O Sínodo da Manipulação.

Excertos da carta do Cardeal Joseph Zen Ze-Kiun, arcebispo emérito de Hong Kong, aos bispos participantes do Sínodo em curso em Roma:

O combativo Cardeal Zen.
O combativo Cardeal Zen.

“[…] A mim, a preocupação aumenta quando observo que, enquanto este Sínodo (apresentado como algo sem precedentes) estava sendo convocado, já estava em andamento na Alemanha o chamado “caminho sinodal” no qual, com um mea culpa estranhamente complacente pelos abusos sexuais na Igreja, na hierarquia e num grupo de leigos (Comitê Central dos Católicos Alemães [ZdK]; não está claro quão representativo é, mas sabemos que a maior parte do grupo são membros funcionários da Igreja) propôs uma mudança revolucionária na constituição da Igreja e no ensino moral sobre a sexualidade. Mais de uma centena de cardeais e bispos de todo o mundo escreveram uma carta de advertência aos bispos alemães, mas estes não reconheceram o seu erro. O papa nunca ordenou que este processo da Igreja na Alemanha parasse. Por ocasião da sua visita ad limina, sabe-se que o papa dialogou durante duas horas com os bispos alemães, mas o discurso do papa, normalmente publicado no L’Osservatore Romano… não foi publicado. Em vez disso, L’Osservatore Romano publicou o discurso do Cardeal Marc Ouellet, Prefeito da Congregação para os Bispos, que pediu aos bispos alemães que não prosseguissem com o seu caminho sinodal, mas que esperassem, em vez disso, pelas conclusões do Sínodo sobre a Sinodalidade. Uma clara recusa foi o que recebeu, “porque”, diziam, “é pastoralmente urgente prosseguir” (!?)

[...]

Penso que não preciso dizer mais nada sobre as razões pelas quais deveis encarar com profunda preocupação o vosso trabalho sinodal. Sinto, pelo contrário, a importância de trazer à vossa atenção alguns problemas de procedimento do Sínodo. O Secretariado do Sínodo é muito eficiente na arte da manipulação. Pelo que vou dizer, posso ser facilmente acusado de “teoria da conspiração”, mas vejo claramente todo um plano de manipulação. Eles começam dizendo que devemos ouvir a todos. Pouco a pouco nos fazem compreender que entre estes “todos” há especialmente aqueles que “excluímos”. Por fim, entendemos que o que querem dizer são pessoas que optam por uma moral sexual diferente daquela da tradição católica. Nos pequenos grupos de diálogo da fase continental, insistem muitas vezes que “devemos deixar uma cadeira vazia para aqueles que estão ausentes, que foram marginalizados por nós”. Dizem também: “O Sínodo deve terminar com uma inclusão universal, deve alargar a tenda, acolher a todos, sem julgá-los, sem convidá-los à conversão”. Freqüentemente, eles afirmam não ter nenhuma agenda. Isto é verdadeiramente uma ofensa à nossa inteligência. Qualquer um pode ver a que conclusões pretende chegar. […] Não houve qualquer explicação para a adição (no meio do caminho) de outra sessão sinodal para 2024. A minha suspeita maliciosa é que os organizadores, não seguros de conseguirem alcançar os seus objetivos durante esta sessão, estão a optar por mais tempo para manobrar. Mas, se o que o Espírito Santo quis dizer for esclarecido através da votação dos bispos, qual é a necessidade de outra sessão? . . . Velho como sou, não tenho nada a ganhar e nada a perder. Ficarei feliz por ter feito o que considero ser meu dever fazer.”

Dubia – Cardeais apresentam a Francisco suas dúvidas sobre o processo sinodal. E continuam sem resposta.

Fonte: Instituto Plinio Corrêa de Oliveira.

