Dom Hector Aguer: “A obsessão anti-litúrgica que canonicamente se torna uma tirania”.

Por Dom Hector Aguer – Rorate-Caeli, 30 de março de 2023 | Tradução: FratresInUnum.com: Celebrei minha primeira missa em 26 de novembro de 1972. Usei o rito então vigente, criado por Paulo VI, cujo autor era o maçom Annibale Bugnini. A missa foi em espanhol, claro, embora tenham sobrevivido, em latim, as orações privadas do celebrante.

Nunca me ocorreu recorrer à “Missa de Sempre”. Aquela que rezamos no Seminário todos os anos da minha formação, com a novidade de que era — na capela de filosofia, diariamente — versus populum. Nunca me ocorreu recorrer – contrariando a proibição pacificamente aceita – à antiga forma. Nem mesmo depois que Bento XVI a acolheu como uma forma extraordinária do Rito Romano por meio de seu motu proprio Summorum Pontificum. Apesar de meus estudos teológicos e litúrgicos, que me deram uma compreensão lúcida do esquecido ritual, nenhuma objeção ideológica ou nostalgia foi imposta a mim; a tradição foi arquivada, e talvez por preguiça não ousei contradizê-la julgando criticamente a novidade que se seguiu ao Vaticano II.

Hoje, penso que Paulo VI poderia ter feito algumas modificações para atualizar a Missa de Sempre, que vigorava há séculos, em vez de inventar um novo rito da Missa. Objetivamente, posso medir a audácia do novo rito, uma vanglória inesperada para muitos do progressismo; muitos séculos foram descartados, jogados fora no turbilhão das mudanças.

Apelei para esta história pessoal para enfatizar que sou livre no meu julgamento: continuo a celebrar a Missa de Paulo VI. Esta posição eclesial, no entanto, permite-me avaliar o dano causado pelo motu proprio Traditiones Custodes, recentemente reforçado por um “rescrito”.

Roma deveria se perguntar por que cada vez mais sacerdotes e leigos – estes últimos sobretudo – se inclinam, com veneração, para o antigo rito. A obsessão antilitúrgica é uma ideologia que canonicamente se torna uma tirania. De fato, a proibição do Missal de João XXIII não é levada em conta pelos jovens, que aspiram a um culto que responda à verdade da Fé: culto a Deus, não ao homem. Roma, por sua vez, continua apegada ao  die anthropologische Wende (virada antropológica) de Karl Rahner.

Além disso, na última década, a tradição alitúrgica da Companhia de Jesus entrou em cena. O deslocamento da liturgia dá lugar à imposição, em palavras e atos, de um moralismo relativista.

Inovações antilitúrgicas sucederam-se sem interrupção desde a promulgação da “nova missa”. Este novo começo sinalizou uma mudança desnecessária. O propósito de renovação do Concílio Vaticano II poderia ter sido realizado com ligeiras modificações do Rito Romano existente, ou melhor, com a correção das alterações produzidas na história. A finalidade conciliar foi significativamente chamada de instauratio, isto é, restauração.

A partir da década de 1970, surgiu uma dissidência bruta, diante da teimosia de Roma em se apegar ao novo. Bento XVI, por meio de seu motu proprio Summorum Pontificum, liberou a forma extraordinária do Rito Romano; foi uma solução salomônica que poderia satisfazer as aspirações dos sacerdotes e fiéis ligados à Tradição e, ao mesmo tempo, dar um fundamento sólido para as objeções dirigidas contra a Missa promulgada por Paulo VI.

Esta sensibilidade prudente e pastoral permitiu-nos esperar uma paz estável, com o regresso à obediência de numerosas comunidades que viviam em conflito com Roma. É verdade que as divergências com o Vaticano II iam muito além da ordem litúrgica e se estendiam ao campo doutrinal e jurídico-pastoral. O magistério litúrgico do Papa alemão retomou a teologia da liturgia desenvolvida pelo cardeal Ratzinger, que seguiu os passos de Romano Guardini e Klaus Gamber.

À luz de tudo isso, um infeliz revés ocorreu com o motu proprio Traditiones Custodes, que eliminou a forma extraordinária do Rito Romano e impôs duras condições para a concessão do uso da Missa de Sempre. Nesta perspectiva, pode-se apreciar novamente a gravidade da ação de Paulo VI, que iniciou uma nova etapa em todos os âmbitos da vida eclesial, e deu lugar no período pós-conciliar a erros e mutilações piores do que as sustentadas pelo modernismo do início século XX, condenado por São Pio X.

A linha aberta pelo motu proprio de Francisco foi recentemente ratificada e agravada por um “rescrito”, que impõe aos bispos a obrigação de obter o placet pontifício antes de autorizar o uso da Missa de Sempre. Esta implausível imposição solapa a tão propalada “sinodalidade”; a autoridade dos bispos foi reduzida em uma área essencial de seu munus como sucessores dos apóstolos.

É de recear que esta obstinação antilitúrgica dê novamente origem a atitudes contrárias à “unidade” que Roma pretende professar. Da mesma fonte vem – me parece – a ilusão de uma reforma eclesial, que teria sido solicitada pelo conclave que elegeu o atual papa. A Companhia de Jesus sempre foi uma força de reentrincheiramento da Igreja na sociedade, em contraposição à Maçonaria. O Vaticano hoje, porém, está cheio de maçons, e o papa tenta fazer uso deles. Acho maravilhosamente surpreendente a complacência do Papa em sua década de governo, e a ficção de atribuir sucessos a seus colaboradores; mas um problema crônico da Sociedade tem sido o da humildade.

O aliturgismo inclui a devastação do que vem da Tradição na liturgia do Rito Romano. A obsessão antilitúrgica, que já mencionei, vai ao extremo do boicote à sinodalidade. Um bispo, para autorizar um padre a celebrar com o Missal de João XXIII – ou seja, a Missa de Sempre – precisa pedir permissão a Roma. Tal é o teor do recente rescrito: uma verdadeira tirania pontifícia que desqualifica os sucessores dos apóstolos no cumprimento de seu ministério em matéria tão fundamental.

Essa nova orientação permite que a devastação da liturgia [isto é, o Novus Ordo] avance impunemente. Novamente, direi que esta liberdade contradiz o que o Concílio prescreve, na Constituição sobre a Liturgia Sacrosanctum Concilium, a saber, que ninguém, mesmo sendo sacerdote, deve alterar, acrescentar ou subtrair dos ritos litúrgicos por sua própria iniciativa . A liberdade de devastação anda de mãos dadas com a perseguição aos tradicionalistas.

Uma flagrante contradição: os tradicionalistas são perseguidos, mas consente-se a integração no Rito Romano de ritmos percussivos e dançantes e a adoção de ritos pagãos, hindus ou budistas, segundo os princípios da Nova Ordem Mundial, concorrendo com a Maçonaria. Nas visitas às várias nações, considera-se aceitável introduzir na liturgia ritos tribais da cultura ancestral dos povos visitados. Assim, a deformação do culto divino beira a idolatria.

Esta atitude se repete em muitos países, como uma perversão do diálogo inter-religioso. Em 2019, o Papa assinou em Abu Dhabi o Documento sobre a Fraternidade Humana para a Paz Mundial e a Coexistência Comum, no qual se afirma: “O pluralismo e a diversidade de religião, cor, sexo, raça e língua são uma sábia vontade divina, pela qual Deus seres humanos criados. Esta Sabedoria divina é a origem da qual deriva o direito à liberdade de crença e à liberdade de ser diferente.” Deus, o Criador, seria então o autor do politeísmo!

Esta afirmação equivale a renunciar à missão essencial e original da Igreja, expressamente afirmada no Evangelho: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado” (Mc 16,15-16). Tal renúncia só pode ser vista como apostasia.

A mesma atitude se encontra em 2020, na aceitação da proposta de um dia de oração e jejum de todas as religiões, no dia 14 de maio. O Pontífice referiu-se à aceitação da proposta: “Aceitei a proposta do Alto Comitê para Fraternidade que, no próximo dia 14 de maio, os fiéis de todas as religiões se unam espiritualmente em um dia de oração e jejum e obras de caridade.” Fica evidente assim que a Igreja ignora sua missão original de anunciar o Evangelho da salvação e se junta ao concerto politeísta mundial, participando assim, como uma das religiões da Nova Ordem Mundial preconizada pela Maçonaria. Isso não seria possível se o Vaticano já não estivesse infiltrado pela Maçonaria. Nesta perspectiva, pode-se compreender a incorporação dos ritos pagãos na liturgia. Também explica a perseguição aos tradicionalistas, que com sua recusa impedem a plena inserção da Igreja nesta Nova Ordem Mundial; assim a Igreja caminha para o reinado do Anticristo. A confusão dos crentes é a consequência; é o mysterium iniquitatis implantado pelo diabo.

O documento de Abu Dhabi implica a apostasia da fé católica para aderir – como já escrevi – à Nova Ordem Mundial. Não há compatibilidade entre esta e a fé cristã; a confusão em que os crentes são lançados não poderia ser maior. Esse contraste aparece em cada intervenção do Pontífice, o que prova que é assim que ele entende a missão da Igreja, e assim é entendida a sua tarefa de governo.

Um exemplo muito claro se encontra na carta dirigida a ele por políticos argentinos por ocasião do décimo aniversário de seu pontificado: “Queremos expressar nossa admiração por seu trabalho em favor da Humanidade [dessa forma, com letra maiúscula no original], em particular das pessoas excluídas e dos povos pobres, sua firme defesa da paz mundial e sua promoção permanente de uma Ecologia integral [letra maiúscula no original], que nos permite ouvir o grito da Mãe Terra e do Ser Humano [linguagem politeísta e maçônica] diante de situações destrutivas que ameaçam as pessoas e a natureza.”

Neste contexto, explica-se a paixão antilitúrgica contra a “Missa de Sempre”, na qual brilha com clareza a verdadeira Fé e a coerência com a vontade de Jesus Cristo e a missão tradicional da Igreja.

Uma nova compreensão da sinodalidade é agora insinuada: se um bispo deseja autorizar um padre a celebrar a missa antiga, ele deve pedir permissão a Roma. Estamos lidando aqui com uma obsessão que não tem mais limites.

+ Hector Aguer
Arcebispo Emérito de La Plata
Buenos Aires
30 de março de 2023

O totalitarismo bergogliano, recorrência jesuítica.

Por FratresInUnum.com, 19 de julho de 2021 – Um dos dias mais traumatizantes da história da Igreja foi 21 de julho de 1773, quando o Papa Clemente XIV, com uma canetada, decretou a supressão da Companhia de Jesus pelo Breve Dominus ac Redemptor, um ato autoritário que teve como consequência a prisão do Padre Ricci, prepósito na época, e o imediato despojamento de 23 mil jesuítas. Expulsos de suas casas, os padres foram exilados de vários países, perderam todos os seus bens e cerca de 20% tiveram de abandonar o sacerdócio. Foi o momento mais doloroso na história da Companhia de Jesus e uma página negra da história da Igreja.

