A contracultura de Bento XVI.

O que sempre atraiu na figura de Bento XVI não era o carisma, mas a determinação com que procurava tornar acessível a doutrina da fé. Suas palavras eram “de vida eterna”. Por isso os fiéis lhe conservaram uma enorme gratidão, não obstante sua renúncia, dez anos atrás.

Por Jerônimo Lourenço 

Quem imaginaria isso? Nem mesmo a equipe de liturgia do Vaticano estava preparada para a multidão de fiéis — crianças, jovens, adultos e idosos — que chegaram à Praça de São Pedro a fim de prestar as últimas homenagens a Bento XVI.

Logo que a confirmação da morte do Papa emérito foi anunciada, no dia 31 de dezembro de 2022, os preparativos para o funeral começaram de forma modesta. Esperavam-se no máximo 60 mil pessoas para as cerimônias fúnebres, entre os dias 2 e 5 de janeiro. Por quê?

As razões são várias. Primeiro, desde a renúncia, em 28 de fevereiro de 2013, Bento XVI manteve-se quase em anonimato, com raríssimas aparições públicas nos últimos anos. Além disso, mesmo durante o seu pontificado, ele jamais desfrutou de popularidade entre o “grande público”. A mídia, por exemplo, o considerava “pouco carismático”. Finalmente, o coro de seus adversários fez questão de macular sua imagem como pôde, do cinema (vide o filme “Dois Papas”, de Fernando Meirelles) às redes sociais (no Twitter, houve quem o chamasse de Papa “fracassado”). Um verdadeiro attacco a Ratzinger, como escreveu Andrea Tornielli.

Mas nem um nem outro motivo foram capazes de inibir os mais de 200 mil peregrinos que, entre 2 e 4 de janeiro, se revezaram durante horas, em filas quilométricas, para rezar diante do corpo do Pontífice. Ao contrário, finda a Missa de Exéquias, celebrada pelo Papa Francisco no último dia 5, podia-se ouvir dentre os 50 mil presentes na Praça de São Pedro um clamor surpreendente: Santo subito, ecoado por escrito em vários cartazes. Uma prece popular talvez apressada — pode-se discutir —, mas eloquente para o mundo e para a Igreja.

A renúncia de Bento XVI aconteceu há quase uma década, em meio ao Ano da Fé, que ele mesmo proclamara. De lá para cá, a Igreja e o mundo parecem ter mergulhado no processo de simbiose descrito por Schillebeeckx no século passado: “As fronteiras entre a Igreja e a humanidade se apagam em direção à Igreja, mas ainda podemos afirmar que se apagam também em direção à humanidade e ao mundo”. As agendas e preocupações de uma e de outro estão agora em plena sintonia, como se finalmente os católicos tivéssemos “progredido” 200 anos em 10, para fazer referência ao “testamento espiritual” do já falecido Cardeal Martini.

POPE BENEDICT MEETS WITH ITALIAN CARDINAL MARTINI

Bento XVI saiu e a Cúria mudou, consequentemente. Da liturgia indo aos temas mais delicados de moral sexual, tudo agora parece suscetível de “mudança” e “abertura”: Comunhão para recasados, relações homossexuais, ordenação de mulheres, fim do celibato, uso de anticoncepcionais… enfim, assuntos que voltaram à ordem do dia, especialmente em sínodos recentes. Nunca houve tantos aplausos e elogios por parte da imprensa quanto hoje. Terá a Igreja encontrado a fórmula perfeita para voltar a ser atraente aos olhos da humanidade?…

Será isso mesmo? Estará a Igreja de fato em sua melhor fase?

A realidade, no mais das vezes, é severamente realista para quem vive de utopias, e por mais que tentem passar a impressão de que a Barca de Pedro vai de vento em popa, os dados mostram precisamente o contrário. Segundo a própria imprensa progressista, os acenos da Igreja ao mundo moderno (e à sua cultura) não conseguiram criar a primavera esperada.

Quase o oposto. Com raras exceções, os seminários estão vazios, os mosteiros estão vazios, as igrejas estão vazias. O que vimos, em contrapartida, foi uma rápida e agressiva laicização da cultura, na Europa e em qualquer outro lugar, de modo que a fé católica já praticamente não tem a menor influência sobre as decisões dos Estados ou da população em geral. A esse respeito, podemos lembrar dois casos emblemáticos nos quais a Santa Sé mesmo preferiu não intervir: a legalização do “casamento gay” na Itália, em 2016, e a legalização do aborto na Argentina, em 2020.

O mundo, no fim das contas, embora aplauda a Igreja, não sente falta dela. Se a Igreja é o mundo, e vice-versa, ninguém precisa sair de onde está para supostamente se encontrar com Deus. Não há por que se converter.

Ao mesmo tempo, comunidades ditas “mais tradicionais” apresentam um vigor estonteante, com apelos vocacionais cujo alcance causa preocupação em Roma. Diante de uma cultura cambiante, em que não se acha facilmente um apoio firme para se sustentar, os que desejam conservar a Tradição não veem alternativa senão a do profeta Jeremias: parar na estrada para observar, perguntar sobre as veredas de outrora, qual o bom caminho, e andar nele (6, 16).

Foi justamente o que fizeram os anglicanos “tradicionalistas”, ao pedirem para ingressar na Igreja Católica, durante o pontificado de Bento XVI, atraídos pela firmeza da ortodoxia, como diria Chesterton.