Notificação aos fiéis leigos (Cân. 212 § 3) sobre os dubia apresentados ao Papa Francisco
Irmãos e irmãs em Cristo,

Nós, membros do Sacro Colégio dos Cardeais, tendo presente o dever de todos os fiéis de «manifestar aos sagrados Pastores a sua opinião acerca das coisas atinentes ao bem da Igreja» (Cân. 212 § 3) e, sobretudo, tendo presente a responsabilidade dos Cardeais de «assistir ao Romano Pontífice (…) individualmente (…) na solicitude quotidiana da Igreja universal.» (Cân. 349), consideradas várias declarações de alguns altos Prelados relativas à celebração do próximo Sínodo dos Bispos, evidentemente contrárias à doutrina e à disciplina constantes da Igreja, e que geraram e continuam a gerar entre os fiéis e outras pessoas de boa vontade grande confusão e a queda no erro, manifestamos ao Romano Pontífice a nossa profundíssima preocupação. Recorrendo à comprovada prática da apresentação de dubia [perguntas] a um superior, para lhe dar a ocasião de esclarecer, através das suas responsa [respostas], a doutrina e a disciplina da Igreja, com a nossa carta de 10 de Julho de 2023, apresentamos cinco dubia ao Papa Francisco, cuja cópia se encontra em anexo. O Papa Francisco respondeu-nos com carta de 11 de Julho de 2023.

Tendo estudado a sua carta, que não seguiu a prática das responsa ad dubia [respostas a perguntas], reformulamos os dubia para suscitar uma resposta clara, baseada na doutrina e na disciplina perenes da Igreja. Com a nossa carta de 21 de Agosto de 2023, apresentamos ao Romano Pontífice os dubia reformulados, cuja cópia se encontra em anexo. Até à data, não recebemos resposta.

Dada a gravidade da matéria dos dubia, especialmente tendo em vista a iminente sessão do Sínodo dos Bispos, julgamos ser nosso dever informar-vos, fiéis (Cân. 212 § 3), para que não sejais sujeitos à confusão, ao erro e ao desânimo, mas rezeis pela Igreja universal e, em particular, pelo Romano Pontífice, para que o Evangelho seja ensinado cada vez mais claramente e seguido cada vez mais fielmente.

Vossos em Cristo,

Walter Cardeal Brandmüller
Raymond Leo Cardeal Burke
Juan Cardeal Sandoval Íñiguez
Robert Cardeal Sarah
Joseph Cardeal Zen Ze-kiun

Roma, 2 de Outubro de 2023

* * *

Dúbia

1) Dubium sobre a afirmação de que a Revelação Divina deve ser reinterpretada tendo por base as mudanças culturais e antropológicas em voga.

Depois das afirmações de alguns bispos, que não foram corrigidas nem retratadas, pergunta-se se, na Igreja, a Revelação Divina deve ser reinterpretada segundo as mudanças culturais do nosso tempo e segundo a nova visão antropológica que tais mudanças promovem; ou se a Revelação Divina é vinculante para sempre, imutável e que, portanto, não é de se contradizer, de acordo com o ditame do Concílio Vaticano II de que a Deus que revela é devida «a obediência da fé» (Dei Verbum 5); que o que é revelado para a salvação de todos deve permanecer para sempre «íntegro» e vivo, e deve ser «transmitido a todas as gerações» (7); e que o progresso da compreensão não implica qualquer mudança da verdade das coisas e das palavras, porque a fé foi transmitida «duma vez para sempre» (8), e o Magistério não é superior à palavra de Deus, mas ensina apenas o que foi transmitido (10).

2) Dubium sobre a afirmação de que a prática difusa da bênção das uniões com pessoas do mesmo sexo estaria de acordo com a Revelação e o Magistério (CIC 2357).

Segundo a Revelação Divina, atestada na Sagrada Escritura, que a Igreja «por mandato divino e com a assistência do Espírito Santo, […] ouve piedosamente, […] guarda religiosamente e expõe fielmente» (Dei Verbum 10): «No princípio», Deus criou o homem à sua imagem, macho e fêmea os criou, e abençoou-os, para que fossem fecundos (cfr. Gn 1, 27-28), pelo que o Apóstolo Paulo ensina que negar a diferença sexual é consequência da negação do Criador (Rm 1, 24 – 32). Pergunta-se: pode a Igreja derrogar este “princípio”, considerando-o, em contraste com o que ensina Veritatis splendor 103, como um simples ideal, e aceitando como “bem possível” situações objectivamente pecaminosas, como as uniões com pessoas do mesmo sexo, sem assim atentar contra a doutrina revelada?

3) Dubium sobre a afirmação de que a sinodalidade é uma «dimensão constitutiva da Igreja» (Const. Ap. Episcopalis communio 6), de modo que a Igreja, pela sua natureza, seria sinodal.

