locais de culto, portanto, pertence total e exclusivamente ao Ordinário local, que decide com plena autonomia, em benefício das almas confiadas aos seus cuidados como pastor, as funções que são celebradas ali e por quem devem ser celebradas. Não cabe ao primeiro-ministro autorizar o acesso às igrejas, nem legislar sobre o que os fiéis ou o ministro do culto podem ou não fazer.

 Além disso, são dignos de nota os pronunciamentos de eminentes juristas e magistrados — inclusive do Supremo Tribunal — que contestam a legitimidade de legislar através de decretos do primeiro-ministro, com os quais são violados os direitos superiores e vigentes garantidos pela Constituição da República Italiana [aqui]. Mesmo se não estivéssemos falando sobre a religião católica, particularmente protegida por seu status especial, a suspensão do direito à liberdade de culto implícita nos decretos do primeiro-ministro é claramente ilegítima, e confio que haverá quem queira declará-lo oficialmente, acabando com esse delírio indecoroso de onipotência da autoridade civil não apenas diante de Deus e de Sua Igreja, mas também para com os fiéis e cidadãos.

Muitos fiéis e sacerdotes se sentiram abandonados e desprotegidos pela Conferência Episcopal e pelos bispos.

Deve-se esclarecer, para evitar mal-entendidos, que a Conferência Episcopal não tem autoridade sobre os bispos, que gozam de plena jurisdição em sua própria diocese, em união com a Sé Apostólica. E isso é tanto mais importante quando entendemos o quanto o CEI é muito condescendente, ou melhor, sucumbe ante o governo italiano.

Os bispos não devem esperar que um organismo sem jurisdição lhes diga o que fazer: cabe a eles decidir como se comportar, com prudência e sabedoria, para garantir aos fiéis os sacramentos e a celebração da missa. E eles podem fazê-lo sem ter que perguntar nem ao CEI nem ao Estado, cuja autoridade termina em frente ao átrio de nossas igrejas, e aí deve parar.

É inédito que a Conferência Episcopal Italiana continue a tolerar tal abuso, que prejudica o direito divino da Igreja, viola uma lei do Estado e cria um precedente muito sério. E acredito que a declaração emitida na noite de domingo também representa a conformidade dos líderes do Episcopado, não apenas com os meios, mas também com os fins que este governo se propõe.

O silêncio supino da CEI, e de quase todos os Ordinários, evidencia uma situação sem precedentes de subordinação ao Estado, a qual foi corretamente percebida pelos fiéis e sacerdotes como uma espécie de abandono deles próprios: são exemplos emblemáticos as escandalosas irrupções da força pública na igreja, mesmo durante a celebração da Missa, com uma arrogância sacrílega que deveria ter provocado um protesto imediato e muito firme da Secretaria de Estado. O Embaixador da Itália deveria ter sido convocado à Santa Sé, e esta deveria ter-lhe apresentado uma dura nota de protesto pela grave violação do governo à Concordata, reservando-se o direito de chamar o Núncio Apostólico da Itália, se a disposição ilegítima não fosse retirada.

O cardeal Parolin, no papel de patrocinador do presidente Conte, encontra-se em situação muito embaraçosa e em conflito de interesses. É evidente que, em vez de proteger a soberania e a liberdade da Igreja em fidelidade à sua alta função institucional como Secretário de Estado, o cardeal Parolin escolheu vergonhosamente tomar o partido de seu amigo advogado. Tal opção não poderia ser justificada sequer pelos interesses econômicos do chamado voluntariado.

A que interesses V. Exa. está se referindo?

Refiro-me à distribuição escandalosa de fundos públicos destinados à acolhida de imigrantes ilegais, da qual o Papa Bergoglio e o CEI são em grande parte beneficiários e, ao mesmo tempo, promotores infatigáveis. Outro conflito de interesses que coloca a Igreja em uma posição de gratidão em relação ao Estado, tornando não de todo ilegítima a suspeita de que os múltiplos silêncios da CEI — inclusive aqueles que testemunhamos nos últimos meses durante a suposta pandemia — são motivados pelo medo de ver desaparecer a renda lucrativa da receita. Não devemos esquecer que os recursos provenientes do [abatimento dos impostos] 8×1000 estão diminuindo cada vez mais, confirmando o afastamento dos fiéis italianos de uma Igreja que parece não ter outro fim senão incentivar a substituição étnica fortemente desejada pela elite globalista. Receio que esta tendência se confirme nos próximos meses, em resposta ao silêncio dos bispos.