Fiéis rezam na Catedral de Buenos Aires após o anúncio da eleição do Papa Francisco.
Fiéis rezam na Catedral de Buenos Aires após o anúncio da eleição do Papa Francisco.

Não é sem certa ironia que, agora, o primeiro papa jesuíta reproduza modos tão similarmente autoritários. Com uma simples canetada, não apenas pretende extinguir a “forma extraordinária do rito romano”, mas restringe o seu acesso a ponto de proibir que seja celebrado em Igrejas paroquiais e de que os padres ordenados doravante precisem de uma autorização de Roma para poder celebrá-la.

Francisco quis desqualificar a “forma extraordinária” pelo fato de dizer que a única lex orandi do rito romano é o novus ordo. Essa imposição é completamente alheia a qualquer pretensão do rito romano, que sempre admitiu várias formas (seja de celebrá-lo, como a forma lida, a forma solene, a forma pontifical, a missa papal, além de uma pluralidade de usos, como os ritos das ordens religiosas ou mesmo as variações do próprio rito romano, como o rito bracarense ou o ambrosiano, por exemplo).

Por detrás de palavras aparentemente sérias, Francisco apenas diz um non sense que esconde o seu senso ditatorial e totalitário — senso há muito conhecido pelos irmãos argentinos, nos tempos do Cardeal Bergoglio enquanto arcebispo de Buenos Aires.

Na carta aos bispos, ele confessa que a sua motivação é censurar todas as críticas ao Vaticano II. Obviamente, censurar as críticas dos tradicionalistas, pois as críticas progressistas, que dizem estar ultrapassado o Concílio, estas ele deixa correr soltas.

Além de plurirritualista, a Igreja sempre teve pluralidade de discussões quando o assunto não é dogmático. Francisco ama chocar, vive lacrando às custas da doutrina da Igreja, mas não admite nenhuma crítica a um concílio que quis ser tudo, menos dogmático. É o Vaticano II como super dogma, expressão do então Cardeal Ratzinger, redivivo.

Estamos vivendo a mais terrível censura jamais vista em nenhuma ditadura, nem sequer nos tempos do nazismo. Francisco não quer discussão, quer calar a boca e retirar os meios de ação dos grupos católicos. Trata-se de um amordaçamento coletivo e da criação de campos de concentração de católicos tradicionais para a sua sumária extinção. Os métodos são nazistas como nazista é a pretensão. Recorda-se Francisco que o Papa não é dono da Igreja, nem que a palavra final é de Nosso Senhor?

Francisco ressuscitou Clemente XIV, colocando-se, como ele, nas mãos dos mais sanguinários revolucionários. Ele está repetindo a história, dessa vez contra os católicos indefesos, sem conseguir esconder o seu ódio, de quem realmente quer eliminar os desafetos.

O título sádico que ele escolheu para o Motu Proprio, “Traditione Custodes”, revela ele mesmo a sua aguda malícia e o seu venenoso escárnio. Isso é um costume da sua crueldade. Não foi ele que chamou de “Como uma Mãe Amorosa” o documento em que ele criminaliza potencialmente os bispos, enquanto se exime de culpa no caso dos abusos sexuais?

Contudo, este sadismo revela também a sua sanha psicopática. Não se trata apenas de ironia diabólica, mas também daquilo que os psicólogos chamam de “estimulação contraditória”, “uma técnica de engenharia social que dispara comandos opostos a indivíduos docilmente dispostos a obedecê-los, desorientando suas defesas psicológicas e fazendo com que sutilmente passem a aceitar qualquer outro comando mesmo que absurdo”.

Esta é a razão pela qual você, querido leitor, talvez tenha se sentido desorientado e perplexo diante do AI-5 promulgado por Francisco na última sexta-feira. Você e a maior parte dos fiéis percebeu que há uma malícia superior à nossa ordinária capacidade de discernimento.

Não estamos lidando com um amador, mas com um verdadeiro ditador, um maquiavélico descontrolado que usa o poder papal dos modos mais agressivos para promover a completa extirpação daqueles que odeia. No caso, o ódio não é apenas doutrinal, mas é objetificado em pessoas, em você e em mim, em nós que somos e queremos continuar sendo simplesmente católicos.

Ela ressurgirá…


Ela ressurgirá,  eu te digo… a Missa ressurgirá, como respondo a muitos que vêm a mim para se lamentar (e eles o fazem, às vezes, chorando); e àquele que me pergunta como eu posso ter tanta certeza disso, eu respondo (como ‘poeta’, se prefere) trazendo-o à beira da janela e mostrando o Sol… Logo virá o entardecer e lá, na igreja de São Domingos, os frades cantarão nas Vésperas:  Iam sol recedit igneus; mas, em poucas horas, estes mesmos dominicanos, meus amigos, cantarão, na Prima: Iam lucis orto sidere – e assim todos os dias.

O Sol, quero dizer, levantar-se-á novamente, brilhará novamente depois da noite, para iluminar a terra desde o céu, por que… porque ele é o Sol, e Deus o estabeleceu para nossa vida e conforto. Então, acrescento eu, assim é e será com a Missa – a Missa que é “nossa”, católica, de sempre e de todos: nosso Sol espiritual, tão bela, tão santa e tão santificante — contra as desilusões dos morcegos, tirados de seu esconderijo pela Reforma [litúrgica], que acreditavam que a sua hora, a hora das trevas, não teria fim. E recordo: nesta minha grande janela nós fomos muitos, nos anos passados, assistindo um total eclipse solar. Eu me lembro, e eu quase posso sentir novamente, o sentimento de frieza, de tristeza, e quase de desilusão ao assistir, em sentir o ar escuro e gelado, pouco a pouco. Recordo o silêncio que se fez na cidade, durante a escuridão… enquanto os pássaros desapareciam, amedrontados, e os repugnantes morcegos apareciam, voando no céu.

Àquele que dizia, quando o Sol estava inteiramente coberto: — “E se não amanhecer nunca mais?” — um pensamento a quem ninguém respondia, quase como não entendendo o gracejo nisso… O Sol apareceu novamente, de fato, o Sol ressurgiu, depois de uma curta noite, tão belo como antes, e como se vê, mais do que antes, enquanto o ar é recheado novamente por pássaros e os morcegos voltam ao seus esconderijos.

Como antes, luminoso e belo, e ainda sendo o mesmo, o Sol parece mais maravilhoso do que era antes, como na […] lição do Evangelho sobre a moeda perdida e achada. Como era antes, e mais do que era antes: assim será com a missa, assim a missa aparecerá a nossos olhos, culpados por não tê-la estimado como merecia, antes do eclipse; nossos corações culpados por não tê-la amado o bastante.

(Tito Casini, La Tunica Stracciata – Nel fumo di Satana. Verso l’ultimo scontro)

De ‘Summorum Pontificum’ a ‘Traditionis Custodes’. Ou, da reserva ao zoológico.

Por FSSPX News | Tradução: FratresInUnum.com, 17 de julho de 2021: O Papa Francisco publicou ontem um Motu Proprio cujo título poderia nos encher de esperança: Traditionis custodes, “Guardiões da Tradição”. Sabendo que este texto é dirigido aos bispos, poder-se-ia começar a sonhar: acaso a Tradição está em vias de recuperar seus direitos da Igreja?

Pelo contrário.  Este novo Motu Proprio realiza uma aniquilação. Ilustra a precariedade do atual magistério e indica a data de validade de  Summorum Pontificum de Bento XVI, que não poderá nem mesmo comemorar seu décimo quinto aniversário.

Tudo, ou quase tudo, de Summorum pontificum foi disperso, abandonado ou destruído. Além disso, o objetivo é claramente declarado na carta que acompanha esta aniquilação.

O Papa enumera dois princípios «sobre o modo de proceder nas dioceses»: «por um lado, proporcionar o bem a quem está enraizado na forma anterior de celebração e que necessita de tempo para regressar ao rito romano promulgado por S. Paulo VI e João Paulo II”.

E, por outro lado: “interromper a ereção de novas paróquias pessoais, ligadas mais ao desejo e à vontade individual dos sacerdotes do que à necessidade real do ‘santo povo fiel de Deus’”.

Uma aniquilação programada

Enquanto Francisco se torna o defensor das espécies animais ou vegetais ameaçadas, ele decide e promulga a extinção daqueles que estão apegados ao rito imemorial da Santa Missa. Esta espécie não tem mais o direito de viver: deve desaparecer. E todos os meios serão usados ​​para alcançar este resultado.

Primeiro, uma redução estrita da liberdade. Até agora, os espaços reservados para o rito antigo possuíam uma certa latitude de movimento, muito semelhante às reservas naturais. Hoje, passamos para o regime de zoológico: gaiolas, bem confinadas e delimitadas. Seu número é estritamente monitorado e, uma vez instalado, será proibido criar mais. 

Os guardiães (ou deveríamos dizer os carcereiros?) não são outros senão os próprios bispos.

Tudo isso está especificado no artigo 3, parágrafo 2: “o bispo deve indicar um ou mais lugares onde os fiéis pertencentes a estes grupos possam se reunir para a celebração da Eucaristia (não em igrejas paroquiais e sem erigir novas paróquias pessoais)”.

O regulamento interno destas celas é estritamente controlado (artigo 3º, parágrafo 3º): “O bispo fixará no local indicado os dias em que são permitidas as celebrações eucarísticas, utilizando o Missal Romano promulgado por São João XXIII em 1962.”

Este controle se estende ao menor detalhe (idem): “Nessas celebrações, as leituras serão proclamadas no vernáculo, utilizando as traduções da Sagrada Escritura para uso litúrgico, aprovadas pelas respectivas Conferências Episcopais”. Nem se fale em tradução de um lecionário de outrora.

A eutanásia está prevista para espécimes considerados inaptos para cuidados paliativos (artigo 3º, parágrafo 5º): “O bispo procederá, nas paróquias pessoais canonicamente erigidas em benefício destes fiéis, uma avaliação adequada de sua real utilidade para o crescimento espiritual, e decidirá se as mantêm ou não”.

Além disso, a reserva é eliminada em sua totalidade, pois a comissão Ecclesia Dei desaparece (artigo 6): “Os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, instituídos pela Pontifícia Comissão  Ecclesia Dei,  passam a ser da competência da Congregação para o Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica”.

Proibido para imigrantes

Enquanto o Papa não deixa de cuidar de todos os tipos de imigrantes, nas prisões que agora ele instala qualquer tipo de imigração é estritamente proibida.

Para evitar a constituição de reservas indígenas, o Papa proíbe qualquer expansão da prisão (artigo 3º, parágrafo 6º): “O bispo (…) terá o cuidado de não autorizar a criação de novos grupos”.

Essa medida também se assemelha à esterilização: é proibida a reprodução e a perpetuação desses selvagens do passado que devem desaparecer.

Esta esterilização também diz respeito aos padres que serão ordenados no futuro (artigo 4): “Os padres ordenados após a publicação do presente Motu Proprio, que desejam celebrar com o Missale Romanum de 1962, devem apresentar um pedido formal ao bispo diocesano, que consultará a Sé Apostólica antes de conceder autorização”.