Em 2010, Bento XVI esteve na Inglaterra e respondeu precisamente à questão de como a Igreja, na relação com os britânicos, crentes e não-crentes, poderia se tornar mais “crível e atraente para todos”:

Diria que uma Igreja que procura sobretudo ser atraente já estaria num caminho errado, porque a Igreja não trabalha para si, não trabalha para aumentar os próprios números e, assim, o próprio poder. A Igreja está ao serviço de um Outro: não serve a si mesma, para ser um corpo forte, mas serve para tornar acessível o anúncio de Jesus Cristo, as grandes verdades e as grandes forças de amor, de reconciliação que apareceu nesta figura e que provém sempre da presença de Jesus Cristo. Neste sentido a Igreja não procura tornar-se atraente, mas deve ser transparente para Jesus Cristo e, na medida em que não é para si mesma, como corpo forte, poderosa no mundo, que pretende ter poder, mas faz-se simplesmente voz de um Outro, torna-se realmente transparência para a grande figura de Cristo e para as grandes verdades que ele trouxe à humanidade.

Eis a chave para entender o “sucesso” de público no funeral de Bento XVI. Na Inglaterra, “o êxito real desta viagem não foi Bento XVI”, escreveu uma correspondente do The Guardian, “mas o seu rebanho, que desafiou as expectativas e a publicidade negativa para dar as boas-vindas ao Papa”.

Em Roma, dessa vez, o rebanho se reuniu para lhe dar adeus. Seja como for, em ambas ocasiões os fiéis foram ao encontro de seu pastor não tanto por ele mesmo, mas por ter encontrado em seu magistério “o anúncio de Jesus Cristo, as grandes verdades e as grandes forças de amor, de reconciliação”. O que sempre atraiu na figura de Bento XVI não era o carisma, mas a determinação com que procurava tornar acessível a doutrina da fé. Suas palavras eram “palavras de vida eterna”. Por isso, passados já 10 anos, os fiéis católicos conservaram a ele uma enorme gratidão.

Para as categorias mundanas da imprensa e do “grande público”, deve ser assustadora a estima de tantos católicos por Bento. Uma jornalista que cobria o funeral não conseguiu disfarçar a perplexidade quando ouviu os fiéis suplicarem: Santo subito. A mesma perplexidade foi vista quando, na eleição de 2005, jovens em Roma se abraçaram, comemorando-a efusivamente. Também na JMJ de Madri, a despeito de todas as manifestações contrárias, viu-se o entusiasmo com que 1,5 milhão de peregrinos permaneceram ao lado do Santo Padre, mesmo sob forte chuva.

Bento XVI jamais foi o homem “dogmático”, no sentido pejorativo do termo, pintado pela imprensa. Foi um Papa muito pouco legislador. A sua preocupação, antes disso, foi desenvolver uma nova cultura cristã, conduzindo a porção eleita da grei de Cristo aos fundamentos da Verdade, a fim de que, quando chegasse a hora de a Igreja se tornar novamente “uma pequena comunidade de fiéis”, ela fosse capaz de ser uma resposta aos anseios “dos habitantes de um mundo rigorosamente planificado” e “indizivelmente sós”. Os católicos deveriam ser transparentes para Cristo, vivendo de “modo a mostrar que o infinito de que o homem tem necessidade pode provir somente de Deus” [i].

Daí o zelo com que o Papa Ratzinger lutou para preservar a fé e os mandamentos de Nosso Senhor. “Se alguém me ama, guardará a minha palavra; meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada” (Jo 14, 23). Os cristãos estão no mundo, mas não podem viver como mundanos, simplesmente inculturados; devem promover uma contracultura que desperte aqueles ao seu redor para a vida sobrenatural.

Afinal, como Ratzinger dizia ainda na década de 1990, num evento do movimento Comunhão e Libertação: “A libertação fundamental que a Igreja nos pode oferecer consiste em nos manter dentro do horizonte do eterno… Por isso, a própria fé, em toda a sua grandeza e amplitude, é sempre a reforma essencial de que precisamos”. Essa é, na verdade, a grande revolução cristã, que dá aos homens o rumo decisivo. É a cultura do encontro com a pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, que é Deus e ao qual nos unimos pela virtude da fé.

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De fato, foi essa a primeira lição da Encíclica Deus Caritas Est e a tônica de todo um pontificado. Na verdade, ao longo de toda a sua vida sacerdotal, não só como Papa, Ratzinger se propôs a dissipar as névoas que escureciam a visão dos homens e os impediam de enxergar a Cristo e encontrá-lo. Pessoas de boa vontade que se abriram à sua escuta não acolheram apenas uma “grande ideia” ou uma “decisão ética”, mas se encontraram com o próprio Senhor, atravessando a porta da fé, que Ratzinger lhes havia aberto. Foi o caso de personalidades como Scott Hahn, ex-ministro protestante, e Peter Seewald, jornalista e ex-ateu, que, como tantos outros, se deixaram conduzir pelas lições de Bento XVI.

Não admira, portanto, que em seu “testamento espiritual” o Santo Padre tenha feito um único pedido: “Permanecei firmes na fé! Não vos deixeis confundir”. Numa hora em que a Igreja inicia mais uma tarefa sinodal, é preciso levar em conta esse apelo do Papa, para que o clima febril de confusão não se agrave.