Em tudo isso, a posição do Papa Francisco parece contraditória: no começo ele ordenou que o cardeal vigário fechasse as igrejas de Roma antes mesmo que o Conde emitisse o decreto; depois ele o envergonhou, desmentindo-o publicamente e fazendo-o reabri-las. Ele encorajou as missas virtuais e depois falou sobre a gnose, incentivando a CEI a se posicionar contra o governo; mas ontem ele recomendou a fiel obediência às disposições dos decretos…

Bergoglio não é novo nesse tipo de mudanças repentinas. Como todos se recordam bem, antes que o escândalo eclodisse na Ordem de Malta a respeito da distribuição de preservativos em seus hospitais, Francisco havia escrito uma carta ao Patrono, o Cardeal Burke, na qual lhe dava provisões muito claras sobre seu dever de vigiar a Ordem, para que a moralidade católica fosse respeitada com uma fidelidade escrupulosa. Mas quando as notícias se tornaram públicas, ele não hesitou em desmentir Sua Eminência, comissionando a Ordem, exigindo a renúncia do Grão-Mestre e restabelecendo o Conselheiro que havia sido expulso porque era responsável por essa violação deplorável da moral.

No caso mencionado previamente, o cardeal vigário tentou defender sua reputação, explicando que a ordem de fechar as igrejas lhe fora dada por Sua Santidade. No caso mais recente da CEI, o comunicado de imprensa divulgado na noite de domingo teve evidentemente a aprovação de seu presidente, o Cardeal Bassetti, que por sua vez deve ter consultado Francisco. É desconcertante que, no espaço de algumas horas, o púlpito de Santa Marta contradiga a CEI e convide os fiéis e sacerdotes a uma obediência às disposições do governo que não é apenas indevida, mas também é uma violação de consciência, prejudicial à saúde das almas.

Ninguém pretende expor os fiéis a um possível contágio, mesmo admitindo que isso seja uma eventualidade tão digna de temor; mas o tamanho de nossas igrejas e, infelizmente, o número muito pequeno de fiéis que normalmente as frequentam, permitem-nos respeitar as distâncias de segurança tanto para a oração individual quanto para a celebração do Santo Sacrifício ou outras cerimônias. Evidentemente os solertes legisladores não vão à igreja há muito tempo…

 Não devemos nos esquecer de que os fiéis têm o direito, bem como o dever, de assistir à Missa, confessar-se e receber os sacramentos: esse é um direito que lhes advém do fato de serem membros vivos do Corpo Místico em virtude do batismo. Os pastores, portanto, têm um dever sagrado — mesmo com risco para sua saúde e a própria vida, quando exigido — de satisfazer esse direito dos fiéis, e terão que responder por isso a Deus, não ao Presidente da CEI nem ao Presidente do Conselho de Ministros da Itália.

Nos últimos dias, S.E. o arcebispo Giovanni d’Ercole emitiu uma advertência severa a Conte e ao “comitê científico” na qual ele os intimou: “É preciso que nos deis o direito ao culto, caso contrário, nós o retomaremos.” Palavras fortes e corajosas, que parecem sugerir um certo despertar na consciência dos pastores.

Monsenhor D’Ercole falou como um verdadeiro bispo, com a autoridade que vem de Cristo. Como ele, tenho certeza de que existem muitos outros pastores e sacerdotes que sentem a própria responsabilidade em relação às almas que lhes foram confiadas. Mas muitos estão calados, mais para não alvoroçar os ânimos do que por medo. Precisamente nesta época da Páscoa, a parábola evangélica do Bom Pastor ressoa na liturgia; Jesus menciona os mercenários que não se importam com a salvação das ovelhas: procuremos não tornar vã a advertência divina e o exemplo do Salvador, que dá a vida pelas ovelhas!

