Veneno e antídoto.

Por Padre Antônio Mariano – FratresInUnum.com, 23 de dezembro de 2021: Contam uma historinha de um homem que tinha um grande laranjal e que constantemente garotos pulavam os muros e comiam muitas laranjas. Achando-se esperto, o homem teve uma ideia. Pôs veneno numa laranja e afixou uma placa na entrada do laranjal com os dizeres: Cuidado! Uma laranja está envenenada. Os garotos, porém, com raiva, fizeram o mesmo que o homem e rasuraram a placa que ele tinha posto, trocando “uma” por “duas”.

SWITZERLAND-RELIGION-CATHOLICS-VATICAN-FUNDAMENTALISM

Tradidi quod et accepi.

O que aconteceu? Todas as laranjas se perderam, porque se os garotos não podiam comer, por não saberem qual a envenenada, também o dono perde tudo por não saber qual os garotos tinham envenenado.

E nenhuma pessoa ajuizada aceitaria uma laranja, nem de graça, pois, ainda que fossem mil, quem poderia garantir que não era aquela a envenenada?

Assim, diante de um risco desnecessário, uma pessoa prudente escolhe outra opção, sem riscos, segura, certa.

Isso que todos concordariam, não foi o que aconteceu com a Igreja desde a década de 60 do século passado.

Mesmo os defensores mais ardentes do Concílio Vaticano II concordam que certas partes do Concílio são no mínimo dúbias, sendo sempre (ou quase sempre) possível, porém, uma interpretação correta à luz da Tradição da Igreja. E que o Concílio tem coisas boas, trouxe avanços… algumas pessoas de má fé (por acaso, alguns dos que escreveram muitos dos documentos conciliares) é que interpretaram mal os textos do Concílio. Oh, malvados.

Desde o início, o Concílio Vaticano II foi considerado pastoral (expressão semelhante ao “café com leite” das brincadeiras de infância do meu tempo), porém, quando a Igreja foi mais pastoral: quando separou verdade e erro, expôs isso aos fiéis e zelava para que nenhum erro fosse publicado, ensinado etc; ou quando permite que verdade e erro convivam juntas devendo o próprio fiel perceber por si mesmo o que é bom e o que é mau?

É pastoral o pastor que leva as ovelhas para um campo onde estejam presentes, ainda que em pequenas quantidades, ervas venenosas que as ovelhas deverão ter o discernimento de não ingerir? É maternal a mãe que deixa junto aos brinquedos de seu filho um escorpião, porque a criança deverá ter maturidade de não se deixar picar por ele? Não devem o pastor e a mãe proteger não apenas dos males, mas do risco dos males?

O mesmo se aplica à Missa.

Quando se compara a Missa de Paulo VI com a chamada Missa de Pio V não se percebe que elas são no mínimo diferentes? E que a Missa de S. Pio V expressa de forma claríssima verdades que na Missa de Paulo VI não são (tão) expressas? Que a Missa de S. Pio V conduz à uma piedade e devoção que é, ainda que remotamente possível, difícil haurir na Missa de Paulo VI?

Então, uma pergunta simples é: que nome costumamos dar a quem, tendo à disposição o mais fácil, sempre opta pelo mais difícil?

Deixo que você mesmo responda.

Toda essa introdução, caros amigos, é para que percebamos com mais facilidade que o grande erro (deixando o conhecimento das intenções unicamente para Deus) de boa parte da hierarquia católica durante e após o Vaticano II foi de considerar que a solução dos males que se abateram sobre a Igreja era algo tão mau quanto os próprios males e que deveria ser tão ou mais combatido que os males.

A ideia de que se deveria buscar um ponto de equilíbrio entre a observância da Tradição Católica e os “exageros e má interpretação do Concílio” fez o efeito que todos conhecemos: a criminalização da Tradição.

Vale aqui a história daquela pessoa que viu-se sobre um muro. Nosso Senhor, Nossa Senhora, os Santos pediam para a pessoa pular para o lado deles. Os demônios simplesmente observavam. A pessoa então pergunta aos demônios por que não insistiam para que pulasse para o lado do inferno; ao que os demônios respondem que o muro já tinha sido feito por eles.

O eventual equilíbrio da Igreja seria rejeitar a Tradição, mas seguir algumas coisas dela, não permitindo os avanços do modernismo e suas consequências, mas adaptando-se ao mundo moderno e à mentalidade sempre mutável das pessoas.

Sim. Isso é essencialmente contraditório e impraticável. Mas foi isso que pediu-se dos católicos desde o Concílio Vaticano II.

Não sendo possível servir a dois senhores, acabou-se por servir ao mundo. E nessa subserviência ao mundo, a hierarquia da Igreja fez com que a Igreja eterna se tornasse absurdamente mutável, em sua liturgia, em sua moral, em sua fé.

Não poucas vezes os Papas tentaram corrigir certos “avanços imoderados”, mas que nada mais eram que a adequação da Igreja ao mundo que eles mesmos incentivavam.

Se tudo na Igreja deve estar adaptado ao homem contemporâneo, se o que ele encontra na liturgia, por exemplo, é praticamente igual ao que ele encontra no mundo (a língua, os cantos, as vestes…), como frear a consequência lógica de que a moral da Igreja também não deve adaptar-se ao homem moderno? Se a Liturgia, que é o mais importante da Igreja, já se adequa às modas, por que não a moral?

Aqueles padres que eram na década de 70 favoráveis à pílula, na de 90 à camisinha e nos tempos atuais à ideologia de gênero, eram chamados em certos círculos ditos conservadores de heterodoxos, ou até de hereges, mas, lamentavelmente eram apenas coerentes até o fio de cabelo com o aggiornamento proposto pela hierarquia.

A mentalidade de que a Igreja é um carro em que o Papa e os Bispos num momento aceleram e no outro freiam não é possível sem fazer da Igreja um carro desgovernado.

Como dizer a um jovem que frequenta uma liturgia mundanizada que ele não deve ser mundano? As chamadas “aberturas” da Igreja só serviram para que a fumaça de Satanás nela entrasse.

Mas, qual era a solução desses males?

Buscar os pontos positivos do Concílio?

Fazer o malabarismo mental de interpretar o Concílio à “luz da Tradição”, mas sem se render à essa Tradição, fazendo dela um uso seletivo?

Fazer com que a Missa de Paulo VI seja mais próxima da Missa de S. Pio V, mas desprezar a Missa de S. Pio V como algo de um tempo da Igreja?

São essas posturas de encarar o remédio como veneno que nos conduziram exatamente onde estamos. É por isso que até hoje os dubia sobre Amoris Laetitia não foram respondidos, mas os de Traditionis Custodes já.

É absolutamente consequente a ideia que subjaz em Traditionis Custodes e na última Responsa sobre ele de que não apenas a Missa de S. Pio V deve deixar de existir, mas de que ela é como uma praga contagiosa que deve ser afastada para longe das Igrejas Paroquiais e que macula tanto um sacerdote que a celebre que ele pode celebrar no mesmo dia 4 missas de Paulo VI, mas só uma de S. Pio V.

Esse documento tem sua origem na pertinaz negação de reconhecer que só há um remédio para os desvios que se abateram sobre a Igreja: a Tradição. A Tradição autêntica. A Tradição pura. E não a Tradição como um “modo interpretativo”, ou como um pedal de freio.

Traditionis Custodes abre a temporada de caça à Tradição. Essa caça já acontecia, mas num campo menos evidente. Agora essa guilhotina cai sobre qualquer coisa que remeta à Tradição, porque a Tradição da Igreja diz aos fiéis as mesmas palavras de Nosso Senhor: “quem não está comigo está contra mim; quem não recolhe comigo, dispersa”. A Tradição recorda ao fiel que ou se é Católico ou não se é.

E o modo mais próximo dos fiéis se aproximarem da Igreja é a Liturgia, particularmente a Missa. É necessário que um golpe seja desferido sobre a Missa de Sempre para favorecer o golpe contra a Igreja de Sempre.

E as palavras “comunhão” e “unidade” serão (indevidamente) usadas para justificar a destruição da comunhão e da unidade. Essas palavras serão uma espécie de passaporte sanitário na Igreja que provavelmente servindo-se da concelebração na Missa Crismal, mostrará os “vacinados” e “não vacinados”. A questão é, obrigando a concelebrar a Missa de Paulo VI, legitimar plenamente o Concílio e a missa subsequente, de modo que o uso da Missa de Pio V seja uma mera questão de gosto. E, se é um gosto, por que não sacrificar “heroicamente” sobre o altar da unidade e comunhão?

Mas a questão avança não apenas sobre o que é Tradicional, mas também sobre o que parecer tradicional.

Então o Bispo chama um padre e pede que em nome da obediência e comunhão ele não celebre mais a Missa de Pio V, e o padre obedece. Mas passa a celebrar a Missa de Paulo VI em latim. O Bispo então chama o padre, e em nome da comunhão e da obediência pede que, uma vez que ele é o único que celebra em latim, não o faça mais, e o padre obedece. Mas passa a celebrar a Missa de Paulo VI em português, sem acrescentar nem retirar nada. O Bispo então chama o padre, e em nome da comunhão e da obediência pede que ele acrescente na Missa a Campanha da Fraternidade, porque ele era o único padre que não a acrescentava, e o padre obedece. O Bispo então chama o padre, e em nome da comunhão e da obediência, pede que, já que ele agora fala da Campanha da Fraternidade, pare de usar músicas antigas na Missa e use o hinário da CNBB, e o padre obedece. Depois o Bispo chama o padre e diz que é ele é o único que usa batina na sua região, então em nome da comunhão com os demais padres, ele evite usar a batina, e o padre obedece e passa andar de camisa clerical. O Bispo então chama o padre e diz que devido ao calor, a maioria dos padres não usa camisa clerical, e que por isso em nome da unidade…

E assim se destrói o que ainda tenha restado de católico sobre o mundo.

Desse modo, a questão já não é mais se um bom padre vai ter que declarar em consciência que não pode obedecer a essas normas injustas, mas quando ele vai fazer isso.

É claro que para quem cresceu amando a Igreja e desejando morrer por Ela, ser punido pela “Igreja” é o pior pesadelo jamais sonhado.

Mas será esse, salvo uma intervenção direta do céu, o fim dos padres e fiéis que quiserem morrer católicos.

“E o mundo gemeu ao acordar e ver-se ariano”.

Vós estais mortos, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus.
Chegará o tempo em que aquele que vos matar, julgará prestar culto a Deus.

Por Padre Antônio Mariano – FratresInUnum.com, 11 de dezembro de 2021: Os institutos religiosos e similares chamados tradicionais foram entregues ao Cardeal Braz de Aviz. Ao lobo foi entregue o cuidado das ovelhas.

A primeira coisa que se precisa ter em mente é que Francisco deseja, e está usando todos os meios para, destruir não a chamada “Missa Tradicional”, mas a Igreja Católica tal como a compreendemos.

Recordo-me de no meu tempo de Seminário, tínhamos a Missa em latim, com um Missal dado pessoalmente pelo Papa Paulo VI ao nosso Bispo. Nas primeiras páginas do Missal estava escrito à mão pelo nosso Bispo: “Presente Pessoal do Papa Paulo VI” e logo abaixo escrito em latim uma frase de S. Jerônimo: “E o mundo gemeu ao acordar e ver-se ariano”. Demorei alguns anos para compreender o que aquele velho missionário redentorista queria dizer com aquela frase.