A imagem de um sacerdote negando a Comunhão a um fiel que queria recebê-la na boca e de joelhos, durante a Missa de Réquiem de Bento XVI, sintetiza bem como está abalada a relação dos fiéis com os pastores. Enquanto estes se inclinam para o mundo, em busca de aberturas e aggiornamentos, aqueles se inclinam para Deus, porque querem adorá-lo e preservar as suas palavras no coração.

Por isso eles foram a Bento XVI. Por isso gritaram: Santo subito. Por isso já o querem “Doutor da Igreja”. Precipitados ou não, eles deram o recado, mostraram o que realmente desejam: nada além da fé católica!

Referências:

  1. Bento XVI, Luz do mundo. São Paulo: Paulinas, 2011, p. 84.
  2. Joseph Ratzinger, Compreender a Igreja hoje. 3. ed., Petrópolis: Vozes, 2006, p. 81.

 

 

 

 

Dom Athanasius Schneider: O legado do pontificado do Papa Bento XVI

Fonte: Senza Pagare

Com o falecimento do Papa Bento XVI, muitos católicos sentiram que perderam um ponto de referência claro e seguro para sua fé.

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Pode-se ter a sensação de órfãs. Podemos dizer que o Papa Bento XVI foi um papa, que colocou no centro de sua vida pessoal e da vida da Igreja a visão sobrenatural da fé e da validade perene da Sagrada Tradição da Igreja, que constitui a fonte e a coluna da nossa fé juntamente com a Sagrada Escritura. Neste sentido, o maior e mais benéfico acto de seu pontificado foi o Motu Proprio Summorum Pontificum com a plena restauração da liturgia latina tradicional em toda a sua expressão: Santa Missa, sacramentos e todos os outros ritos sagrados. Este acto pontifício ficará na história como um marco histórico.

O Papa Bento XVI afirma que o rito tradicional da Santa Missa nunca foi abrogado e deve permanecer sempre na Igreja, porque o que era sagrado para nossos antepassados ​​e para os santos deve ser sagrado para nós e para as gerações futuras também. Numa época, como foi a posterior ao Concílio Vaticano II, em que havia no seio da Igreja um movimento quase generalizado de rejeição radical do rito litúrgico milenar da Santa Missa e, portanto, de ruptura com o próprio princípio da Tradição, o pontificado de Bento XVI valeu a pena apenas por ter emitido o Motu Proprio Summorum Pontificum, com o qual começou a cura da ferida no Corpo da Igreja, ferida causada pela atitude de rejeição e ódio da venerável ​​e milenar regra da oração da Igreja.

No seu testamento espiritual, o Papa Bento XVI deixou-nos, entre outras, esta breve e substancial frase, que considero a mais importante de todas: Permanecei firmes na fé! Não vos deixeis confundir! Assistimos hoje na vida da Igreja um processo de diluição da fé católica e de adaptação ao espírito dos hereges, incrédulos e apóstatas pelo nome ilusório e eufónico de sinodalidade e pelo abuso da instituição canônica de um sínodo. Tal situação é desmoralizante para todos os verdadeiros católicos.

Portanto, o legado do Papa Bento XVI que se expressa nas palavras “Permanecei firmes na fé! Não vos deixeis confundir!” e no seu epocal Motu Proprio Summorum Pontificum permanece uma luz, um encorajamento e uma consolação. Este papa era forte na fé, um verdadeiro amante da beleza imperecível e da firmeza do rito tradicional da Santa Missa, deu primazia à oração, à visão sobrenatural e à eternidade. Este legado vencerá graças à intervenção da Divina Providência, que nunca abandona a Sua Igreja, a enorme confusão doutrinária atual, a apostasia rastejante, especialmente entre uma casta mundana e incrédula de teólogos, que são os novos escribas e entre uma apostasia rastejante de não poucos membros do alto clero, que são os novos saduceus.

O Papa Bento XVI fez brilhar o seu lema episcopal “Cooperatores veritatis”, isto é, colaboradores da verdade. Com este lema ele quer dizer a cada fiel católico, a cada sacerdote, a cada bispo, a cada cardeal e também ao Papa Francisco: o que realmente conta é a fidelidade inabalável à verdade católica, à constante e venerável tradição litúrgica de a Igreja e o primado de Deus e da eternidade. Que Deus aceite as orações e sofrimentos espirituais, que o Papa Bento XVI ofereceu em sua vida retitada, e conceda para o futuro da Igreja bispos e papas totalmente católicos e totalmente apostólicos. Pois, como disse São Paulo: “Não podemos fazer nada contra a verdade, mas somente pela verdade” (2Cor 13, 8).

+ Athanasius Schneider

“Como uma vela que se apaga”.

Por Padre Jerome Brown, FratresInUnum.com, 29 de dezembro de 2022: “Como uma vela que se apaga”. Há algum tempo, o secretário particular de Bento XVI referiu-se assim ao seu estado de saúde. Enquanto Papa, Joseph Ratzinger em relação aos erros do Concílio pouco fez para remediar, e ainda teve a infelicidade de reproduzir um mal-fadado encontro de Assis talvez menos sincrético, porém mais relativista.

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Contudo, Bento XVI foi o Papa que respondeu corretamente sobre a chamada Missa Tradicional e lhe deu o lugar menos inadequado na Igreja nesses últimos 50 anos.

