A síndrome do pato manco, ou o isolamento do Papa.

Por Benoit et Moi | Tradução: FratresInUnum.com * – Na política, existe uma expressão ouvida com frequência e muito temida pelos governantes: o pato manco, que designa um pato incapaz de seguir o grupo e que se torna, portanto, o alvo dos predadores.

Esse apelido também é conferido a um dirigente que, por diversas razões, especialmente porque está chegando ao fim do mandato, perdeu o poder. E o modo mais claro de identificar um pato manco é ver a reação de seus amigos: quando o deixam sozinho, quando o grupo o abandona, há um sinal indiscutível de que o pobre palmípede está nas últimas[1].

Parece que é o que está acontecendo com o papa Francisco: sua claudicação não é somente o efeito de uma ciática, é também o efeito da perda de poder devido à gestão catastrófica de seu pontificado, e aos sinais nítidos de que seu fim se aproxima. O fato de que nada menos que Andrea Riccardi, figura de proa da Comunidade de Santo Egídio, tenha publicado um livro intitulado La Chiesa bruccia (A Igreja queima) é extremamente sintomático. Parece que a peronização provocada por um papa peronista tenha também seus lados obscuros, pois, diz-se que os peronistas acompanham seus colegas até a porta do cemitério, mas não entram, e é precisamente o que está acontecendo.

O papa está sozinho

Um dos erros mais graves que um dirigente que sofre da síndrome do pato manco pode cometer é dar ordens universais muito severas, pois ele corre o risco de ser desobedecido e revelar, assim, sua fraqueza. E é exatamente o que parece acontecer com o papa Francisco após a publicação do motu proprio Traditionis custodes. Por ora, a única adesão clara e universalmente conhecida que ocorreu é a de Dom Ángel Luis Ríos Matos, bispo de Mayaguez, em Porto Rico, que publicou um decreto hilariante no qual ele anuncia que, ainda que não seja celebrada a missa tradicional em sua diocese, ele a proíbe mesmo assim, e, aproveitando o embalo, ele também aproveita para proibir o uso da casula romana, das toalhas de linho e do véu umeral.

Similar disposição foi tomada pelos bispos da Costa Rica. Os tiranos engendram tiranias patéticas, e Bergoglio engendrou incontáveis bispos medíocres que povoarão tristemente os Prados de Asfódelos[2] (é curioso que nas fotos que se encontra facilmente na internet, Dom Ríos Matos apareça sempre vestido com todos os ornamentos episcopais possíveis). E, não sei o porquê, mas tudo isso me lembra o romance de Evelyn Waugh, Black Mischie[3].

O site Rorate Coeli faz uma lista das missas proibidas pelos bispos. Veremos o que acontecerá, mas, até agora, as reações foram aquelas que havíamos predito neste blog há alguns dias, ainda que, devo admitir, tenha sido surpreendido pela rapidez e clareza com as quais os bispos franceses, ingleses e americanos reagiram.

A Conferência episcopal francesa, com estas circunlocuções tipicamente gaulesas, tirou a bola de campo. Para eles, não se trata de discutir sobre a lex orandi ou a lex credendi da igreja do Papa Francisco, mas, de fato, de que o motu proprio os convida a refletir sobre a importância da Eucaristia na vida da Igreja, e que, em setembro, após as férias, eles se reunirão sobre isso.

Na mesma linha, o bispo de Versalhes, onde estão instaladas importantes comunidades tradicionalistas, já fez saber por escrito que, em sua diocese, as coisas continuarão como estavam, e o mesmo foi dito, logo após a publicação do documento, pelo arcebispo de São Francisco, seguido por numerosos outros bispos americanos – por exemplo, o de Cincinatti – que, mais discretamente, informaram aos padres e fiéis próximos do rito tradicional que eles não promoverão nenhuma mudança, apesar das ordens pontifícias.

Na Inglaterra, a maioria dos bispos fizeram a mesma coisa: logo após a publicação do motu proprio, eles mesmos anunciaram, de modo oficial e selado, que, em suas dioceses, não haveria nenhuma mudança em relação à missa tradicional. E o curioso é que, em sua maioria, quer sejam franceses, americanos ou ingleses, não são bispos com simpatias tradicionalistas particulares, mas bispos com tendências claramente liberais. Logo, por que essa reação tão rápida, tão clara e tão contrária aos desejos pontifícios evidentes?

Pode-se apenas conjecturar sobre a resposta, mas podemos propor algumas. Uma coisa que fica clara é que os bispos não temem mais as “misericórdias pontifícias”, o que teria acontecido, sem dúvida, outrora. E isso é um sinal evidente da síndrome do pato manco: Francisco poderia demitir Salvatore Cordileone de sua sé arcebispal? Ele não tem mais força para fazer isso. O episcopado americano está muito furioso com o papa, e a ameaça de uma “misericórdia” em razão da não aplicação do motu proprio seria combatida pela Conferência dos bispos. A declaração dos bispos franceses, ainda que para alguns ela dê a impressão de eles estão lavando as mãos, é um tipo de blindagem: aqui a gente vai refletir sobre a Eucaristia, dizem eles, e, quanto às proibições, cada bispo verá o que fará. E já vimos o que eles fazem: eles não proíbem nada.

