O Papa “comissaria” a Ordem de Malta. Agora se espera a punição para o Cardeal Burke.

Por Riccardo Cascioli, La Nuova Bussola Quotidiana, 26 de janeiro de 2017 | Tradução: FratresInUnum.com – A dura e extraordinária intervenção do Papa Francisco, que forçou a renúncia do Grão-Mestre Robert Matthew Festing, para logo em seguida, anunciar uma espécie de liquidação da Soberana Ordem Militar de Malta, parece ser apenas o início de um terremoto, quer seja na Igreja, quer seja no campo das relações internacionais.

Em jogo estão muitas questões importantes: a correspondência entre as atividades beneficentes e a doutrina da Igreja, bem como a independência de um Estado soberano, mas, antes de mais nada, o que parece cada vez mais evidente é que pelo tom de toda a celeuma, o objetivo mesmo é a cabeça do Cardeal Raymond L. Burke, que é o Cardeal Patrono da Ordem de Malta, uma figura que atua um pouco como “capelão” e um pouco como diplomata representando o Vaticano junto à Ordem. Burke está entre os cardeais que mais manifesta perplexidade diante de algumas escolhas e decisões do Papa Francisco e é um dos quatro signatários dos Dubia acerca da Amoris Laetitia. Não é de hoje que ele está na mira. Tanto é que sua própria nomeação como patrono da Ordem de Malta em novembro de 2014 já foi um rebaixamento do seu cargo como prefeito do Tribunal da Assinatura Apostólica.

Como é de conhecimento público, a crise teve início quando, em novembro passado, o Grão-Mestre Festing destituiu o chanceler Albrecht Freiherr von Boeselager, acusado de ter incentivado a distribuição de contraceptivos na África e Ásia no âmbito dos programas de desenvolvimento financiados pela Ordem. Boeselager negou as acusações, não aceitou a demissão e pediu a intervenção da Santa Sé, que da sua parte resolveu nomear uma comissão, encabeçada pelo arcebispo Silvano Tomasi, responsável por verificar como os eventos se sucederam. Em nome da Ordem de Malta, Festing declarou seu desejo de não colaborar com a comissão do Vaticano por considerá-la como uma interferência indevida nos assuntos internos de um órgão soberano. A resposta da Secretaria de Estado do Vaticano foi imediata, reivindicando a legitimidade da investigação, que seria apenas com a intenção de se por a par da situação, tomar conhecimento. Mas a queda de braço seguiu adiante (para aprofundar-se sobre detalhes dos eventos clique aqui) até a virada inédita de 24 de Janeiro.

Naquele final de tarde, o Papa Francisco convocou Festing e pediu sua demissão imediata, induzindo-o a escrever diante de sua presença a carta requerida. É claro que não sabemos todo o conteúdo do colóquio, mas a pressão moral deve ter sido fortíssima pra fazer Festing engolir o comunicado de alguns dias atrás onde ele defendia enfaticamente a soberania da Ordem. E também há rumores de que nessa carta de demissão, poderia haver referências ao papel ativo que o Cardeal Burke teria desempenhado na destituição de Boeselager.

Na verdade, desde que o caso explodiu, fontes bem próximas ao Papa Francisco insistem muito sobre uma suposta responsabilidade de Burke, o qual  teria ostentado um apoio inexistente do Papa à decisão de torpedear o Grão-chanceler. A partir deste ponto de vista, é interessante perceber, como exatamente sobre esse ponto têm insistido muito os cabeças do Vatican Insider, cujo trabalho de franco atiradores – como se sabe – é implacável. Em vão, Burke nega o fato e as circunstâncias, alegando que ele como Cardeal Patrono não tem voz nas decisões do Capítulo, que são fruto de procedimentos internos da Ordem. As acusações contra ele estão num contínuo crescimento, embora esteja claro que por trás do confronto na Ordem, há divisões que se arrastam há anos entre os diferentes grupos nacionais e que foram recentemente enriquecidas por uma disputa em torno de um legado de € 120.000.000 depositado em um Fundo na Suíça (clique aqui).

Em todo caso, ontem, 25 de janeiro, a Sala de Imprensa da Santa Sé – com um humorismo não-intencional – anunciou a aceitação da renúncia do Grão-Mestre Festing. Além do mais, divulgou a futura nomeação de um delegado pontifício chamado para governar a Ordem (confiada ao Grande Comendador nesse ínterim). Em outras palavras, a Ordem de Malta é considerada como  um “comissariado” da Santa Sé.

Esta é uma decisão sem precedentes, que causou grande confusão e terá repercussão internacional: a Ordem de Malta é de fato um Estado soberano, um Estado sem território, que também tem um embaixador junto à Santa Sé. Como bem observado pelo semanário britânico The Catholic Herald, a decisão do Papa equivale a uma anexação real, uma clara violação do direito internacional que, em última análise, ameaça até mesmo a independência da Santa Sé. Com um precedente deste tipo, como poderia a Santa Sé se defender legalmente se, por exemplo, um dia “o Governo italiano resolvesse ver a independência da Cidade do Vaticano como uma formalidade anacrônica”?

