Dom Athanasius Schneider: “Santíssimo Padre, Papa Francisco, o senhor não conseguirá destruir o rito tradicional da Missa”.

Por ocasião da Conferência sobre a Identidade Católica organizada pela revista The Remnant nos dias 1 e 2 de outubro de 2022, em Pittsburgh (Estados Unidos), D. Athanasius Schneider fez várias declarações. Encontraremos aqui as palavras mais significativas do Bispo Auxiliar de Astana (Cazaquistão), sobre a Missa tradicional e as perseguições da qual é submetida em Roma e nas dioceses.

Fonte: DICI – Tradução: Dominus Est

No LifeSiteNews de 4 de outubro, pode-se ler estas palavras extraídas de sua conferência em Pittsburgh: “As autoridades em exercício odeiam o que é sagrado, e é por isso que eles perseguem a Missa tradicional”. Palavras fortes complementadas por este sábio apelo: “no entanto, não devemos responder com raiva e pusilanimidade, mas com profunda certeza da verdade, paz interior, alegria e confiança na Providência divina.

athanasius

O prelado também afirmou: “O fato de declarar que o Rito reformado do Papa Paulo VI é a única expressão da lex orandi  do Rito Romano – como faz o Papa Francisco – é uma violação da tradição bimilenar respeitada por todos os pontífices romanos que nunca mostraram uma intolerância tão rígida.

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Uma crítica doutrinária de “Desiderio desideravi”.

Introdução do Editor: O site OnePeterFive está publicando, em cinco artigos sucessivos, um importante estudo de José Antonio Ureta a respeito dos fundamentos teológicos sobre os quais repousa a recente exortação apostólica Desiderio desideravi. O autor argumenta que esses fundamentos diferem manifestamente daqueles da encíclica Mediator Dei de Pio XII, na medida em que a primeira acentua precisamente as perigosas inclinações do “Movimento litúrgico” na sua fase terminal, contra as quais o último Papa pré-conciliar quis alertar os fiéis. A seguir, o primeiro dos artigos, traduzido por Hélio Dias Viana.

A primazia do culto de adoração

José Antonio Ureta

A necessidade de um exame cuidadoso

Nos meios tradicionalistas, os comentários sobre a exortação apostólica Desiderio desideravi limitaram-se até agora a lamentar a reiteração da tese de que a missa de Paulo VI é a única forma do rito romano e a negar que o novo Ordinário da Missa é uma tradução fiel dos desejos de reforma expressos pelos Padres conciliares na Constituição Sacrosantum Concilium.

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Carta aberta do Pe. Paul Aulagnier (+ 06-05-2021) do IBP ao Papa Bento XVI.

Faleceu ontem padre Paul Aulagnier, um dos fundadores do Instituto do Bom Pastor e dos primeiros discípulos de dom Lefebvre. Há diversas publicações dele no histórico de nosso blog — a seguir, republicamos um post de 2009. RIP.

Original em La Revue Item

Tradução de Marcelo de Souza e Silva

Santíssimo Padre,

Permiti-me dirigir-me a vós com toda simplicidade de coração, com toda lealdade num espírito filial. Permiti-me expressar minha inquietação… desta maneira em uma «carta aberta», minha estupefação sobre um ponto preciso: a condenação de Dom Lefèbvre. Não compreendo porque vós não reexaminais este assunto.

Esta é a razão desta minha defesa.

Vós bem sabeis que ele foi um grande prelado, um grande missionário. Delegado apostólico para a África de língua francesa. Ele foi o grande defensor da Igreja em terras africanas. Deixou, quando de lá partiu, uma obra extraordinária. Tal é o reconhecimento de todos. Tudo isso postula em seu favor.

Tendo ele retornado à França, foi nomeado pelo Papa João XXIII, Arcebispo-bispo de Tulle, pôs-se então à tarefa sem ressentimentos e com o mesmo zelo que na África. Uma única coisa lhe interessava: servir a Igreja na fidelidade ao Sumo Pontífice. Apenas nomeado para a diocese de Tulle, ele foi eleito superior geral da Congregação dos Padres do Espírito Santo, uma congregação forte que contava mais de cinco mil membros no mundo todo.

O Concílio Ecumênico do Vaticano II fora então convocado pelo Papa João XXIII. Enquanto superior geral ele participou das sessões preparatórias do Concílio. Ele nos contou tudo… assim que tivemos a graça de conhecê-lo primeiro em Roma depois e em seguida em Ecône.

Abbé Paul AulagnierDolorosamente afetado pela crise sacerdotal, pelo colapso das vocações no Ocidente e pela perda do senso sacerdotal, tendo sido liberado de todas as suas responsabilidades – ele apresentou sua demissão, Roma o aconselhara a tal – ele decidiu enfim fazer de tudo para lutar contra. Fundou seu seminário em Friburgo com a autorização episcopal de Dom Charrière e com os encorajamentos do Cardeal Journet. Ele criou seu instituto sacerdotal: a Fraternidade Sacerdotal São Pio X, sempre com a autorização de Dom Charrière, Bispo de Friburgo-Lausanne-Genebra. Que alegria foi a sua logo que recebeu o decreto do bispo! Uma alegria própria da Igreja! Ele nos ensinou a grandeza do sacerdócio, seu papel, seu sentido.  Ele nos fez apreciar o tesouro da Missa, da Missa Católica. Ele nos fez relembrar sua finalidade, seus frutos e sua importância para o sacerdote e para os fiéis. Ele nos deu desde o coração até a obra um «moral de ferro». Ele multiplicou seus contatos para permitir a expansão de sua obra. Ele era incansável.

Chegou o ano de 1969, abril de 1969. Deu-se a publicação da Constituição Missale Romanum e do novo rito da Missa, a Nova Missa de Paulo VI. Terrível reforma litúrgica… contestada, contestável, que ia abalar desde as bases ao cume a Santa Igreja e sua unidade.

Teólogos se levantaram para se opor a aquilo, cardeais também. Intelectuais de renome fizeram ouvir sua voz. Para citar apenas um nome, permiti que eu invoque o Cardeal Ottaviani. Em uma carta ao Sumo Pontífice, Paulo VI, ele lhe apresentou uma crítica ao novo rito pedindo-lhe «ab-rogar este novo rito ou, ao menos, não privar o orbe católico, da possibilidade de continuar a recorrer à integridade e fecundidade do Missal Romano de São Pio V». Tudo isso provocou grande celeuma. Dom Lefèbvre tomou posição tarde demais.

Foi somente em 2 de junho de 1971 que ele reuniu em Ecône seu corpo docente e os seminaristas. No dia seguinte, ele foi ter com «os teólogos» e os seminaristas. Ele expôs sua posição. Explicou sua intransigência, seu «non possumus», com argumentos claros. Ele nos deixou, ao fim desta conferência, um texto, um pequeno texto que resumia sua corrente de pensamento. Naquela época, eu, seminarista, guardei ciosamente esse texto. Com freqüência eu o lia e relia. A posição de nosso fundador é simples, doutrinal, fundamentada sobre a mais segura teologia, sobre os decretos solenes do Concílio de Trento e sobre os princípios do Direito Canônico. Esta posição era púbica. Ela está escrita. Nas conferências ele jamais cessou de explicá-la e de justificá-la.

Ora, foi em razão dessa posição sobre a Missa que Dom Lefèbvre foi condenado.

Sua fundação foi tratada inicialmente como «selvagem». O primeiro a pronunciar tal termo foi Dom Etchegaray. Ele era naquela época Arcebispo de Marselha… Primeira afirmação falsa: Seu seminário não tinha nada de selvagem, tampouco seu instituto. «Tudo» foi aprovado por Dom Charrière, por Dom Adam. A fundação de Albano gozou do beneplácito do bispo local. Nada de «selvagem» a bem da verdade. Muito ao contrário, Dom Lefèbvre, como homem da Igreja, respeitador de suas leis, quis fazer tudo de acordo com as autorizações necessárias. E foi assim que ele fez. Mas pouco importava, ele não estava mais na linha. Porque ele não queria seguir cegamente as reformas conciliares… Tendo ele impedido que se voltasse atrás, era necessário desacreditá-lo. Suas fundações só poderiam ser classificadas como selvagens e condenadas.

Iniciava-se o ciclo infernal.