Primeiro respondeu que a Missa jamais foi proibida (usando o habitual argumento de que não pode ser normal que uma coisa um dia seja santa e noutro dia seja proscrita) e deu uma liberdade que não era a justa, mas era pelo menos não humilhante para a Missa Tradicional.

Se me permitem uma comparação rude, é como se um inocente fosse preso, mas depois fosse solto com a obrigatoriedade de usar tornozeleira… Bem… Pelo menos está em liberdade…

Havia uma ou outra restrição desnecessária em Summorum Pontificum, mas a Missa estava livre.
E isso gerou um efeito na Igreja, desde a sacralidade das celebrações até a modéstia nas roupas, e fenômenos como comunidades de orientação carismáticas desenvolverem cantos (a meu ver horríveis, mas não deixa de ser um fenômeno, em latim).

Bento XVI criou inegavelmente, em uma continuação dos anos finais de João Paulo II, voltados para a Eucaristia, o Rosário e o Sacerdócio, uma geração de padres padres, dedicados ao altar, ao zelo pelas almas, ao ensino da doutrina, à ars celebrandi.

Também não se pode negar o esforço de Bento XVI em afirmar que a Igreja pós-conciliar era exatamente a mesma Igreja de sempre e seu “exorcismo” contra o espírito do Concílio.

Certamente podia fazer mais e, em relação à sua renúncia, poderia ter feito menos, ou, melhor ainda, nada.

Mas, como católicos somos às vezes duros ao comentar uma ação, mas nos calamos benevolamente no que diz respeito à intenção.

Por isso, Santo Padre, estamos de joelhos, aos pés de vosso leito. Osculamos vossas mãos e desejamos que alcance a misericórdia do Supremo Pastor e Juiz.

A pequena “viagem apostólica” de Bento XVI.

Por FratresInUnum.com, 23 de junho de 2020 — Chega a ser impressionante como Bento XVI, sem dizer uma única palavra, já cansado, ancião, em cadeira de rodas, consegue ofuscar o seu sucessor! A viagem do pontífice à Alemanha foi um acontecimento retumbante e provou, mais uma vez, que o pontificado de Francisco não passa de um artificial fenômeno de mídia.

Bento resolveu sair de casa e visitar seu irmão de 96 anos. Queria despedir-se e dar-lhe os sacramentos. Em plena crise da pandemia, sem máscara nem luvas, aquele que enfrentou de peito aberto os piores teólogos do século XX, não temeu enfrentar o vírus chinês: foi e pronto!

Embora a razão da viagem tenha sido manifesta desde o início, não faltaram especulações interessantes. O próprio site ultra-bergogliano Vatican Insider chegou a reverberar em manchete uma notícia de um jornal alemão que sustentou a hipótese de que “Ratzinger poderia não voltar para Roma”. Curioso…

O Vatican Insider tem suficientes fontes — seu outrora editor, Andrea Tornielli, hoje chefia o editorial do Dicastério para a Comunicação do Vaticano —  para não precisar dar um tiro no escuro, para não fazer um mero chute jornalístico. Desde o início, aliás, o próprio porta-voz da Santa Sé dizia meio misteriosamente que Bento XVI “ficaria lá o tempo necessário”.

É um fato notório, porém, que a saída de Bento causou impacto e chamou muito a atenção. As pessoas queriam vê-lo, desejavam estar com o Santo Padre, tinham um desejo devoto de saudar o Papa. E talvez o seu discreto aparecimento tenha incomodado mais do que o previsto…

Para um papa como Francisco, que gosta de chamar a atenção, que telefona para jornalistas oferecendo-se para ser entrevistado, que ama jogar frases de efeito para ser reverberado pela imprensa, ser eclipsado por aquele que Meirelles em sua ficção “Os dois papas” apresentou como um papa antipático deve ser realmente uma tortura. Mas, seria uma tamanha vaidade a ponto de fazer um idoso ir e voltar de outro país, em menos de uma semana, em meio a uma pandemia?

No final das contas, sofrer o antagonismo de Ratzinger seria um golpe duro para Francisco e, por isso, parece ser bastante interessante manter um predecessor controlado, silencioso, devidamente trancado em seu mosteirinho, aquela pequenina Baviera vaticana em que ele resolveu sepultar-se vivo. É mais conveniente garantir o silêncio de Bento que permitir-lhe falar, ainda que aos sussurros, que deixar-lhe articular-se, ainda que mansamente.

O estrondo do livro de Bento XVI-Sarah em defesa do celibato foi enorme e adiou a agenda da ordenação dos viri probati. E tudo sob aquela velha diplomacia vaticana, em que olhares e sorrisos têm o peso de um touché. Imaginem o que seria Ratzinger livre…

Francisco disse certa vez que o “Papa emérito” é uma instituição. Isso quer dizer que, no fundo, o “experimento Bento” está sendo muito útil para que vejam o quanto pode ser incômodo conviver com um predecessor resignatário e, pior ainda, o quanto pode ser ruim ser este predecessor.

No fundo, a resposta para a questão que todos temos na cabeça – Bento XVI voltou porque quis ou porque foi forçado, digamos, pelas circunstâncias… – nos será dada pelo próprio Francisco daqui a alguns anos: terá ele coragem de renunciar ao pontificado e enfrentar o ostracismo da emeritude? Beberá ele do cálice que fizeram beber Ratzinger? Quem viver, verá!