Enquanto isso, no presente, a decisão arrisca destruir a milenar atividade da Ordem de Malta que está presente em todo o mundo com “obras de misericórdia para os doentes, os necessitados e os sem pátria”, como ditado pela sua Constituição. A presença da Ordem de Malta em mais de cem países é garantida pela representação diplomática, que agora pode ser colocada sob discussão exatamente por causa desta perda de soberania.

Seria um dramático gol contra para a Igreja e seria verdadeiramente incompreensível se, em seguida, vier a ser confirmado que o objetivo de toda essa celeuma é a cabeça do Cardeal Burke. A insistência com a qual ele vem sendo acusado de ter feito do Papa um escudo para torpedear uma persona non grata – ignorando, no entanto, o fato de ele já ter negado isso  – indicaria a disposição para uma punição pesada (para um cardeal está entre as piores acusações). Ainda mais se for confirmada a “confissão” imposta ao Grão-Mestre Festing. Tudo isso nos leva a pensar que querem se aproveitar desta oportunidade para chegar àquela punição exemplar invocada por alguns prelados logo após a publicação dos Dubia que os cardeais haviam assinado: ou seja, a remoção do título de Cardeal.

De qualquer modo, a impressão é de que estamos só no início.

6 comentários sobre “O Papa “comissaria” a Ordem de Malta. Agora se espera a punição para o Cardeal Burke.

  1. Ainda a noite das facas longas não terminou já Malta foi anexada, resta-nos esperar por uma longa guerra universal contra a Igreja de Cristo e a todos aqueles que Lhe são fiéis. Pelos vistos tristemente as analogias do papa aplicam-se a ele próprio com grande exactidão.

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  2. Honestamente? É preciso que o humilde Francisco tumultue e desrespeite ainda mais a Igreja e seu esposo para que os católicos de boa vontade acordem para o que está acontecendo. De todo este processo sairá uma profunda depuração. Estamos num período difícil, joelhos no chão e muita oração. Non praevalebunt.

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  3. O eminente e anti relativista cardeal Burke “tá nem aí” se acaso lhe usurparem o título de cardeal; já deixou claro a quem convier – inclusive ao papa Francisco – como se essa honraria o rebaixasse – ele pensa mais alto!
    O importante é que se parece com Trump: fala, critica, refuta, doa a quem doer e, se sentir que o papa Francisco quereria arrochá-lo, aguarde, pois jamais acuaria – osso duro de roer – e artilharia pesada tem de sobra!
    … *”E quanto ao medo de perder o Barrete Cardinalício, Burke assegurou que conhece qual seu dever e que não teme dizer a verdade. Disse temer estar defronte a Nosso Senhor no juízo final e ter que dizer: “Não te defendi quando estavas sendo atacado e a verdade que tu ensinastes estava sendo traída”.
    Ao ser perguntado se a situação atual se parece com o tempo da heresia Ariana no Século IV, disse que de certo modo sim: “Agora está em jogo as verdades da fé: As que se refere ao Sacramento do Matrimonio e as que se refere ao Sacramento da Eucaristia. E se a confusão atual for preservada, chegará um momento que haverá setores amplos de fieis sem a Fé Católica, como se encontrava quando Santo Ambrósio foi nomeado Arcebispo de Milão”….
    http://institutobentoxvi.blogspot.com.br/2017/01/cardeal-burke-explica-como-sera.html?m=1

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  4. “De acordo com o comunicado divulgado ontem pela Sala de Imprensa da Santa Sé, o Papa Francisco nomeará um delegado papal para assegurar o governo da Ordem de Malta, mas não especifica quais as suas funções e poderes concretos atribuídos, o que poderá ser especificado em um próximo decreto.

    Nos últimos anos foram nomeados delegados papais em duas ocasiões durante o Pontificado de S. S. Bento XVI, em 2010, para os Legionários de Cristo; e já sob o mandato do Papa Francisco em 2013, contra para os Franciscanos da Imaculada, outorgando a estes delegados, em ambas as ocasiões, plenos poderes de governo e obrigando a submeter à sua autoridade os superiores de ambas as congregações.

    Recorde-se que um delegado pontifício apenas responde ao soberano Pontífice, de modo que quem for nomeado para a Ordem de Malta estará acima do Cardeal Burke, atualmente encarregado das relações entre a Santa Sé e a Ordem. Ora, eles estão indo além dos limites; como se não existissem.”

    (http://www.sensusfidei.com.br/2017/01/27/o-que-nao-foi-dito-do-caso-da-ordem-de-malta-vinganca-dinheiro-poder-o-i-o-r-a-maconaria-o-papa-francisco-e-cardeal-burke/#.WItlrODmPqA)

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  5. É claro que tendo a Santa Sé intervido na Ordem de Malta e sendo nomeado proximamente pelo Papa um Delegado Apostólico para a dirigir, automaticamente que o cardeal Burke, cardeal patrono da Ordem, perderá as suas funções.

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