O problema é que naquela época eu me contentava com migalhas de catolicismo verdadeiro. Como um cão debaixo da mesa, eu buscava faminto a missa “nova” em latim, os paramentos antigos que milagrosamente não foram queimados no seminário em que estudei (enquanto que, em torno da catedral, os moradores de rua andavam vestidos de sobrepelizes, dalmáticas e tunicelas, que o pároco jogara no lixo). Encontrava essas migalhas particularmente em instituições consideradas conservadoras, como o Opus Dei. E nas recordações de padres e bispos idosos que de vez em quando nos falavam de uma Missa, de uma Igreja, de uns Papas que nos pareciam tão distantes…

Um dia fomos arrumar o porão e percebemos que lá havia caixas com mitras cheias de pedras, luvas e uma estola minúscula que não tínhamos ideia de que para que serviria. Era o manípulo. “Coisa velha”, era a resposta geral para tudo.

Algumas leituras que fazíamos pareciam ser em outra língua. As penitências do Cura de Ars, a descrição da Missa de certos santos pareciam ser para nós coisas de uma outra religião. Mas, tínhamos aqui ou ali, alguma migalha.

Ouvimos então falar de um bispo rebelde, que não gostava do Papa e que era um herege cismático e excomungado: Mons. Lefebvre.

Mas a proximidade geográfica com Campos nos revelou que aquela Igreja, que nos parecia morta, estava viva. Que as migalhas que caíam da mesa eram de uma maravilhosa refeição que ainda era servida. De modo geral nossom comportamento com os padres de Campos (da então União Sacerdotal S. João Maria Vianney) ou com os monges de Friburgo era como se excomunhão fosse algo contagioso, e claro, eles eram todos excomungados.

Não havia internet. Nós tínhamos alguns livros e revistas que compartilhávamos como se fosse um pecado: “Ontem Hoje e Sempre”, “Sim, sim. Não, Não”, “Catolicismo”, “Permanência”… A imagem de Nossa Senhora de Fátima que chorou era proibida, mesmo em nossos quartos. A graça de Deus, a junção de algumas migalhas e um pouco de inteligência nos fazia chegar à brilhante conclusão de que havia vida antes do Concílio Vaticano II, e não só vida, santidade.

O nosso bispo dizia que gostava que usássemos batina. E o reitor dizia que não devíamos usar batina porque alguns padres não usavam sequer camisa clerical. Um dia, a mãe de um seminarista fez um barrete bonito. Era o que dava… De algum modo a notícia vazou… e o reitor, numa homilia (que Evangelho justificaria essa frase?), dizia que no Seminário ele não queria nem barrete nem porrete.

Mas, e as fotos de Dom Bosco? E o solidéu na cabeça de S. Vicente? Não se falava tanto da juventude e dos pobres? É claro que era algo externo, mas se aquela aparência não afastava nem os jovens nem os pobres, por que agora afastariam?

Depois nos ensinaram algo que deveria a grande norma de vida: nunca esteja mais alinhado que o bispo. Hoje compreendo o ridículo. Estávamos de batina, o bispo chegava de camisa clerical, correria… e se durante a refeição o bispo desabotoasse o botão da camisa clerical e tirasse o colarinho, parecia uma coreografia ensaiada ou um desfile militar da Coréia do Norte.

O fim do pontificado de João Paulo II trouxe o reconhecimento dos Arautos do Evangelho, a criação da Administração Apostólica, a canonização de S. Josemaría e os anos do Rosário e da Eucaristia com os documentos referentes. Um franciscano simplesmente nos disse certa vez que o Papa estava maluco e que essa gente era tudo farinha do mesmo saco. E nós sabíamos que não havia muita amizade entre essas pessoas.

Aliás o que mais ouvíamos dos religiosos de modo geral eram críticas ao Papa. E isso era considerado bom, porque assim é a Igreja: “Unidade na Diversidade”.

O pontificado de Bento XVI começou com uma frase de um sacerdote professor de uma universidade católica que o pudor me impede de reproduzir nesse artigo.

Bento XVI, com o Motu Proprio Summorum Pontificum, que apenas afirmava o que S. Pio V já tinha afirmado, explicita que nenhum sacerdote poderia ser proibido de celebrar a Santa Missa de acordo com o Missal promulgado pelo Concílio de Trento com as alterações feitas até 1962. Por uma graça imensa de Deus, foi nesse Rito que celebrei a minha primeira Missa. Mas não bastava a Missa. A Missa de S. Pio V exigia um tipo de sacerdote que eu ainda não era, com uma doutrina que ainda me faltava e com uma vida que eu ainda teria que adquirir.

Eu precisaria compreender que eu não era um presidente, mas um sacrificador.

Um santificador e não um animador.

E, graças ao apostolado de muitos leigos e alguns padres, surgiram as providenciais leituras, cursos, vídeos, sites… É claro que não daria certo colocar todo mundo na mesma sala, mas a internet nos possibilitava aprender a Missa com a Fraternidade S. Pio X, comprar paramentos com as irmãs da Administração Apostólica e aprender o catecismo com o Prof. Fedeli.

E, foram surgindo ou aparecendo comunidades, institutos, associações tradicionais. Nem sempre muito coerentes, mas era o que acontecia.

E o Pontificado de Bento XVI se desfaz com uma nebulosa renúncia.

E veio Francisco.

Francisco é o Papa que tomou posse do Papado.

Ele não se considera servo do Papado, mas o Papado é o modo com o qual ele pretende destruir o que ainda resta de católico.

E não se pode mais negar um fato sem cair na mentira ou na loucura.

E o mundo chorou ao se ver ariano…

Aquele ancião redentorista, como um outro ancião espiritano, percebeu o que vinha, o que já estava em curso. Mas cada um tomou um caminho diferente. Um caiu no golpe de mestre de Satanás: usar a obediência para destruir a Igreja; o outro compreendeu que resistir é o maior ato de veneração para com o Papa, se este caminha na direção oposta do que a Igreja sempre ensinou.

O golpe que Francisco desferiu na Missa Católica, foi um golpe desferido sobre a Igreja.

É claro que esse golpe foi preparado.

De uma hora para outra, tudo que conserva a Tradição na Igreja, mesmo que esporadicamente, se tornou “desconfiável”, abusos de qualquer ordem (geralmente variando entre sexual ou financeiro, ou ambos) começaram a pulular nesses Institutos, visitas apostólicas, supressões, expulsões se tornaram o pão nosso de cada dia de quem simplesmente quis conservar o que recebeu ou guardar o tesouro que encontrou.

E para muitos clérigos ou religiosos, o simples fato de saber que “o Papa não gosta” já é o suficiente para fazer o que reprovariam há menos de uma década, não por um ato de inteligência, mas por simples covardia, porque seria uma blasfêmia chamar isso de devoção.

E o machado cai até sobre instituições que estavam começando, frágeis, necessitadas de apoio e proteção. Foram crianças recém-nascidas abandonadas na noite fria da apostasia justamente por aqueles que deveriam ser seus protetores.

Aqui surge então a coragem de tantos leigos que, chegando a pôr em risco a própria vida, estão denunciando os erros desses apóstatas que se sentam em muitas sedes episcopais.

Mas esses bispos não sabem desses erros? Dessas corrupções, muitas vezes das mais abjetas, em seu clero aparentemente fiel e dentro da lei?

Sabem.

E o que fazem? Buscam corrigir esses erros? Ao menos fazem pesar com o mesmo peso a mão sobre eles como quando fazem conosco? Não. A resposta desses bispos covardes, a quem o nome bispo é uma profanação, é ameaçar os padres que não suportariam uma suspensão de ordens mesmo sabendo que é injusta, caso os leigos corajosos, para o bem da Igreja, exponham a chaga de seus falsos pastores.

Os leigos lutam contra os passaportes sanitários, enquanto que ontem em importante igreja dedicada à Imaculada, só se podia entrar com o comprovante de vacinação para venerar a Santíssima Virgem.

Senhor, o que mais nos aguarda?

Senhora, vencereis. Nós sabemos. Mas tende piedade de nós e não tardeis em esmagar com vossos níveos pés a serpente infernal.

Carta aberta do Pe. Paul Aulagnier (+ 06-05-2021) do IBP ao Papa Bento XVI.

Faleceu ontem padre Paul Aulagnier, um dos fundadores do Instituto do Bom Pastor e dos primeiros discípulos de dom Lefebvre. Há diversas publicações dele no histórico de nosso blog — a seguir, republicamos um post de 2009. RIP.

Original em La Revue Item

Tradução de Marcelo de Souza e Silva

Santíssimo Padre,

Permiti-me dirigir-me a vós com toda simplicidade de coração, com toda lealdade num espírito filial. Permiti-me expressar minha inquietação… desta maneira em uma «carta aberta», minha estupefação sobre um ponto preciso: a condenação de Dom Lefèbvre. Não compreendo porque vós não reexaminais este assunto.

Esta é a razão desta minha defesa.

Vós bem sabeis que ele foi um grande prelado, um grande missionário. Delegado apostólico para a África de língua francesa. Ele foi o grande defensor da Igreja em terras africanas. Deixou, quando de lá partiu, uma obra extraordinária. Tal é o reconhecimento de todos. Tudo isso postula em seu favor.

Tendo ele retornado à França, foi nomeado pelo Papa João XXIII, Arcebispo-bispo de Tulle, pôs-se então à tarefa sem ressentimentos e com o mesmo zelo que na África. Uma única coisa lhe interessava: servir a Igreja na fidelidade ao Sumo Pontífice. Apenas nomeado para a diocese de Tulle, ele foi eleito superior geral da Congregação dos Padres do Espírito Santo, uma congregação forte que contava mais de cinco mil membros no mundo todo.

O Concílio Ecumênico do Vaticano II fora então convocado pelo Papa João XXIII. Enquanto superior geral ele participou das sessões preparatórias do Concílio. Ele nos contou tudo… assim que tivemos a graça de conhecê-lo primeiro em Roma depois e em seguida em Ecône.

Abbé Paul AulagnierDolorosamente afetado pela crise sacerdotal, pelo colapso das vocações no Ocidente e pela perda do senso sacerdotal, tendo sido liberado de todas as suas responsabilidades – ele apresentou sua demissão, Roma o aconselhara a tal – ele decidiu enfim fazer de tudo para lutar contra. Fundou seu seminário em Friburgo com a autorização episcopal de Dom Charrière e com os encorajamentos do Cardeal Journet. Ele criou seu instituto sacerdotal: a Fraternidade Sacerdotal São Pio X, sempre com a autorização de Dom Charrière, Bispo de Friburgo-Lausanne-Genebra. Que alegria foi a sua logo que recebeu o decreto do bispo! Uma alegria própria da Igreja! Ele nos ensinou a grandeza do sacerdócio, seu papel, seu sentido.  Ele nos fez apreciar o tesouro da Missa, da Missa Católica. Ele nos fez relembrar sua finalidade, seus frutos e sua importância para o sacerdote e para os fiéis. Ele nos deu desde o coração até a obra um «moral de ferro». Ele multiplicou seus contatos para permitir a expansão de sua obra. Ele era incansável.

Chegou o ano de 1969, abril de 1969. Deu-se a publicação da Constituição Missale Romanum e do novo rito da Missa, a Nova Missa de Paulo VI. Terrível reforma litúrgica… contestada, contestável, que ia abalar desde as bases ao cume a Santa Igreja e sua unidade.

Teólogos se levantaram para se opor a aquilo, cardeais também. Intelectuais de renome fizeram ouvir sua voz. Para citar apenas um nome, permiti que eu invoque o Cardeal Ottaviani. Em uma carta ao Sumo Pontífice, Paulo VI, ele lhe apresentou uma crítica ao novo rito pedindo-lhe «ab-rogar este novo rito ou, ao menos, não privar o orbe católico, da possibilidade de continuar a recorrer à integridade e fecundidade do Missal Romano de São Pio V». Tudo isso provocou grande celeuma. Dom Lefèbvre tomou posição tarde demais.