Profético?

Bento XVI vai à Alemanha visitar seu irmão.
Bento XVI vai à Alemanha visitar seu irmão.

“Era uma noite escura. Os homens não podiam mais discernir qual fosse o caminho para retornar a suas aldeias, quando apareceu no céu uma luz esplendorosíssima que esclarecia os passos dos viajantes como se fosse meio-dia. Naquele momento, foi vista uma multidão de homens, de mulheres, de velhos, de crianças, de monges, freiras e Sacerdotes, tendo à frente o Pontífice, sair do Vaticano enfileirando-se em forma de procissão. Mas eis um furioso temporal escurecendo um tanto aquela luz. Parecia engajar-se uma batalha entre a luz e as trevas. Chegou-se a uma pequena praça coberta de mortos e de feridos, dos quais vários pediam conforto em altas vozes.

As fileiras da procissão se tornaram bastante ralas. Depois de ter caminhado por um espaço de duzentos levantares do sol, cada um percebeu que não estava mais em Roma. O espanto invadiu os ânimos de todos, e cada um se recolheu em torno do Pontífice para guardar a sua pessoa e assisti-lo em suas necessidades. Naquele momento, foram vistos dois anjos que portavam um estandarte e o foram apresentar ao Pontífice dizendo: ‘Recebe o vexilo d’Aquela que combate e dispersa os mais fortes exércitos da terra. Os teus inimigos desapareceram, os teus filhos, com lágrimas e com suspiros, invocam o teu retorno’. Levantando, depois, o olhar para o estandarte, se via escrito nele, de um lado: ‘Regina sine labe originale concepta ( Rainha concebida sem pecado original)’; e do outro lado: ‘Auxillium Christianorum (Auxílio dos Cristãos)’. O Pontífice tomou o estandarte com alegria, mas tornando a olhar o pequeno número daqueles que haviam permanecido em torno de si, ficou aflitíssimo. Os dois anjos acrescentaram: ‘Vai depressa consolar os teus filhos. Escreve a teus irmãos dispersos nas várias partes do mundo que é preciso uma reforma nos costumes e nos homens. Isto só se poderá obter repartindo aos povos o pão da Divina Palavra. Catequizai as crianças, pregai o desapego das coisas da terra’. ‘Chegou o tempo’, concluíram os dois anjos, ‘que os pobres serão os evangelizadores dos povos. Os Levitas serão buscados entre a enxada, a pá e o martelo, a fim de que se cumpram as palavras de Davi: Deus levantou o pobre da terra para colocá-lo sobre o trono dos príncipes do teu povo.’

Ouvindo isto, o Pontífice se moveu e as filas da procissão começaram a engrossar. Quando, afinal, ele colocou o pé na cidade santa, ele começou a chorar por causa da desolação em que estavam os cidadãos, dos quais muitos não existiam mais. Entrando novamente em Roma, ele entoou o Te Deum, que foi respondido por um coro de anjos, cantando: ‘Gloria in excelsis Deo, et pax in terris hominibus bonae voluntatis’. Terminado o canto, cessou de fato toda escuridão e se manifestou um sol fulgidíssimo As cidades, as aldeias, os campos tinham a população muito diminuída, a terra estava pisada como por um furacão, por um temporal e pelo granizo, e as pessoas iam umas para as outras dizendo com ânimo comovido: ‘Há um Deus em Israel’. Do começo do exílio até o canto do Te Deum, o sol se levantou duzentas vezes. Todo o tempo que transcorreu para se cumprirem estas coisas corresponde a quatrocentos levantares de sol.”

S. João Bosco – Sonho da procissão

Com luva de pelica.

Por FratresInUnum.com, 20 de maio de 2020  – A revanche da elegância é simplesmente deliciosa! Bento XVI, como todo monarca realmente investido de personalidade refinada e aristocrática, sabe dar o seu “touché” sem descer ao nível desqualificado dos barraqueiros… A carta que ele escreveu sobre o centenário do nascimento de João Paulo II foi, para todos os efeitos, aquela alfinetada pontiaguda que dói na medula. – Ah, e como dever ter doído!

Bento

Assim como se percebe melhor a feiura em contraste com a beleza, Bento XVI, traçando um retrato de João Paulo II, deixa ver a quem quiser a face de Francisco. Aquilo que ele enfatiza mostra exatamente o que considera virtuoso no pontificado do papa polonês. O delicado tapa consiste, justamente, no fato de que são aspectos totalmente inexistentes no pontificado de Francisco. A carta de Bento sobre João Paulo II conduz, portanto, a um juízo sobre o atual governo do bispo de Roma.

A personalidade de Joseph Ratzinger poderia ser resumida também numa breve alcunha: “a humildade da verdade”. Sem gritar, sem tripudiar, sem se impor, com sua bondade e gentileza inigualáveis, ele é sinal desta Igreja hoje oprimida.

Com toda a discrição, Bento XVI mais uma vez brindou a Igreja com um retrato minuciosamente descrito, em contraste com o qual ficam devidamente denunciadas as deformidades deste pontificado. Foi uma bela provocação, a do bávaro papa demissionário, tão sutil quanto eloquente: um verdadeiro “tapa com luva de pelica”.