Quanto aos padres que já beneficiam de autorização, a partir de agora necessitarão de uma renovação do seu visto de “celebração”, que se assemelha a um visto temporário (artigo 5º): “padres que já celebram segundo o  Missale Romanum de  1962 pedirão ao bispo diocesano autorização para continuar a manter essa faculdade”.

Portanto, quando se trata de conter, reduzir ou mesmo destruir esses grupos, os bispos têm carta branca, mas se for preciso autorizar [que um novo padre celebre a Missa], o Papa não confia neles: é preciso passar por Roma.

Enquanto dezenas de padres, muitas vezes apoiados por seus bispos, zombavam da Congregação para a Doutrina da Fé ao “abençoar” casais homossexuais sem qualquer reação romana, exceto a aprovação velada de Francisco por meio de uma mensagem ao Padre [James] Martin [ndt: jesuíta americano defensor do gayzismo em todas as modalidades], os futuros padres serão observados de perto se eles considerarem celebrar a Missa de São Pio V.

Obviamente, é mais fácil esconder sua falta de autoridade aterrorizando os fiéis que não resistirão, do que controlar o cisma alemão. Como se não houvesse nada mais urgente do que atingir essa parte do rebanho…

Vacinação contra o lefebvrismo

O grande temor da contaminação pelo vírus Lefebvrista é exorcizado com a vacina obrigatória Vaticano II – do Laboratório Moderno – (artigo 3º, parágrafo 1º): “O bispo verificará se esses grupos não excluem a validade e legitimidade da reforma litúrgica, das disposições do Concílio Vaticano II e do Magistério dos Sumos Pontífices”.

E tudo o que poderia ser uma potencial fonte de contágio é brutalmente eliminado (artigo 8º): “Revogam-se as normas anteriores, instruções, concessões e costumes que não observem o disposto neste Motu Proprio”.

Levado pelo entusiasmo, o Papa diz praticamente que a missa antiga é um vírus perigoso do qual é preciso proteger-se. Por exemplo, o artigo 1 especifica: “Os livros litúrgicos promulgados pelos Sumos Pontífices Paulo VI e João Paulo II, de acordo com os decretos do Concílio Vaticano II, são a única expressão da lex orandi do Rito Romano.”

Se o Novus ordo é a única expressão da lex orandi , como qualificar a Missa Tridentina? Está em um limbo litúrgico ou canônico? Esta missa não tem direito ao lugar ainda ocupado pelo rito dominicano, pelo rito ambrosiano ou pelo rito Lyon na Igreja latina?

É o que se depreende do que diz o Papa na carta que acompanha o Motu proprio. Parece que, sem suspeitar do paralogismo que comete, escreve: «Consolo-me nesta decisão que, depois do Concílio de Trento, São Pio V também revogou todos os ritos que não podiam gabar-se de comprovada antiguidade, estabelecendo um Missale Romanum único  para toda a Igreja latina. Durante quatro séculos, este Missale Romanum  promulgado por São Pio V foi, portanto, a expressão principal da  lex orandi  do rito romano, cumprindo uma função unificadora na Igreja”.

A conclusão lógica que se segue dessa comparação é que esse rito deve ser mantido. Ainda mais quando a bula Quo primum de São Pio V o protege de qualquer ataque.

Isso também foi confirmado pela comissão de cardeais reunida por João Paulo II, que afirmou, quase unanimemente (8 de 9), que nenhum bispo poderia impedir um padre de celebrar a missa antiga, depois de ter unanimemente observado que esta última nunca tinha sido ab-rogada.

E que também é confirmado pelo que o Papa Bento XVI aceitou e ratificou em Summorum Pontificum .

No entanto, para Francisco, os antigos ritos defendidos por São Pio V, incluindo a chamada Missa Tridentina, aparentemente não têm valor unificador. O novo rito, e só ele, com seus cinquenta anos de existência, suas infinitas variações e seus inúmeros abusos, é capaz de dar unidade litúrgica à Igreja. A contradição é gritante.

Voltando à sua ideia de eliminação das espécies, o Papa escreve aos bispos: «Antes de tudo, corresponde a vós trabalhar pelo regresso a uma forma única de celebração, verificando caso a caso a realidade dos grupos que celebram com este Missale Romanum “.

Uma lei claramente oposta ao bem comum

A visão geral que emerge desses documentos – o Motu Proprio e carta anexa do Papa – dá a impressão de sectarismo acompanhado de um manifesto abuso de poder.

A Missa Tradicional pertence à parte mais íntima do bem comum da Igreja, portanto, restringindo-a, rejeitando-a, jogando-a em guetos e, em última instância, planejando seu desaparecimento, não se pode ter qualquer legitimidade. Esta lei não é uma lei da Igreja, porque, como diz Santo Tomás, uma lei não pode ser válida se violar o bem comum. 

Mas há algo mais nas entrelinhas, um tom evidente da maldade manifestada por certos fanáticos furiosos da reforma litúrgica contra a Missa Tradicional. O fracasso desta reforma é revelado, como no claro-escuro, pelo sucesso da Tradição e da Missa Tridentina.

É por isso que eles não podem aceitá-la. Sem dúvida, eles imaginam que seu desaparecimento total fará com que os fiéis retornem às igrejas esvaziadas do sagrado. Erro trágico. O magnífico ápice desta celebração digna de Deus só realça ainda mais a sua indigência: ela não é a causa da desertificação produzida pelo novo rito.

A verdade é que este Motu Proprio, que mais cedo ou mais tarde acabará no esquecimento na história da Igreja, não é em si uma boa notícia: marca um golpe na reapropriação da Igreja com sua Tradição, e atrasará o fim da crise que já dura mais de sessenta anos.

Quanto à Fraternidade São Pio X, ela vê nele uma nova razão de fidelidade ao seu fundador, Dom Marcel Lefebvre, e de sua admiração por sua clarividência, sua prudência e sua fé.

Embora a Missa tradicional esteja em vias de ser eliminada e as promessas feitas às sociedades Ecclesia Dei também estejam a ser cumpridas, a Fraternidade São Pio X encontra na liberdade que lhe foi legada pelo Bispo de ferro a possibilidade de continuar a luta pela Fé e pelo Reinado de Cristo Rei.

A galáxia Summorum Pontificum se prepara novamente para a resistência.

Por Paix Liturgique | Tradução: Hélio Dias Viana – FratresInUnum.com: As disposições do motu proprio Summorum Pontificum eram disposições de paz. Totalmente atípica do ponto de vista da legislação litúrgica, Summorum Pontificum respondia efetivamente a uma situação ela própria atípica: organizava um modus vivendi entre a antiga liturgia e a nova liturgia, reconhecendo a todo sacerdote latino o direito a celebrar no ritus antiquior, enquanto, ao mesmo tempo, organizava as condições de implementação pública do exercício desse direito. O objetivo era pacificar liturgicamente uma Igreja que afundava cada vez mais na crise.

Mas eis que esse direito finalmente reconhecido é insuportável para os homens no poder desde 2013. Nos seus círculos, prevalece a tese de que este texto deve ser, senão revogado, pelo menos descosturado, como dizem, para perder o essencial de seu significado. Segundo eles, a Missa antes do Vaticano II pode, na melhor das hipóteses, dispor apenas de uma tolerância devidamente enquadrada.

A sua forma mental ideológica faz com que eles assumam “de coração ligeiro” – para evocar as palavras de Émile Olivier ao lançar a França na guerra [franco-prussiana] de 1870, com as consequências que conhecemos – a responsabilidade de uma retomada das hostilidades litúrgicas. Corremos o risco de nos encontrarmos, por causa deles, numa situação semelhante à dos anos pós-conciliares, mas em piores condições para a instituição eclesial.

Celebração da Missa Tridentina: um direito conquistado

Devemos estar cientes de que foi sob a pressão de uma contestação que ele não conseguiu jugular que, por etapas, o legislador romano acabou por interpretar como não obrigatória a promulgação do missal de 1969: em 1984 com Quattuor abhinc annos, em 1988 com Ecclesia Dei, em 2007 com Summorum Pontificum.

De fato, na França, mas também em todo o mundo, alguns párocos continuaram imperturbáveis ​​a celebrar a Missa Tridentina. Ao mesmo tempo, capelas “selvagens” foram organizadas em muitos lugares e as sanções impostas por alguns bispos serviram apenas para ativar a difusão dessas celebrações. Elas ganharam ainda mais consistência quando jovens padres formados e ordenados pelo Arcebispo Lefebvre começaram a exercer seu ministério sacerdotal, tanto em casas independentes fundadas para o fim de recebê-los, quanto em locais arrumados para o culto, muitas vezes de forma sumária, na cidade ou em zonas rurais.

A suspensão a divinis do Arcebispo Lefebvre em 1976 também deu grande notoriedade à sua atuação. Este acontecimento foi seguido de outro: a ocupação silenciosa da Igreja de Saint-Nicolas-du-Chardonnet, em Paris, por Mons. Ducaud-Bourget e seus fiéis, que entraram nela num domingo e ainda estão lá. Da mesma forma, 10 anos depois, em 1986, perto de Versalhes, os paroquianos da missa tradicional de Saint-Louis du Port-Marly, que haviam sido expulsos de sua igreja e cujas portas haviam sido muradas, simplesmente as escancararam para se estabelecer dentro novamente . Eles ainda não saíram de lá.

Uma pesquisa histórica do IFOP, em 1976, publicada por Le Progrès, um cotidiano de Lyon, mostrou que 48% dos católicos praticantes regulares achavam que a Igreja fora demasiadamente longe nas reformas e que 35% permaneciam a favor da missa em latim. As sucessivas sondagens realizadas na França e em todo o mundo pela associação Paix liturgique até hoje destacam uma tendência compacta: a exigência da celebração da Missa tradicional nas paróquias por parte notável, às vezes a maioria, dos fiéis praticantes.

Depois, o clima psicológico favorável criado pelo motu proprio de Bento XVI, por um lado, e, por outro, o crescimento contínuo dos institutos especializados na liturgia tradicional – a Fraternidade São Pio X e os institutos Ecclesia Dei, fundados a partir de 1988 – fizeram com que o número de lugares onde se celebra a Missa tradicional não parasse de crescer em todo o mundo. De 2007 a 2017, por exemplo, esse número simplesmente dobrou.

É um paradoxo notado por sociólogos da religião, como a francesa Danièle Hervieu-Léger: o movimento tradicionalista se opôs à corrente conciliar nos estilos de um processo aparentemente “moderno”, erguendo-se contra a autoridade. A reação tradicionalista tem algumas das características do agora chamado “populismo”, que questiona a legitimidade das “elites” por assumirem posições inovadoras elaboradas em sua bolha “elitista”. Outro paradoxo: o movimento tradicionalista se baseou, desde o início, na ação dos leigos (apoiando e até “gerando” padres, via institutos especializados), recusando as consignas do Vaticano II, supostamente destinadas a “promover os leigos”. Soma-se que Roma, desde o Vaticano II, deixou de ser tridentina, e o tridentinismo – que é em essência hierárquico – agora é assumido por um povo de base. Na verdade, dir-se-á teologicamente, e não mais sociologicamente, que se trata de uma manifestação surpreendente e providencial do sensus fidelium, do instinto de fé dos fiéis, que defende com unhas e dentes a expressão pela lex orandi da doutrina do Sacrifício eucarístico, da presença real, do sacerdócio hierárquico e, de modo mais geral, da transcendência do mistério do “Fazei isto em memória de mim!”