Então teve lugar uma visita canônica. Dom Onclin e Dom Deschamps foram enviados de Roma. Eles tinham propostas «novas» de tal forma que Dom Lefèbvre precisou protestar logo que ambos partiram. Foi quando surgiu então seu protesto de Fé de 24 de Novembro de 1974. Deus! Como tal declaração fez jorrar tinta! Como foi comentada! No exterior e no interior… e pelo próprio corpo docente. Era necessário que Dom Lefèbvre se retratasse. «Ele assinara sua própria condenação»… E foi então intimado em Roma diante de uma comissão «ad hoc», diante do Cardeal Garonne, Cardeal Wright e Cardeal Tabera. Eles tentaram convencê-lo da «futilidade» de sua posição. Tentativa inútil. Eles não imaginaram que encontrariam tamanha segurança, tamanha força, a força simples da doutrina católica, amada mais que a si mesmo.

Não podendo convencê-lo, era necessário esmagá-lo. Assim, sobrevieram-lhe as sanções canônicas. As pressões psicológicas foram terríveis a princípio.

Houve a ameaça de se fechar o seminário da Fraternidade. Como as ameaças não o detiveram, delas se passou para as sanções. E foi Dom Mamie, Bispo de Friburgo, que tomou a frente em tudo isso. Ao pobre, foi-lhe dada ordem de não realizar as ordenações do dia 29 de Junho de 1976. Terrível dilema do qual eu fui uma testemunha privilegiada. Na noite do dia 28, em meu escritório, ele ainda buscava uma solução… pesava os prós e os contras… A festa já se aproximava com todo seu fulgor.

Tudo estava pronto… «apesar de tudo, dizia-me ele, podemos ainda não fazer as ordenações». Ele era de uma calma suprema, tranqüilo. E no dia 29, diante de uma imensa multidão, ele explicou sua atitude. Ele falou com clareza e sem meios termos: nossa fidelidade à missa de sempre, à missa codificada, e mesmo canonizada por São Pio V é a causa de nossas dificuldades com Roma.

A sanção canônica sobreveio em 22 de Julho de 1976. Ele foi declarado «suspenso a divinis». Ele não poderia exercer nenhum poder inerente ao seu estado sacerdotal e episcopal. Em Lille, aos 29 de Agosto de 1976, ele explicou tudo novamente. Ele falou abertamente da reforma litúrgica, da reforma da missa, da missa «equívoca». Foi lá que ele falou da missa «híbrida»: «a Nova Missa é uma espécie de missa híbrida que não é hierárquica, mas democrática, onde a assembléia ocupa lugar mais importante que o sacerdote». Pode-se resumir a posição de Dom Lefèbvre dizendo que ele rejeita a nova missa porque ela é equívoca, mais protestante que católica, distante da Tradição católica e até mesmo em total ruptura com a Tradição e os dogmas católicos.

E o conflito perdurou. Hoje, vós sois a autoridade. É por isso que eu me dirijo a vós. Vós tendes mantido a condenação de Dom Lefèbvre, de sua fundação, de seus sacerdotes porque eles querem permanecer fiéis a esta Missa católica para salvaguardar sua Fé, garantia da eternidade.

No entanto, vós, quando éreis cardeal, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, vós vos tornastes bem severo quanto a essa reforma litúrgica que nos entristece.

Permiti que eu vos cite.

Vós prefaciastes um livro de Monsenhor Gamber em sua edição francesa gratamente difundida por Dom Gérard Calvet e intitulada A Reforma Litúrgica em Questão. Neste prefácio, vós elogiastes Monsenhor Gamber por sua obra teológica e litúrgica. Vós o recomendastes fortemente e fizestes dele um modelo, «um padre» desse renovar litúrgico que  trouxestes e ainda traz entre todos os vossos anseios. «Esse novo recomeço precisa de padres que lhe sejam modelos… Quem procura hoje tais padres encontrará um sem sombra de dúvida na pessoa de Monsenhor Klaus Gamber… ele poderia com sua destreza litúrgica – vós o dissestes – tornar-se um padre do novo recomeço» (p. 7). Não se pode ser mais claro.

Vós criticais «graciosamente» neste prefácio a reforma litúrgica. Vós afirmais que «a liturgia é (deve ser) um desenvolvimento contínuo», harmonioso (p. 7). E de fato a liturgia católica foi isto, aquela codificada por São Pio V. Ela evoluiu harmoniosamente através dos séculos. Tal se pode dizer tanto da liturgia quanto da doutrina católica. Não há pior herético que o «fixista». Não há nada mais radicalmente estático que a morte. A liturgia católica não é isso. Nós bem o sabemos. Isto posto, vós partis «em guerra» contra a liturgia reformada oriunda do Concílio Vaticano II. «O que se deu após o Concílio significa uma outra coisa: no lugar da liturgia, fruto do desenvolvimento contínuo, foi colocada uma liturgia fabricada. Saiu-se do processo vivo de crescimento e de transformação para se vagar na fabricação». Esta é a obra de Dom Bugnini. «Não se quis continuar a transformação e a maturação orgânica do ser vivo pelos séculos e as substituíram – segundo um modo de produção técnico – pela fabricação, produto banal do momento» (p. 7).

Vós dissestes também: «A liturgia não é o produto do nosso fazer». Esta é a grande idéia de Monsenhor Gamber. Dom Lefèbvre teria sido desta mesma opinião, ele que sustentou até a ruptura as reformas de São Pio X, de Pio XII e mesmo de João XXIII em matéria litúrgica, contra certos seminaristas americanos que as rejeitavam.

Vós nos pedistes que pendêssemos para o pensamento de Monsenhor Gamber, que nós o tomássemos por nosso. Vós destes uma aprovação sentida de sua obra. É o que eu tenho feito.

Por vossa recomendação, eu li este livro. Devo confessar que jamais encontrei crítica tão forte, tão radical à Nova Missa mesmo sob a pena de Dom Lefèbvre.

Então observe agora minha questão. Vêde onde quero chegar. Vêde o que eu quereria vos dizer se vós me recebêsseis: «Por que aprovar tão denodadamente Monsenhor Gamber, aplaudi-lo, recomendá-lo e continuar a reprovar Dom Lefèbvre?» Monsenhor Gamber é, porém, ainda mais severo em sua crítica ao novo rito que Dom Lefèbvre. Não haveria então dois pesos e duas medidas? Eis meu pasmo e mesmo minha angústia!

Vêde algumas críticas de Monsenhor Gamber: «Colocou-se, doravante (com a reforma litúrgica) e de modo exagerado, o peso sobre a atividade dos participantes, deixando num segundo plano o elemento cultual» (p. 15).

Foi isso que Dom Lefèbvre afirmou em Lille, nem mais, nem menos. «Esse (elemento cultual, i.e. o Sacrifício, a própria ação eucarística) foi empobrecida mais e mais no nosso meio». «Do mesmo modo, agora falta em larga medida a solenidade que faz parte de toda a ação cultual, sobretudo se esta é realizada diante de uma grande multidão» (p. 12). É isso o que nós dizemos, nem mais, nem menos. Monsenhor Gamber ousa escrever a este respeito: «Em lugar da solenidade vê-se reinar freqüentemente uma austeridade calvinista» (p. 13).

Monsenhor Gamber prossegue… «Não raro, vemos certos ritos serem desprezados pelos próprios pastores e deixados de lado sob pretexto de que seriam antiquados: não se quer deixar suspeitar que se teria fracassado o trem da evolução moderna. Não obstante, uma multidão do povo cristão permanece ligada a tais formas antigas cheias de piedade. Os reformadores de hoje, muito apressados, não consideraram suficientemente até que ponto, no espírito dos fiéis, a doutrina e as formas piedosas coincidem. Para muitos modificar as formas piedosas significa modificar a fé».

Prefaciando este livro, vós destes vossa aprovação a esta crítica geral.

Dom Lefèbvre disse a mesma coisa. Ele não cessou durante toda a sua vida de nos lembrar o axioma fundamental em matéria litúrgica: lex orandi, lex credendi. Foi o tema de sua conferência – entre mais de mil – de 15 de Fevereiro de 1975, dada em Florença: «Para muitos, modificar as formas tradicionais significa modificar a fé».

«Os responsáveis na Igreja não escutaram a voz daqueles que não cessaram de adverti-los pedindo-lhes que não suprimissem o Missal romano tradicional (e autorizassem a nova liturgia somente em certo limites e «ad experimentum»)… Hoje, eis infelizmente esta situação: numerosos bispos se calam diante de quase todas as experiências litúrgicas, mas reprimem mais ou menos severamente o sacerdote que, por razões objetivas ou de consciência, se prende à antiga liturgia» (p. 14).

Foi a essa constatação que chegaram os «Grandes» no cardinalato. Foi isso o constatado por Dom Lefèbvre. Era isso o que fazia com que Dom Lefèbvre se ativesse por razões objetivas ou de consciência à antiga liturgia.