Ele começa fazendo um breve resumo da biografia do papa polonês. Oriundo de um cenário épico – guerras, ditaduras nazista e comunista, desgraças familiares –, mesmo assim, ele se dedicou ao estudo e foi um renomado professor universitário. Nada mais diferente de Francisco, que não foi qualificado para estudos superiores e viveu a vida inteira respaldando autoridades, mesmo quando isso trazia prejuízos para os seus colegas jesuítas.

Em seguida, Bento XVI mostra como Wojtyla foi eleito pontífice na mais profunda crise da Igreja pós-conciliar, que estava, segundo suas palavras, “em uma situação desesperada”, com uma fé falsa, em meio à balbúrdia litúrgica e em que tudo, inclusive a própria Igreja, era posto sob escrutínio. Será que existe alguma semelhança entre aquele período de confusão e o deste pontificado?… E que diferença de perspectiva em relação àquela que considera que a “Igreja nunca esteve tão bem”, não é mesmo?

Em outras palavras, embora se mostre vanguardista, Francisco nada mais é que um representante da requentada e ressentida ideologia progressista dos anos 70-80, que tanto dano causou à Igreja Católica e que já estava superada pela interpretação dos pontificados posteriores. Em poucas palavras, Francisco é démodé, retrógrado e, sobretudo, inapto para o cargo.

A diferença, segundo Ratzinger, é que Wojtyla adveio da Polônia, que, diferentemente da Argentina e do Brasil, é um país que recepcionou bem o Concílio, em continuidade com a tradição anterior.

João Paulo II, continua Bento XVI, teria devolvido o entusiasmo à Igreja, cenário realmente oposto ao completo vazio do pontificado atual, que, apesar de se pretender tão populista, encerrou-se no completo autoritarismo, refém de suas próprias ideologias, isolado na frieza, distante do povo, incapaz de se comunicar com o católico comum.

João Paulo II fez mais de cem viagens pastorais e encheu o mundo de alegria, criando uma relação afetuosa com os fiéis. O papa atual, por sua vez, assusta as almas tanto quanto seus gestos de falta de piedade.

Ainda segundo Bento XVI, João Paulo II expôs a moral da Igreja e suscitou oposição no ocidente. Impossível não ver o contraste com Bergoglio, que trata como obsessão e legalismo a defesa dos “valores inegociáveis”, suscitando apoio das esquerdas internacionais.

Para Ratzinger, João Paulo II era humilde e escutava os seus conselheiros, abrindo mão de suas ideias. Como não compará-lo a Francisco, temido e chamado nos corredores de ditador, que não escuta ninguém e avança como um trem, investindo contra a tradição e os fieis católicos?

João Paulo II tinha como centro de seu pontificado a Misericórdia Divina, diz Bento. Que paralelo se pode fazer com Bergoglio e o centro de seu pontificado, a misericórdia humana, conivente com o pecado e cúmplice da iniquidade?

João Paulo II gritou, na abertura do seu pontificado, “não tenhais medo, abri as portas para Cristo”. Hoje, Bergoglio compactua com que se feche as portas das igrejas, minando sozinho, contra a “comunhão”, a atuação conjunta do episcopado italiano que pleiteava a retomada das atividades religiosas junto ao governo italiano.

Bento, então, sustenta que João Paulo II não é um rígido moralista, como continuamente esbraveja Bergoglio contra aqueles que sustentaram a luta doutrinal daquele pontificado — desmantelando sem dó o Instituto que leva o nome do papa polonês e perseguindo os seus mais fiéis seguidores — , mas o verdadeiro papa da misericórdia, contra a tirania de um absolutista socialista.

A carta de Ratzinger termina com uma mensagem de esperança: “neste tempo em que a Igreja sofre a aflição do mal”, contra todo otimismo e paixão pelo mundo da corte bergogliana, o poder e a bondade de Deus prevalecerão e, assim como depois de Paulo VI surgiu um papa que devolveu à Igreja o orgulho de ser católica, não podemos duvidar de que o mesmo poderá suceder no futuro, caso ainda não estejamos nos tempos finais.

Longa vida ao Papa Ratzinger!

Bento XVI: Renunciei, mas mantive a ‘dimensão espiritual’ do Papado.

Em uma nova biografia, o Papa Bento XVI fala sobre a ‘dimensão espiritual’ do papado ‘, que, ‘sozinha, ainda é o meu mandato’.

Por Maike Hickson, LifeSiteNews, 6 de maio de 2020 | Tradução: FratresInUnum.com: Em uma nova biografia, publicada em 4 de maio, o papa Bento XVI faz algumas declarações que destacam seu próprio entendimento acerca de sua renúncia ao papado. Ele fala no livro sobre a “dimensão espiritual… que, somente ela, ainda é o meu mandato”. Ele mostra uma compreensão de sua resignação ao papado, segundo a qual renunciou a quaisquer “poderes legais concretos” e a todo papel de governo, mas, ao mesmo tempo, manteve um “mandato espiritual”.

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O papa Bento XVI respondeu, no outono de 2018, a várias perguntas escritas por seu biógrafo Peter Seewald, que foram incluídas na biografia, com mais de 1.000 páginas, intitulada Bento XVI: Uma Vida . Este livro foi lançado hoje em alemão e será publicado em inglês em 17 de novembro.