Uma capacidade irreprimível de resistência

Em face do perigo que hoje se aproxima, podemos então tentar medir as forças em presença através da situação francesa, que certamente não é a da Igreja universal, mas que ainda dá boas indicações neste campo.

A Igreja “oficial” hoje nada tem a ver com o sólido aparato das primeiras décadas do período pós-conciliar. Ela está exangue do ponto de vista do número de sacerdotes e religiosos. O número de seus seminaristas, e mesmo de seus seminários, continua diminuindo. Os fiéis, cada vez mais envelhecidos, também estão cada vez mais espaçados nas naves centrais das igrejas, sem precisar de “medidas sanitárias”. Tudo logicamente acompanhado por uma situação financeira catastrófica em algumas dioceses. Somam-se a isso as consequências do que se convencionou chamar de “crise sanitária”, que fez sumir cerca de 30% dos paroquianos. Os hábitos históricos, que demoram a desaparecer, fazem com que o catolicismo ainda seja considerado um componente essencial da sociedade. Mas a realidade nua patenteou-se: ele praticamente desapareceu da esfera pública.

Em contraste, o mundo tradicionalista representa uma “exceção” na Igreja, especialmente do ponto de vista das vocações sacerdotais e religiosas, semelhantes às de antes de 1965. Muitos jovens, que não conheceram as contendas conciliares, se voltam hoje espontaneamente para o tradicionalismo. As assembleias dominicais são muito concorridas e, em média, com idade muito mais jovem. Tudo acontece na galáxia tradicionalista, tanto na vida litúrgica quanto na “fecundidade” vocacional, como se o Vaticano II não tivesse acontecido. O antigo ensino catequético, muito estruturado, e a existência de uma importante rede escolar garantem uma boa transmissão da fé, da prática e dos hábitos da vida cristã. Além disso, as suas fronteiras são porosas com um mundo “clássico” (a Comunidade Saint-Martin, o Emmanuel, etc.), cuja vitalidade se explica em parte por causa de sua “diferença” com a tendência oficial, que se inspira um pouco, mas em grau menor, na vitalidade da resistência tradicionalista.

Claro, o sucesso tem seu lado negativo: a renovação das gerações certamente está garantida, mas em um mundo extremamente secularizado, isso não acontece sem perdas; e, em comparação com a atitude necessariamente muito militante dos anos pós-concílio, o mundo tradicionalista às vezes pode parecer mais “instalado” do que outrora. Verifica-se, porém, que as ações e pressões organizadas para preservar as situações adquiridas e obter novos lugares de culto podem ser organizadas sem dificuldade, as redes sociais constituindo, neste campo como alhures, uma preciosa ajuda para a expressão de uma galáxia “inconformista”.

Nessas condições, uma explosão de descontentamento nos moldes dos “coletes amarelos” poderia a qualquer momento ocorrer hoje na Igreja. Com a grande vantagem de que, no mundo católico, a doutrina e a prática são centradas para o povo cristão na celebração da Missa dominical. Ora, para que seja celebrada, basta que um sacerdote a diga e que os fiéis participem, sem que ninguém, em última instância, possa impedi-los de fazê-lo. Foi o que aconteceu a partir de 1965 e principalmente de 1969: as missas tridentinas continuaram a ser celebradas como se nada tivesse acontecido. Ameaças, oposições e até perseguições podem ter-se seguido, mas nada aconteceu: padres e fiéis continuaram “fazendo o que a Igreja sempre fez”, como o Arcebispo Lefebvre gostava de dizer.

Um fato recente muito instrutivo é o seguinte: tendo os bispos da França e de outros lugares estendido estupidamente à comunhão eucarística as “medidas sanitárias” impostas pelos governos, proibindo a comunhão na boca, certo número de fiéis respeitosos do Sacramento deixaram as igrejas de rito ordinário para irem receber a Sagrada Eucaristia com dignidade nas celebrações tradicionalistas. Com isso, desde a “crise sanitária”, o número de pessoas que vão às missas tradicionais aumentou significativamente na maioria dos lugares!

Um lembrete útil

É conhecida a famosa frase de São Jerônimo dizendo que, no século IV, “o mundo inteiro gemeu, estupefato, por acordar ariano”. Apesar de a hierarquia ter passado em larga medida para a heresia, muitos fiéis permaneceram firmes na doutrina cristológica de Niceia. Não se viu, não vemos agora, uma situação semelhante repetir-se hoje?

Mas esta capacidade de resistência “no terreno”, irreprimível em si mesma, não excluirá, aliás, grandes manifestações e ações, que já são seriamente planejadas em várias partes do mundo. [Traduzido de Paix liturgique de 1º de junho de 2021]

Summorum Pontificum em risco? E agora?

Por FratresInUnum.com, 27 de maio de 2021 – O prestigioso blog italiano Messa in latino publicou, anteontem, uma notícia inquietante, segundo a qual o Papa Francisco teria dito aos bispos da Conferência Episcopal Italiana que estaria por ao menos restringir o Motu Proprio Summorum Pontificum, de Bento XVI. A notícia foi rapidamente replicada pelo respeitado blog Rorate coeli e daí rapidamente chegou ao Brasil. 

Dom Rifan e Papa Francisco

7 de Fevereiro de 2018 – Papa Francisco cumprimenta Dom Fernando Rifan e seminaristas da Administração Apostólica São João Maria Vianney.

Obviamente, a possibilidade de que essa previsível desventura aconteça deixa apreensivos os católicos que se beneficiam da liturgia tradicional, muitos dos quais têm sofrido já gravemente com o desacato dos bispos às disposições da Santa Sé que dão aos fieis o direito de ter a Missa de Sempre.

Contudo, é preciso dizer que o próprio Messa in latino deixa claro que chegaram apenas “notícias ainda fragmentárias” e que “parece que o Papa teria anunciado uma reforma para pior do texto do Motu Proprio Summorum Pontificum”. Esses conjuntivos são importantes sobretudo para que se não antecipe nenhuma medida restritiva, visto que a Missa tradicional é uma grande pedra de tropeço no caminho dos modernistas, a qual eles estão ansiosos por remover. Hoje, chega-nos a informação, por meio do movimento francês Paix Liturgique, de que a medida só não foi ainda promulgada por obstrução da Congregação para a Doutrina da Fé, “que sustenta que ela provocaria desordem e oposições incontroláveis em todo o mundo”. Há notícias que já dão conta de grupos franceses se organizando para protestar em Roma, caso, de fato, Francisco vá adiante.

É óbvio que, embora o que vazou forneça maiores detalhes, o ato seria coerente tanto com o trabalho de desmonte da Tradição protagonizado pelo Papa reinante em seu ministério geral, quanto com o específico esfacelamento da Comissão Ecclesia Dei, supressa por Francisco e reduzida a uma Seção da Congregação para a Doutrina da Fé, entregando-se todos os institutos que dela dependiam diretamente à Congregação para os Religiosos, sob a chefia do Cardeal Braz de Aviz. 

Na prática, esse estratagema foi utilíssimo para o boicote à Missa Tradicional, pois os fieis simplesmente deixaram de ter a quem suplicar quando o assunto é a garantia dos direitos explicitados no Motu Proprio Summorum Pontificum. Agora, a restrição das suas disposições seria uma consequência natural de toda essa sabotagem.

A questão, porém, é se Francisco daria tal passo com Bento XVI ainda vivo (pressupondo que existisse por parte dele uma real consideração para com a pessoa do Papa alemão) e, sobretudo, se ele está disposto a enfrentar a fúria dos fieis lesados, especialmente nos Estados Unidos, onde a Missa Tradicional prospera dia após dia e de onde o apelo dos donativos é bastante persuasivo.

No cálculo de ganhos e perdas, compensará para Francisco dar esse golpe, justamente quando ele lança a ideia da sinodalidade? De nossa parte, nunca subestimamos a obstinação do papa argentino e a sua decidida oposição a tudo aquilo que seja realmente católico e tradicional. 

No entanto, vale lembrar que Bento XVI, em Summorum Pontificum, não se limitou a tratar de aspectos disciplinares,  concedendo, sob determinadas condições, a todos os sacerdotes a faculdade de celebrar segundo a chamada forma extraordinária do Rito Romano, mas estabeleceu com todas as letras, em linha de princípio, que “é lícito celebrar o Sacrifício da Missa segundo a edição típica do Missal Romano, promulgada pelo Beato  João XXIII em 1962 e nunca ab-rogada”. 

Em outras palavras, o Papa Ratzinger estava garantindo aquilo já previsto pela bula Quo primum tempore, de São Pio V: mesmo que surgisse alguém que quisesse restringir a celebração da dita forma extraordinária, tal medida seria sempre inválida na raiz, visto que a Missa Tradicional é um rito oficial da Igreja Católica e que jamais foi derrogado validamente por nenhuma disposição anterior — e, ademais, não o poderia ser posteriormente, dado que, “aquilo que para as gerações anteriores era sagrado, permanece sagrado e grande também para nós, e não pode ser de improviso totalmente proibido ou mesmo prejudicial”, conforme ele mesmo tentou explicar aos bispos.

As eventuais medidas de restrição que poderiam ser tomadas por Francisco, na verdade, não teriam nenhum valor e os padres que quisessem poderiam continuar tranquilamente celebrando a Missa de Sempre. Portanto, a manutenção da Fé ortodoxa e da liturgia católica, nesses casos, exigiria mais virtude e mais coragem da parte do pequeno resto do clero que se quisesse manter fiel à Tradição, o que significa que isso atrairia mais graças para eles mesmos e para os fieis, mesmo que salgados pelo peso da perseguição.

Se os bons padres estarão dispostos a chegar a isso nós não sabemos. Contudo, tais medidas deixariam mais clara, como se fosse necessário, a ruptura de Francisco com a parte sadia da Igreja e tornariam ainda mais insustentável a narrativa concordista.

Diante do cisma herético alemão, é bem provável que os inimigos da Igreja cheguem a este ponto para provocarem a parte ortodoxa a fim de forçarem uma espécie de “cisma” à direita, graças às medidas persecutórias que se tomariam contra aqueles que quisessem conservar intacto o direito de celebrar na forma tradicional.

Trata-se da reedição do “empurremo-lo ao cisma“, estratégia dos primeiros anos de pós-concílio confessada por um bispo progressista quando se referia a Dom Marcel Lefebvre. A diferença, hoje, é que à época só havia Dom Lefebvre, Dom Antonio de Castro Mayer e alguns poucos leigos; agora, contra toda a expectativa dos moribundos amantes do Vaticano II, há um exército de jovens leigos e padres que brotam feito água de fontes ocultas em cada diocese. 