Este é precisamente o nó do problema: os bispos dos dois lados do Atlântico não querem iniciar uma guerra inútil. Em suas dioceses, graças ao Summorum Pontificum, a pax liturgica foi concretizada. As coisas funcionam, e funcionam bem: as ideologias, salvo em casos raros, desapareceram. E o crescimento constante das comunidades, dos padres e das vocações tradicionalistas já era considerado como uma bênção, e não um perigo, ou seja, precisamente a visão oposta àquela apresentada por Bergoglio em seu documento.

Localmente, nas dioceses, os únicos que funcionam mais ou menos bem são os grupos litúrgicos tradicionais. Na Europa, exterminar a missa tradicional significaria importar diretamente da África curas de misa y olla[4].

Se todo documento jurídico deve ser interpretado conforme o espírito do legislador, o que sobressai do motu proprio é que o papa Francisco quer evitar quebrar a unidade sobre as questões litúrgicas. Assim, com toda legitimidade e com toda tranquilidade de espírito, os bispos que julgam que, em suas dioceses, a diversidade litúrgica do rito romano não gera problema e não fere a unidade, podem ignorar a norma. Mais honestamente, a maioria dos bispos não tem vontade de entrar em uma guerra que não existe senão na mente de Bergoglio e de seus ideólogos de serviço, desta vez, Andrea Grillo. Como escreveu justamente Tim Stanley em The Spectatorparecemos viver nos anos de Leonid Brejnev, na União soviética: um governo de gerentes, ligados a uma velha fotografia desgastada que retrata a situação de um país que não existe mais.

É inconcebível que a Igreja latina tenha caído ao longo dos dois últimos séculos em um hiperpapalismo tão extremo que permita manifestações tais como Traditionis custodes, na qual o papa de Roma se intromete a tal ponto em cada dioceses, que ele indique ao bispo quais paróquias ele pode ou não erigir. É um contrassenso impensável na Igreja medieval e impensável na igreja oriental. Como disse o cardeal Müller, em sua carta de leitura indispensável, os bispos são colocados enquanto pastores e “não simples representantes de um escritório central, com possibilidades de promoção”.

A carta do cardeal Müller desmonta, além do mais, os artifícios teológicos sobre os quais Bergoglio tentou construir seu motu proprio, explicando, por exemplo, o que significa e o que não significa a lex orandi – lex credendi, e mostrando os absurdos bergoglianos. Trata-se de um fato histórico: em 1646, o papa Inocêncio X, sob instigação dos jesuítas, suprimiu (o termo utilizado era redução) a florescente congregação dos educadores fundada por São José Calasanz – os piaristas – por meio do breve Ea quae pro felici. Assim que ficou conhecido, espalharam-se críticas. Ingoli, secretário da Propaganda fidei, ao ver o documento impresso, disse: “Em outro pontificado, eles poderiam utilizá-lo como tampa para os potes”, e o padre Orsini, internúncio da Polônia, escreveu: “É um Breve feito com um machado… Não tenha dúvidas… que, em outro pontificado, será anulado”. E, com efeito, foi o que aconteceu.

Em resumo, Bergoglio sofre da síndrome do pato manco. Com a publicação de Traditionis custodes, ele ficou amplamente desacreditado e acelerou o declínio e o fim de seu pontificado catastrófico.

* Nosso agradecimento a um caro leitor pela gentileza da tradução fornecida.

Nota: a dureza e a ironia da carta do cardeal Müller se juntam a expressões de repúdio de Bergoglio provenientes de outros meios. Michel Onfray, o popular ateu e filósofo progressista francês, escreveu no Le Figaro que a missa em latim é um patrimônio universal ao qual não se pode tocar e desqualifica Bergoglio, classificando-o de “jesuíta e peronista” cuja formação é a de um “químico”. José Manuel de Prada, em ABC, declarou que ele tira o chapéu para entrar na igreja, mas não levanta a cabeça, o que pede o motu proprio franciscano.

[1] No mundo político anglo-saxão, um lame duck designa um eleito cujo mandado chega ao fim, e, mais particularmente, um eleito ainda no cargo, enquanto seu sucessor, já eleito, ainda não ocupa o cargo.

[2] Um lugar dos Infernos na mitologia grega.

[3] Em francês “Diablerie”, 1932: caricatura dos esforços de Hailé Sélassié Iº para modernizar a Abissínia. Narração irônica, cínica e convincente de um fracasso retumbante.

[4] Em linguagem familiar designa padres que possuem uma baixa formação e pouca autoridade.

12 comentários sobre “A síndrome do pato manco, ou o isolamento do Papa.

  1. Levando em consideração o estado deplorável em que o clero progressista se colocou após o sínodo da amazônia e a atual situação de saúde de Bergoglio, é improvável que esse novo motu proprio Traditionis custodes algum impacto significativo. Contudo, infelizmente, os comunistas da CNBB ainda gozam de alguma musculatura, por isso ainda veremos algumas arbitrariedades no Brasil.