Dado que o Sínodo dos Bispos não representa o colégio episcopal, mas é um mero órgão consultivo do Papa, porquanto os bispos, como testemunhas da fé, não podem delegar a sua confissão da verdade, pergunta-se se a sinodalidade pode ser o supremo critério regulador do governo permanente da Igreja sem assim se convulsionar a sua configuração constitutiva tal como foi querida pelo seu Fundador, e segundo a qual a autoridade suprema e plena da Igreja há-de ser exercida tanto pelo Papa, em virtude do seu ofício, como pelo colégio dos bispos juntamente com a sua cabeça, o Romano Pontífice (Lumen gentium 22).

4) Dubium sobre o apoio dado por pastores e teólogos à teoria de que «a teologia da Igreja mudou» e, portanto, de que se poderia conferir a ordenação sacerdotal às mulheres.

No seguimento das afirmações de alguns prelados, que não foram corrigidas nem retractadas, segundo as quais, com o Concílio Vaticano II, teria mudado a teologia da Igreja e o significado da Missa, pergunta-se se ainda é válido o ditame do Concílio Vaticano II de que “o sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial diferem essencialmente e não apenas em grau” (Lumen gentium 10) e de que os prebíteros, em virtude do «sagrado poder da Ordem para oferecer o Sacrifício e perdoar pecados» (Presbyterorum Ordinis 2), agem em nome e na pessoa de Cristo mediador, e por meio dele torna-se perfeito o sacrifício espiritual dos fiéis? Pergunta-se, além disso, se ainda é válido o ensinamento da carta apostólica de São João Paulo II Ordinatio sacerdotalis, que ensina como verdade a ser mantida de forma definitiva a impossibilidade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, pelo que este ensinamento já não está sujeito a mudança nem à livre discussão de pastores ou teólogos.

5) Dubium sobre a afirmação «o perdão é um direito humano» e a insistência do Santo Padre no dever de absolver a todos e sempre, pelo que o arrependimento não seria condição necessária para a absolvição sacramental.

Pergunta-se se ainda está em vigor o ensinamento do Concílio de Trento segundo o qual, para a validade da confissão sacramental, é necessária a contrição do penitente, que consiste em detestar o pecado cometido com o propósito de não pecar mais (Sessão XIV, Capítulo IV: DH 1676), de modo que o sacerdote deve adiar a absolvição quando for claro que esta condição não está cumprida.

Cidade do Vaticano, 10 de Julho de 2023

Walter Card. Brandmüller
Raymond Leo Card. Burke
Juan Card. Sandoval Íñiguez
Robert Card. Sarah
Joseph Card. Zen Ze-Kiun, S.D.B.

* * *

Resposta ao Papa Francisco e reformulação do Dúbia
CONFIDENCIAL

A Sua Santidade
FRANCISCO
Sumo Pontífice

Beatíssimo Padre,

Estamos muito gratos pelas respostas que gentilmente nos quisestes oferecer. Em primeiro lugar, gostaríamos de deixar claro que, se Vos fizemos estas perguntas, não foi por medo do diálogo com os homens do nosso tempo, nem das perguntas que nos poderiam fazer sobre o Evangelho de Cristo. De facto, estamos convencidos, como Vossa Santidade, de que o Evangelho traz plenitude à vida humana e oferece respostas a todas as nossas perguntas. A preocupação que nos move é outra: preocupa-nos ver que há pastores que duvidam da capacidade do Evangelho de transformar os corações dos homens e acabam por lhes propor não a sã doutrina, mas «ensinamentos de acordo com os próprios desejos» (cf. 2 Tm 4, 3). Preocupa-nos também que não se compreenda que a misericórdia de Deus não consiste em cobrir os nossos pecados, mas é muito maior, na medida em que nos torna capazes de corresponder ao Seu amor observando os Seus mandamentos, ou seja, convertendo-nos e acreditando no Evangelho (cf. Mc 1, 15).

Com a mesma sinceridade com que Vós nos respondestes, devemos acrescentar que as Vossas respostas não resolveram as dúvidas que tínhamos levantado, mas, quando muito, aprofundaram-nas. Por isso, sentimo-nos na obrigação de voltar a propor estas questões, reformulando-as, a Vossa Santidade, que, como sucessor de Pedro, é incumbido pelo Senhor de confirmar os Vossos irmãos na fé. Isto é ainda mais urgente em vista do iminente Sínodo, que muitos querem usar para negar a doutrina católica precisamente nas questões sobre as quais incidem os nossos dubia. Por isso, voltamos a propor-Vos as nossas perguntas, para que a essas se possa responder com um simples «sim» ou «não».