Tomo a liberdade de me dirigir a meus confrades no Episcopado: Vós acreditais que, quando no México ou na Espanha as igrejas foram fechadas, as procissões e o uso do hábito religioso em público foram proibidos, as coisas começaram de maneira diferente? Não permitais que as liberdades da Igreja sejam limitadas com a desculpa de uma suposta epidemia! Não o permitais, nem da parte do Estado nem da parte da CEI! O Senhor vos pedirá contas das almas que morreram sem sacramentos, dos pecadores que não puderam se reconciliar com Ele, pelo fato de terdes permitido, pela primeira vez na História desde o edito de Constantino [ano 313], que fosse proibido aos fiéis celebrar dignamente a Páscoa. Vossos padres não têm medo, mas são testemunhas heroicas e sofrem com as ordens arbitrárias que lhes dais. Vossos fiéis vos imploram: Não sejais surdos ao seu clamor!

São palavras que parecem convidar à desobediência à autoridade eclesiástica mesmo antes da autoridade civil.

A obediência é ordenada à Verdade e ao Bem; caso contrário, é servilismo. Chegamos a tal embotamento de consciência que não percebemos mais o que significa “dar testemunho da Verdade”: você acredita que Nosso Senhor nos julgará por termos sido obedientes a César quando isso significa desobedecer a Deus? Não está o cristão obrigado à objeção de consciência, mesmo no trabalho, quando o que lhe é exigido viola a lei divina? Se nossa fé fosse baseada apenas na obediência, os mártires não deveriam sequer ter enfrentado os tormentos aos quais os condenava a lei civil: ter-lhes-ia bastado obedecer e queimar um grão de incenso à estátua do imperador.

Ainda não estamos, pelo menos na Itália, diante da encruzilhada entre a vida e a morte; mas somos solicitados a escolher entre o dever de honrar a Deus e render-Lhe culto, e a obediência complacente aos ditames de autoproclamados especialistas, mil vezes contraditados pela evidência dos fatos.

Acho paradoxal que, neste engano — que agora está sendo revelado até mesmo pelos observadores mais moderados — sobre o que está acontecendo ao nosso redor, seja imposta ao povo de Deus a ingrata tarefa de dever testemunhar sua fé sem poder ter seus pastores ao seu lado. É por isso que exorto meus confrades a retomar ufanamente seu papel de guias, sem aduzir como pretexto o respeito por normas ilegítimas e irracionais. Faço minhas as próprias palavras do Monsenhor D’Ercole: “Não precisamos de favores dos Srs.: temos um direito a reivindicar e esse direito nos deve ser reconhecido”!

Alguns podem pensar que suas palavras são “divisivas” em um momento em que é fácil exacerbar os corações já provados dos cidadãos.

A unidade na fé e na caridade se baseia na salvação das almas, não para seu dano: não bastam nem as “interlocuções” da CEI [com o governo] nem as sorridentes reuniões papais com o primeiro-ministro, a quem foi concedida uma colaboração indulgente reveladora de conivência e colaboração. Proclamar a verdade é necessariamente “divisivo”, porque a verdade se opõe ao erro, assim como a luz se opõe às trevas. Foi o que o Senhor nos ensinou: “Julgais que vim trazer paz à terra? Não, digo-vos, mas separação” (Lc 12, 51).

Suponhamos que o coronavírus seja tão virulento e mortal como dizem, a ponto de justificar a segregação de um povo e do mundo inteiro. É este o momento adequado para negar os sacramentos e a Missa, precisamente quando eles são mais necessários para a salvação eterna?

De quanto Vossa Excelência disse, parece-me entender algumas de suas dúvidas sobre a natureza do coronavírus: é minha impressão ou crê V. Exa. como muitos médicos o afirmam que alguém queria tirar vantagem da pandemia para outros fins?

Este não é o lugar para expressar minhas reservas sobre a chamada “pandemia”: acredito que os cientistas competentes foram capazes de distinguir o que realmente acontece daquilo que vice-versa se faz acreditar às massas através de um amplo controle da informação que não hesita em recorrer à censura para silenciar rumores de dissidência. No entanto, parece-me claro que o Covid-19 proporcionou uma excelente oportunidade — desejada ou não, em breve saberemos — de impor à população uma limitação de liberdade que não tem nada de democrático, muito menos de bom.