Foi somente em 2 de junho de 1971 que ele reuniu em Ecône seu corpo docente e os seminaristas. No dia seguinte, ele foi ter com «os teólogos» e os seminaristas. Ele expôs sua posição. Explicou sua intransigência, seu «non possumus», com argumentos claros. Ele nos deixou, ao fim desta conferência, um texto, um pequeno texto que resumia sua corrente de pensamento. Naquela época, eu, seminarista, guardei ciosamente esse texto. Com freqüência eu o lia e relia. A posição de nosso fundador é simples, doutrinal, fundamentada sobre a mais segura teologia, sobre os decretos solenes do Concílio de Trento e sobre os princípios do Direito Canônico. Esta posição era púbica. Ela está escrita. Nas conferências ele jamais cessou de explicá-la e de justificá-la.

Ora, foi em razão dessa posição sobre a Missa que Dom Lefèbvre foi condenado.

Sua fundação foi tratada inicialmente como «selvagem». O primeiro a pronunciar tal termo foi Dom Etchegaray. Ele era naquela época Arcebispo de Marselha… Primeira afirmação falsa: Seu seminário não tinha nada de selvagem, tampouco seu instituto. «Tudo» foi aprovado por Dom Charrière, por Dom Adam. A fundação de Albano gozou do beneplácito do bispo local. Nada de «selvagem» a bem da verdade. Muito ao contrário, Dom Lefèbvre, como homem da Igreja, respeitador de suas leis, quis fazer tudo de acordo com as autorizações necessárias. E foi assim que ele fez. Mas pouco importava, ele não estava mais na linha. Porque ele não queria seguir cegamente as reformas conciliares… Tendo ele impedido que se voltasse atrás, era necessário desacreditá-lo. Suas fundações só poderiam ser classificadas como selvagens e condenadas.

Iniciava-se o ciclo infernal.

Então teve lugar uma visita canônica. Dom Onclin e Dom Deschamps foram enviados de Roma. Eles tinham propostas «novas» de tal forma que Dom Lefèbvre precisou protestar logo que ambos partiram. Foi quando surgiu então seu protesto de Fé de 24 de Novembro de 1974. Deus! Como tal declaração fez jorrar tinta! Como foi comentada! No exterior e no interior… e pelo próprio corpo docente. Era necessário que Dom Lefèbvre se retratasse. «Ele assinara sua própria condenação»… E foi então intimado em Roma diante de uma comissão «ad hoc», diante do Cardeal Garonne, Cardeal Wright e Cardeal Tabera. Eles tentaram convencê-lo da «futilidade» de sua posição. Tentativa inútil. Eles não imaginaram que encontrariam tamanha segurança, tamanha força, a força simples da doutrina católica, amada mais que a si mesmo.

Não podendo convencê-lo, era necessário esmagá-lo. Assim, sobrevieram-lhe as sanções canônicas. As pressões psicológicas foram terríveis a princípio.

Houve a ameaça de se fechar o seminário da Fraternidade. Como as ameaças não o detiveram, delas se passou para as sanções. E foi Dom Mamie, Bispo de Friburgo, que tomou a frente em tudo isso. Ao pobre, foi-lhe dada ordem de não realizar as ordenações do dia 29 de Junho de 1976. Terrível dilema do qual eu fui uma testemunha privilegiada. Na noite do dia 28, em meu escritório, ele ainda buscava uma solução… pesava os prós e os contras… A festa já se aproximava com todo seu fulgor.

Tudo estava pronto… «apesar de tudo, dizia-me ele, podemos ainda não fazer as ordenações». Ele era de uma calma suprema, tranqüilo. E no dia 29, diante de uma imensa multidão, ele explicou sua atitude. Ele falou com clareza e sem meios termos: nossa fidelidade à missa de sempre, à missa codificada, e mesmo canonizada por São Pio V é a causa de nossas dificuldades com Roma.

A sanção canônica sobreveio em 22 de Julho de 1976. Ele foi declarado «suspenso a divinis». Ele não poderia exercer nenhum poder inerente ao seu estado sacerdotal e episcopal. Em Lille, aos 29 de Agosto de 1976, ele explicou tudo novamente. Ele falou abertamente da reforma litúrgica, da reforma da missa, da missa «equívoca». Foi lá que ele falou da missa «híbrida»: «a Nova Missa é uma espécie de missa híbrida que não é hierárquica, mas democrática, onde a assembléia ocupa lugar mais importante que o sacerdote». Pode-se resumir a posição de Dom Lefèbvre dizendo que ele rejeita a nova missa porque ela é equívoca, mais protestante que católica, distante da Tradição católica e até mesmo em total ruptura com a Tradição e os dogmas católicos.

E o conflito perdurou. Hoje, vós sois a autoridade. É por isso que eu me dirijo a vós. Vós tendes mantido a condenação de Dom Lefèbvre, de sua fundação, de seus sacerdotes porque eles querem permanecer fiéis a esta Missa católica para salvaguardar sua Fé, garantia da eternidade.

No entanto, vós, quando éreis cardeal, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, vós vos tornastes bem severo quanto a essa reforma litúrgica que nos entristece.

Permiti que eu vos cite.

Vós prefaciastes um livro de Monsenhor Gamber em sua edição francesa gratamente difundida por Dom Gérard Calvet e intitulada A Reforma Litúrgica em Questão. Neste prefácio, vós elogiastes Monsenhor Gamber por sua obra teológica e litúrgica. Vós o recomendastes fortemente e fizestes dele um modelo, «um padre» desse renovar litúrgico que  trouxestes e ainda traz entre todos os vossos anseios. «Esse novo recomeço precisa de padres que lhe sejam modelos… Quem procura hoje tais padres encontrará um sem sombra de dúvida na pessoa de Monsenhor Klaus Gamber… ele poderia com sua destreza litúrgica – vós o dissestes – tornar-se um padre do novo recomeço» (p. 7). Não se pode ser mais claro.

Vós criticais «graciosamente» neste prefácio a reforma litúrgica. Vós afirmais que «a liturgia é (deve ser) um desenvolvimento contínuo», harmonioso (p. 7). E de fato a liturgia católica foi isto, aquela codificada por São Pio V. Ela evoluiu harmoniosamente através dos séculos. Tal se pode dizer tanto da liturgia quanto da doutrina católica. Não há pior herético que o «fixista». Não há nada mais radicalmente estático que a morte. A liturgia católica não é isso. Nós bem o sabemos. Isto posto, vós partis «em guerra» contra a liturgia reformada oriunda do Concílio Vaticano II. «O que se deu após o Concílio significa uma outra coisa: no lugar da liturgia, fruto do desenvolvimento contínuo, foi colocada uma liturgia fabricada. Saiu-se do processo vivo de crescimento e de transformação para se vagar na fabricação». Esta é a obra de Dom Bugnini. «Não se quis continuar a transformação e a maturação orgânica do ser vivo pelos séculos e as substituíram – segundo um modo de produção técnico – pela fabricação, produto banal do momento» (p. 7).

Vós dissestes também: «A liturgia não é o produto do nosso fazer». Esta é a grande idéia de Monsenhor Gamber. Dom Lefèbvre teria sido desta mesma opinião, ele que sustentou até a ruptura as reformas de São Pio X, de Pio XII e mesmo de João XXIII em matéria litúrgica, contra certos seminaristas americanos que as rejeitavam.

Vós nos pedistes que pendêssemos para o pensamento de Monsenhor Gamber, que nós o tomássemos por nosso. Vós destes uma aprovação sentida de sua obra. É o que eu tenho feito.

Por vossa recomendação, eu li este livro. Devo confessar que jamais encontrei crítica tão forte, tão radical à Nova Missa mesmo sob a pena de Dom Lefèbvre.

Então observe agora minha questão. Vêde onde quero chegar. Vêde o que eu quereria vos dizer se vós me recebêsseis: «Por que aprovar tão denodadamente Monsenhor Gamber, aplaudi-lo, recomendá-lo e continuar a reprovar Dom Lefèbvre?» Monsenhor Gamber é, porém, ainda mais severo em sua crítica ao novo rito que Dom Lefèbvre. Não haveria então dois pesos e duas medidas? Eis meu pasmo e mesmo minha angústia!

Vêde algumas críticas de Monsenhor Gamber: «Colocou-se, doravante (com a reforma litúrgica) e de modo exagerado, o peso sobre a atividade dos participantes, deixando num segundo plano o elemento cultual» (p. 15).

Foi isso que Dom Lefèbvre afirmou em Lille, nem mais, nem menos. «Esse (elemento cultual, i.e. o Sacrifício, a própria ação eucarística) foi empobrecida mais e mais no nosso meio». «Do mesmo modo, agora falta em larga medida a solenidade que faz parte de toda a ação cultual, sobretudo se esta é realizada diante de uma grande multidão» (p. 12). É isso o que nós dizemos, nem mais, nem menos. Monsenhor Gamber ousa escrever a este respeito: «Em lugar da solenidade vê-se reinar freqüentemente uma austeridade calvinista» (p. 13).

Monsenhor Gamber prossegue… «Não raro, vemos certos ritos serem desprezados pelos próprios pastores e deixados de lado sob pretexto de que seriam antiquados: não se quer deixar suspeitar que se teria fracassado o trem da evolução moderna. Não obstante, uma multidão do povo cristão permanece ligada a tais formas antigas cheias de piedade. Os reformadores de hoje, muito apressados, não consideraram suficientemente até que ponto, no espírito dos fiéis, a doutrina e as formas piedosas coincidem. Para muitos modificar as formas piedosas significa modificar a fé».

Prefaciando este livro, vós destes vossa aprovação a esta crítica geral.

Dom Lefèbvre disse a mesma coisa. Ele não cessou durante toda a sua vida de nos lembrar o axioma fundamental em matéria litúrgica: lex orandi, lex credendi. Foi o tema de sua conferência – entre mais de mil – de 15 de Fevereiro de 1975, dada em Florença: «Para muitos, modificar as formas tradicionais significa modificar a fé».

«Os responsáveis na Igreja não escutaram a voz daqueles que não cessaram de adverti-los pedindo-lhes que não suprimissem o Missal romano tradicional (e autorizassem a nova liturgia somente em certo limites e «ad experimentum»)… Hoje, eis infelizmente esta situação: numerosos bispos se calam diante de quase todas as experiências litúrgicas, mas reprimem mais ou menos severamente o sacerdote que, por razões objetivas ou de consciência, se prende à antiga liturgia» (p. 14).

Foi a essa constatação que chegaram os «Grandes» no cardinalato. Foi isso o constatado por Dom Lefèbvre. Era isso o que fazia com que Dom Lefèbvre se ativesse por razões objetivas ou de consciência à antiga liturgia.

Então, já que vós sustentastes o pensamento de Monsenhor Gamber, visto haverdes prefaciado seu livro, querei, eu vos suplico fazer abrir o dossiê «questão Lefèbvre» e o julgar em bom e devido modo.

Monsenhor Gamber é deveras severo… contra essa reforma litúrgica. Após ter reconhecido que «as inovações litúrgicas» são possíveis, mas que tudo deve ser feito «com bom senso e prudência». Isso não é a razão última, mas pouco importa, ele conclui voltando-se então para o concreto da reforma litúrgica nascida do Concílio Vaticano II: «A ruptura com a Tradição está doravante consumada». Ele sublinha ainda: «Pela introdução da nova forma da celebração da Missa (trata-se aqui do próprio rito novo) e dos novos livros litúrgicos, e ainda mais pela liturgia concedida tacitamente pelas autoridades, organizada livremente na celebração da missa sem que se possa auferir de tudo isso uma vantagem do ponto de vista pastoral (e isto é o mínimo que se pode dizer!), juntamente a tudo isso, prossegue ele, constata-se em larga medida, uma decadência da vida religiosa que, é verdade, tem também outras causas. As esperanças postas na reforma litúrgica – já se pode dizer – não foram realizadas».

Vós prefaciastes isto.

Dom Lefèbvre jamais usou termos tão fortes e brutais.