Então, já que vós sustentastes o pensamento de Monsenhor Gamber, visto haverdes prefaciado seu livro, querei, eu vos suplico fazer abrir o dossiê «questão Lefèbvre» e o julgar em bom e devido modo.

Monsenhor Gamber é deveras severo… contra essa reforma litúrgica. Após ter reconhecido que «as inovações litúrgicas» são possíveis, mas que tudo deve ser feito «com bom senso e prudência». Isso não é a razão última, mas pouco importa, ele conclui voltando-se então para o concreto da reforma litúrgica nascida do Concílio Vaticano II: «A ruptura com a Tradição está doravante consumada». Ele sublinha ainda: «Pela introdução da nova forma da celebração da Missa (trata-se aqui do próprio rito novo) e dos novos livros litúrgicos, e ainda mais pela liturgia concedida tacitamente pelas autoridades, organizada livremente na celebração da missa sem que se possa auferir de tudo isso uma vantagem do ponto de vista pastoral (e isto é o mínimo que se pode dizer!), juntamente a tudo isso, prossegue ele, constata-se em larga medida, uma decadência da vida religiosa que, é verdade, tem também outras causas. As esperanças postas na reforma litúrgica – já se pode dizer – não foram realizadas».

Vós prefaciastes isto.

Dom Lefèbvre jamais usou termos tão fortes e brutais.

Por graça! Retomai o dossiê. Dai nova vida ao recurso que o próprio Dom Lefèbvre levou às mãos do Prefeito da «Assinatura Apostólica» da época, mas que este último não pôde tratar por ordem do onipotente Cardeal Dom Villot. Hoje, vós tendes poder para isso. Fazei cessar a injustiça na Igreja… na França de modo particular… Fazei cessar a injustiça contra Dom Lefèbvre.

Vêde ainda! «De ano em ano, a reforma litúrgica, louvada com excesso de idealismo e grandes esperanças por numerosos sacerdotes e leigos, prova ser, como nós já havíamos dito, uma desolação de proporção assustadora». (p. 15)

Dom Lefèbvre disse isso, mas digo que jamais o fez tão fortemente.

Nosso autor prossegue: «Em vez das esperadas renovação da Igreja e da vida eclesiástica, nós assistimos a um desmantelamento dos valores da Fé e da piedade que nos foram transmitidas, já no lugar de uma renovação fecunda da liturgia, vemos uma destruição das formas da missa que foram organicamente desenvolvidas no curso dos séculos» (p. 15).

Vós aprovastes este julgamento, vós o prefaciastes elogiosamente. Dom Lefèbvre, que não disse nada além disso, foi condenado, mas Monsenhor Gamber foi aplaudido.

Prossigo minha leitura: «…a isto some-se uma amedrontadora aproximação das concepções do protestantismo sob a bandeira de um ecumenismo mal compreendido… Isto significa nada menos que o abandono de uma tradição até então comum ao Oriente e ao Ocidente» (p. 15).

Dom Lefèbvre não disse outra coisa. Foi o que ele disse em um artigo publicado em 1971 em La Pensée Catholique – mas já escrito em pleno Concílio: «Para se permanecer católico seria necessário tornar-se protestante?»… E ele concluía: «Não se pode imitar os protestantes indefinidamente sem de fato se tornar um». Mas eu julgo Monsenhor Gamber mais categórico ainda. Ele mesmo fala «de uma amedrontadora aproximação das concepções do protestantismo». A linha de pensamento é a mesma!

Então como é possível tecer louvores a um, Monsenhor Gamber, e continuar a condenar o outro, Dom Lefèbvre. Ambos dizem o mesmo.

Por graça, abri novamente o processo de Dom Lefèbvre. Esta é uma súplica legítima.

Monsenhor Gamber, em um segundo capítulo, trata da «ruína» do rito romano. Ele o pranteia, como vós o fazeis em vosso Motu Proprio Summorum Pontificum. De tal modo ele avança em sua análise que chega ao ponto de dizer que o rito novo, sem ser de per si inválido – o que Dom Lefèbvre jamais disse – é celebrado com mais e mais freqüência de maneira inválida. Dom Lefèbvre disse exatamente a mesma coisa. Nem mais, nem menos. Ele é apenas um pouco mais preciso: «Todas essas mudanças no novo rito são realmente perigosas, porque pouco a pouco, sobretudo para os jovens sacerdotes que não mais têm a idéia de sacrifício, da presença real e da transubstanciação, e para os quais tudo isso não significa mais nada, esses jovens sacerdotes perdem a intenção de fazer o que a Igreja faz e não celebram mais missas válidas» (Conferência de Florença de 15 de Fevereiro de 1975).

Esta foi a grande preocupação de João Paulo II no fim de seu reinado, sobremodo expressa em sua encíclica «Ecclesia de Eucharistia».

Eu passo, pois, ao capítulo IV do livro: o julgamento do prelado é terrível.

Ele expõe a princípio, brevemente, porém adequadamente, a reforma luterana, a reforma que Lutero fez a Missa católica sofrer, a Missa romana. «O primeiro, escreveu ele, a ter empreendido uma reforma da liturgia e isso em razão de considerações teológicas foi, incontestavelmente, Martinho Lutero. Ele negava o caráter sacrificial da Missa e por isso se escandalizava com certas partes da Missa, em particular as orações sacrificiais do Cânon» (p. 41).

Daí advém a reforma que ele empreendeu da missa e logo de início suprimiu as orações sacrificiais, mas ele agiu prudentemente – com a prudência da carne – para não chocar e criar reações.

Ora, nada de tão comparável com a reforma litúrgica conciliar.

Monsenhor Gamber é terrível. Ele afirma inicialmente que se agiu muito brutalmente no Concílio: «A nova organização da liturgia e, sobretudo, as modificações profundas do rito da Missa que apareceram sob o pontificado de Paulo VI e entrementes se tornaram obrigatórias – pode-se legitimamente discutir este ponto – foram muito mais radicais que a reforma litúrgica de Lutero e levaram muito menos em conta o sentimento popular» (p. 42).

Depois, ele afirma que alguns elementos da doutrina protestante foram levados em conta para justificar a reforma litúrgica. Ele fala ainda da «repressão do elemento latrêutico», «a supressão das formulas trinitária», e enfim do «enfraquecimento do papel do sacerdote». Aqui se encontra, pura e simplesmente, as afirmações de Dom Lefèbvre, aquelas do «Breve Exame Crítico» apresentado ao Papa pelo Cardeal Ottaviani. E diz ainda que «não foi suficientemente esclarecido em que medida, tanto aqui quanto no caso de Lutero, as considerações dogmáticas puderam exercer alguma influência» (p. 42).

Ele reconhece que «foi a nova teologia (liberal) que apadrinhou a reforma conciliar». Ele se ressente de que o Papa Paulo VI não tivesse acreditado que deveria ter levado a sério «as críticas dogmáticas», «nem as imperiosas e ásperas repreensões dos cardeais de mérito – como aqui não se pensar no Cardeal Ottaviani, no Cardeal Bacci, os quais haviam lançado objeções dogmáticas quanto ao novo rito da missa – nem as instantes súplicas provenientes de todas as partes do mundo impediram Paulo VI de introduzir imperativamente o novo missal» (p. 43).

Assim, para Monsenhor Gamber cuja doutrina vós tanto nos recomendais, o «Novo Ordo Missae» teria «odores» protestantes pelos traços de teologia protestante, teologia liberal.

Confessai que tudo isso, objetivamente, pode impedir qualquer entusiasmo de celebrá-lo e torna difícil falar de «santidade» ou de «valor» do novo rito como vós nos pedis para fazê-lo na carta que endereçastes aos bispos. A contradição permanece!

Vós aprovastes estas críticas. Por que então continuais a condenar Dom Lefèbvre?

Seu erro foi talvez ter tido razão cedo demais, ou de ter sido, em sua época, um bispo de caráter… Mas se ele demonstrava essa qualidade quem poderia com razão criticá-lo, ainda mais por tal lucidez e tamanha força? Foram estes os motivos da condenação?

Após estas críticas gerais, Monsenhor Gamber chega a um ponto mais peculiar: à prex eucharistica. Ainda nesse ponto a crítica permanece terrível. «Os três novos cânons constituem por si mesmos uma ruptura completa com a tradição. Eles foram compostos de acordo com modelos orientais e galicanos, e representam, ao menos em seu estilo, um corpo estranho no rito romano» (49). Ele aprofunda um pouco mais em seu «menu» até as palavras da consagração, e é ainda mais severo: «A modificação ordenada por Paulo VI das palavras da consagração e das frases que se seguem… não tinha a menor utilidade para a pastoral. A tradução de «pro multis» para «por todos» que se refere a concepções teológicas modernas e que não é de modo algum encontrado em nenhum texto litúrgico antigo, é duvidosa e tem na verdade causado escândalo» (p. 50).