Em caso de um “empurrão ao cisma”, caberia a esses Católicos a fortaleza de resistir sem cair na armadilha colocada pelo adversário de uma ruptura institucional, ruptura que a parte heterodoxa institucionalmente não admite para si em hipótese alguma, apesar de todas as suas heresias (vide o caso já citado da Igreja alemã; seria tão fácil pegar as malas e partirem para a igreja protestante, não?) para as quais podem contar com a complacência do papa argentino, que justamente apertou o acelerador para que se chegasse nesse ponto. A não ruptura da parte heterodoxa, porém, é tão somente uma impostura institucional, pois, sem a verdadeira Fé, mesmo que se mantenham na estrutura, já não mais pertencem à Igreja.

Carta aberta do Pe. Paul Aulagnier (+ 06-05-2021) do IBP ao Papa Bento XVI.

Faleceu ontem padre Paul Aulagnier, um dos fundadores do Instituto do Bom Pastor e dos primeiros discípulos de dom Lefebvre. Há diversas publicações dele no histórico de nosso blog — a seguir, republicamos um post de 2009. RIP.

Original em La Revue Item

Tradução de Marcelo de Souza e Silva

Santíssimo Padre,

Permiti-me dirigir-me a vós com toda simplicidade de coração, com toda lealdade num espírito filial. Permiti-me expressar minha inquietação… desta maneira em uma «carta aberta», minha estupefação sobre um ponto preciso: a condenação de Dom Lefèbvre. Não compreendo porque vós não reexaminais este assunto.

Esta é a razão desta minha defesa.

Vós bem sabeis que ele foi um grande prelado, um grande missionário. Delegado apostólico para a África de língua francesa. Ele foi o grande defensor da Igreja em terras africanas. Deixou, quando de lá partiu, uma obra extraordinária. Tal é o reconhecimento de todos. Tudo isso postula em seu favor.

Tendo ele retornado à França, foi nomeado pelo Papa João XXIII, Arcebispo-bispo de Tulle, pôs-se então à tarefa sem ressentimentos e com o mesmo zelo que na África. Uma única coisa lhe interessava: servir a Igreja na fidelidade ao Sumo Pontífice. Apenas nomeado para a diocese de Tulle, ele foi eleito superior geral da Congregação dos Padres do Espírito Santo, uma congregação forte que contava mais de cinco mil membros no mundo todo.

O Concílio Ecumênico do Vaticano II fora então convocado pelo Papa João XXIII. Enquanto superior geral ele participou das sessões preparatórias do Concílio. Ele nos contou tudo… assim que tivemos a graça de conhecê-lo primeiro em Roma depois e em seguida em Ecône.

Abbé Paul AulagnierDolorosamente afetado pela crise sacerdotal, pelo colapso das vocações no Ocidente e pela perda do senso sacerdotal, tendo sido liberado de todas as suas responsabilidades – ele apresentou sua demissão, Roma o aconselhara a tal – ele decidiu enfim fazer de tudo para lutar contra. Fundou seu seminário em Friburgo com a autorização episcopal de Dom Charrière e com os encorajamentos do Cardeal Journet. Ele criou seu instituto sacerdotal: a Fraternidade Sacerdotal São Pio X, sempre com a autorização de Dom Charrière, Bispo de Friburgo-Lausanne-Genebra. Que alegria foi a sua logo que recebeu o decreto do bispo! Uma alegria própria da Igreja! Ele nos ensinou a grandeza do sacerdócio, seu papel, seu sentido.  Ele nos fez apreciar o tesouro da Missa, da Missa Católica. Ele nos fez relembrar sua finalidade, seus frutos e sua importância para o sacerdote e para os fiéis. Ele nos deu desde o coração até a obra um «moral de ferro». Ele multiplicou seus contatos para permitir a expansão de sua obra. Ele era incansável.

Chegou o ano de 1969, abril de 1969. Deu-se a publicação da Constituição Missale Romanum e do novo rito da Missa, a Nova Missa de Paulo VI. Terrível reforma litúrgica… contestada, contestável, que ia abalar desde as bases ao cume a Santa Igreja e sua unidade.

Teólogos se levantaram para se opor a aquilo, cardeais também. Intelectuais de renome fizeram ouvir sua voz. Para citar apenas um nome, permiti que eu invoque o Cardeal Ottaviani. Em uma carta ao Sumo Pontífice, Paulo VI, ele lhe apresentou uma crítica ao novo rito pedindo-lhe «ab-rogar este novo rito ou, ao menos, não privar o orbe católico, da possibilidade de continuar a recorrer à integridade e fecundidade do Missal Romano de São Pio V». Tudo isso provocou grande celeuma. Dom Lefèbvre tomou posição tarde demais.

Foi somente em 2 de junho de 1971 que ele reuniu em Ecône seu corpo docente e os seminaristas. No dia seguinte, ele foi ter com «os teólogos» e os seminaristas. Ele expôs sua posição. Explicou sua intransigência, seu «non possumus», com argumentos claros. Ele nos deixou, ao fim desta conferência, um texto, um pequeno texto que resumia sua corrente de pensamento. Naquela época, eu, seminarista, guardei ciosamente esse texto. Com freqüência eu o lia e relia. A posição de nosso fundador é simples, doutrinal, fundamentada sobre a mais segura teologia, sobre os decretos solenes do Concílio de Trento e sobre os princípios do Direito Canônico. Esta posição era púbica. Ela está escrita. Nas conferências ele jamais cessou de explicá-la e de justificá-la.

Ora, foi em razão dessa posição sobre a Missa que Dom Lefèbvre foi condenado.

Sua fundação foi tratada inicialmente como «selvagem». O primeiro a pronunciar tal termo foi Dom Etchegaray. Ele era naquela época Arcebispo de Marselha… Primeira afirmação falsa: Seu seminário não tinha nada de selvagem, tampouco seu instituto. «Tudo» foi aprovado por Dom Charrière, por Dom Adam. A fundação de Albano gozou do beneplácito do bispo local. Nada de «selvagem» a bem da verdade. Muito ao contrário, Dom Lefèbvre, como homem da Igreja, respeitador de suas leis, quis fazer tudo de acordo com as autorizações necessárias. E foi assim que ele fez. Mas pouco importava, ele não estava mais na linha. Porque ele não queria seguir cegamente as reformas conciliares… Tendo ele impedido que se voltasse atrás, era necessário desacreditá-lo. Suas fundações só poderiam ser classificadas como selvagens e condenadas.

Iniciava-se o ciclo infernal.

Então teve lugar uma visita canônica. Dom Onclin e Dom Deschamps foram enviados de Roma. Eles tinham propostas «novas» de tal forma que Dom Lefèbvre precisou protestar logo que ambos partiram. Foi quando surgiu então seu protesto de Fé de 24 de Novembro de 1974. Deus! Como tal declaração fez jorrar tinta! Como foi comentada! No exterior e no interior… e pelo próprio corpo docente. Era necessário que Dom Lefèbvre se retratasse. «Ele assinara sua própria condenação»… E foi então intimado em Roma diante de uma comissão «ad hoc», diante do Cardeal Garonne, Cardeal Wright e Cardeal Tabera. Eles tentaram convencê-lo da «futilidade» de sua posição. Tentativa inútil. Eles não imaginaram que encontrariam tamanha segurança, tamanha força, a força simples da doutrina católica, amada mais que a si mesmo.

Não podendo convencê-lo, era necessário esmagá-lo. Assim, sobrevieram-lhe as sanções canônicas. As pressões psicológicas foram terríveis a princípio.

Houve a ameaça de se fechar o seminário da Fraternidade. Como as ameaças não o detiveram, delas se passou para as sanções. E foi Dom Mamie, Bispo de Friburgo, que tomou a frente em tudo isso. Ao pobre, foi-lhe dada ordem de não realizar as ordenações do dia 29 de Junho de 1976. Terrível dilema do qual eu fui uma testemunha privilegiada. Na noite do dia 28, em meu escritório, ele ainda buscava uma solução… pesava os prós e os contras… A festa já se aproximava com todo seu fulgor.

Tudo estava pronto… «apesar de tudo, dizia-me ele, podemos ainda não fazer as ordenações». Ele era de uma calma suprema, tranqüilo. E no dia 29, diante de uma imensa multidão, ele explicou sua atitude. Ele falou com clareza e sem meios termos: nossa fidelidade à missa de sempre, à missa codificada, e mesmo canonizada por São Pio V é a causa de nossas dificuldades com Roma.

A sanção canônica sobreveio em 22 de Julho de 1976. Ele foi declarado «suspenso a divinis». Ele não poderia exercer nenhum poder inerente ao seu estado sacerdotal e episcopal. Em Lille, aos 29 de Agosto de 1976, ele explicou tudo novamente. Ele falou abertamente da reforma litúrgica, da reforma da missa, da missa «equívoca». Foi lá que ele falou da missa «híbrida»: «a Nova Missa é uma espécie de missa híbrida que não é hierárquica, mas democrática, onde a assembléia ocupa lugar mais importante que o sacerdote». Pode-se resumir a posição de Dom Lefèbvre dizendo que ele rejeita a nova missa porque ela é equívoca, mais protestante que católica, distante da Tradição católica e até mesmo em total ruptura com a Tradição e os dogmas católicos.

E o conflito perdurou. Hoje, vós sois a autoridade. É por isso que eu me dirijo a vós. Vós tendes mantido a condenação de Dom Lefèbvre, de sua fundação, de seus sacerdotes porque eles querem permanecer fiéis a esta Missa católica para salvaguardar sua Fé, garantia da eternidade.

No entanto, vós, quando éreis cardeal, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, vós vos tornastes bem severo quanto a essa reforma litúrgica que nos entristece.

Permiti que eu vos cite.

Vós prefaciastes um livro de Monsenhor Gamber em sua edição francesa gratamente difundida por Dom Gérard Calvet e intitulada A Reforma Litúrgica em Questão. Neste prefácio, vós elogiastes Monsenhor Gamber por sua obra teológica e litúrgica. Vós o recomendastes fortemente e fizestes dele um modelo, «um padre» desse renovar litúrgico que  trouxestes e ainda traz entre todos os vossos anseios. «Esse novo recomeço precisa de padres que lhe sejam modelos… Quem procura hoje tais padres encontrará um sem sombra de dúvida na pessoa de Monsenhor Klaus Gamber… ele poderia com sua destreza litúrgica – vós o dissestes – tornar-se um padre do novo recomeço» (p. 7). Não se pode ser mais claro.

Vós criticais «graciosamente» neste prefácio a reforma litúrgica. Vós afirmais que «a liturgia é (deve ser) um desenvolvimento contínuo», harmonioso (p. 7). E de fato a liturgia católica foi isto, aquela codificada por São Pio V. Ela evoluiu harmoniosamente através dos séculos. Tal se pode dizer tanto da liturgia quanto da doutrina católica. Não há pior herético que o «fixista». Não há nada mais radicalmente estático que a morte. A liturgia católica não é isso. Nós bem o sabemos. Isto posto, vós partis «em guerra» contra a liturgia reformada oriunda do Concílio Vaticano II. «O que se deu após o Concílio significa uma outra coisa: no lugar da liturgia, fruto do desenvolvimento contínuo, foi colocada uma liturgia fabricada. Saiu-se do processo vivo de crescimento e de transformação para se vagar na fabricação». Esta é a obra de Dom Bugnini. «Não se quis continuar a transformação e a maturação orgânica do ser vivo pelos séculos e as substituíram – segundo um modo de produção técnico – pela fabricação, produto banal do momento» (p. 7).