1. Vossa Santidade insiste em que a Igreja pode aprofundar a sua compreensão do depósito da fé. Isto é, de facto, o que a Dei Verbum 8 ensina e pertence à doutrina católica. A Vossa resposta, porém, não alcança a nossa preocupação. Muitos cristãos, incluindo pastores e teólogos, argumentam hoje que as mudanças culturais e antropológicas do nosso tempo deveriam levar a Igreja a ensinar o contrário do que sempre ensinou. Isto diz respeito a questões essenciais, não secundárias, para a nossa salvação, como a confissão de fé, as condições subjectivas para aceder aos Sacramentos e a observância da lei moral. Por isso, queremos reformular o nosso dubium: é possível que a Igreja ensine hoje doutrinas contrárias às que ensinou anteriormente em matéria de fé e de moral, seja pelo Papa ex cathedra, seja nas definições de um Concílio ecuménico, seja no magistério ordinário universal dos bispos espalhados pelo mundo (cf. Lumen Gentium 25)?

2. Vossa Santidade insistiu que não pode haver confusão entre o matrimónio e outros tipos de uniões de natureza sexual, e que, por conseguinte, quaisquer rito ou bênção sacramental de casais homossexuais, que dariam lugar a tal confusão, devem ser evitados. A nossa preocupação, porém, é outra: preocupa-nos que a bênção de casais homossexuais possa, em todo o caso, causar confusão, não só na medida em que possa fazer com que pareçam análogos ao matrimónio, mas também na medida em que os actos homossexuais sejam apresentados praticamente como um bem, ou pelo menos como o bem possível que Deus pede aos homens no seu caminho para Ele. Reformulamos, pois, a nossa dúvida: será possível que, em certas circunstâncias, um pastor possa abençoar uniões entre pessoas homossexuais, dando, assim, a entender que o comportamento homossexual enquanto tal não seria contrário à lei de Deus e ao caminho da pessoa para Deus? Ligado a este dubium, é necessário levantar um outro: continua a ser válido o ensinamento defendido pelo magistério ordinário universal, segundo o qual todo o acto sexual fora do matrimónio, e em particular os actos homossexuais, constitui um pecado objectivamente grave contra a lei de Deus, independentemente das circunstâncias em que se realiza e da intenção com que é praticado?

3. Insististes que existe uma dimensão sinodal da Igreja, na qual todos, incluídos os fiéis leigos, são chamados a participar e a fazer ouvir a sua voz. A nossa dificuldade, todavia, é outra: hoje está-se a apresentar o futuro Sínodo sobre a «sinodalidade» como se, em comunhão com o Papa, ele representasse a autoridade suprema da Igreja. Porém, o Sínodo dos Bispos é um órgão consultivo do Papa, não representa o Colégio dos Bispos e não pode resolver as questões nele tratadas nem emitir decretos sobre elas, a não ser que, em casos específicos, o Romano Pontífice, a quem compete ratificar as decisões do Sínodo, lhe tenha expressamente concedido poder deliberativo (cf. Cân. 343 C.I.C.). Trata-se de um ponto decisivo, na medida em que não envolver o Colégio dos Bispos em questões como as que o próximo Sínodo pretende levantar, que tocam a própria constituição da Igreja, iria precisamente contra a raiz daquela sinodalidade que se afirma querer promover. Permita-se-nos, portanto, reformular o nosso dubium: o Sínodo dos Bispos que se realizará em Roma, e que inclui apenas uma representação escolhida de pastores e de fiéis, exercerá, nas questões doutrinais ou pastorais sobre as quais será chamado a exprimir-se, a autoridade suprema da Igreja, que pertence exclusivamente ao Romano Pontífice e, una cum capite suo, ao Colégio dos Bispos (cf. Cân. 336 C.I.C.)?