Parte dessas perguntas estava relacionada ao fato de ele ter renunciado em 11 de fevereiro de 2013, depois de quase sete anos sendo o papa. Peter Seewald aponta para Bento que existem historiadores da Igreja que criticam o fato de ele se chamar “Papa emérito”, uma vez que esse título “não existe, também porque não há dois papas”. Depois de dizer, primeiramente, que ele próprio não entende por que um historiador da Igreja deveria saber mais sobre esses assuntos do que qualquer outra pessoa – afinal eles “estão estudando a história da Igreja” -, Bento XVI cita o fato de que “até o final do Concílio Vaticano II também não havia renúncia por parte dos bispos”.

Após a introdução da figura do bispo emérito, prosseguiu o Papa emérito, surgiu o problema de que “só se pode ser bispo vinculado a uma diocese específica”, ou seja, cada “consagração é sempre relativa” e “vinculada a uma sede episcopal”. Para os bispos auxiliares, por exemplo, a Igreja escolheu “sedes fictícias”, como as de países anteriormente católicos no norte da África. Com o crescente número de bispos eméritos, essas sedes fictícias estavam sendo ocupadas rapidamente, e um bispo alemão – Simon Landersdorfer, da diocese de Passau – acabou por decidir que se tornaria simplesmente o bispo ‘emérito de Passau’”.

É aqui que o Papa Bento XVI faz uma comparação com o papado. Pois, como um bispo aposentado, ele acrescenta, “não tem mais uma sé episcopal ativamente, mas ainda possui um relacionamento especial de ex-bispo com a sua sede”. Esse bispo aposentado, no entanto, “não se torna um segundo bispo de sua diocese”, explica Bento. Tal bispo “abdicou completamente de seu cargo, mas a conexão espiritual com sua antiga sede estava agora sendo reconhecida, também como uma qualidade legal”. Esse “novo relacionamento com a sede” é “dado como realidade, mas está fora da substância legal concreta do múnus episcopal”. Ao mesmo tempo, acrescenta o papa emérito, o “vínculo espiritual” é considerado uma “realidade”.

“Assim”, continua, “não há dois bispos, mas um com mandato espiritual, cuja essência é servir sua antiga diocese desde dentro, a partir do Senhor, estando presente e disponível em oração”.

“Não é concebível que esse conceito jurídico também não deva ser aplicado ao bispo de Roma”, afirma o Papa Bento explicitamente, deixando claro que, de acordo com suas próprias idéias, ele renunciou completamente ao múnus papal, mantendo uma “dimensão espiritual” de seu ofício papal.

Posteriormente na entrevista, ao final da nova biografia de Seewald, Bento volta a falar sobre o fato de que não deseja comentar a questão dos dubia apresentados pelo cardeal Raymond Burke e seus irmãos cardeais acerca de Amoris Laetitia, uma vez que isso  o “levaria muito à área concreta do governo da Igreja e, assim, deixaria a dimensão espiritual que por si só ainda é meu mandato”.

O papa Bento lamenta que qualquer de suas declarações como papa emérito – como sua famosa observação de 2017 sobre o barco naufragado que representa a Igreja – esteja sendo usada por seus críticos como meio de encontrar “uma confirmação para a sua calúnia”.

“A alegação de que eu constantemente intervenho em debates públicos”, também afirma ele, “é uma distorção maligna da realidade”. Aqueles que estão usando palavras, como as sobre o naufrágio de uma barca – que provém de São Gregório Magno -, a fim de constatar “uma intervenção perigosa no governo da Igreja”, são, aos olhos de Bento XVI, “participantes de uma campanha contra mim que não tem nada a ver com a verdade”. Em outro contexto, o papa menciona especialmente a “teologia alemã”, que interpretou suas palavras de uma “maneira estúpida e maligna”, de modo que “é melhor não falar sobre isso”.

“Prefiro não analisar as reais razões pelas quais alguém deseja silenciar minha voz”, conclui Bento XVI.

Discutindo ainda mais o assunto de um “papa emérito” com Peter Seewald, Bento faz uma comparação com a “mudança das gerações”, em que o pai de uma família renuncia a “seu status legal”, mantendo sua “importância humano-espiritual”, que permanece “até a morte”. Ou seja, o aspecto “funcional” da paternidade pode mudar, não sua parte “ontológica”.

Aqui, o ex-Papa se refere às famílias de agricultores da Baviera, onde o pai de uma família, em um determinado momento de sua vida, entrega a maior casa de fazenda a seu filho, enquanto fica em uma cabana menor na mesma terra. O filho então se torna responsável por prover ao pai suas necessidades materiais, como alimentos. “Assim”, argumenta Bento XVI, “é dada sua independência material, assim como a transição dos direitos concretos ao filho. Isso significa: o lado espiritual da paternidade permanece, enquanto a situação muda em relação aos direitos e deveres concretos”.