Vós dissestes também: «A liturgia não é o produto do nosso fazer». Esta é a grande idéia de Monsenhor Gamber. Dom Lefèbvre teria sido desta mesma opinião, ele que sustentou até a ruptura as reformas de São Pio X, de Pio XII e mesmo de João XXIII em matéria litúrgica, contra certos seminaristas americanos que as rejeitavam.

Vós nos pedistes que pendêssemos para o pensamento de Monsenhor Gamber, que nós o tomássemos por nosso. Vós destes uma aprovação sentida de sua obra. É o que eu tenho feito.

Por vossa recomendação, eu li este livro. Devo confessar que jamais encontrei crítica tão forte, tão radical à Nova Missa mesmo sob a pena de Dom Lefèbvre.

Então observe agora minha questão. Vêde onde quero chegar. Vêde o que eu quereria vos dizer se vós me recebêsseis: «Por que aprovar tão denodadamente Monsenhor Gamber, aplaudi-lo, recomendá-lo e continuar a reprovar Dom Lefèbvre?» Monsenhor Gamber é, porém, ainda mais severo em sua crítica ao novo rito que Dom Lefèbvre. Não haveria então dois pesos e duas medidas? Eis meu pasmo e mesmo minha angústia!

Vêde algumas críticas de Monsenhor Gamber: «Colocou-se, doravante (com a reforma litúrgica) e de modo exagerado, o peso sobre a atividade dos participantes, deixando num segundo plano o elemento cultual» (p. 15).

Foi isso que Dom Lefèbvre afirmou em Lille, nem mais, nem menos. «Esse (elemento cultual, i.e. o Sacrifício, a própria ação eucarística) foi empobrecida mais e mais no nosso meio». «Do mesmo modo, agora falta em larga medida a solenidade que faz parte de toda a ação cultual, sobretudo se esta é realizada diante de uma grande multidão» (p. 12). É isso o que nós dizemos, nem mais, nem menos. Monsenhor Gamber ousa escrever a este respeito: «Em lugar da solenidade vê-se reinar freqüentemente uma austeridade calvinista» (p. 13).

Monsenhor Gamber prossegue… «Não raro, vemos certos ritos serem desprezados pelos próprios pastores e deixados de lado sob pretexto de que seriam antiquados: não se quer deixar suspeitar que se teria fracassado o trem da evolução moderna. Não obstante, uma multidão do povo cristão permanece ligada a tais formas antigas cheias de piedade. Os reformadores de hoje, muito apressados, não consideraram suficientemente até que ponto, no espírito dos fiéis, a doutrina e as formas piedosas coincidem. Para muitos modificar as formas piedosas significa modificar a fé».

Prefaciando este livro, vós destes vossa aprovação a esta crítica geral.

Dom Lefèbvre disse a mesma coisa. Ele não cessou durante toda a sua vida de nos lembrar o axioma fundamental em matéria litúrgica: lex orandi, lex credendi. Foi o tema de sua conferência – entre mais de mil – de 15 de Fevereiro de 1975, dada em Florença: «Para muitos, modificar as formas tradicionais significa modificar a fé».

«Os responsáveis na Igreja não escutaram a voz daqueles que não cessaram de adverti-los pedindo-lhes que não suprimissem o Missal romano tradicional (e autorizassem a nova liturgia somente em certo limites e «ad experimentum»)… Hoje, eis infelizmente esta situação: numerosos bispos se calam diante de quase todas as experiências litúrgicas, mas reprimem mais ou menos severamente o sacerdote que, por razões objetivas ou de consciência, se prende à antiga liturgia» (p. 14).

Foi a essa constatação que chegaram os «Grandes» no cardinalato. Foi isso o constatado por Dom Lefèbvre. Era isso o que fazia com que Dom Lefèbvre se ativesse por razões objetivas ou de consciência à antiga liturgia.

Então, já que vós sustentastes o pensamento de Monsenhor Gamber, visto haverdes prefaciado seu livro, querei, eu vos suplico fazer abrir o dossiê «questão Lefèbvre» e o julgar em bom e devido modo.

Monsenhor Gamber é deveras severo… contra essa reforma litúrgica. Após ter reconhecido que «as inovações litúrgicas» são possíveis, mas que tudo deve ser feito «com bom senso e prudência». Isso não é a razão última, mas pouco importa, ele conclui voltando-se então para o concreto da reforma litúrgica nascida do Concílio Vaticano II: «A ruptura com a Tradição está doravante consumada». Ele sublinha ainda: «Pela introdução da nova forma da celebração da Missa (trata-se aqui do próprio rito novo) e dos novos livros litúrgicos, e ainda mais pela liturgia concedida tacitamente pelas autoridades, organizada livremente na celebração da missa sem que se possa auferir de tudo isso uma vantagem do ponto de vista pastoral (e isto é o mínimo que se pode dizer!), juntamente a tudo isso, prossegue ele, constata-se em larga medida, uma decadência da vida religiosa que, é verdade, tem também outras causas. As esperanças postas na reforma litúrgica – já se pode dizer – não foram realizadas».

Vós prefaciastes isto.

Dom Lefèbvre jamais usou termos tão fortes e brutais.

Por graça! Retomai o dossiê. Dai nova vida ao recurso que o próprio Dom Lefèbvre levou às mãos do Prefeito da «Assinatura Apostólica» da época, mas que este último não pôde tratar por ordem do onipotente Cardeal Dom Villot. Hoje, vós tendes poder para isso. Fazei cessar a injustiça na Igreja… na França de modo particular… Fazei cessar a injustiça contra Dom Lefèbvre.

Vêde ainda! «De ano em ano, a reforma litúrgica, louvada com excesso de idealismo e grandes esperanças por numerosos sacerdotes e leigos, prova ser, como nós já havíamos dito, uma desolação de proporção assustadora». (p. 15)

Dom Lefèbvre disse isso, mas digo que jamais o fez tão fortemente.

Nosso autor prossegue: «Em vez das esperadas renovação da Igreja e da vida eclesiástica, nós assistimos a um desmantelamento dos valores da Fé e da piedade que nos foram transmitidas, já no lugar de uma renovação fecunda da liturgia, vemos uma destruição das formas da missa que foram organicamente desenvolvidas no curso dos séculos» (p. 15).

Vós aprovastes este julgamento, vós o prefaciastes elogiosamente. Dom Lefèbvre, que não disse nada além disso, foi condenado, mas Monsenhor Gamber foi aplaudido.

Prossigo minha leitura: «…a isto some-se uma amedrontadora aproximação das concepções do protestantismo sob a bandeira de um ecumenismo mal compreendido… Isto significa nada menos que o abandono de uma tradição até então comum ao Oriente e ao Ocidente» (p. 15).

Dom Lefèbvre não disse outra coisa. Foi o que ele disse em um artigo publicado em 1971 em La Pensée Catholique – mas já escrito em pleno Concílio: «Para se permanecer católico seria necessário tornar-se protestante?»… E ele concluía: «Não se pode imitar os protestantes indefinidamente sem de fato se tornar um». Mas eu julgo Monsenhor Gamber mais categórico ainda. Ele mesmo fala «de uma amedrontadora aproximação das concepções do protestantismo». A linha de pensamento é a mesma!

Então como é possível tecer louvores a um, Monsenhor Gamber, e continuar a condenar o outro, Dom Lefèbvre. Ambos dizem o mesmo.

Por graça, abri novamente o processo de Dom Lefèbvre. Esta é uma súplica legítima.

Monsenhor Gamber, em um segundo capítulo, trata da «ruína» do rito romano. Ele o pranteia, como vós o fazeis em vosso Motu Proprio Summorum Pontificum. De tal modo ele avança em sua análise que chega ao ponto de dizer que o rito novo, sem ser de per si inválido – o que Dom Lefèbvre jamais disse – é celebrado com mais e mais freqüência de maneira inválida. Dom Lefèbvre disse exatamente a mesma coisa. Nem mais, nem menos. Ele é apenas um pouco mais preciso: «Todas essas mudanças no novo rito são realmente perigosas, porque pouco a pouco, sobretudo para os jovens sacerdotes que não mais têm a idéia de sacrifício, da presença real e da transubstanciação, e para os quais tudo isso não significa mais nada, esses jovens sacerdotes perdem a intenção de fazer o que a Igreja faz e não celebram mais missas válidas» (Conferência de Florença de 15 de Fevereiro de 1975).

Esta foi a grande preocupação de João Paulo II no fim de seu reinado, sobremodo expressa em sua encíclica «Ecclesia de Eucharistia».

Eu passo, pois, ao capítulo IV do livro: o julgamento do prelado é terrível.

Ele expõe a princípio, brevemente, porém adequadamente, a reforma luterana, a reforma que Lutero fez a Missa católica sofrer, a Missa romana. «O primeiro, escreveu ele, a ter empreendido uma reforma da liturgia e isso em razão de considerações teológicas foi, incontestavelmente, Martinho Lutero. Ele negava o caráter sacrificial da Missa e por isso se escandalizava com certas partes da Missa, em particular as orações sacrificiais do Cânon» (p. 41).

Daí advém a reforma que ele empreendeu da missa e logo de início suprimiu as orações sacrificiais, mas ele agiu prudentemente – com a prudência da carne – para não chocar e criar reações.

Ora, nada de tão comparável com a reforma litúrgica conciliar.

Monsenhor Gamber é terrível. Ele afirma inicialmente que se agiu muito brutalmente no Concílio: «A nova organização da liturgia e, sobretudo, as modificações profundas do rito da Missa que apareceram sob o pontificado de Paulo VI e entrementes se tornaram obrigatórias – pode-se legitimamente discutir este ponto – foram muito mais radicais que a reforma litúrgica de Lutero e levaram muito menos em conta o sentimento popular» (p. 42).

Depois, ele afirma que alguns elementos da doutrina protestante foram levados em conta para justificar a reforma litúrgica. Ele fala ainda da «repressão do elemento latrêutico», «a supressão das formulas trinitária», e enfim do «enfraquecimento do papel do sacerdote». Aqui se encontra, pura e simplesmente, as afirmações de Dom Lefèbvre, aquelas do «Breve Exame Crítico» apresentado ao Papa pelo Cardeal Ottaviani. E diz ainda que «não foi suficientemente esclarecido em que medida, tanto aqui quanto no caso de Lutero, as considerações dogmáticas puderam exercer alguma influência» (p. 42).

Ele reconhece que «foi a nova teologia (liberal) que apadrinhou a reforma conciliar». Ele se ressente de que o Papa Paulo VI não tivesse acreditado que deveria ter levado a sério «as críticas dogmáticas», «nem as imperiosas e ásperas repreensões dos cardeais de mérito – como aqui não se pensar no Cardeal Ottaviani, no Cardeal Bacci, os quais haviam lançado objeções dogmáticas quanto ao novo rito da missa – nem as instantes súplicas provenientes de todas as partes do mundo impediram Paulo VI de introduzir imperativamente o novo missal» (p. 43).