4. Na Vossa resposta, Vossa Santidade deixou claro que a decisão de São João Paulo II na Ordinatio sacerdotalis deve ser considerada definitivamente e acrescentou, com razão, que é necessário compreender o sacerdócio não em termos de poder, mas em termos de serviço, para compreender correctamente a decisão de Nosso Senhor de reservar as Ordens Sagradas apenas para os homens. Por outro lado, no último ponto da Vossa resposta, acrescentastes que a questão pode ainda ser aprofundada. Preocupa-nos que alguns possam interpretar esta afirmação no sentido de que a questão ainda não está definitivamente decidida. De facto, São João Paulo II afirma na Ordinatio sacerdotalis que esta doutrina foi ensinada infalivelmente pelo magistério ordinário e universal, e, portanto, que pertence ao depósito da fé. Esta foi a resposta da Congregação para a Doutrina da Fé a um dubium levantado sobre a carta apostólica e esta resposta foi aprovada pelo próprio João Paulo II. Devemos, portanto, reformular o nosso dubium: poderia a Igreja, no futuro, ter a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, contradizendo, assim, que a reserva exclusiva deste sacramento aos homens baptizados pertence à própria substância do Sacramento da Ordem, que a Igreja não pode mudar?

5. Por fim, Vossa Santidade confirmou o ensinamento do Concílio de Trento, segundo o qual a validade da absolvição sacramental exige o arrependimento do pecador, que inclui o propósito de não voltar a pecar. E convidou-nos a não duvidar da infinita misericórdia de Deus. Gostaríamos de reiterar que a nossa pergunta não deriva da dúvida sobre a grandeza da misericórdia de Deus, mas, pelo contrário, nasce da nossa consciência de que essa misericórdia é tão grande a ponto de nos tornar capazes de nos convertermos a Ele, confessar a nossa culpa e viver como Ele nos ensinou. Por sua vez, há quem possa interpretar a Vossa resposta como se o simples facto de abeirar-se da confissão seja uma condição suficiente para receber a absolvição, pois poderia implicitamente incluir a confissão dos pecados e o arrependimento. Gostaríamos, portanto, de reformular o nosso dubium: pode receber validamente a absolvição sacramental um penitente que, embora admitindo um pecado, se recusar a fazer, de qualquer forma, o propósito de não o voltar a cometer?

Cidade do Vaticano, 21 de Agosto de 2023

Walter Card. Brandmüller
Raymond Leo Card. Burke
Juan Card. Sandoval Íñiguez
Robert Card. Sarah
Joseph Card. Zen Ze-kiun

c. c. S. Em.ª Rev.ma Luis Francisco Card. Ladaria Ferrer, S.I.

O Papa não compreende a China.

O cardeal Joseph Zen, antigo titular da Sé de Hong Kong, profundo conhecedor das dificuldades de Igreja na China, escreveu com exclusividade ao famoso jornal The New York Times a respeito do recente acordo firmado entre o Vaticano e o Governo Chinês.  Reproduzimos a seguir a tradução na íntegra feita pelo Salve Maria.

Por Cardeal Joseph Zen-Kiun, The New York Times, 24 de outubro de 2018 | Tradução: Instituto Semper Idem – No mês passado o Vaticano anunciou ter chegado a um acordo provisório com o governo chinês a respeito da nomeação de bispos católicos.

O combativo Cardeal Zen.
O combativo Cardeal Zen.

Apoiadores do acordo dizem que ele finalmente traz união depois de longa divisão – entre a Igreja clandestina fiel ao Papa e a igreja oficial aprovada pelas autoridades chinesas – e que com isso, o governo chinês reconheceu pela primeira vez a autoridade do Papa. Na verdade, o acordo é um grande passo em direção à aniquilação da verdadeira Igreja na China.

Eu conheço a Igreja na China, eu conheço os comunistas e eu conheço a Santa Sé. Sou chinês de Xangai. Vivi muitos anos na China Continental e muitos anos em Hong Kong. Ensinei em seminários pela China – em Xangai, Xian, Pequim, Wuhan, Shenyang – entre 1989 e 1996.

O Papa Francisco, um argentino, não parece entender os comunistas. Ele é muito pastoral e vem da América do Sul, onde historicamente os governos militares e os ricos juntos oprimiram a população mais pobre. E quem aí viria para defender os pobres? Os comunistas. Talvez até alguns jesuítas, e o governo consideraria esses jesuítas como comunistas.

Francisco pode ter uma verdadeira simpatia pelos comunistas porque, para ele, os comunistas são os perseguidos. Ele não os conhece como os perseguidores nos quais se tornam, uma vez que estão no poder, como os comunistas na China.