Monsenhor Gamber estava chocado, deveras chocado, com a mudança do termo «mysterium fidei» da fórmula da consagração do vinho. Mas sua explicação é luminosa: «Do ponto de vista do rito, é para se ficar estupefato ao ver que se tenha podido retirar, sem razão, o termo «mysterium fidei» inserido nas palavras da consagração desde por volta do século VI, para lhes conferir um significado novo; ele se tornou uma exclamação do sacerdote após a consagração. Uma exclamação desse tipo jamais esteve em uso. A resposta da assembléia: «Proclamamos, Senhor, a vossa morte…» só é encontrada em anáforas egípcias. Porém é estranha aos ritos orientais e a todas as orações eucarísticas ocidentais e está em total desconformidade com o estilo do cânon romano» (p. 50).

Desse modo, nós nos prontificamos a nos ater a crítica de Monsenhor Gamber. Eu creio que ela basta para poder justificar nossa posição prática. No entanto, porque quisemos permanecer ligados a estas críticas, àquelas do Breve Exame Crítico, que são as mesmas, nós fomos praticamente excomungados, cassados de nossas igrejas, nós fomos tomados por retrógrados. E nos disseram que não temos o senso da Tradição…

Mas então porque elevar às nuvens Monsenhor Gamber e continuar a combater Dom Lefèbvre? Eu não entendo.

Não haveria injustiça nisso? Eis o que eu tenho em meu coração e o que eu quero vos dizer, vós que sois o pai de todos.

Monsenhor Gamber vem a concluir o capítulo por este veredito: «Com o novo, quis-se mostrar aberto à nova teologia, tão equívoca, aberta ao mundo de hoje» (p. 54). «O que é certo é que o novo Ordo Missae, desta forma, não recebeu o assentimento da maioria dos padres conciliares».

Incrível!

Esta única afirmação deveria bastar para que qualquer um se ativesse firmemente ao antigo rito… «Mas vós não tendes o espírito do Concílio»! Esta arma que mata. No entanto, o que é este espírito do Concílio que é necessário ter para viver… Monsenhor Gamber o tinha? Mas que arbitrário! Que arbitrário!

Vós poderíeis talvez me dizer: «Tu te enganas. Não é a missa que põe o problema. Mas as sagrações. Dom Lefèbvre as realizou sem autorização pontifical. Por isso devia ser punido. Hoje, o novo Direito canônico prevê a excomunhão. Eis o problema! Eis o porquê da condenação». Mas é realmente esse o problema?

A idéia da sagração de um membro da Fraternidade havia sido aceita quando do protocolo de 5 de maio de 1988. Vós mesmo a havíeis aceitado.

Mas para o momento, permaneçamos ao nível do simples bom senso.

Dom Lefèbvre não foi menos amado pelas autoridades eclesiásticas após as sagrações que antes delas. Ele não foi menos execrado depois das sagrações que antes das mesmas. Antes delas, fizeram-lhe guerra, sua obra foi declarada «selvagem». Dom Garonne o declarou «louco»… Os bispos das dioceses lhe escreveram cartas horríveis quando ele visitava os tradicionalistas de suas dioceses. E que cartas!

Sim, Dom Lefèbvre já não era amado desde antes das sagrações. Ele não mais estava, parecia-lhe, em sua «comunhão». Já se lhe fechavam as igrejas. Os corações dos bispos se lhe fecharam… Mesmo em Roma, não se ousava mais recebê-lo… quando ele visitava um dicastério… o Prefeito ficava embaraçado… Ser visto com Dom Lefèbvre era comprometedor… Já muito antes das sagrações, ele era o « mal amado» da Igreja. Ele não tinha o espírito conciliar… E de fato, sua obra, sua obra sacerdotal foi interditada, seu seminário foi fechado. Interditadas as ordenações sacerdotais… Obviamente, ele nos ordenou para o Sacrifício da missa…! Ele era execrado por seus pares bem antes das sagrações e mesmo durante o Concílio.

Não se lhe perdoava a posição, sua presidência do Coetus internationalis Patrum.

Mesmo antes do Concílio, quando ele era Arcebispo-Bispo de Tulle, os cardeais e arcebispos da França lhe fechavam a porta de suas assembléias e reuniões. Mas ele tinha pleno direito a tomar parte nelas. Eles lhe recusavam tal. Isto é histórico! Se o Cardeal Richaud – então Arcebispo de Bordeaux – estivesse ainda neste mundo, ele poderia testemunhar quanto a isso.

Dom Lefèbvre no-lo disse. Mas ele ria-se disso. Ele não era rancoroso. Sim, mesmo antes das sagrações, Dom Lefèbvre não era amado. Era assim.

Sob esses aspectos, o problema das sagrações toma seu sentido verdadeiro. É na verdade um problema menor, o que quer que se diga… Neste sentido, as sagrações não foram a razão fundamental de sua excomunhão. Na prática, ele já o era. Após as sagrações ele se tornou, pode-se dizer, canonicamente. E isso não mudou quase nada… A pena canônica – sua declaração – foi inicial e essencialmente diplomática: para fazer medo e assustar os fiéis e lhes fazer abandonar o barco… O Cardeal Gagnon julgou mal.

Mas admitamos que a excomunhão tenha sua razão essencial e exclusiva nas sagrações. Esta ação – esta sanção – estende-se a Dom Lefèbvre, aos quatro bispos consagrados e ao co-consagrador Dom Castro Mayer… a mais ninguém, e de modo algum à Fraternidade Sacerdotal São Pio X e seus padres. Eles não estão excomungados. Eles estão na Igreja e são da Igreja. Eu mesmo nunca recebi a menor notificação de excomunhão. O Motu Proprio Ecclesia Dei Adflicta não me diz respeito diretamente.

Vós me direis talvez que a Fraternidade Sacerdotal São Pio X tenha sido suprimida por Dom Mamie, Bispo de Friburgo, e não exista mais. Ela não é mais de direito diocesano. Vós sois “zero”, nada. Vós não tendes qualquer existência legal.

Ah ! Permiti-me ainda!

Dom Mamie quis talvez suprimir a Fraternidade Sacerdotal São Pio X… Mas eu me permito humildemente vos lembrar que nós o fomos em razão de nossa ligação à missa tridentina e em razão de nossa rejeição do novo Ordo Missae.

Ora, prefaciando o livro de Monsenhor Gamber, vós prefaciastes nossas própria críticas.

Volto a repetir, Dom Lefèbvre e o Breve Exame Crítico são menos duros que Monsenhor Gamber e seu livro. Ademais vós nos dais razão em vosso recente Motu Proprio reconhecendo que a antiga missa «permaneceu sempre autorizada». Se ela permaneceu sempre autorizada, era legítimo a celebrar e ilegítimo condenar os que queriam celebrá-la.

Assim, pois, nossa condenação e nossa supressão estão sem razão suficiente.

Elas são injustas. Querei, Santíssimo Padre, restaurar a justiça, reparar a injustiça.

Dignai-vos, Santíssimo Padre, a receber a expressão de meu filial respeito e conceder-me vossa bênção.

Padre Paul Aulagnier.

Membro do Instituto do Bom Pastor.

Por que os católicos carismáticos deveriam apreciar a Missa Latina Tradicional.

Agradecemos a gentileza do Dr. Peter Kwasniewski por nos fornecer já traduzido seu artigo publicado originalmente em Rorate Caeli.

Por Peter Kwasniewski

Universidade Franciscana de Steubenville, 23 de setembro de 2020

Em que pese minhas considerações de hoje se concentrarem na Missa Latina Tradicional, também irei além disso. Falarei, dentre tantos aspectos, sobre a ocultação do Espírito Santo, o antigo rito do batismo e o papel do Espírito em nossa vida pessoal devocional. O presente caso que apresento a vocês na forma de um esboço rápido revela que o melhor veículo de apoio a uma vida vivida no poder e na graça do Espírito Santo é a liturgia católica tradicional e tudo o que vem nela embutido.

De início, eu gostaria de citar um fato intrigante da história da Igreja: ao longo dos 2.000 anos de cristianismo, o Espírito Santo nunca foi tão tematizado na teologia, na espiritualidade e na liturgia da mesma maneira que o Pai e o Filho foram. Por que isso aconteceu?