Assim, para Monsenhor Gamber cuja doutrina vós tanto nos recomendais, o «Novo Ordo Missae» teria «odores» protestantes pelos traços de teologia protestante, teologia liberal.

Confessai que tudo isso, objetivamente, pode impedir qualquer entusiasmo de celebrá-lo e torna difícil falar de «santidade» ou de «valor» do novo rito como vós nos pedis para fazê-lo na carta que endereçastes aos bispos. A contradição permanece!

Vós aprovastes estas críticas. Por que então continuais a condenar Dom Lefèbvre?

Seu erro foi talvez ter tido razão cedo demais, ou de ter sido, em sua época, um bispo de caráter… Mas se ele demonstrava essa qualidade quem poderia com razão criticá-lo, ainda mais por tal lucidez e tamanha força? Foram estes os motivos da condenação?

Após estas críticas gerais, Monsenhor Gamber chega a um ponto mais peculiar: à prex eucharistica. Ainda nesse ponto a crítica permanece terrível. «Os três novos cânons constituem por si mesmos uma ruptura completa com a tradição. Eles foram compostos de acordo com modelos orientais e galicanos, e representam, ao menos em seu estilo, um corpo estranho no rito romano» (49). Ele aprofunda um pouco mais em seu «menu» até as palavras da consagração, e é ainda mais severo: «A modificação ordenada por Paulo VI das palavras da consagração e das frases que se seguem… não tinha a menor utilidade para a pastoral. A tradução de «pro multis» para «por todos» que se refere a concepções teológicas modernas e que não é de modo algum encontrado em nenhum texto litúrgico antigo, é duvidosa e tem na verdade causado escândalo» (p. 50).

Monsenhor Gamber estava chocado, deveras chocado, com a mudança do termo «mysterium fidei» da fórmula da consagração do vinho. Mas sua explicação é luminosa: «Do ponto de vista do rito, é para se ficar estupefato ao ver que se tenha podido retirar, sem razão, o termo «mysterium fidei» inserido nas palavras da consagração desde por volta do século VI, para lhes conferir um significado novo; ele se tornou uma exclamação do sacerdote após a consagração. Uma exclamação desse tipo jamais esteve em uso. A resposta da assembléia: «Proclamamos, Senhor, a vossa morte…» só é encontrada em anáforas egípcias. Porém é estranha aos ritos orientais e a todas as orações eucarísticas ocidentais e está em total desconformidade com o estilo do cânon romano» (p. 50).

Desse modo, nós nos prontificamos a nos ater a crítica de Monsenhor Gamber. Eu creio que ela basta para poder justificar nossa posição prática. No entanto, porque quisemos permanecer ligados a estas críticas, àquelas do Breve Exame Crítico, que são as mesmas, nós fomos praticamente excomungados, cassados de nossas igrejas, nós fomos tomados por retrógrados. E nos disseram que não temos o senso da Tradição…

Mas então porque elevar às nuvens Monsenhor Gamber e continuar a combater Dom Lefèbvre? Eu não entendo.

Não haveria injustiça nisso? Eis o que eu tenho em meu coração e o que eu quero vos dizer, vós que sois o pai de todos.

Monsenhor Gamber vem a concluir o capítulo por este veredito: «Com o novo, quis-se mostrar aberto à nova teologia, tão equívoca, aberta ao mundo de hoje» (p. 54). «O que é certo é que o novo Ordo Missae, desta forma, não recebeu o assentimento da maioria dos padres conciliares».

Incrível!

Esta única afirmação deveria bastar para que qualquer um se ativesse firmemente ao antigo rito… «Mas vós não tendes o espírito do Concílio»! Esta arma que mata. No entanto, o que é este espírito do Concílio que é necessário ter para viver… Monsenhor Gamber o tinha? Mas que arbitrário! Que arbitrário!

Vós poderíeis talvez me dizer: «Tu te enganas. Não é a missa que põe o problema. Mas as sagrações. Dom Lefèbvre as realizou sem autorização pontifical. Por isso devia ser punido. Hoje, o novo Direito canônico prevê a excomunhão. Eis o problema! Eis o porquê da condenação». Mas é realmente esse o problema?

A idéia da sagração de um membro da Fraternidade havia sido aceita quando do protocolo de 5 de maio de 1988. Vós mesmo a havíeis aceitado.

Mas para o momento, permaneçamos ao nível do simples bom senso.

Dom Lefèbvre não foi menos amado pelas autoridades eclesiásticas após as sagrações que antes delas. Ele não foi menos execrado depois das sagrações que antes das mesmas. Antes delas, fizeram-lhe guerra, sua obra foi declarada «selvagem». Dom Garonne o declarou «louco»… Os bispos das dioceses lhe escreveram cartas horríveis quando ele visitava os tradicionalistas de suas dioceses. E que cartas!

Sim, Dom Lefèbvre já não era amado desde antes das sagrações. Ele não mais estava, parecia-lhe, em sua «comunhão». Já se lhe fechavam as igrejas. Os corações dos bispos se lhe fecharam… Mesmo em Roma, não se ousava mais recebê-lo… quando ele visitava um dicastério… o Prefeito ficava embaraçado… Ser visto com Dom Lefèbvre era comprometedor… Já muito antes das sagrações, ele era o « mal amado» da Igreja. Ele não tinha o espírito conciliar… E de fato, sua obra, sua obra sacerdotal foi interditada, seu seminário foi fechado. Interditadas as ordenações sacerdotais… Obviamente, ele nos ordenou para o Sacrifício da missa…! Ele era execrado por seus pares bem antes das sagrações e mesmo durante o Concílio.

Não se lhe perdoava a posição, sua presidência do Coetus internationalis Patrum.

Mesmo antes do Concílio, quando ele era Arcebispo-Bispo de Tulle, os cardeais e arcebispos da França lhe fechavam a porta de suas assembléias e reuniões. Mas ele tinha pleno direito a tomar parte nelas. Eles lhe recusavam tal. Isto é histórico! Se o Cardeal Richaud – então Arcebispo de Bordeaux – estivesse ainda neste mundo, ele poderia testemunhar quanto a isso.

Dom Lefèbvre no-lo disse. Mas ele ria-se disso. Ele não era rancoroso. Sim, mesmo antes das sagrações, Dom Lefèbvre não era amado. Era assim.

Sob esses aspectos, o problema das sagrações toma seu sentido verdadeiro. É na verdade um problema menor, o que quer que se diga… Neste sentido, as sagrações não foram a razão fundamental de sua excomunhão. Na prática, ele já o era. Após as sagrações ele se tornou, pode-se dizer, canonicamente. E isso não mudou quase nada… A pena canônica – sua declaração – foi inicial e essencialmente diplomática: para fazer medo e assustar os fiéis e lhes fazer abandonar o barco… O Cardeal Gagnon julgou mal.

Mas admitamos que a excomunhão tenha sua razão essencial e exclusiva nas sagrações. Esta ação – esta sanção – estende-se a Dom Lefèbvre, aos quatro bispos consagrados e ao co-consagrador Dom Castro Mayer… a mais ninguém, e de modo algum à Fraternidade Sacerdotal São Pio X e seus padres. Eles não estão excomungados. Eles estão na Igreja e são da Igreja. Eu mesmo nunca recebi a menor notificação de excomunhão. O Motu Proprio Ecclesia Dei Adflicta não me diz respeito diretamente.

Vós me direis talvez que a Fraternidade Sacerdotal São Pio X tenha sido suprimida por Dom Mamie, Bispo de Friburgo, e não exista mais. Ela não é mais de direito diocesano. Vós sois “zero”, nada. Vós não tendes qualquer existência legal.

Ah ! Permiti-me ainda!

Dom Mamie quis talvez suprimir a Fraternidade Sacerdotal São Pio X… Mas eu me permito humildemente vos lembrar que nós o fomos em razão de nossa ligação à missa tridentina e em razão de nossa rejeição do novo Ordo Missae.

Ora, prefaciando o livro de Monsenhor Gamber, vós prefaciastes nossas própria críticas.

Volto a repetir, Dom Lefèbvre e o Breve Exame Crítico são menos duros que Monsenhor Gamber e seu livro. Ademais vós nos dais razão em vosso recente Motu Proprio reconhecendo que a antiga missa «permaneceu sempre autorizada». Se ela permaneceu sempre autorizada, era legítimo a celebrar e ilegítimo condenar os que queriam celebrá-la.

Assim, pois, nossa condenação e nossa supressão estão sem razão suficiente.

Elas são injustas. Querei, Santíssimo Padre, restaurar a justiça, reparar a injustiça.

Dignai-vos, Santíssimo Padre, a receber a expressão de meu filial respeito e conceder-me vossa bênção.

Padre Paul Aulagnier.

Membro do Instituto do Bom Pastor.

Nova pesquisa demonstra disparidade entre fiéis que assistem às duas formas de Missas.

Por Steve Skojec, 25 de fevereiro de 2019 – OnePeterFive | Tradução: FratresInUnum.com – Uma nova pesquisa realizada pelo padre Donald Kloster, da igreja de Santa Maria, em Norwalk, Connecticut, Estados Unidos, em parceria com um estatístico e com Brian Williams, de LiturgyGuy.com, realçou alguns dados interessantes de um grupo sub-representado de católicos: aqueles que regularmente assistem à Missa Tradicional.

O padre que iniciou a pesquisa celebra “tanto a Missa de Paulo VI – Novus Ordo Missae — e a Missa Tradicional (Missa Tridentina) por cerca de 20 anos e afirma na introdução dos resultados que ele “observou variações entre as pessoas que assistem às duas missas do Rito Romano”.

Observando que os “católicos americanos que assistem à Missa de Paulo VI têm sido questionados repetidamente acerca de suas idéias e práticas (Pew Research e Center for Applied Research in the Apostolate at Georgetown University [CARA]),” ele também observa que “o corpo de pesquisas não parece incluir uma descrição de católicos que assistem à Missa Tradicional” que compreende “cerca de 100 mil católicos”, assistindo “ao menos 489 missas dominicais por todo o país”. Foram questionadas, tanto presencialmente como online, um total de 1773 pessoas.

Os resultados em questões chave revelam:

  • 2% dos católicos que assistem à Missa Tradicional aprovavam a contracepção, contra 89% dos católicos que assistem à Missa pós-conciliar.
  • 1% dos católicos que assistem à Missa Tradicional aprovavam o aborto, em comparação a 51% dos que assistem à Missa pós-conciliar.
  • 99% dos católicos que assistem à Missa Tradicional afirmaram ir à missa semanalmente, contra 22% dos que assistem à Missa pós-conciliar.
  • 2% dos que assistem à Missa Tradicional aprovavam o “casamento gay”, contra 67% dos que assistem à Missa pós-conciliar.

Também é de se destacar era a taxa de doação entre católicos que assistem à Missa Tradicional, que era cerca de 6 vezes o total de doações (6% da renda) dos católicos de Missa pós-conciliar (1,2%). Os católicos tradicionais também possuíam uma taxa de natalidade de 3,6 contra 2,3 dos católicos pós-conciliares — indicando “uma família aproximadamente 60% maior”.