Por graça! Retomai o dossiê. Dai nova vida ao recurso que o próprio Dom Lefèbvre levou às mãos do Prefeito da «Assinatura Apostólica» da época, mas que este último não pôde tratar por ordem do onipotente Cardeal Dom Villot. Hoje, vós tendes poder para isso. Fazei cessar a injustiça na Igreja… na França de modo particular… Fazei cessar a injustiça contra Dom Lefèbvre.

Vêde ainda! «De ano em ano, a reforma litúrgica, louvada com excesso de idealismo e grandes esperanças por numerosos sacerdotes e leigos, prova ser, como nós já havíamos dito, uma desolação de proporção assustadora». (p. 15)

Dom Lefèbvre disse isso, mas digo que jamais o fez tão fortemente.

Nosso autor prossegue: «Em vez das esperadas renovação da Igreja e da vida eclesiástica, nós assistimos a um desmantelamento dos valores da Fé e da piedade que nos foram transmitidas, já no lugar de uma renovação fecunda da liturgia, vemos uma destruição das formas da missa que foram organicamente desenvolvidas no curso dos séculos» (p. 15).

Vós aprovastes este julgamento, vós o prefaciastes elogiosamente. Dom Lefèbvre, que não disse nada além disso, foi condenado, mas Monsenhor Gamber foi aplaudido.

Prossigo minha leitura: «…a isto some-se uma amedrontadora aproximação das concepções do protestantismo sob a bandeira de um ecumenismo mal compreendido… Isto significa nada menos que o abandono de uma tradição até então comum ao Oriente e ao Ocidente» (p. 15).

Dom Lefèbvre não disse outra coisa. Foi o que ele disse em um artigo publicado em 1971 em La Pensée Catholique – mas já escrito em pleno Concílio: «Para se permanecer católico seria necessário tornar-se protestante?»… E ele concluía: «Não se pode imitar os protestantes indefinidamente sem de fato se tornar um». Mas eu julgo Monsenhor Gamber mais categórico ainda. Ele mesmo fala «de uma amedrontadora aproximação das concepções do protestantismo». A linha de pensamento é a mesma!

Então como é possível tecer louvores a um, Monsenhor Gamber, e continuar a condenar o outro, Dom Lefèbvre. Ambos dizem o mesmo.

Por graça, abri novamente o processo de Dom Lefèbvre. Esta é uma súplica legítima.

Monsenhor Gamber, em um segundo capítulo, trata da «ruína» do rito romano. Ele o pranteia, como vós o fazeis em vosso Motu Proprio Summorum Pontificum. De tal modo ele avança em sua análise que chega ao ponto de dizer que o rito novo, sem ser de per si inválido – o que Dom Lefèbvre jamais disse – é celebrado com mais e mais freqüência de maneira inválida. Dom Lefèbvre disse exatamente a mesma coisa. Nem mais, nem menos. Ele é apenas um pouco mais preciso: «Todas essas mudanças no novo rito são realmente perigosas, porque pouco a pouco, sobretudo para os jovens sacerdotes que não mais têm a idéia de sacrifício, da presença real e da transubstanciação, e para os quais tudo isso não significa mais nada, esses jovens sacerdotes perdem a intenção de fazer o que a Igreja faz e não celebram mais missas válidas» (Conferência de Florença de 15 de Fevereiro de 1975).

Esta foi a grande preocupação de João Paulo II no fim de seu reinado, sobremodo expressa em sua encíclica «Ecclesia de Eucharistia».

Eu passo, pois, ao capítulo IV do livro: o julgamento do prelado é terrível.

Ele expõe a princípio, brevemente, porém adequadamente, a reforma luterana, a reforma que Lutero fez a Missa católica sofrer, a Missa romana. «O primeiro, escreveu ele, a ter empreendido uma reforma da liturgia e isso em razão de considerações teológicas foi, incontestavelmente, Martinho Lutero. Ele negava o caráter sacrificial da Missa e por isso se escandalizava com certas partes da Missa, em particular as orações sacrificiais do Cânon» (p. 41).

Daí advém a reforma que ele empreendeu da missa e logo de início suprimiu as orações sacrificiais, mas ele agiu prudentemente – com a prudência da carne – para não chocar e criar reações.

Ora, nada de tão comparável com a reforma litúrgica conciliar.

Monsenhor Gamber é terrível. Ele afirma inicialmente que se agiu muito brutalmente no Concílio: «A nova organização da liturgia e, sobretudo, as modificações profundas do rito da Missa que apareceram sob o pontificado de Paulo VI e entrementes se tornaram obrigatórias – pode-se legitimamente discutir este ponto – foram muito mais radicais que a reforma litúrgica de Lutero e levaram muito menos em conta o sentimento popular» (p. 42).

Depois, ele afirma que alguns elementos da doutrina protestante foram levados em conta para justificar a reforma litúrgica. Ele fala ainda da «repressão do elemento latrêutico», «a supressão das formulas trinitária», e enfim do «enfraquecimento do papel do sacerdote». Aqui se encontra, pura e simplesmente, as afirmações de Dom Lefèbvre, aquelas do «Breve Exame Crítico» apresentado ao Papa pelo Cardeal Ottaviani. E diz ainda que «não foi suficientemente esclarecido em que medida, tanto aqui quanto no caso de Lutero, as considerações dogmáticas puderam exercer alguma influência» (p. 42).

Ele reconhece que «foi a nova teologia (liberal) que apadrinhou a reforma conciliar». Ele se ressente de que o Papa Paulo VI não tivesse acreditado que deveria ter levado a sério «as críticas dogmáticas», «nem as imperiosas e ásperas repreensões dos cardeais de mérito – como aqui não se pensar no Cardeal Ottaviani, no Cardeal Bacci, os quais haviam lançado objeções dogmáticas quanto ao novo rito da missa – nem as instantes súplicas provenientes de todas as partes do mundo impediram Paulo VI de introduzir imperativamente o novo missal» (p. 43).

Assim, para Monsenhor Gamber cuja doutrina vós tanto nos recomendais, o «Novo Ordo Missae» teria «odores» protestantes pelos traços de teologia protestante, teologia liberal.

Confessai que tudo isso, objetivamente, pode impedir qualquer entusiasmo de celebrá-lo e torna difícil falar de «santidade» ou de «valor» do novo rito como vós nos pedis para fazê-lo na carta que endereçastes aos bispos. A contradição permanece!

Vós aprovastes estas críticas. Por que então continuais a condenar Dom Lefèbvre?

Seu erro foi talvez ter tido razão cedo demais, ou de ter sido, em sua época, um bispo de caráter… Mas se ele demonstrava essa qualidade quem poderia com razão criticá-lo, ainda mais por tal lucidez e tamanha força? Foram estes os motivos da condenação?

Após estas críticas gerais, Monsenhor Gamber chega a um ponto mais peculiar: à prex eucharistica. Ainda nesse ponto a crítica permanece terrível. «Os três novos cânons constituem por si mesmos uma ruptura completa com a tradição. Eles foram compostos de acordo com modelos orientais e galicanos, e representam, ao menos em seu estilo, um corpo estranho no rito romano» (49). Ele aprofunda um pouco mais em seu «menu» até as palavras da consagração, e é ainda mais severo: «A modificação ordenada por Paulo VI das palavras da consagração e das frases que se seguem… não tinha a menor utilidade para a pastoral. A tradução de «pro multis» para «por todos» que se refere a concepções teológicas modernas e que não é de modo algum encontrado em nenhum texto litúrgico antigo, é duvidosa e tem na verdade causado escândalo» (p. 50).

Monsenhor Gamber estava chocado, deveras chocado, com a mudança do termo «mysterium fidei» da fórmula da consagração do vinho. Mas sua explicação é luminosa: «Do ponto de vista do rito, é para se ficar estupefato ao ver que se tenha podido retirar, sem razão, o termo «mysterium fidei» inserido nas palavras da consagração desde por volta do século VI, para lhes conferir um significado novo; ele se tornou uma exclamação do sacerdote após a consagração. Uma exclamação desse tipo jamais esteve em uso. A resposta da assembléia: «Proclamamos, Senhor, a vossa morte…» só é encontrada em anáforas egípcias. Porém é estranha aos ritos orientais e a todas as orações eucarísticas ocidentais e está em total desconformidade com o estilo do cânon romano» (p. 50).

Desse modo, nós nos prontificamos a nos ater a crítica de Monsenhor Gamber. Eu creio que ela basta para poder justificar nossa posição prática. No entanto, porque quisemos permanecer ligados a estas críticas, àquelas do Breve Exame Crítico, que são as mesmas, nós fomos praticamente excomungados, cassados de nossas igrejas, nós fomos tomados por retrógrados. E nos disseram que não temos o senso da Tradição…

Mas então porque elevar às nuvens Monsenhor Gamber e continuar a combater Dom Lefèbvre? Eu não entendo.

Não haveria injustiça nisso? Eis o que eu tenho em meu coração e o que eu quero vos dizer, vós que sois o pai de todos.

Monsenhor Gamber vem a concluir o capítulo por este veredito: «Com o novo, quis-se mostrar aberto à nova teologia, tão equívoca, aberta ao mundo de hoje» (p. 54). «O que é certo é que o novo Ordo Missae, desta forma, não recebeu o assentimento da maioria dos padres conciliares».

Incrível!

Esta única afirmação deveria bastar para que qualquer um se ativesse firmemente ao antigo rito… «Mas vós não tendes o espírito do Concílio»! Esta arma que mata. No entanto, o que é este espírito do Concílio que é necessário ter para viver… Monsenhor Gamber o tinha? Mas que arbitrário! Que arbitrário!

Vós poderíeis talvez me dizer: «Tu te enganas. Não é a missa que põe o problema. Mas as sagrações. Dom Lefèbvre as realizou sem autorização pontifical. Por isso devia ser punido. Hoje, o novo Direito canônico prevê a excomunhão. Eis o problema! Eis o porquê da condenação». Mas é realmente esse o problema?

A idéia da sagração de um membro da Fraternidade havia sido aceita quando do protocolo de 5 de maio de 1988. Vós mesmo a havíeis aceitado.

Mas para o momento, permaneçamos ao nível do simples bom senso.

Dom Lefèbvre não foi menos amado pelas autoridades eclesiásticas após as sagrações que antes delas. Ele não foi menos execrado depois das sagrações que antes das mesmas. Antes delas, fizeram-lhe guerra, sua obra foi declarada «selvagem». Dom Garonne o declarou «louco»… Os bispos das dioceses lhe escreveram cartas horríveis quando ele visitava os tradicionalistas de suas dioceses. E que cartas!

Sim, Dom Lefèbvre já não era amado desde antes das sagrações. Ele não mais estava, parecia-lhe, em sua «comunhão». Já se lhe fechavam as igrejas. Os corações dos bispos se lhe fecharam… Mesmo em Roma, não se ousava mais recebê-lo… quando ele visitava um dicastério… o Prefeito ficava embaraçado… Ser visto com Dom Lefèbvre era comprometedor… Já muito antes das sagrações, ele era o « mal amado» da Igreja. Ele não tinha o espírito conciliar… E de fato, sua obra, sua obra sacerdotal foi interditada, seu seminário foi fechado. Interditadas as ordenações sacerdotais… Obviamente, ele nos ordenou para o Sacrifício da missa…! Ele era execrado por seus pares bem antes das sagrações e mesmo durante o Concílio.

Não se lhe perdoava a posição, sua presidência do Coetus internationalis Patrum.

Mesmo antes do Concílio, quando ele era Arcebispo-Bispo de Tulle, os cardeais e arcebispos da França lhe fechavam a porta de suas assembléias e reuniões. Mas ele tinha pleno direito a tomar parte nelas. Eles lhe recusavam tal. Isto é histórico! Se o Cardeal Richaud – então Arcebispo de Bordeaux – estivesse ainda neste mundo, ele poderia testemunhar quanto a isso.