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Confusão em massa*: porque nem todas as Missas válidas são iguais.

Por Robert J. Siscoe – The Remnant | Tradução: Alexandre Semedo – Fratres in Unum.com – Alguma vez você já se questionou sobre como responder àqueles que igualam a eficácia da Missa Tradicional e a do Novus Ordo, direcionando a discussão para o âmbito da validade de ambas? Tais pessoas afirmam que qualquer Missa válida é uma renovação do Sacrifício de Nosso Senhor no Calvário, cujo valor é infinito, e, então, concluem que, sendo a Missa válida, ela também é de valor infinito, e, portanto, sempre eficaz para aqueles que freqüentam. Eles podem até admitir que uma Missa celebrada escandalosamente terá um efeito negativo sobre a disposição subjetiva dos presentes, o que poderia, talvez, diminuir a quantidade de graça que recebem; mas insistirão (ou pelo menos implicarão) que nem os abusos litúrgicos, nem um indigno sacerdote, nem orações aguadas ou música profana, por si só, diminuirão a eficácia da Missa ou os frutos dela derivados. 

A resposta para a pergunta acima (como a Missa Tradicional é mais eficaz do que o Novus Ordo?) é encontrada na distinção entre o valor intrínseco e extrínseco da Missa. Antes de aprofundar este assunto, vamos relembrar os quatro fins da missa. O Catecismo de São Pio X os explica da seguinte forma:  

“O Sacrifício da Missa é oferecido a Deus por quatro finalidades: (1) para homenageá-lo corretamente, e por isso é chamado Latrêutico; (2) Para agradecer a Ele por Seus favores, e por isso é chamado Eucarístico; (3) Para aplacá-lo, dar-lhe a devida satisfação pelos nossos pecados, e para ajudar as almas do Purgatório, e por isso é chamado Propiciatório; (4) Para obter todas as graças necessárias para nós, e por isso é chamado Impetratório.” 

Valores intrínseco e extrínseco. 

Ao considerar a eficácia da Missa, devemos distinguir entre o valor intrínseco e o extrínseco. O valor intrínseco refere-se ao poder eficaz do próprio Sacrifício. Como a Missa é essencialmente idêntica ao Sacrifício de Cristo no Calvário, de valor infinito, o valor intrínseco de qualquer Missa é, em si, infinito. Em Fundamentals of Catholic Dogma, lemos: 

“O valor intrínseco da Missa, ou seja, sua dignidade peculiar e o poder eficaz intrínseco a ela (in actu primo) é infinito, devido à dignidade infinita do Dom do Sacrifício, e à dignidade infinita do Sacrificante primário”. (1) 

Com relação ao valor extrínseco da Missa, é preciso fazer uma distinção entre o valor extrínseco quanto a Deus (a quem ela é oferecida), e o valor extrínseco em relação ao homem (por quem ela é oferecida). Uma vez que Deus é um ser infinito, e, portanto, capaz de receber um ato infinito, a adoração (fim latrêutico) e a ação de graças (fim eucarístico) oferecidas a Deus em virtude do sacrifício são em si infinitas. (2) Mas, uma vez que o homem é uma criatura finita, incapaz de receber efeitos infinitos, os efeitos da Missa em relação ao homem – que são chamados de “os frutos da Missa” – são limitados. 

Em seu magnífico livro, The Holy Sacrifice of the Mass, o Padre Nicholas Gihr escreveu: “Se considerarmos o Sacrifício eucarístico em si … bem como os tesouros inescrutáveis ​​aí encerrados … perceberemos como a Santa Missa possui um valor absolutamente infinito” e, em seguida, um pouco mais adiante acrescentou: 

“Mas é diferente quando o Sacrifício Eucarístico é considerado em sua relação com o homem. A partir deste ponto de vista, a Missa tem como objetivo a aquisição de nossas salvação e santificação, e é, portanto, um meio de graça, ou melhor, uma fonte de graça, trazendo-nos as riquezas das bênçãos celestiais. (…) Os frutos que o Sacrifício da Missa nos obtém de Deus são apenas finitos, ou seja, limitados a um determinado número e a uma medida determinada… O Sacrifício da Missa, portanto, no que diz respeito ao homem, só pode ter uma eficácia restrita e em seus frutos é susceptível apenas de aplicação limitada. “(3) 

O mesmo autor prossegue explicando que a eficácia limitada “não reside na essência ou o valor do Sacrifício, uma vez que este possui um poder infinito para produzir todos os efeitos”. Pelo contrário, “a razão última e decisiva da aplicação mais ou menos abundante das graças deste sacrifício é a vontade mesma de Cristo, em outras palavras, deve ser buscada na determinação positiva de Deus”. (4) Ele explica que, ainda que a própria Missa seja uma fonte infinita de graças, quando se trata de “distribuição de Seus dons, Deus requer a nossa cooperação”. (5) 

Os Frutos da Missa 

O fruto que deriva de uma determinada Missa a um indivíduo não se baseia apenas em sua piedade pessoal ou em sua devoção, que são apenas alguns dos fatores que determinam a quantidade de graça que se recebe. Há outros fatores também que têm um certo peso sobre a eficácia de uma determinada Missa, como a santidade do sacerdote, a glória externa dada a Deus pelo rito, e até mesmo a santidade geral da Igreja em seus membros numa determinada época. Estes fatores externos afetam a quantidade de graça que uma pessoa recebe, de tal forma que se pode obter mais fruto da assistência devota de uma determinada Missa do que de uma assistência igualmente devota, porém de uma Missa diferente. 

A santidade da Igreja 

Um fator determinante da eficácia da Missa é a santidade geral da Igreja em seus membros em um determinado momento histórico, incluindo a dos bispos e a do papa reinante. Em relação a este ponto, a velha Enciclopédia Católica diz que “a grandeza e a extensão deste serviço eclesiástico depende da maior ou menor santidade do papa reinante, dos bispos, do clero e de todo o mundo, e, por isso, em tempos de decadência eclesiástica e frouxidão moral (especialmente na corte papal e entre o episcopado) os frutos da Missa, resultantes da atividade sacrifical da Igreja, pode, em determinadas circunstâncias, ser muito pequeno “. (6) 

Em relação a este mesmo ponto, Pe. Gihr escreveu: “Mas uma vez que a santidade da Igreja consiste na santidade de seus membros, tal santidade não é sempre e invariavelmente a mesma, mas maior em um período do que em outro; portanto, o sacrifício da Igreja também é ora mais, ora menos agradável a Deus e proveitoso para o homem “. (7) 

Uma vez que este fator é baseado na condição moral da Igreja como um todo, ele terá um efeito igual em todas as Missas celebradas em um dado momento da história. Os próximos vários fatores, no entanto, são baseadas em circunstâncias específicas, que têm um efeito direto sobre a eficácia de Missas individualmente consideradas. 

O Sacerdote. 

Santo Tomás explicou que os frutos que derivam de uma determinada Missa se ​​baseiam, em parte, na santidade do sacerdote celebrante que intercede pelos fiéis, “e, neste sentido, não há dúvida de que a Missa é tanto mais frutífera quanto melhor for o sacerdote”. (8) 

A missa celebrada por um sacerdote irreverentemente indigno, ou pior ainda, por um que viola as rubricas, será menos eficaz e, portanto, produzirá menos frutos do que uma celebrada por um sacerdote santo, que a reza com devoção e que segue as rubricas com precisão. Assim, como o Pe. Gihr observou, “os fiéis são, desta forma, guiados por um são instinto quando preferem assistir a uma Missa, celebrada em suas intenções, por um sacerdote reto e santo, em vez de por um indigno…” (9) São Boaventura disse que “é mais lucrativo ouvir a missa de um bom sacerdote do que de um que seja indiferente “. 

O Cardeal Bona ( + 1674) explicou este ponto desta forma: 

“Quanto mais santo e agradável a Deus um sacerdote é, tanto mais aceitáveis são as suas orações e oferendas; e, quanto maior a sua devoção, maior o benefício a ser obtido a partir de sua Missa. Pois, assim como outras obras boas realizadas por um homem piedoso ganham mérito em proporção ao zelo e devoção com que são realizadas, do mesmo modo a Santa Missa é mais ou menos rentável, tanto para o sacerdote que a diz quanto para as pessoas por quem é dita, conforme ela é celebrada com mais ou menos fervor”. 

O Rito. 