Como afirmam os autores do estudo em sua análise, as diferenças entre os dois grupos eram “dramáticas, quando comparadas as idéias, a frequência à igreja, a generosidade financeira e as taxas de natalidade”.

A pesquisa inicial, conduzida durante alguns meses de 2018, foi curta, mas Pe. Kloster pretende se dedicar no estudo de assuntos adicionais em sua próxima pesquisa — tal como a propensão para vocações — que ele deseja iniciar neste ano.

Os resultados serão, provavelmente, pouco surpreendentes para os católicos que frequentam às capelas em que a Missa Tradicional é oferecida ao longo do país. Eles indicam que essas capelas são terreno fértil para a ortodoxia católica, famílias numerosas e uma prática autêntica da fé, e continuarão a prover o crescimento e o alimento da Igreja no futuro próximo.

Summorum Pontificum em Lisboa, Portugal.

Santa Missa no Rito Tradicional em Lisboa, Portugal.

De Segunda a Sexta-feira às 19h
Igreja de Nossa Senhora da Conceição dita Conceição Velha na Rua da Alfandega, Baixa, Lisboa; metrô Terreiro do Paço;

igreja-de-sao-nicolau

Sábado às 19h
na Igreja de São Nicolau na Rua de São Nicolau, Baixa, Lisboa; metrô Baixa-Chiado

Créditos ao leitor Lopez pela informação.

Cardeal Sarah: “Vocês não são tradicionalistas: vocês são Católicos”.

A resposta do Cardeal Sarah a quem considera o uso da missa tridentina como algo do passado ou saudosista: “A quem nutre algumas dúvidas em relação a isso, eu diria: visitem estas comunidades e procurem conhecê-las, especialmente os jovens que fazem parte delas. Abram seus corações a mentes a estes nossos jovens irmãos e irmãs, e vejam o bem que eles fazem. Não são saudosistas nem amargurados, nem oprimidos pelas lutas eclesiásticas das décadas atuais; eles são cheios da alegria de viver a vida de Cristo em meio aos desafios do mundo moderno”

Por Andrea Zambrano, La Nuova Bussola Quotidiana, 15 de setembro de 2017 | Tradução: FratresInUnum.com

Sarah aos grupos estáveis de fiéis ligados à Missa Tradicional: “Não sejam tradicionalistas, sejam católicos. Saiam do gueto”.

“Não sejam tradicionalistas, sejam católicos, tanto quanto eu e o Papa” As palavras do cardeal Robert Sarah, Prefeito da Congregação para o Culto Divino, chegam pontuadas quase ao término da conferência dada pelo purpurado no Congresso de dez anos do [motu proprio] Summorum Pontificum de Bento XVI. E parecem pôr fim a uma longa travessia no deserto realizada por grupos estáveis e por tantos monges e religiosos (lá no Angelicum de Roma, estavam ontem sobretudo franceses e italianos) que nestes anos experimentaram os benefícios da forma extraordinária do rito romano.

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Peregrinação Summorum Pontificum 2017 – Cardeais Burke, Muller e Sarah na primeira fila.

É a assim chamada missa em latim ou missa tridentina. Um clichê linguístico usado para controlar e enquadrar um fenômeno nascido na surdina, mas que hoje cresceu a tal ponto que o termo tradicionalista parece muito estreito e em certas situações é já insuficiente, visto que a maior parte dos fiéis que têm esta sensibilidade são jovens e não são saudosistas de nada. Para dar plena cidadania à forma extraordinária do rito romano vem também o atual Prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, que aproveitou a ocasião de sua lectio magistralis de ontem para esclarecer também algumas de suas expressões, que haviam desencadeado as suspeitas de alguns guardiões da revolução: a Missa ad orientem, em primeiro lugar, e a Reforma da Reforma, secundariamente.

Não antes de recordar que o motu proprio foi um “sinal de reconciliação na Igreja e que trouxe muito fruto e, neste sentido, foi realizado também pelo Papa Francisco”. Partindo de Ratzinger, o cardeal recordou que o “esquecimento de Deus é o perigo mais urgente do nosso tempo”. “Se a Igreja de hoje é menos zelosa e eficaz em levar as pessoas a Cristo — disse ele à plateia do Angelicum –, uma das causas pode ser a nossa falta de participação na Sagrada Liturgia de um modo autêntico e eficaz. E isto talvez seja devido, por sua vez, à falta de uma adequada formação litúrgica — com a qual talvez esteja preocupado também o nosso Santo Padre, o Papa Francisco, quando diz que “uma liturgia que estivesse desligada do culto espiritual arriscaria de esvaziar-se”.

Para Sarah “isto pode ser também devido ao fato de que, muito frequentemente, a liturgia, tal como vem sendo celebrada, não é fiel e não corresponde plenamente a como é entendida pela Igreja, mas depaupera-se ou priva-se daquele encontro com Cristo na Igreja, que é um direito de todos os batizados”. Tanto que “muitas liturgias não são realmente nada mais que ‘antropocêntricas’, um teatro, um divertimento mundano, com muito barulho, danças e movimentos corporais, que se assemelham às nossas manifestações folclóricas”. Ao contrário, a liturgia é o momento de um encontro pessoal e íntimo com Deus e, aqui, o cardeal exortou a África, a Ásia e a América Latina a refletir “sobre as suas ambições humanas de inculturar a liturgia, de modo a evitar a superficialidade, o folclore e a auto-celebração cultural”.

Mas o que isso tem a ver com a Missa tridentina? Tem a ver porque no assim chamado usus antiquor estes riscos são notavelmente despotencializados. Como o de perder uma orientação litúrgica que, longe de ser uma questão meramente formal, representa, ao contrário, um detalhe fundamental para falar com Deus. Detalhe. Sarah repete-o, recordando já o ter mencionado e como, nos últimos anos, o retorno ao “voltar-se ad Deum ou ad orientem durante a liturgia eucarística seja uma gestualidade quase universalmente assumida nas celebrações do usus antiquor“.

Mas também a prática do orientamento “é perfeitamente apropriada — e eu o insisto — e pastoralmente vantajosa, na forma mais moderna do rito romano”. O cardeal é consciente de que isto lhe poderia ser motivo de acusação por ser atento aos detalhes: “Sim — prosseguiu –, porque como todo marido e mulher sabem, em cada relação de amor, os mais pequenos detalhes são importantes, porque é nestes e através destes que o amor se exprime e se vive dia-a-dia. As ‘pequenas coisas’, na vida matrimonial, exprimem e protegem as realidades maiores, tanto que o matrimônio inicia a romper-se quando estes detalhes são descuidados. Assim, também na liturgia: quando os seus pequenos rituais se tornam routine e não são mais atos de culto que exprimem as realidades do meu coração e da minha alma, quando não cuido mais dos detalhes, então aí está um grande perigo de que o meu amor ao Deus Onipotente se esfrie”.

O mesmo argumento para o silêncio, que é o único que “pode edificar aquilo que sustentará a sagrada celebração, porque o barulho assassina a liturgia, mata a oração, nos destrói e nos exila distantes de Deus”. Chega-se, assim, no coração da solene celebração da Santa Missa no usus antiquor que “é um ótimo paradigma disso, porque, com os seus níveis de rico conteúdo e de diversos pontos de coligação com a ação de Cristo, permite-nos alcançar tal silêncio. Tudo isso é certamente um tesouro com o qual possam ser enriquecidas algumas celebrações do usus recentior, às vezes horizontais demais e barulhentas”.

As reflexões de Sarah, porém, têm como protagonista a missa em geral e não apenas a da forma extraordinária. De fato, o cardeal convidou “a não rezar o breviário com o próprio telefone ou o iPad” porque “não é digno, dessacraliza a oração. Este aparelho não é um instrumento consagrado e reservado a Deus”. Mas também tirar fotografias durante a Santa Missa por parte de presbíteros não é digno.

Sobre os grupos estáveis de fiéis ligados à Missa Tradicional, Sarah expressou toda a sua gratidão, testemunhando “a sinceridade e a devoção destes jovens, homens e mulheres, sacerdotes e leigos, e das boas vocações ao sacerdócio e à vida religiosa que nasceram nas comunidades que celebram o usus antiquor. É a melhor resposta a quem considera o uso da missa tridentina como algo do passado ou saudosista: “A quem nutre algumas dúvidas em relação a isso, eu diria: visitem estas comunidades e procurem conhecê-las, especialmente os jovens que fazem parte delas. Abram seus corações a mentes a estes nossos jovens irmãos e irmãs, e vejam o bem que eles fazem. Não são saudosistas nem amargurados, nem oprimidos pelas lutas eclesiásticas das décadas atuais; eles são cheios da alegria de viver a vida de Cristo em meio aos desafios do mundo moderno“. Um apelo estendido também “aos meus irmãos bispos: estes fiéis, estas comunidades têm uma grande necessidade de cuidado paterno. Não devemos deixar que as nossas preferências pessoais ou as incompreensões do passado mantenham distantes os fiéis que aderem à forma extraordinária do rito romano“.

Porque — é o sentido das palavras de Sarah — o usus antiquor deveria ser considerado como uma parte normal da vida da Igreja do século XXI. “Estatísticamente, isso pode representar uma bem pequena parte da vida da Igreja, como previa o Papa Bento XVI, mas não por isso é uma via inferior de ‘segunda classe’. Não deveria haver concorrência entre a forma ordinária e a extraordinária do único Rito Romano: a celebração de todas as duas formas deveria ser um elemento natural da vida da Igreja nos nossos dias”.

Enfim, uma palavra “paterna” a todos aqueles que estão associados à forma mais antiga do Rito Romano. “Alguns chamam vocês de ‘tradicionalistas’ e, às vezes, até vocês mesmos se chamam assim. Por favor, não façam mais isso. Vocês não estão fechados em uma caixa num compartimento de uma livraria ou num museu de curiosidades. Vocês não são tradicionalistas: vocês são católicos do Rito Romano, tanto quanto eu e como o Santo Padre. Vocês não são de segunda classe ou membros particulares da Igreja Católica por causa do seu culto ou de suas práticas espirituais, que foram as de inumeráveis santos. Vocês são chamados por Deus, como todos os batizados, a tomar o seu lugar na vida e na missão da Igreja no mundo de hoje, ao qual também vocês são enviados”.

E ainda: “Se vocês não deixaram ainda os limites do ‘gueto tradicionalista’, por favor, façam isso hoje. O Deus Onipotente chama vocês a isso. Ninguém lhes roubará o usus antiquor, mas muitos serão beneficiados, nesta vida e na vida futura, pelo seu fiel testemunho cristão que terá tanto a oferecer, considerando a profunda formação na fé que os antigos ritos e o ambiente espiritual e doutrinal relacionados a eles deram a vocês, porque ‘não se acende uma luz para colocá-la debaixo do alqueire, mas sobre uma lanterna para que ilumine a todos aqueles que estão na casa’. Esta é a sua verdadeira vocação, a missão para a qual lhes chama a Providência divina, quando suscitou no tempo oportuno o Motu Proprio Summorum Pontificum“.