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  2. O papa Francisco, por ter durante anos se mostrado muito condescendente com as malignas esquerdas, contradiria ao cargo a que se destinou – defender a Igreja dos antagonistas e impugnantes a ela – mas, está muito criticado por não censurar os anti eclesiais como Evo Morales, Kirchner, os carniceiros Maduro, Fidel Castro, Daniel Ortega, o maconheiro Mujica, o assassino frio e calculista radical anti católico Xi Li Ping e outros encapetados martelo e foice, da bandeira da estrela vermelha de 5 pontas que é o pentagrama satânico, além doutros mais astutos e ardilosos comunistas com os quais mantinha um relacionamento muito amistoso, inclusive Dõ Ratão Lula e seu poste Dilma, quase todos esses várias vezes recebidos no Vaticano – como gente de casa!
    Também, afeição particular para com uniões gays, transexuais, como se isso fôra algo aprovável, aceitável, procedimento detestado até pelo diabo que outrora foi uma anjo bom, decorrendo disso uma situação ideal de relacionamento “natural”!
    Acolhimento a defensores, e a renomados financiantes dos abortistas da pesada, como a Emma Bonnino, com mais de 10 000 abortos realizados por ela, elogiando-a como “mulher de valor” e outros deméritos modi agendi terrificantes!
    No entanto, mudou radicalmente de posição, pois afirmava que cada um teria direito de julgar por si mesmo o certo e o errado e, logicamente, cair no subjetivismo próprio de seitas protestantes, as quais muito preza, a ponto de instalar um escárnio aos católicos no Vaticano pela imagem do arqui heresiarca Lutero, excomungado pela Bula Pontifícia “Exsurge Domine”, do papa Leão X!
    Pelo jeito da carruagem, o tempo dele no pontificado seria duvidoso de sequenciar-se!
    Agora arranjou uma incomensurável querela: ele contra todos, inclusive com os mais próximos, arriscando-se a ser o próximo a “ser saído”!
    E a pressão persistirá destemidamente, por estar prejudicando em muito os fiéis mais simples e humildes!

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  3. Faz muito tempo que não venho tampouco comento nesse site, mas vou frisar uma parte desse texto que talvez passe despercebida para a grande maioria:

    “Em suas dioceses, graças ao Summorum Pontificum, a pax liturgica foi concretizada. As coisas funcionam, e funcionam bem: as ideologias, salvo em casos raros, desapareceram.”

    Em outras palavras, Bento XVI foi extremamente eficiente em constranger o chamado “Lefebvrismo” oferecendo a Missa de São Pio V com sua “hermenêutica da continuidade”. Fui uma das vítimas dessa manobra e só percebi que havia caído em uma armadilha modernista quando li a “Pascendi”.

    Entretanto, o problema é que não se dissocia a Missa Tridentida do Catolicismo e muito menos ela se mistura com o modernismo como a “hermenêutica da continuidade” tenta fazer e isso acabou por gerar um efeito colateral: o surgimento de grupos filo-tradicionais autônomos nas Dioceses e que não estavam reclusos nas vigiadas e cerceadas comunidades .

    Dom Lefebvre, Dom Antônio de Castro Mayer e Dom Richard Williamson estão certos: não devemos nos aproximar do modernismo. Os que se já se renderam (comunidades “Ecclesiae Dei”) e a FSSPX ganharam apenas grilhões e cerceamento, sendo que os modernistas agora estão combatendo as iniciativas isoladas de aproximação para com a Tradição Católica antes que eles se fortaleçam.

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  4. Bem apontado: “…The Spectator, parecemos viver nos anos de Leonid Brejnev, na União soviética: um governo de gerentes, ligados a uma velha fotografia desgastada que retrata a situação de um país que não existe mais.”
    Assim é em todo o regime comunista, esteja ele onde estiver.

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    1. O maior feito, nos últimos anos, foi a Copa América no Brasil, vencendo o anfitrião no Maracanã. Ainda sim, sem torcida, com público bem restrito, e depois de 23 anos sem nenhum título pelo time principal. De resto, o poste da “kitnet”, só tem feito estrago.

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  5. Ricordi?

    Quantas pessoas levei à missa tradicional ou às vésperas cantadas pelos beneditinos?

    Nao sei. Perdi a conta. Meu jeito de persuadir mesmo os tipos mais loucos ainda surte algum efeito.
    Mas foram muitas as pessoas e de todas cartilhas. Eram protestantes da Assembléia, um Adventista, um ateu; outro era agnóstico, uma macumbeira, havia gente que invadiu a reitoria da universidade e foi presa; um rosacruz, comunistas, um wiccano.. Eram todos ex-católicos. Quase todos.
    E todos sem nenhuma exceção, absolutamente nenhuma, saiam perplexos, intrigados, desconcertados com a irresistível beleza da liturgia tradicional, seu mistério, seu senso da transcendência e da majestade divinas.
    Alguns continuaram voltando por conta própria. “Que lindo, que diferente…!”
    E a pergunta era unânime: “Que aconteceu?
    Por que acabaram com “isso.”..?

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