Outro fator determinante da eficácia de uma Missa é o grau de glória externa dada a Deus. Neste aspecto, nem todos os ritos são iguais; tampouco uma Missa rezada tem a mesma eficácia que uma Missa solene. Sobre este ponto, o Pe. Gihr escreveu:

“A Igreja não só oferece o Sacrifício, mas, além disso, une à sua oferta várias orações e cerimônias. Os ritos do Sacrifício são realizados em nome da Igreja e, portanto, fortemente movem Deus a transmitir Seus favores e a estender Sua generosidade para com os vivos e os mortos. Por causa da variedade das fórmulas da Missa, a eficácia impetratória do Sacrifício pode ser aumentada… também a natureza das orações da Missa (e até mesmo a natureza de todo o seu rito) exerce consequentemente uma influência sobre a medida e a natureza dos frutos do Sacrifício. Disto seguem várias conseqüências interessantes. Por exemplo, por parte da Igreja, uma missa solene celebrada tem maior valor e eficácia do que meramente uma Missa rezada (…) Em uma Missa Solene, seu aspecto é mais rico e mais brilhante do que em uma Missa rezada; pois uma celebração solene da Igreja, a fim de elevar a dignidade do sacrifício, manifesta maior pompa, e Deus é mais glorificado por ela. (…) Esta celebração maior e mais solene do sacrifício é mais agradável a Deus e, portanto, é pensada para melhor movê-lO a nos conceder, em Sua misericórdia, os favores que imploramos — ou seja, para conferir maior eficácia às petições e súplicas da Igreja. “(10) 

Mesmo a decora tem um efeito sobre os frutos da Missa, na medida em que contribui ou prejudica a glória externa de Deus. Como o Pe. Ripperger, FSSP, explicou em seu artigo sobre este tema: “Se usarmos objetos que não são apropriados à majestade e à natureza excelsa do Santo Sacrifício da Missa, nós podemos realmente diminuir seu mérito extrínseco. Coisas feias agradam menos a Deus e, portanto, têm méritos menores “. (11) 

O Novus Ordo Missae 

Se, como o Pe. Gihr observou acima, “a natureza das orações da Missa (e até mesmo a natureza de todo o seu rito)” têm um efeito sobre os frutos da Missa, isto não representa bom presságio para o Novus Ordo, que, para usar as palavras do Cardeal Ottaviani, “representa, tanto em seu todo quanto em seus detalhes, um surpreendente afastamento da teologia católica da Missa tal como foi formulada na Sessão XXII do Concílio de Trento”, e “tem todas as possibilidades de satisfazer o mais modernista dos protestantes “. (12) 

Quando consideramos o naufrágio litúrgico que é o Novus Ordo Missae e a maneira escandalosa em que a Missa é muitas vezes celebrada, é de se admirar que a Igreja esteja na condição em que está hoje? Recordemos as palavras estranhas e até mesmo sinistras utilizadas por Paulo VI quando ele introduziu a Missa Nova para o mundo em novembro de 1969. Em palavras que, sem dúvida, causaram ​​ansiedade a muitos, o Papa disse: 

“Nós lhes pedimos, uma vez mais, que mudem suas mentes quanto ao novo rito da Missa. Este novo rito será introduzido em nossa celebração do Santo Sacrifício a partir de domingo próximo, que é o primeiro do Advento… uma mudança em uma venerável tradição que já dura séculos. Isso é algo que afeta o nosso patrimônio religioso hereditário, que parecia desfrutar do privilégio de ser intocável e definitivamente estabelecido… Esta alteração afetará as cerimônias da Missa. Devemos tomar consciência, talvez com algum sentimento de aborrecimento, que as cerimônias no altar já não serão realizadas com as mesmas palavras e gestos a que estávamos acostumados… Temos de nos preparar para um inconvenitente multifacetado. É o tipo de transtorno causado por cada novidade que irrompe em nossos hábitos. Devemos observar que pessoas piedosas são as mais perturbadas, porque elas têm sua própria maneira respeitável de ouvir missa, e vão se sentir abaladas em seus pensamentos habituais e obrigadas a seguir os dos outros. Mesmo sacerdotes podem sentir algum incômodo a esse respeito… Temos que nos preparar. Esta novidade não é pouca coisa. Não devemos deixar-nos surpreender pela natureza, ou mesmo o incômodo, das formas externas (da Missa)… Vamos perder uma grande parte de algo que é artística e espirirualmente estupendo e incomparável: o canto gregoriano. Temos motivos de fato para pesar, razão quase para espanto“. (13) 

É, portanto, uma surpresa que uma Missa descrita pelo próprio Papa que a publicou como sendo um “inconvenitente multifacetado” e um “incômodo”, e que causaria “o sentimento de aborrecimento”, “arrependendimento” e “perplexidade”, tenha diminuído em muito valor extrínseco do rito, e, portanto, redundado em desastre para a Igreja? Quase 30 anos depois, o Cardeal Ratzinger escreveu: “Estou convencido de que a crise na Igreja que estamos vivendo hoje é, em grande medida, fruto da desintegração da liturgia.” (14) 

Muitas pessoas de pensamentos claros previram, desde o início, o desastre que resultaria do Novus Ordo. No exame crítico da Missa Nova (mais tarde conhecida como a Intervenção Ottaviani), que foi escrito por doze teólogos romanos e assinado pelos cardeais Ottaviani e Bacci (que o apresentaram a Paulo VI), lemos: 

“Abandonar uma tradição litúrgica que por quatro séculos foi tanto o sinal e o penhor da unidade de culto, e substituí-la por outra (que não pode deixar de ser um sinal de divisão em virtude das inúmeras liberdades implicitamente nela autorizadas, e que está repleta de insinuações ou de erros manifestos contra a integridade da religião católica) é, sentimo-nos em consciência obrigados a proclamar, um erro incalculável”. 

Eles observaram, ainda, que “tem sido sempre o caso de que, quando uma lei cuja intenção era proporcionar o bem dos indivíduos revela-se, pelo contrário, prejudicial, os súditos têm o direito, ou melhor, o dever, de pedir com confiança filial sua revogação”.

Infelizmente, a “lei” nunca foi revogada e a Igreja pagou o preço, como o próprio Cardeal Ratzinger observou em 1997. 

Conclusão 

O Catecismo de São Pio X explicou a diferença entre o Sacrifício do Calvário e do Sacrifício da Missa como se segue: “Na Cruz, Jesus Cristo ofereceu a si mesmo, derramando Seu sangue e adquirindo méritos para nós; enquanto que, em nossos altares, Ele se sacrifica sem derramamento de Seu sangue, e aplica em nosso favor os frutos da Sua paixão e morte.” Mas, como vimos, os frutos da Missa (os méritos aplicados a nós na Missa) são finitos em sua aplicação e dependem de muitos fatores: a santidade do sacerdote e a maneira em que ele diz a Missa terão um efeito sobre os frutos dela; o rito e até mesmo a decora terão um efeito sobre a quantidade de graças que se recebe, uma vez que quanto maior for a solenidade, a beleza e a grandeza da celebração, maior será a glória dada a Deus e, consequentemente, maiores serão as graças que Ele derrama sobre aqueles que assistem. 

Por essa razão, vale a pena o esforço extra para participar da Missa Tradicional, que Pe. Faber chamava de “a coisa mais linda deste lado do céu”, e evitar, a todo custo, o Novus Ordo Missae, a que o próprio Cardeal Ratzinger referiu como “uma invenção, um produto banal do instante”. (15)

* O título do artigo em inglês, Mass Confusion: Why All Valid Masses Are Not Equal, faz um trocadilho com o termo “Mass”, que em inglês significa Missa, para significar também uma “grande confusão”, ou “confusão em massa”, como traduzimos acima.

* * *  

Notas de rodapé:

1) Fundamental of Catholic Dogma, Ott, TAN, pg 414

2) Ibid
3) Holy Sacrifice of the Mass (Becktold Printing and Book Mfg Co, 1902), pg 137-138

4) Ibid. p. 138-139 

5) Ibid. p. 139

6) Catholic Encyclopedia, Vol. X (1913) p. 19

7) Holy Sacrifice of the Mass (Becktold Printing and Book Mfg Co, 1902), p. 144

8) Summa, St. Thomas, Pt III, Q 82, A.6

9) Holy Sacrifice of the Mass (Becktold Printing and Book Mfg Co, 1902), p. 147

10) Ibid p. 144-145

11) The Merits of a Mass, Fr. Ripperger, Latin Mass Magazine,

12) Ottaviani Intervention

13) Paul VI, General Audience, November 26, 1969

14) Milestones, Ratzinger, 1997

15) The Reform of the Roman Liturgy, by (Msgr Gamber, Introduction to the French edition

Novus Ordo em Latim e a Missa Tradicional em Latim: você consegue perceber a diferença?