Dom Lefèbvre no-lo disse. Mas ele ria-se disso. Ele não era rancoroso. Sim, mesmo antes das sagrações, Dom Lefèbvre não era amado. Era assim.

Sob esses aspectos, o problema das sagrações toma seu sentido verdadeiro. É na verdade um problema menor, o que quer que se diga… Neste sentido, as sagrações não foram a razão fundamental de sua excomunhão. Na prática, ele já o era. Após as sagrações ele se tornou, pode-se dizer, canonicamente. E isso não mudou quase nada… A pena canônica – sua declaração – foi inicial e essencialmente diplomática: para fazer medo e assustar os fiéis e lhes fazer abandonar o barco… O Cardeal Gagnon julgou mal.

Mas admitamos que a excomunhão tenha sua razão essencial e exclusiva nas sagrações. Esta ação – esta sanção – estende-se a Dom Lefèbvre, aos quatro bispos consagrados e ao co-consagrador Dom Castro Mayer… a mais ninguém, e de modo algum à Fraternidade Sacerdotal São Pio X e seus padres. Eles não estão excomungados. Eles estão na Igreja e são da Igreja. Eu mesmo nunca recebi a menor notificação de excomunhão. O Motu Proprio Ecclesia Dei Adflicta não me diz respeito diretamente.

Vós me direis talvez que a Fraternidade Sacerdotal São Pio X tenha sido suprimida por Dom Mamie, Bispo de Friburgo, e não exista mais. Ela não é mais de direito diocesano. Vós sois “zero”, nada. Vós não tendes qualquer existência legal.

Ah ! Permiti-me ainda!

Dom Mamie quis talvez suprimir a Fraternidade Sacerdotal São Pio X… Mas eu me permito humildemente vos lembrar que nós o fomos em razão de nossa ligação à missa tridentina e em razão de nossa rejeição do novo Ordo Missae.

Ora, prefaciando o livro de Monsenhor Gamber, vós prefaciastes nossas própria críticas.

Volto a repetir, Dom Lefèbvre e o Breve Exame Crítico são menos duros que Monsenhor Gamber e seu livro. Ademais vós nos dais razão em vosso recente Motu Proprio reconhecendo que a antiga missa «permaneceu sempre autorizada». Se ela permaneceu sempre autorizada, era legítimo a celebrar e ilegítimo condenar os que queriam celebrá-la.

Assim, pois, nossa condenação e nossa supressão estão sem razão suficiente.

Elas são injustas. Querei, Santíssimo Padre, restaurar a justiça, reparar a injustiça.

Dignai-vos, Santíssimo Padre, a receber a expressão de meu filial respeito e conceder-me vossa bênção.

Padre Paul Aulagnier.

Membro do Instituto do Bom Pastor.

Dom Viganò, Vaticano II e crise na Igreja.

Por Rádio Spada, 12 de março de 2021 | Tradução: Hélio Dias Viana, FratresInUnum.com 

Rádio Spada (RS): Bom dia Excelência, Agradecemos-lhe pelo diálogo que teremos. Comecemos pela Galleria neovaticana, livro de Marco Tosatti, do qual o senhor escreveu o prefácio. Permita-me contar-lhe uma anedota: não havia passado poucas horas do anúncio do envio para a impressão e já no Twitter aparecia um perfil com uma pesquisa — baseada apenas na capa e no título, obviamente — para perguntar quão evangélico era imprimir um volume dedicado a denúncias escabrosas e fatos nem sempre edificantes. O que responderia a essa objeção.

🔴 Intervista-bomba di Mons. Viganò in esclusiva per Radio Spada

Dom Carlo Maria Viganò (CMV): Permitam-me recordar aqui que Bento XVI, nos meses anteriores à sua decisão de assumir o título singular de “Papa emérito”, instituiu uma Comissão de Cardeais, presidida pelo Cardeal Herranz e composta pelos Cardeais Tomko e De Giorgi, com o objetivo de realizar uma investigação aprofundada sobre as informações confidenciais divulgadas pela Vatileaks. Naquela ocasião, tive de insistir com o Cardeal Herranz para testemunhar, uma vez que não era sua intenção interrogar-me, embora eu estivesse pessoalmente envolvido como autor dos documentos confidenciais destinados ao Pontífice, que foram roubados e entregues à imprensa. Entreguei-lhes um importante dossiê no qual explicava todas as disfunções e a rede de corrupção que conheci, e que tive de enfrentar como Secretário-Geral do Governo da Cidade do Vaticano.

Acompanhei esse dossiê com uma carta, na qual, entre outras coisas, escrevia: “Estou muito triste pelos graves danos causados ​​à Igreja e à Santa Sé pelo vazamento de tantos documentos confidenciais… Se houver algum responsável por atos tão precipitados, muito mais grave é a culpa daqueles que foram responsáveis ​​por tanta corrupção e degradação moral na Santa Sé e no Estado da Cidade do Vaticano, e de alguns cardeais, prelados e leigos que, apesar de saberem, preferiram viver com tanta sujeira, adormecendo as suas consciências para agradar ao poderoso superior e fazer carreira. Espero que pelo menos esta Comissão Cardinalícia, por amor à Igreja, seja fiel ao Santo Padre e faça toda a limpeza necessária por ele exigida e não permita que esta sua iniciativa seja novamente encoberta. Muitos jornalistas de vários países procuraram contatar-me … Fiquei calado, por amor à Igreja e ao Santo Padre. A força da verdade deve fluir de dentro da Igreja, e não dos meios de comunicação … Rezo por vós, Cardeais, para que tenhais a coragem de dizer a verdade ao Santo Padre; e rezo pelo Santo Padre, para que tenha a força para fazê-la vir à luz na Igreja ”.

Esse caudal de informações, junto com as outras evidências recolhidas pelos três Cardeais, teria permitido uma operação de limpeza: tudo foi encoberto! E só pode constituir mais um elemento de chantagem para os nomes nele contidos e, nos últimos oito anos, uma ocasião para desacreditar aqueles que, por outro lado, serviram fielmente a Igreja e a Santa Sé.

Necesse est enim ut veniant scandala; verumtamen væ homini per quem scandalum venit (Mt 18,7). Denunciar a corrupção de clérigos e Prelados impôs-se como um gesto de caridade para com os fiéis e um ato de justiça para com a Igreja atormentada, porque por um lado adverte o povo de Deus contra os lobos disfarçados de cordeiros e os mostra pelo que eles são, e por outro lado mostra que a Esposa de Cristo é vítima de um conventículo de luxuriosos ávidos de poder, e se eles forem afugentados Ela poderá voltar para pregar o Evangelho. Não é aquele que revela os escândalos que peca contra a caridade evangélica, mas aquele que executa esses escândalos e os encobre. As palavras do Senhor não dão origem a mal-entendidos.

RS: Como se sabe, indo além do tema moral, é impossível não identificar no colapso doutrinário o próprio cerne da crise da Igreja. Em relação a isso, em várias ocasiões o Senhor expressou uma forte crítica ao Vaticano II. Neste ponto, pediríamos mais especificações. Falando com Sandro Magister, atacou: “A bela fábula da hermenêutica — embora credível pelo seu Autor — permanece, no entanto, uma tentativa de querer dar a dignidade de um Concílio a uma verdadeira emboscada contra a Igreja”. Podemos, portanto, esclarecer que o problema não é identificável apenas pelo Vaticano II, mas também no Vaticano II? Em outras palavras, o processo revolucionário teve um ponto de inflexão com o “Concílio”, e não somente após o “Concílio”? Não apenas o espírito do Vaticano II, mas também sua letra deve ser acusada?

CMV: Não vejo como se pode argumentar que existe um suposto Vaticano II ortodoxo do qual ninguém fala há anos, traído por um espírito do Concílio que todos também elogiaram. O espírito do Concílio é o que o anima, o que determina sua natureza, particularidade, características. E se o espírito é heterodoxo enquanto os textos conciliares não parecem doutrinariamente heréticos, isso deve ser atribuído a um movimento astuto dos conspiradores, à ingenuidade dos Padres conciliares e à conivência daqueles que preferiram procurar outro lugar, desde o início, em vez de se posicionarem com uma condenação clara dos desvios doutrinais, morais e litúrgicos.

Os primeiros a estarem perfeitamente cientes da importância de colocar a mão nos textos conciliares a fim de usá-los depois para seus próprios fins foram os cardeais e bispos progressistas, particularmente alemães e holandeses, com seus especialistas. Não é por acaso que eles conseguiram rejeitar os esquemas preparatórios apresentados pelo Santo Ofício e ignoraram as propostas do episcopado mundial, incluindo a condenação dos erros modernos, especialmente do comunismo ateu; também conseguiram impedir a proclamação de um dogma mariano, vendo nele um “obstáculo” ao diálogo ecumênico. A nova liderança do Vaticano II foi possível graças a um verdadeiro golpe de estado, ao papel proeminente do jesuíta Bea e ao apoio de Roncalli. Se os Esquemas tivessem sido mantidos, nada do que saísse das Comissões teria sido possível, porque se baseavam no modelo aristotélico-tomista que não permitia formulações equívocas.

A letra do Concílio deve, portanto, ser acusada, porque foi daí que começou a revolução. Por outro lado, poderia citar-me um caso na história da Igreja em que um Concílio Ecumênico tenha sido deliberadamente formulado de maneira equívoca para garantir que o ensinado em seus atos oficiais viesse depois a ser subvertido e contraditado na prática? Isso é suficiente para catalogar o Vaticano II como um caso em si, um hápax sobre o qual os estudiosos poderão se fundamentar, mas que deverá encontrar uma solução por parte da autoridade suprema da Igreja.

RS: Como ficou sabendo dessa crise? Um processo gradual? Um fato imediato que se desenvolveu em curto prazo?

CMV: A minha tomada de consciência foi progressiva e começou relativamente cedo. Mas compreender ou começar a suspeitar que aquilo que nos foi apresentado como sendo fruto da inspiração do Espírito Santo havia sido realmente sugerido pelo inimicus homo não foi suficiente para derrubar aquele sentimento de dolorosa obediência à Hierarquia, mesmo na presença de múltiplas provas de má fé e a malícia de alguns de seus membros. Como já tive oportunidade de declarar, o que vimos então materializar-se — falo, por exemplo, de algumas novidades, como a colegialidade episcopal, ou o ecumenismo ou o Novus Ordo — podem surgir como tentativas de ir ao encontro do desejo comum de renovação, de reconstrução do pós-guerra. Diante do boom econômico e dos grandes acontecimentos políticos, a Igreja parecia dever se rejuvenescer de alguma forma, ou como nos diziam todos, a começar pelo Santo Padre. Os acostumados à disciplina pré-conciliar, ao respeito à Autoridade, à veneração do Romano Pontífice nem ousaram pensar que aquilo que nos foi sub-repticiamente mostrado como meio de difundir a Fé e converter muitas almas à Igreja Católica era na verdade um veículo, um engano por trás do qual se escondia na mente de alguns a intenção de cancelar progressivamente a Fé e deixar as almas no erro e no pecado. Quase ninguém gostou dessas “novidades”, muito menos os leigos, mas elas nos foram apresentadas como uma espécie de penitência a ser aceita, tendo em troca uma maior difusão do Evangelho e o renascimento moral e espiritual de um mundo ocidental prostrado pela guerra e ameaçado pelo materialismo.

Mudanças radicais começaram com Paulo VI, com a reforma litúrgica e a proibição drástica da Missa Tridentina. Senti-me pessoalmente magoado e desamparado quando, como jovem secretário da Delegação Apostólica de Londres, a Santa Sé proibiu a Associação Una Voce de celebrar uma única Missa segundo o Rito Antigo na cripta da Catedral de Westminster.