São testes técnicos da ditadura, com os quais se pretende nada menos que planejar o rastreamento de pessoas, com a desculpa da saúde e um hipotético ressurgimento futuro do vírus. Acredita-se que um regime tirânico possa ser imposto, no qual pessoas eleitas por ninguém querem decidir o que é lícito e o que não é, que tratamento impor e que punição infligir aos que quiserem subtrair-se. Mais sério ainda, tudo isso acontece com o endosso de parte da Hierarquia: se isso nos tivesse sido contado há alguns anos atrás, não teríamos acreditado.

 

Uma palavra de esperança, para concluir?

Sempre há um motivo de esperança, caso se tenha um olhar sobrenatural. Em primeiro lugar, essa epidemia derrubou muitas máscaras: as dos poderes reais, dos lobbies internacionais que patenteiam um vírus e estão se preparando para patentear sua vacina e, ao mesmo tempo, pressionam para que ela seja imposta a todos, em um sensacional conflito de interesses. Pelo menos agora, sabemos quem são e que cara eles têm.

As máscaras daqueles que se prestam a essa farsa também caíram, lançando alarmes injustificados e semeando o pânico entre o povo, criando uma crise não apenas na saúde, mas também na economia e na política mundial. Mais uma vez sabemos quem são e qual é o seu projeto.

Finalmente, a máscara do anonimato de muitas pessoas boas também caiu. Demo-nos conta de quanta generosidade, quanta abnegação, quanta bondade ainda existe, apesar de tudo. Médicos, enfermeiros, sacerdotes e voluntários — é claro —, mas também muitas pessoas sem rosto e sem nome que ajudam seus vizinhos, confortam aqueles que sofrem, acordam do torpor e começam a entender o que está acontecendo ao seu redor. Um despertar do Bem do qual o Senhor é sem dúvida o Autor. Ele governa o destino da Igreja e do mundo e não permitirá que o mal prevaleça.

Não esqueçamos que, como recordei recentemente, Nossa Senhora de Fátima prometeu à Irmã Lúcia que antes do fim dos tempos um Papa consagraria a Rússia ao Seu Imaculado Coração e que um período de paz seguiria esse gesto de obediência. Portanto, coloquemo-nos a nós mesmos, as nossas famílias e a nossa querida Itália sob o manto da Santíssima Virgem, confiando fielmente  em Suas palavras.

29 de abril, festa de Santa Catarina de Siena.

4 comentários sobre “Entrevista com Dom Viganò. A autoridade dos Bispos sobre os ditames de especialistas independentes.

  1. Entrevista incrível, de uma lucidez acachapante. Uma luz mesmo, no meio de tão densas trevas. Muito obrigado, Fratres in Unum.
    A propósito, onde se encontra Mons. Viganò? Alguém tem informação do seu paradeiro?

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  2. Dom Viganó, que alegria às almas dos cristãos quando vemos um Pastor da Igreja Católica se pronunciar a favor de seu rebanho!!! Q outros Arcebispos e Bispos, enfim todo o Clero que realmente esteja pensando no bem da alma de seus fiéis se levante contra esse totalitarismo contra a Igreja Católica. Temos certeza q Nossa Mãe do Céu há de nos proteger e ter misericórdia dos que hoje estão em cima do muro … Parabéns por sua entrevista foi um alento às nossas almas!!!!

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  3. Será necessário afirmar aqui que a mesma concordata que prevalece e foi estabelecida na Itália, seus termos e condições são idênticos à que está estabelecida no Brasil e assinada pelas autoridades aqui?
    Tudo que D. Viganò afirma vale da mesma forma no nosso país.
    Será necessário afirmar aqui que, assim como a CEI na Itália não tem prevalência sobre os bispos, no Brasil a CNBB, da mesma forma, não tem prevalência sobre nossos bispos?
    Estas conferências não têm autoridade para coisa alguma. Quem manda é cada bispo individualmente.
    Quando será que os católicos vão acordar para a realidade e exigir que sua religião seja respeitada condignamente?

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