Por Joseph Shaw – Latin Mass Society *

Tradução: Fratres in Unum.com

Asperges (na missa tridentina): não é algo que você deixaria de perceber.
Asperges (na missa tridentina): não é algo que você deixaria de perceber.

Acabei de ler em algum lugar sobre alguém ter sido mencionado por ter dito que, a não ser que você seja um perito litúrgico, dificilmente, você seria capaz de dizer a diferença entre a Forma Ordinária em Latim – o Missal de 1970 – e a Forma Extraordinária – o Missal de 1962. Não importa onde li isso ou quem estava sendo mencionado, porque já ouvi isso dezenas de vezes. E não faz mais sentido repetir essa alegação pela enésima vez.

O Evangelho: proclamado do lado norte do santuário em uma Missa Solene, neste caso, ou da extremidade norte do Altar, em uma Missa Cantata, e não a partir de um púlpito ou ambão (como na missa nova).
O Evangelho: proclamado do lado norte do santuário em uma Missa Solene, neste caso, ou da extremidade norte do Altar, em uma Missa Cantata, e não a partir de um púlpito ou ambão (como na missa nova).

Então, você vai para a sua paróquia local onde eles sempre celebram a Missa em Latim na Forma Ordinária (eu sei, elas são cifras isoladas no Reino Unido, mas siga comigo) e, quando o sacerdote entra, ao invés de dar a volta no altar e dizer a antífona de entrada (provavelmente, após esperar o término de um cântico no vernáculo) ele inicia um cântico que você nunca ouviu antes e asperge as pessoas com água benta. Oh, e ele está vestindo uma vestimenta completamente diferente, que em seguida ele retira muito publicamente a fim de colocar as suas vestes habituais, mas você ainda não tem a antífona de entrada; em vez disso, ele inicia um longo diálogo com os acólitos, e quando este chega ao fim, ao invés de dar a volta sobre o altar [e ficar de frente para o povo] ele permanece do lado designado ao sacerdote [i.e., versus Deum]. Então, você percebe que o altar está configurado de maneira diferente, com velas e um crucifixo na parte de trás, e que não há coroinhas meninas. E a música é completamente diferente, com o coral cantando o intróito e o Kyrie sem intervalo.

Comunhão distribuída aos fiéis ajoelhados e na língua. E olha lá a mantilha!
Comunhão distribuída aos fiéis ajoelhados e na língua. E olha lá a mantilha!

Epa! Você não percebe nada disso porque você não é um perito litúrgico. Mas talvez você perceba que o Evangelho é cantado em latim – sim, eu sei que você pode fazer isso e algumas das outras coisas que mencionei na Forma Ordinária, mas isso é tão comum quanto ter o sermão em latim, e se estivermos falando do que as pessoas percebem deveríamos ficar com o que realmente acontece, e não com o que é teoricamente possível. Bem como ter as leituras cantadas em latim, o púlpito não é usado. Caso você ainda não tenha percebido como as coisas são diferentes hoje em dia, o cânon da Missa é dito silenciosamente. Oh pare com isso, se você não percebe isso, então você é surdo ou dorminhoco. Talvez você acorde a tempo para o Último Evangelho.

Acabei de usar o exemplo de Missa Cantada em um domingo. Diz-se comumente que o contraste entre Forma Extraordinária-Forma Ordinária é menos visível com a Missa Cantada e isso é verdade, especialmente por causa da maneira que a congregação pode se unir em algumas das respostas, provavelmente, usando os mesmos tons. Em ocasiões onde há mais clérigos presentes, a diferença entre uma Missa Solene, com diácono e subdiácono, por um lado, e um grupo de padres concelebrando, do outro lado, é tão evidente que dificilmente precisarei explicá-la.

A consagração em uma Missa Solene.
A consagração em uma Missa Solene.

Se eu tivesse que comparar a Missa Tradicional Rezada com a Missa na Forma Ordinária em Latim sem música, as diferenças seriam ainda mais evidentes. As orações ao Pé do Altar dominam a seqüência de abertura dos eventos e as respostas sendo dadas pelo acólito sozinho conferem à Missa um sentimento muito diferente, da mesma forma que o padre celebrando ad orientem. E sim, eu sei que em alguns poucos lugares a Forma Ordinária é celebrada ad orientem, mas isso não é nem costumeiro nem recomendado pelas “regras”, a edição atual da Instrução Geral do Missal Romano. Se estivermos falando sobre um padre que siga “as regras”, então, devemos ser coerentes. (Para uma comparação lado-a-lado dos textos, veja aqui.)

Uma foto aleatória de uma Missa concelebrada. Não é algo facilmente confundível com a Missa Solene de 1962.
Uma foto aleatória de uma Missa concelebrada. Não é algo facilmente confundível com a Missa Solene de 1962.


Quando vejo uma alegação realmente tola como essa, repetida muitas vezes por pessoas aparentemente sãs, eu quero saber qual é a motivação por trás disso. Por que tantas pessoas querem minimizar a diferença entre as diferentes formas do Rito Romano? Talvez seja porque eles pensam que isso seja necessário para sustentar a alegação de que as duas celebrações do Sacramento da Santa Eucaristia são válidas (em todos os sentidos da palavra), mas eu não ouço eles alegarem que somente um perito perceberia que ele havia entrado em uma igreja de Rito Bizantino em uma manhã de domingo.

Então, mais uma vez, pode ser que o argumento seja mais ou menos esse: há diferenças superficiais e há diferenças profundas. O não perito não perceberá as profundas, e as superficiais são apenas superficiais, portanto, elas não contam. Sem dúvida isso pode estar no fundo das mentes das pessoas que dizem que as diferenças dificilmente são percebidas, especialmente, se elas negaram de antemão o Asperges e as Orações ao Pé do Altar como não essenciais, como não sendo realmente parte da Missa. Bem, talvez, mas isso não é a mesma coisa que dizer que as pessoas não as perceberão. De qualquer maneira, este argumento falha, e por um motivo importante.

Certamente, há muitas diferenças entre os Missais de 1962 e 1970 que são significativas, mas que não seriam percebidas, ou não entendidas plenamente, por um não perito, a maior parte, obviamente, mudanças das orações próprias [ndr: i.e., orações do próprio de cada missa]. Voltando à Missa Tradicional em Latim inesperada que eu estava descrevendo, o camarada nos bancos, caso esteja equipado com a tradução, talvez se surpreenda ao ouvir, por exemplo, a coleta do 4º domingo da Quaresma:

‘Concedei, Vos rogamos, ó Deus onipotente, a nós que somos afligidos por causa de nossas obras, respiremos aliviados pela consolação de vossa graça.’

O que ele não saberá, salvo se ele tiver lido sobre o assunto, é que para criar o Missal de 1970 centenas de coletas foram editadas ou reescritas para retirar as referências a pecado, punição, mérito, graça e intercessão dos santos. O que uma pessoa que freqüenta a Missa Tradicional em Latim há pouco tempo irá perceber, entretanto,  é outras diferenças com uma explicação semelhante, como, por exemplo, na Forma Extraordinária, o uso de preto para Missas de Requiem, e o Confiteor do sacerdote antes do que é dito pelo acólito.

Novamente, alguém seguindo a tradução para a Forma Extraordinária  poderá ficar ligeiramente surpreso com a referência a “oblação” no Ofertório, e refletir que ele não lê muito aquela palavra na tradução da Forma Ordinária em Latim. O que ele não sabe, salvo se ele tiver lido sobre esse assunto, é o esforço consistente pelos reformadores da liturgia para retirar elementos que criam uma barreira ecumênica, dos quais a noção de oblação é um primeiro exemplo. Todavia, o que ele notará serão outras coisas que servem para enfatizar doutrinas católicas distintas, como, por exemplo, a Presença Real, incluindo a genuflexão do padre antes de pegar as Espécies Sagradas, e a comunhão de joelhos e sobre a língua.

Em suma, uma vez que a reforma seguiu uma política consistente, as diferenças superficiais não são um mau guia para diferenças profundas. As coisas que as pessoas pegam (e às vezes reclamam) quando estão habituadas à Missa em uma forma e então são expostas a outra forma, talvez não sejam de enorme importância em si mesmas, mas em geral elas são ilustrativas das diferenças profundas de real importância teológica.

O maior paradoxo de todos com a alegação de que não peritos não perceberão a diferença é que ela tende a ser usada por pessoas que efetivamente são bastante sensíveis ao que os féis percebem quando a liturgia é alterada, e estão preocupadas com isso. A alegação é sempre a mesma: a fim de minimizar aborrecimentos e reclamações, se quisermos melhorar a liturgia deveríamos introduzir a Missa Nova em Latim em nossas paróquias, e não dar o grande salto para a Missa Tradicional em Latim.