Durante o pontificado de João Paulo II, algumas das instâncias mais extremas do Concílio encontraram força motriz no panteão de Assis, nas reuniões nas mesquitas e sinagogas, nos pedidos de perdão pelas Cruzadas e pela Inquisição, com a chamada purificação da memória. A carga subversiva de Dignitatis humanae e Nostra ætate foi evidente naqueles anos.

Depois veio Bento XVI e a liberalização da liturgia tradicional, até então ostensivamente objeto de oposições, apesar das concessões papais após as sagrações episcopais de Ecône. Infelizmente, os desvios ecumênicos não cessaram nem mesmo com Ratzinger, e com eles a ideologia conciliar que os justificou. A renúncia de Bento XVI e a chegada de Bergoglio continuam a abrir os olhos de muitas pessoas, especialmente dos fiéis leigos.

RS: Um tema distinto, mas ligado, é aquele relativo aos protagonistas da temporada conciliar e pós-conciliar. Detenhamo-nos por um momento na figura de Ratzinger: o papel do teólogo bávaro tanto no Vaticano II como depois é inegável, embora com diversas nuances (recordamos que de 1981 a 2005 foi Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, de 2005 a 2013 reinou no Trono de Pedro, desde 2013 é o “Papa Emérito”). De nossa parte, o julgamento sobre o significado do ratzingerismo é certamente negativo: sob a sua administração da Congregação para a Doutrina da Fé, prosperaram os mesmos desvios que hoje vemos “florescer” explicitamente; assim que ascendeu ao sólio pontifício, removeu a tiara do brasão papal; e continuou no caminho do ecumenismo indiferentista, renovando as celebrações escandalosas em Assis; em Erfurt chegou a afirmar que “o pensamento de Lutero, toda a sua espiritualidade era inteiramente cristocêntrica”; no Motu proprio Summorum Pontificum definiu a Missa de todos os tempos e o Novus Ordo como duas formas do mesmo rito (quando, ao contrário, implicam duas teologias totalmente diferentes); depois criou este híbrido improvável do “Papa emérito vestido de branco” que — independentemente das intenções, que não julgamos — parece não ser apenas um mal-entendido perigoso, mas uma engrenagem quase necessária do dualismo que anima a dinâmica atual de dissolução eclesial. Esses poucos exemplos, que poderiam ser seguidos por muitos outros, são, em nossa opinião, reveladores do fato de que Ratzinger sempre esteve do outro lado da cerca, embora com papéis e posições que não são idênticos. Já vimos sua afirmação sobre a “bela fábula da hermenêutica”, mas também em outras ocasiões o V. Exa. apontou alguns aspectos problemáticos do pensamento de Ratzinger. Referimo-nos em particular à sua declaração recente no LifeSiteNews na qual sustentou: “No entanto, seria desejável que, especialmente em consideração ao Julgamento Divino que o aguarda, ele se distancie definitivamente dessas posições teologicamente incorretas — estou me referindo em particular aos da Introdução ao Cristianismo — ainda hoje difundidas nas universidades e seminários que se orgulham de declarar católicos”. Portanto, perguntamos: se resumisse seu julgamento sobre o pensamento do teólogo bávaro, o que diria aos nossos leitores? Além disso, como teve a oportunidade de trabalhar em estreita colaboração com Bento XVI, o que pode nos dizer sobre ele no nível humano? Não é — sejamos claros — uma questão sobre aspectos reservados, mas sobre a sua personalidade, que V.Exa. pôde conhecer de perto.

CMV: Estou, infelizmente, de acordo, não sem uma profunda dor, com os pontos que você enumerou, embora com algumas nuances. Muitos atos de governo de Bento XVI se alinham com a ideologia conciliar, que o teólogo Ratzinger sempre defendeu com ardor e convicção. Sua formação filosófica hegeliana levou-o a aplicar o esquema tese-antítese-síntese no campo católico. Por exemplo, ao considerar que os documentos do Concílio (tese) e os excessos do pós-concílio (antítese) podem ser resolvidos na famosa hermenêutica da continuidade (síntese); tampouco escapa a invenção do Papado emérito, onde entre ser Papa (tese) e não mais ser Papa (antítese) se opta pela fórmula conciliatória de sê-lo apenas em parte (síntese). A mesma mentalidade determinou tudo o que fez para liberar a liturgia tradicional, que ele coloca ao lado do seu oposto conciliar na tentativa de agradar tanto aos autores da revolução teológica quanto aos defensores do venerável rito tridentino.

O problema é, portanto, de natureza intelectual, ideológica: surgiu todas as vezes que o teólogo bávaro tentou resolver a crise que aflige a Igreja. Em todos esses casos, sua formação acadêmica, influenciada pelo pensamento de Hegel, acredita que é possível combinar água com óleo. Não tenho motivos para duvidar que Bento XVI tenha querido a seu modo fazer um gesto de conciliação com o tradicionalismo católico. Nem que não esteja consciente da situação desastrosa em que se encontra o corpo eclesial; mas a única maneira de reconstruir a Igreja é seguir o Evangelho com uma perspectiva sobrenatural e sabendo que, pelo desígnio de Deus, o Bem e o Mal não podem ser reunidos num meio-termo fantasmagórico, mas que serão sempre contrários e irreconciliáveis, e que servindo a dois senhores acaba não se satisfazendo a nenhum dos dois.

Quanto ao meu conhecimento direto de Bento XVI, posso dizer que nos anos de seu pontificado, em que servi a Igreja na Secretaria de Estado, no Governo da Cidade do Vaticano e como Núncio nos Estados Unidos, a ideia que me fiz é a de que ele se cercou de colaboradores inadequados, nos quais não se podia confiar, e até de alguns corruptos, que se aproveitaram muito de sua suavidade de caráter e do que poderia ser considerada uma espécie de síndrome de Estocolmo, em particular com o Cardeal Bertone e seu secretário particular.

RS: Em alguns artigos publicados em CatholicFamilyNews.com foi apontado que no tocante à situação da Igreja a posição de V.E. é próxima à de Monsenhor Bernard Tissier de Mallarais, um dos quatro bispos sagrados por Monsenhor Lefèbvre. A mesma fonte mencionou uma citação de V.Exa. no sentido de que Monsenhor Lefèbvre teria sido um confessor exemplar da Fé. À luz das fortes críticas ao Concílio, e de, por outro lado, não aderir ao sedevacantismo, poder-se-ia supor que a posição de V.Exa. seja muito próxima à da Fraternidade Sacerdotal São Pio X. Poderia dizer-nos algo a respeito?

CMV: Em muitos setores do mundo católico, e principalmente nos ambientes conservadores, afirma-se que Bento XVI seria o verdadeiro Papa, e que Bergoglio seria um antipapa. Esta opinião se baseia, por um lado na convicção de que sua renúncia teria sido inválida (pela forma como foi redigida, por pressões externas, ou pela distinção entre munus e ministerium papal), e, por outro, que um grupo de cardeais progressistas manobrou para garantir que um candidato de sua autoria fosse eleito no conclave de 2013, violando assim as normas estabelecidas por João Paulo II na Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis. Para além da verossimilhança que possam ter essas afirmações, que se confirmadas invalidariam a eleição de Bergoglio, é um problema que só pode ser resolvido pela Autoridade Suprema da Igreja, quando a Providência Se dignar pôr fim a esta situação de gravíssima confusão.

 

E-Book grátis: “Como o Vaticano II serve à Nova Ordem Mundial” – A conferência escrita de Mons. Viganò.

FratresInUnum.com, 1 de novembro de 2020 – Nesta solenidade de Todos os Santos, queremos presentear os nossos leitores com a nossa tradução de um texto epocal, a Conferência do arcebispo Carlo Maria Viganò sobre “Como o Vaticano II serve à Nova Ordem Mundial”.

O vídeo da Conferência, amplamente compartilhado esta semana, causou imenso impacto entre os católicos, não apenas porque Mons. Viganò é uma testemunha privilegiada de tudo que ele está dizendo (trabalhou na Cúria Romana, foi membro do corpo diplomático da Santa Sé e foi núncio apostólico de dois papas), mas sobretudo porque tudo que ele diz é flagrantemente verdadeiro e muito bem dito, especialmente nestes tempos sombrios que estamos vivendo.

O texto completo de sua conferência (que não foi integralmente lido por ele no vídeo referido) foi disponibilizado em inglês pelo site The Remnant. O nosso trabalho foi simplesmente o de traduzir (aliás, se algum leitor quiser melhorar a tradução, fique à vontade; não somos tradutores profissionais e fizemos apenas aquilo que podíamos para o quanto antes disponibilizar para o público brasileiro este texto excepcional).

Tivemos também a iniciativa de diagramar o texto num formato que facilite a leitura, bem como colocá-lo sob a forma de e-book — basta clicar aqui ou na imagem acima para baixá-lo –, para ser mais facilmente compartilhável (sempre de maneira gratuita).

Agradecemos a Deus pela coragem de Mons. Viganò e pedimos a intercessão da Santíssima Virgem e de Todos os Santos para que esta obra de restauração da fé católica prospere grandemente, para a maior glória de Deus. A nossa parte consiste em resistir firmemente, em fazer o que é correto, em lutar pelo trinfo do Reinado de Jesus Cristo e do Coração Imaculado de Maria, bem como pela glória da Civilização Cristã!

«A persona Papae está em cisma com o Papado» – Mons. Viganò a Weinandy.

Fonte: Dies Irae

Publica-se, a pedido do Arcebispo Carlo Maria Viganò, uma carta que Sua Excelência Reverendíssima enviou, ontem, ao P. Thomas Weinandy, franciscano capuchinho norte-americano, por ocasião do debate iniciado sobre o Concílio Vaticano II.

10 de Agosto de 2020
São Lourenço, mártir

Reverendo Padre Thomas,

Li com atenção o seu ensaio Vatican II and the Work of the Spirit, publicado, a 27 de Julho de 2020, em Inside the Vatican (aqui). Parece-me que o seu pensamento pode ser resumido nestas duas frases:

«Partilho muitas das preocupações expressas e reconheço a validade de algumas problemáticas teológicas e questões doutrinárias enumeradas. Sinto-me, todavia, incomodado em concluir que o Vaticano II seja, de alguma forma, a fonte e a causa directa do actual estado desanimador da Igreja».

Permita-me, Rev. Padre, usar como auctoritas ao responder-lhe a um seu interessante escrito, Pope Francis and Schism, publicado, no passado 8 de Outubro de 2019, em The Catholic Thing (aqui). As suas observações permitem-me evidenciar uma analogia que espero que possa ajudar a esclarecer o meu pensamento e a demonstrar aos nossos leitores que algumas aparentes divergências possam ser resolvidas graças a uma profícua disputatio que tenha como objectivo principal a glória de Deus, a honra da Igreja e a salvação das almas.

Continuar lendo

Carta aberta a Mons. Carlo Maria Viganò e a Mons. Athanasius Schneider.

Consenso internacional acerca do debate sobre o Vaticano II

aberto pelos bispos Carlo Maria Viganò e Athanasius Schneider

Fonte: Dies Irae

A revisão crítica do Concílio Vaticano II é um facto inevitável. Foi dado um novo impulso para o debate, nas últimas semanas, através de algumas intervenções articuladas do Arcebispo Carlo Maria Viganò, antigo Núncio Apostólico nos Estados Unidos, e por Mons. Athanasius Schneider, Bispo Auxiliar de Astana no Cazaquistão.    



Hoje, mais de quarenta académicos, jornalistas e intelectuais de todo o mundo publicam um documento de apoio aos dois bispos, renovando o pedido de «um debate aberto e honesto sobre o que realmente aconteceu no Vaticano II e sobre a possibilidade de que o Concílio e a sua actuação contenham erros ou aspectos que favoreçam erros ou prejudiquem a Fé». Disponibilizamos o texto completo, publicado, hoje, em seis idiomas.
Continuar lendo

Por que a crítica de Viganò ao Concílio deve ser levada a sério.