A Santa Sé e Pequim romperam relações na década de 1950. Católicos e pessoas de outras crenças foram presos e enviados para campos de trabalho forçado. Eu voltei para a China em 1974, durante a Revolução Cultural; a situação era terrível além da imaginação. Uma nação inteira sob escravidão. Nós nos esquecemos muito facilmente destas coisas. Nós também nos esquecemos que nunca é possível ter um acordo verdadeiramente bom com um regime autoritário.

A China se abriu, sim, desde a década de 1980, mas mesmo hoje tudo ainda está sob controle do Partido Comunista Chinês. A igreja oficial na China é controlada pela, assim chamada, associação patriótica e pela conferência episcopal, ambos sob jugo do partido.

De 1985 a 2002 o Cardeal Jozef Tomko foi o prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos, que inspeciona o trabalho missionário da Igreja. Ele era eslovaco, alguém que entendia o comunismo, e era sensato.

A posição do Cardeal Tomko era de que a Igreja clandestina era a única Igreja fiel na China e que a igreja oficial era ilegítima. Mas ele também entendia que havia muitas pessoas boas na igreja oficial. Como o bispo de Xian, que por algum tempo foi o vice-presidente da conferência episcopal. Ou como o bispo de Xangai, Jin Luxian, um jesuíta e linguista brilhante, que foi preso na década de 1950.

Naquela época a Santa Sé tinha uma política cautelosa que foi generosamente implementada. Era passível de um compromisso razoável, mas tinha um ponto principal.

As coisas mudaram em 2002, quando o Cardeal Tomko chegou à idade de se aposentar. Um jovem italiano sem qualquer experiência no exterior o substituiu e começou a legitimar os bispos oficiais chineses de forma muito rápida e facilmente, criando a impressão de que agora o Vaticano iria automaticamente assegurar as escolhas de Pequim.

As esperanças retornaram quando Joseph Ratzinger, um alemão que viveu sob o nazismo e o comunismo, se tornou o Papa Bento XVI. Ele trouxe o Cardeal Ivan Dias, um indiano que viveu certo tempo no oeste da África e na Coréia do Sul, para a direção da congregação para a evangelização e isto internacionalizou o Vaticano. Foi criada uma comissão especial para a Igreja na China. Eu fui nomeado para esta comissão.

Infelizmente, o Cardeal Dias acreditava na Ostpolitik e nos ensinamentos de um secretário de estado da década de 1980 que havia sido um defensor da détente para com os governos controlados pelos soviéticos. E ele aplicou esta política para com a China.

Quando Bento XVI dirigiu sua famosa carta para a Igreja da China em 2007, pedindo pela reconciliação entre os católicos chineses, uma coisa incrível aconteceu. A tradução chinesa foi lançada com erros, incluindo um tão importante que não poderia ter sido deliberado. Em uma passagem delicada sobre como os padres clandestinos deveriam aceitar o reconhecimento das autoridades chinesas sem necessariamente trair a fé, uma ressalva crítica foi deixada de fora sobre como “quase sempre”, entretanto, as autoridades chinesas impuseram exigências “contrárias aos ditames” da consciência dos católicos.

Alguns de nós levantaram a questão e o texto foi eventualmente corrigido no site do Vaticano. Mas até então o erro original já circulava amplamente pela China e alguns bispos, então, compreenderam a carta do Papa como um encorajamento para se unirem à igreja sancionada pelo estado.

Hoje nós temos o Papa Francisco. Naturalmente otimista a respeito do comunismo, ele está sendo encorajado a ser otimista em relação aos comunistas na China por cínicos ao seu redor que conhecem melhor a situação.

A comissão para a Igreja na China não mais convém, mesmo ainda que ela nunca tenha sido dissolvida. Aqueles de nós que vieram da periferia, das linhas de frente, estão sendo marginalizados.

Eu estava entre aqueles que aplaudiram a decisão do Papa Francisco de apontar Pietro Parolin como secretário de estado em 2013. Mas hoje eu penso que o Cardeal Parolin se importa menos com a Igreja do que com o sucesso diplomático. Seu objetivo final é a restauração das relações formais entre Pequim e o Vaticano.

Francisco deseja ir à China – todos os Papas desejaram ir até a China, a começar por João Paulo II. Mas o que a visita de Francisco a Cuba em 2015 trouxe à Igreja? Ao povo cubano? Praticamente nada. Ele converteu os irmãos Castro?