Assim, o argumento é mais ou menos esse:

1. As pessoas dificilmente perceberão a diferença entre a Forma Ordinária em Latim e a Forma Extraordinária.

2. As pessoas que aceitarem com contentamento a Forma Ordinária em Latim ficarão muito aborrecidas por ter a Forma Extraordinária imposta sobre elas.

3. A diferença entre a Forma Ordinária e a Forma Extraordinária não tem importância real (conclusão do item 1).

4. Não vale à pena causar uma confusão na paróquia por utilizar a Forma Extraordinária quando você pode trazer a Forma Ordinária em Latim (conclusão dos itens 2 e 3).

O problema é que as alegações 1 e 2 são mutuamente contraditórias. (O item 3 não segue do 1)

Assim, esta confusão tem tudo a ver com o debate da “Reforma da Reforma” e a melhor maneira na prática para melhorar liturgia paroquial: algo que postarei amanhã.

* * *

Joseph Shawn é presidente da Latin Mass Society da Inglaterra e País da  Gales, afiliada da Una Voce. Portanto, não se pode lançar qualquer suspeita de “lefebvrismo” sobre o autor.

O Cacique, o Padre e a Missa.

Introibo ad altare Dei

Havia um Padre, ordenado há cerca de 3 meses na Congregação Missionária dos Xaverianos, que foi designado para trabalhar como missionário na Amazônia brasileira, onde há tribos que ficam muito tempo sem Missa, às vezes até três anos sem nem mesmo ver um Padre; só Deus sabe mesmo de quanto em quanto tempo essas tribos indígenas têm Missa.

Este Padre recém-ordenado foi rezar a Missa Nova em uma tribo no meio da selva que havia sido evangelizada pelos Missionários Montfortinos franceses, há muito tempo atrás. Depois que o Padre rezou a Missa Nova dele, todo contente, um velho Cacique da tribo veio até ele e disse-lhe:

Padre Pinzon e Padre Navas.
Padre Pinzon e Padre Navas.

– “Não tem mistério nenhum nisso que você acabou de fazer”.

E o Padre disse:

– “Como não tem mistério? Isso aqui é Missa! Como você pode dizer que não tem mistério?”

– “Isso não é a Missa”, respondeu o Cacique.

– “E qual que é a Missa?”, indagou o Padre.

– “É aquela que o Padre diz: Introibo ad altare Dei”, falou o Cacique.

Esse Padre nunca tinha ouvido falar dessa Missa onde se dizia “introibo ad altare Dei”. No entanto, essa era a Missa da qual esses índios ficaram privados durante tanto tempo e na qual aquele velho Cacique havia sido acólito e coroinha do missionário, já falecido, que evangelizou aquela tribo há tantos anos atrás.

O Padre, ao retornar à sua casa, foi falar sobre a Missa com seu Superior, que lhe disse:

– “Esses índios ignorantes não sabem nada, por que é que você está indo atrás deles? Eles não conhecem nada”.

Porém, o Padre foi à biblioteca e encontrou uma foto do seu Superior rezando a Missa de São Pio V, usando uma casula e na posição versus Deum. Então ele começou a querer saber sobre isso e acabou entrando numa crise espiritual. Perdeu tudo o que tinha (carro, celular, rádio, etc.) e ficou 6 meses sem conseguir rezar a Missa Nova, aliás, nenhuma Missa, porque ele não conhecia mais a Missa.

O Padre voltou para sua terra, a Colômbia, onde encontrou o Pe. Rafael Navas, que naquela época pertencia à FSSPX (Fraternidade Sacerdotal São Pio X), e foi quem lhe explicou qual era o problema do Concílio Vaticano II e da Missa Nova. Pe. Navas conseguiu que ele fosse para La Reja, na Argentina, no seminário São Pio X. Lá, esse Padre ficou 4 ou 5 anos, onde aprendeu a rezar a Missa de São Pio V. (Atualmente, Pe. Rafael Navas é o superior do IBP do Chile e de toda a América Latina)

Voltando para a Colômbia, este Padre não foi aceito por bispo algum e se tornou padre vago. Por causa disso, ele não tinha onde dormir, nem onde comer, mas ele tinha a Missa do “introibo ad altare Dei”, e por isso não desanimou. Durante aproximadamente 8 anos ele ficou nessa situação: morava com pessoas que queriam a Missa Gregoriana, rezava a Missa na casa delas, suas coisas ficavam guardadas na rodoviária, com chave alugada, num armário e por muitas vezes ele não tinha o que comer.

Quando o IBP (Instituto Bom Pastor) foi fundado, o Pe. Navas, que já estava lá incardinado, chamou esse Padre para que ele também se incardinasse no IBP. Este Padre, convertido pelo índio, é o Pe. José Luiz Pinzón, atual Superior do IBP em Bogotá, na Colômbia.

Vejam que ele teve a graça da conversão pelas palavras saídas da boca de um índio que nada sabia sobre fenomenologia e nem sobre filosofia escolástica para saber a diferença entre elas. O que é o sensus fidei! Deus dá a graça, mesmo a um índio no meio da selva. Às vezes, um índio que está no meio da selva consegue entender melhor um problema do que a gente aqui, na “civilização”. Notem como a sabedoria de Deus foi proferida pela boca de um índio: “a Missa é aquela que o Padre diz introibo ad altare Dei, não é isso aí que você fez”.

Como dizia São Pio de Pietrelcina: “É mais fácil o mundo ficar sem o sol do que ficar sem a Missa”. O mundo está de pé porque a Missa Gregoriana nunca deixou de ser rezada. Mesmo quando Paulo VI “proibiu-a”, houve padres idosos, em comunhão com Roma, para os quais Paulo VI deu a dispensa para rezá-la e, além disso, em outros locais continuou-se também rezando a Missa Gregoriana, como em Campos e na FSSPX. Portanto, a Missa de São Gregório Magno nunca foi interrompida, desde Nosso Senhor até hoje, e assim ela irá até o final dos tempos.

História relatada pelo Subdiácono Rafael Scolaro, do Instituto Bom Pastor, no dia 21 de Julho de 2010, em aula/palestra para o Grupo São Pio V de Curitiba.

Fonte: Mulher Católica – agradecimento ao amigo Marcos Mattke pela indicação

Cardeal Luigi Poggi – Requiescat in pace.

04 – 05 – 2010

“Nunca deixei de celebrar com o Rito Tridentino […]. Ninguém, e sublinho, ninguém, está autorizado a cancelar a Tradição da Igreja, muito menos o Concílio Vaticano II […].  ‘Qui laetificat juventutem meam’: não é uma frase sem sentido, mas testemunha a juventude de Deus e sua imensa misericórdia; a misericórdia do Pai que renova seus filhos na fé doando a juventude e o frescor do que crêem. É assim, o Rito Tridentino contempla um Deus jovem e evidencia a beleza de uma fé espontânea. Como dizê-lo, esta Missa contém elementos lamentavelmente descuidados na visão racionalista do Novus Ordo: a capacidade de se maravilhar, o mistério e a transcendência”.

A teologia do Sacrifício da Missa.

Por Dom Licínio Rangel

Novus Ordo Missae.1 – A “Confissão de Augsburgo”, protestante, viu bem o novo rito da Missa, ao declarar: “Nós fazemos uso das novas preces eucarísticas (católicas) que têm a vantagem de pulverizar (reduzir a pó) a teologia do Sacrifício” (L’Eglise d’Alsace, dez/73 e Jan/74, apud “La Messa di Lutero” por Dom Lefebvre).

2 – Essas “preces eucarísticas”, da missa nova, oficialmente em número de quatro, mas que já são muito mais, correspondem ao único “Cânon” da Missa tradicional. É a parte central e sacrifical da Missa, e que fica entre o “Sanctus” e o “Pater Noster”. É exclusiva do celebrante que deve pronunciá-la em latim e em voz baixa (Concílio de Trento). Nela tem lugar a grande “Ação sacrifical de Jesus Cristo”, que Ele renova na Consagração. É através dela que Cristo se torna presente realmente, e se coloca sob as Espécies Sacramentais em estado de Vítima imolada. Aí renova Ele a oblação sacrifical que fez de Si mesmo ao Pai na Cruz. E isso, em virtude da Ordem (Sacramento do sacerdócio) que deu aos Apóstolos de fazerem o mesmo que Ele tinha feito (Lc 22,19).

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