Por Peter Kwasniewski, 29 de junho de 2020 | Tradução: FratresInUnum.com* – O recente “ataque” ao Vaticano II é um “momento de crise” para os tradicionalistas? Estamos indo contra um Concílio legítimo e louvável em vez de direcionar corretamente nossa ira à liderança inepta que o seguiu e o traiu?

Essa tem sido a linha dos conservadores há muito tempo: uma “hermenêutica da continuidade” combinada com fortes críticas às brigadas episcopais e clericais. A implausibilidade dessa abordagem é demonstrada por, entre outros sinais, o sucesso infinitesimal que os conservadores tiveram em reverter as “reformas” desastrosas, tendências, hábitos e instituições estabelecidas na esteira e em nome do último concílio, com aprovação ou tolerância papal. Um paralelo secular vem à lembrança: o terreno árido do “conservadorismo” político americano, no qual qualquer conformidade remanescente das leis humanas e das decisões judiciais com a lei natural está evaporando diante de nossos olhos.

O que o arcebispo Viganò tem dito recentemente com uma franqueza incomum nos sacerdotes de hoje (veja aquiaqui e aqui) é apenas uma nova parte de uma crítica de longa data oferecida pelos católicos tradicionais, do “O concílio de João XXIII” de Michael Davies  e “Iota Unum” de Romano Amerio a “O Concílio Vaticano II: uma história não escrita” de Roberto de Mattei  e o “Phoenix from the Ashes” de Henry Sire. Observamos bispos, conferências episcopais, cardeais e papas construindo um “novo paradigma”, peça por peça, por mais de meio século – uma “nova” fé católica que, na melhor das hipóteses, apenas se sobrepõe parcialmente e, na pior das hipóteses, contradiz a tradicional fé católica como a encontramos expressa nos Padres e Doutores da Igreja, nos concílios anteriores e nas centenas de catecismos tradicionais, sem mencionar os antigos ritos litúrgicos latinos que foram suprimidos e substituídos por ritos radicalmente diferentes.

Tão enorme abismo separa o velho e o novo que não podemos deixar de perguntar sobre o papel desempenhado pelo Concílio Ecuménico Vaticano II no desenrolar de uma história modernista que tem o seu início no final dos anos do século XIX e seu desfecho no presente. A linha de Loisy, Tyrrell e Hügel a Küng, Teilhard e Ratzinger (jovem) a Kasper, Bergoglio e Tagle é bastante reta quando se começa a conectar os pontos. Isso não quer dizer que não haja diferenças interessantes e importantes entre esses homens, mas apenas que eles compartilham princípios que seriam tidos como duvidosos, perigosos ou heréticos por qualquer um dos grandes confessores e teólogos, de Agostinho e Crisóstomo a Tomás de Aquino e Roberto Belarmino.

Temos que abandonar de uma vez por todas a ingenuidade de pensar que a única coisa que importa no Vaticano II são seus textos promulgados. Não. Nesse caso, os progressistas e os tradicionalistas concordam, com razão, que o evento é tão importante quanto os textos (neste ponto, veja o livro incomparável de Roberto de Mattei). A imprecisão dos propósitos para os quais o Concílio foi convocado; a maneira manipuladora como foi conduzido; a maneira consistentemente liberal em que foi implementado, quase sem reclamações do episcopado mundial – nada disso é irrelevante para interpretar o significado e significância dos textos do Concílio, que exibem gêneros novos e ambiguidades perigosas, sem mencionar passagens que têm todos os traços de erro claros, como os ensinamentos sobre os muçulmanos e os cristãos adorarem o mesmo Deus, dos quais o bispo Athanasius Schneider fez uma crítica devastadora em Christus Vincit [i] .

É surpreendente que, nesta fase tardia, ainda houvesse defensores dos documentos do Concílio, quando é claro que eles se prestavam primorosamente ao objetivo de uma total modernização e secularização da Igreja. Mesmo que seu conteúdo fosse inquestionável, sua verbosidade, complexidade e mistura de verdades óbvias com ideias duvidosas forneciam o pretexto perfeito para a revolução. Essa revolução agora está derretida nesses textos, fundida a eles como peças de metal passadas por um forno superaquecido.

Assim, o próprio ato de citar o Vaticano II tornou-se um sinal de que a pessoa deseja se alinhar com tudo o que foi feito pelos papas – sim, pelos papas! – em seu nome. Na vanguarda está a destruição litúrgica, mas exemplos podem ser multiplicados ad nauseam: considere momentos sombrios como as reuniões interreligiosas de Assis, cuja lógica João Paulo II defendeu exclusivamente nos termos de uma série de citações do Vaticano II. O pontificado de Francisco apenas pisou no acelerador.

Sempre é o Vaticano II que é usado para explicar ou justificar todos os desvios e afastamentos da histórica fé dogmática. Tudo isso é pura coincidência – uma série de notáveis interpretações infelizes  e julgamentos desobedientes que uma leitura honesta dos textos poderia dissipar, como o sol brilhando através das nuvens cinzentas?

Não existem coisas boas nos documentos?

Estudei e ensinei os documentos do Concílio, alguns deles inúmeras vezes. Eu os conheço muito bem. Como sou um devoto dos “Grandes Livros” e sempre lecionei para as escolas de Grandes Livros, meus cursos de teologia normalmente começavam com as Escrituras e os Pais da Igreja, depois entramos nos escolásticos (especialmente Santo Tomás) e terminavam com textos magisteriais: encíclicas papais e documentos conciliares.

Muitas vezes senti um aperto no coração quando o curso chegou a um documento do Vaticano II, como Lumen GentiumSacrosanctum ConciliumDignitatis HumanaeUnitatis RedintegratioNostra Aetate ou Gaudium et Spes.

É claro, é claro! – eles têm muito de belo e ortodoxo. Eles nunca teriam conseguido o número necessário de votos se fossem flagrantemente contra o ensino católico.

No entanto, eles também são produtos de comissões extensas, pesadas e inconsistentes, que desnecessariamente complicam muitos assuntos e carecem da clareza cristalina que um concílio deveria alcançar pelo trabalho duro. Tudo o que você precisa fazer é examinar os documentos de Trento ou os sete primeiros concílios ecumênicos para ver exemplos brilhantes desse estilo rigidamente construído, que interrompe a heresia em todos os pontos possíveis, na medida em que os pais do concílio eram capazes naquela conjuntura [ii]. E então há as sentenças no Vaticano II – e não poucas – em que se para e se diz: “Sério? Estou realmente vendo essas palavras na página na minha frente? Que coisa [bagunçada; problemática; próxima ao erro; errônea] a se dizer” [iii].

Eu costumava dizer, com os conservadores, que deveríamos “pegar o que há de bom no Concílio e deixar para trás o resto”. O problema dessa abordagem é capturado pelo Papa Leão XIII em sua Encíclica Satis Cognitum:

Os arianos, os montanistas, os novacianos, os quartodecimanos, os eutiquianos, certamente não rejeitaram toda a doutrina católica: eles abandonaram apenas uma parte dela. Ainda quem não sabe que eles foram declarados hereges e banidos do seio da Igreja? Da mesma forma, foram condenados todos os autores de princípios heréticos que os seguiram nos tempos subsequentes. “Não pode haver nada mais perigoso do que aqueles hereges que admitem quase toda a doutrina e, no entanto, por uma palavra, como com uma gota de veneno, infectam a fé real e simples ensinada por nosso Senhor e transmitida pela tradição apostólica” (Anon., Tratado da Fé Ortodoxa contra os Arianos).

Em outras palavras: é a mistura, a confusão, de grande, bom, indiferente, ruim, genérico, ambíguo, problemático, errôneo, tudo isso em enorme quantidade, que faz com que o Vaticano II seja merecedor de repúdio [iv].

Sempre houve problemas depois dos concílios da Igreja?

Sim, sem dúvida: os concílios da Igreja foram seguidos por um grau maior ou menor de controvérsia. Mas essas dificuldades eram geralmente apesar, não por causa da natureza e do conteúdo dos documentos. Santo Atanásio podia apelar repetidamente a Nicéia, como a uma bandeira de batalha, porque seu ensino era sucinto e sólido. Os papas após o Concílio de Trento podiam apelar repetidamente a seus cânones e decretos, porque o ensino era sucinto e sólido. Embora Trento tenha produzido um grande número de documentos ao longo dos anos em que as sessões ocorreram (1545 a 1563), cada documento é uma maravilha de clareza, sem uma palavra desperdiçada.

No mínimo, os documentos do Vaticano II falharam miseravelmente no propósito do Concílio, conforme explicado pelo Papa João XXIII. Ele disse em 1962 que queria uma apresentação mais acessível da Fé para o Homem Moderno. ”Em 1965, tornou-se dolorosamente óbvio que os dezesseis documentos nunca seriam algo que você apenas reuniria em um livro e entregaria a todos os leigos ou questionadores. Pode-se dizer que o Concílio caiu entre dois suportes: não produziu um ponto de entrada acessível para o mundo moderno nem um “plano de compromisso” sucinto para os pastores e teólogos confiarem. O que ele conseguiu? Uma enorme quantidade de papelada, muita prosa ventosa e uma cutucada: “Adapte-se ao mundo moderno, meninos!” (Ou, se você não se adaptar, tenha problemas – para emprestar uma frase de Hobbes – “com o poder irresistível do deus mortal” em Roma, como o arcebispo Lefebvre descobriu rapidamente.)

É por isso que o último concílio é absolutamente irrecuperável. Se o projeto de modernização resultou em uma perda maciça de identidade católica, mesmo de competência doutrinária básica e moral, o caminho a seguir é prestar os últimos respeitos ao grande símbolo desse projeto e vê-lo enterrado. Como Martin Mosebach diz, a verdadeira “reforma” sempre significa um retorno à forma – isto é, um retorno a uma disciplina mais rígida, doutrina mais clara, adoração mais completa. Não significa nem pode significar o contrário.

Existe algo da substância da Fé, ou algum benefício indiscutível, que perderíamos se nos despedirmos do último concílio e nunca mais ouvíssemos seu nome mencionado de novo? A Tradição Católica já possui em si imensos recursos (e, especialmente hoje, em grande parte inexplorados) para lidar com todas as questões irritantes que enfrentamos no mundo de hoje. Agora, quase um quarto do caminho para um século diferente, estamos em um lugar muito diferente, e as ferramentas de que precisamos não são as da década de 1960.

O que, então, pode ser feito no futuro?

Desde a carta do arcebispo Viganò em 9 de junho e seus subsequentes escritos sobre o assunto, as pessoas discutem o que pode significar “anular” o Concílio Vaticano II.

Eu vejo três possibilidades teóricas para um futuro papa.

  1. Ele poderia publicar um novo Sílabo de erros (como o bispo Schneider propôs em 2010) que identifica e condena os erros comuns associados ao Vaticano II, sem atribuí-los explicitamente ao Vaticano II: “Se alguém disser XYZ, seja anátema.” Isso deixaria em aberto o grau em que os documentos do Concílio realmente contêm os erros; no entanto, fecharia a porta para muitas “leituras” populares do Concílio.
  2. Ele poderia declarar que, olhando para o meio século passado, podemos ver que os documentos do Concílio, por causa de suas ambiguidades e dificuldades, causaram mais mal do que bem na vida da Igreja e deveriam, no futuro, não ser mais referenciados como autoritários na discussão teológica. O Concílio deve ser tratado como um evento histórico cuja relevância já passou. Novamente, essa postura não precisaria afirmar que os documentos estão errados; seria um reconhecimento de que o Concílio mostrou que “não vale o problema”.
  3. Ele poderia especificamente “negar” ou anular certos documentos ou partes de documentos, como partes do Concílio de Constança que nunca foram reconhecidas ou foram repudiadas.