Em maio de 2016, o arcebispo Georg Gänswein proferiu um discurso no qual falou sobre o Papa Bento XVI e um “Ministério Petrino expandido”, uma formulação que provocou debate, pois poderia indicar que Bento XVI não renunciou a todas as diferentes partes do papado. Mais tarde, ele corrigiu essa afirmação e, desde então, insistiu que há apenas um papa. Gänswein disse à LifeSite em 2019: “Eu já esclareci o ‘mal-entendido’ várias vezes”. “Não faz nenhum sentido, não, e mais ainda, é contraproducente insistir nesse ‘mal-entendido’ e me citar repetidamente. Isso é absurdo e leva à auto-mutilação [Selbstzerfleischung]. Eu disse claramente que há apenas um papa, um papa legitimamente eleito e em exercício, e este é Francisco. ”

Já em 2013, ao explicar sua renúncia ao público, o Papa Bento XVI havia declarado que “não pode mais haver retorno à esfera privada. Minha decisão de renunciar ao exercício ativo do ministério não revoga isso. Não volto à vida privada, a uma vida de viagens, reuniões, recepções, conferências e assim por diante. Não estou abandonando a cruz, mas permanecendo de uma nova maneira ao lado do Senhor crucificado. Não tenho mais o poder de exercer o governo da Igreja, mas no serviço da oração permaneço, por assim dizer, no recinto de São Pedro. São Bento, cujo nome levo como Papa, será um grande exemplo para mim. Ele nos mostrou o caminho para uma vida que, ativa ou passiva, é completamente entregue à obra de Deus”.

O LifeSite procurou Monsenhor Nicola Bux, teólogo do Vaticano e ex-colaborador do Papa Bento XVI como consultor da Congregação para a Doutrina da Fé, pois ele havia feito no passado algumas observações sobre a “validade jurídica da renúncia do Papa Bento XVI . ”

Depois que o LifeSite resumiu para ele a nova declaração do Papa Bento XVI, como pode ser encontrada nesta nova biografia papal, Monsenhor Bux respondeu, dizendo:

“Na minha opinião, um dos aspectos mais problemáticos seria a idéia implícita no ato do papa Ratzinger de que o papado não é um cargo único e indivisível, mas, pelo contrário, um cargo divisível que pode ser ‘descompactado’, com a sensação de que um papa pode optar por renunciar a algumas funções, mantendo para si outras, que não seriam repassadas a seu sucessor. Uma ideia claramente errada”.

Em outras conversas com monsenhor Bux, o teólogo italiano acrescentou os seguintes pensamentos:

“A comparação do ofício papal com o ofício episcopal no que diz respeito à renúncia do múnus papal não está correta. O múnus episcopal é conferido pela ordenação ou sagração episcopal, imprimindo um caráter indelével na alma do bispo. Assim, embora possa ser dispensado de uma responsabilidade pastoral específica, ele permanece sempre um bispo. O múnus papal é conferido pela aceitação da eleição na Sé de Pedro, ou seja, por um ato da vontade da pessoa eleita, aceitando o chamado de ser Vigário de Cristo na terra. Desde o momento em que a pessoa eleita consente, ele tem toda a jurisdição de pontífice romano”.

Se a pessoa eleita não é um bispo, continuou Monsenhor Bux, deve ser imediatamente ordenado bispo, porque o papado implica o exercício do múnus episcopal, mas ele é  papa desde o momento em que concorda com a eleição. Se a mesma pessoa, em um determinado momento, declara que não pode mais cumprir o chamado de ser Vigário de Cristo na Terra, perde o ofício papal e volta à condição em que estava antes de dar o consentimento para ser o Vigário de Cristo na terra”.

Aqui, o teólogo italiano explicou o princípio fundamental de que “o papado não é conferido pela graça sacramental. Não imprime um caráter indelével na alma. A quem consentir em ser papa e perseverar no consentimento, a graça é dada, como Nosso Senhor prometeu, para ser ‘a fonte perpétua e visível e o fundamento da unidade dos bispos e de toda multidão dos fiéis’. (Lumen Gentium , n. 23). Tal graça, por sua própria definição, é dada a apenas uma pessoa em um determinado momento”.

Em conclusão, Monsenhor Bux escreve: “Nosso Senhor deu a Pedro um mandato único – legal e espiritual ao mesmo tempo – e pediu aos apóstolos que o ajudassem através da comunhão, cum et sub Petro (com e sob Pedro). São Paulo explica como: ‘sollicitudo omnium ecclesiarum’ (cuidado de todas as igrejas). Portanto, não há primazia petrina a compartilhar, mas dois princípios indissolúveis em permanente comunhão entre si: a primazia petrina e o trabalho conjunto episcopal (colegialidade)”.

Como fica claro, a discussão acadêmica sobre o conceito de renúncia do papa Bento XVI ainda não está encerrada.

 

 

Bento XVI relaciona a imposição do aborto e do casamento homossexual ao poder espiritual do Anticristo.

Na nova biografia de Peter Seewald sobre Bento XVI, o papa emérito vincula a imposição do “casamento homossexual” e do “aborto” no mundo moderno — de tal forma que se castiga aquele que divergir com a excomunhão social — ao “poder espiritual do Anticristo”. 

Por Infocatólica, 2 de maio de 2020 | Tradução: FratresInUnum.com – “Há cem anos”, disse Bento na biografia de Peter Seewald, “todo o mundo teria considerado absurdo falar de um casamento homossexual. Hoje em dia, excomunga-se da sociedade quem se opõe a ele”. O mesmo se aplica ao “aborto e à criação de seres humanos em laboratório”, acrescenta o pontífice alemão.

“A sociedade moderna está em meio à formulação de um credo anti-cristão, e se alguém se opõe a isso, é castigado pela sociedade com a excomunhão. O medo deste poder espiritual do Anticristo é, então, mais que natural, e realmente é necessária a ajuda das orações de toda uma diocese e da Igreja Universal para resistir”.