A segunda e terceira possibilidades decorrem do reconhecimento de que o Concílio assumiu a forma, única entre todos os concílios ecumênicos da história da Igreja, de ser “pastoral” em propósito e natureza, de acordo com João XXIII e Paulo VI; isso tornaria deixá-lo de lado relativamente fácil. À objeção de que, ainda, forçosamente, ele diz respeito a questões de fé e moral, eu responderia que os bispos nunca definiram nada e nunca anatematizaram nada. Até as “constituições dogmáticas” não estabelecem dogmas. É um concílio curiosamente expositivo e catequético, que não resolve quase nada e incomoda bastante.

Como quer que seja que um futuro papa ou concílio lide com essa bagunça completamente arraigada, nossa tarefa como católicos permanece como sempre foi: manter a fé de nossos pais em suas expressões normativas e confiáveis, a saber, o lex orandi dos ritos litúrgicos tradicionais do Oriente e do Ocidente, o lex credendi dos Credos aprovados e o testemunho consistente do Magistério ordinário universal, e o lex vivendi mostrado a nós pelos santos canonizados ao longo dos séculos, antes da confusão se estabelecer. Isso é suficiente, e mais que suficiente.

[i]  Veja sinopse aqui.

[ii]  É digno de nota que João XXIII nomeou comissões preparatórias que produziram documentos curtos, justos e claros para o próximo Concílio trabalhar – e depois permitiram que a facção liberal ou “Reno” dos pais do Concílio descartassem esses projetos e os substituíssem por novos. A única exceção foi o Sacrosanctum Concilium, projeto de Bugnini, que navegou sem grandes problemas.

[iii]  Não se trata apenas de traduções ruins; as primeiras traduções eram geralmente boas e então depois as traduções pioravam os textos mais.

[iv] Como o cardeal Walter Kasper admitiu em um artigo publicado no L’Osservatore Romano em 12 de abril de 2013: “Em muitos lugares, [os Padres do Concílio ] tiveram que encontrar fórmulas de compromisso, nas quais, frequentemente, as posições da maioria são localizado imediatamente ao lado da minoria, projetado para delimitá-los. Assim, os próprios textos conciliares têm um enorme potencial de conflito, abrindo a porta para uma recepção seletiva em qualquer direção. ”

* Nosso agradecimento a um gentil leitor pela tradução fornecida.

O Concílio Vaticano II e a origem do descarrilamento.

Por Aldo Maria Valli, 14 de junho de 2020 | Tradução: FratresInUnum.com*A recente intervenção de Monsenhor Carlo Maria Viganò, referente aos vínculos entre o Concílio Vaticano II e os “desvios doutrinais, morais, litúrgicos e disciplinares que surgiram e progressivamente se desenvolveram até ao presente momento, aponta para uma questão que, embora seja causa de sofrimento para muitos de nós que crescemos na Igreja pós-conciliar, é inevitável.

Monsenhor Viganò, inspirando-se na contribuição do bispo Athanasius Schneider, fala abertamente de um “monstro gerado nos círculos dos modernistas” e que agora se mostra como é, “em sua índole subversiva e rebelde”.

Vamos direto ao ponto: se hoje temos uma Igreja que, muitas vezes, caminha caminhos heréticos de matriz gnóstica e se inspira naquele humanitarismo vago, tão popular no mundo e que, não por acaso, é aplaudida por quem sempre foi inimigo da Igreja, é porque o Concílio Vaticano II, ao contrário de todos os que o precederam, pretendeu, no fim das contas, fundar uma nova Igreja. É bem verdade que isso nunca foi proclamado e o que se propalou foi a necessidade de renovação sem que se tocasse o depositum fidei. Mas, de fato, os círculos modernistas instrumentalizaram o Concílio para introduzirem uma descontinuidade. A ferramenta retórica utilizada foi a expressão, completamente inédita, “espírito do Concílio”. Um conceito que, de fato, permitiu a infiltração da revolução, muito além do que estava sendo escrito nos textos. 

Há uma passagem, na intervenção de Monsenhor Viganò, que me impressionou de uma maneira particular, porque é muito pessoal e acredito que mais de um leitor vai se identificar com isso: “Chega um momento na nossa vida em que, por disposição da Providência, somos confrontados com uma escolha decisiva para o futuro da Igreja e para a nossa salvação eterna. Falo da escolha entre compreender o erro em que praticamente todos nós caímos, e quase sempre sem más intenções, e o querer continuar a procurar noutro lugar ou justificar-nos a nós mesmos”. 

Acredito que essa afirmação resume bem o drama daqueles que, tendo crescido na Igreja do pós-Concílio, hoje, depois de décadas, não podem deixar de abrir os olhos e dar-se conta do engano.

Sobre a questão ecumênica e litúrgica, escreve Viganò, que durante muito tempo “pensávamos que certos excessos fossem apenas um exagero daqueles que se deixaram levar pelo entusiasmo da novidade”. Mas fomos enganados. Referindo-se a horrenda pachamama, Monsenhor Viganò diz com toda a clareza: “se o simulacro de uma divindade infernal foi capaz de entrar na Basílica São Pedro, isso faz parte de um crescendo previsível desde o início”. Do mesmo modo, se “numerosos Católicos praticantes, e talvez até grande parte dos próprios clérigos, estão hoje convencidos de que a Fé Católica já não é necessária para a salvação eterna” e se muitos estão agora intimamente convencidos de que “o Deus Uno e Trino, revelado aos nossos pais, seja o mesmo deus de Maomé”, é porque a semente do erro e da heresia foi plantada há mais de meio século e vem sendo cultivada ao longo de décadas. 

“Progressistas e os modernistas – escreve Viganò – souberam ocultar astuciosamente nos textos conciliares, aquelas expressões ambíguas que, à época, pareciam inofensivas para a maioria, mas que hoje manifestam sua violência subversiva”. 

Não sou um historiador da Igreja, muito menos do Concílio Vaticano II. Sinto, porém, que posso aderir ao que Monsenhor Viganò diz quando afirma que houve um engano e que muitos caíram na armadilha. Quando o arcebispo fala de uma “corrida rumo ao abismo” e se diz surpreso que “ainda se persista em não querer investigar as causas primeiras da presente crise, limitando-se a deplorar os excessos de hoje como se não fossem a conseqüência lógica e inevitável de um plano orquestrado há décadas, somos confrontados com uma obrigação inevitável. 

Viganò é muito claro quando estabelece um paralelo entre pachamama e Dignitatis humanae, a liturgia protestante e as teses de monsenhor Annibale Bugnini, o documento de Abu Dhabi e Nostra Aetate. Tenho consciência de que muitas pessoas, mesmo entre aquelas que se opõem ao modernismo, diante destas declarações do arcebispo, assustam-se. Elas alegam que os males e os abusos não se originam do Concílio, mas de uma traição ao Concílio. Não vou aqui entrar nessa discussão. Da minha parte, sei que posso concordar com a análise de Monsenhor Viganò quando ele escreve que “o Concílio foi utilizado para legitimar, sob o silêncio da autoridade, os desvios doutrinais mais aberrantes, as inovações litúrgicas mais audaciosas e os abusos mais inescrupulosos. Esse Concílio foi a tal ponto exaltado, que ele foi posto como a única referência legítima para os Católicos, clérigos e bispos, enquanto a doutrina que a Igreja sempre ensinou com autoridade foi obscurecida e desprezada; e foi proibida a liturgia perene, que por milênios alimentou a fé de ininterruptas gerações de fiéis, mártires e santos”. E sei que posso também fazer minhas as palavras de Viganò quando escreve: “confesso-o com serenidade e sem controvérsia: fui um dos muitos que, apesar de tantas perplexidades e medos, os quais se mostram hoje absolutamente legítimos, confiaram na autoridade da hierarquia com uma obediência incondicional. Na realidade, penso que muitos, e eu sou um deles, não consideramos inicialmente a possibilidade de um conflito entre a obediência a uma ordem da hierarquia e a fidelidade à própria Igreja. A separação desnaturada, ou melhor, perversa, entre hierarquia e Igreja, entre obediência e fidelidade, foi certamente tornada palpável neste último pontificado”. 

Em resumo, “apesar de todas as tentativas de hermenêutica da continuidade, miseravelmente naufragadas no primeiro confronto com a realidade da presente crise, é inegável que, do Vaticano II em diante, uma igreja paralela foi constituída, sobreposta e contraposta à verdadeira Igreja de Cristo. Essa (igreja paralela) obscureceu progressivamente a divina instituição fundada por Nosso Senhor, até ao ponto para substituí-la por uma entidade bastarda, que corresponde à tão almejada religião universal, inicialmente teorizada pela maçonaria. Expressões como novo humanismo, fraternidade universal, dignidade do homem são palavras de ordem do humanitarismo filantrópico que nega o verdadeiro Deus; são expressões da solidariedade horizontal, de vaga inspiração espiritualista e do irenismo ecumênico, que a Igreja condena sumariamente”. 

Chegar a essas conclusões causa, repito, sofrimento. Como Viganò escreve, precisamos olhar a realidade de frente. “Esta operação de honestidade intelectual requer uma grande humildade, antes de tudo em reconhecer que fomos enganados durante décadas, de boa-fé, por pessoas que, constituídas em autoridade, não foram capazes de vigiar e guardar o rebanho de Cristo: ou porque quiseram viver tranqüilos, ou porque tiveram que honrar compromissos, ou por outras quaisquer conveniências, ou por má-fé ou simplesmente por dolo. Estes últimos, que traíram a Igreja, devem ser identificados, repreendidos, exortados a emendar-se e, se não se arrependerem, expulsos da Igreja. Assim age um verdadeiro Pastor, que se preocupa com a saúde das ovelhas e que dá a vida por elas; tivemos e ainda temos muitos mercenários para quem a anuência dos inimigos de Cristo é mais importante que a fidelidade à Sua Esposa”. 

A armadilha está engatilhada. Muitos caíram nela, mas isso não justifica perseverar no erro. “E se até Bento XVI ainda poderíamos imaginar que o golpe de estado do Vaticano II (que o cardeal Suenens definiu como ‘o 1789 da Igreja’) conheceria uma desaceleração, nos últimos anos, mesmo os mais ingênuos dentre nós compreenderam que o silêncio, por medo de suscitar um cisma, a tentativa de ajustar os documentos papais dando a eles um sentido católico para remediar a ambigüidade original, os apelos e os dubia endereçados a Francisco, deixados eloqüentemente sem resposta, são uma confirmação da situação de gravíssima apostasia à qual estão expostos os líderes da hierarquia, enquanto o povo cristão e o clero se sentem irremediavelmente afastados e tratados quase com raiva por parte do episcopado”. 

Muitas vezes, olhar de frente as origens de uma doença causa sofrimento e dor; um insidioso sentimento de fracasso também pode nos abater. No entanto, é necessário que isso seja feito se você deseja encontrar o caminho da cura. 

Aldo Maria Valli

* Nosso agradecimento a um generoso leitor por nos fornecer sua tradução.

Padre Sosa: ataques contra o Papa Francisco buscam influenciar o próximo conclave.

IHU – “Os ataques contra o Papa Francisco na Igreja hoje” são “uma luta entre os que querem a Igreja sonhada pelo Concílio Vaticano II e os que não querem”, afirmou Arturo Sosa, superior geral dos jesuítas, à agência de notícias Foreign Press Association em Roma no dia 16 de setembro.

A reportagem é de Gerard O’Connell, publicada por America, 16-09-2019. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Em entrevista em italiano, ele falou: “Sem dúvida, existe uma luta política acontecendo na Igreja hoje”. Mas, acrescentou, “estou convencido de que não é só um ataque contra esse papa. Francisco está convencido do que vem fazendo, desde que foi eleito papa. Ele não vai mudar”. E os seus críticos “sabem que ele não vai mudar”, disse o Pe. Sosa, concluindo: “Na realidade, estes ataques são uma maneira de influenciar a eleição do próximo papa”.

Continuar lendo