Os fiéis na China estão sofrendo e estão agora entrando em crescente pressão. Mais cedo neste ano o governo endureceu as regulamentações sobre a prática da religião. Os padres clandestinos na China Continental me dizem que estão desencorajando os paroquianos a irem às Missas para que não sejam presos.

Francisco mesmo disse que ainda que o recente acordo – cujos termos não foram divulgados – preveja um “diálogo sobre eventuais candidatos”, é o Papa quem “aponta” os bispos. Mas qual o bem em se ter a última palavra enquanto a China terá todas as palavras antes disso? Na teoria, o Papa poderia vetar a nomeação de qualquer bispo que possa parecer indigno. Mas quantas vezes ele poderá fazer isso realmente?

Pouco depois de o acordo ter sido anunciado, dois bispos chineses da igreja oficial foram enviados à Cidade do Vaticano para o sínodo, uma reunião regular de bispos de todo o mundo. Quem os escolheu? Ambos os homens são conhecidos por serem próximos do governo chinês. Como tenho dito, sua presença no sínodo foi uma ofensa aos bons bispos da China.

Sua presença também levanta a dolorosa questão de se o Vaticano irá agora regularizar os sete bispos oficiais que permanecem ilegítimos. O Papa já levantou sua excomunhão, pavimentando o caminho para que dioceses sejam formalmente garantidas a eles.

A igreja oficial tem cerca de 70 bispos; a Igreja clandestina tem apenas cerca de 30. As autoridades chinesas dizem: vocês reconhecem os nossos 7 e nós iremos reconhecer os seus 30. Isto parece uma boa troca. Mas será se os 30 bispos serão autorizados a atuar como bispos clandestinos? Certamente não.

Eles serão obrigados a ingressar na assim chamada conferência episcopal. Eles serão forçados a se juntar aos outros nessa gaiola e se tornarão uma minoria entre eles. O acordo do Vaticano, em nome da unificação da Igreja na China, significa a aniquilação da verdadeira Igreja na China.

Se eu fosse um cartunista, desenharia o Santo Padre de joelhos oferecendo as chaves do Reino dos Céus ao presidente Xi Jinping e dizendo “Por favor, reconheça-me como Papa”.

E ainda, aos padres e bispos da Igreja clandestina, eu posso apenas dizer isto: Por favor, não iniciem uma revolução. Eles tomam as suas igrejas? Você não podem mais exercer suas funções? Vão para casa e rezem com a sua família. Preparem o solo. Esperem por tempos melhores. Retornem às catacumbas. O comunismo não é eterno.

IPCO escreve carta de apoio ao Cardeal Zen.

Fonte: ABIM

Eminentíssimo Senhor

Cardeal Joseph Zen Ze-kiun

Hong Kong – China

Eminência Reverendíssima

Instituto Plinio Corrêa de Oliveira, associação cívica continuadora da obra do insigne professor cujo nome ostenta, e associações autônomas e coirmãs nos cinco continentes, dedicam-se a defender os valores fundamentais da Civilização Cristã. Seus diretores, membros e simpatizantes são católicos apostólicos romanos que combatem as investidas do comunismo e do socialismo.

cardeal-zen-china

A posição fundamentalmente anticomunista que resulta das convicções católicas dos membros de nossas organizações ficou revigorada pela heroica resistência da “Igreja clandestina” chinesa fiel a Roma. Seus bispos, sacerdotes e milhões de católicos recusam a se submeter à assim chamada Igreja Patriótica, cismática em relação a Roma e inteiramente submissa ao poder central de Pequim. Continuar lendo

‘O Vaticano está nos vendendo’: por que a aproximação entre o papa e Pequim desagrada os católicos da China.

Por BBC Brasil, 17 de fevereiro de 2018 – De um lado, o menor Estado do mundo, que diz estar baseado no poder de Deus. De outro, a superpotência mais populosa do mundo e um Estado oficialmente ateu. O Vaticano e a República Popular da China têm uma relação difícil há muito tempo.

O vínculo entre os países se rompeu em 1951, após a vitória da Revolução Cultural de Mao Tsé Tung, que não reconheceu a autoridade do papa.

A China de Mao, desconfiada da presença de poderes estrangeiros, dediciu nomear seus próprios bispos e expulsar missionários forasteiros, vistos como agentes “do imperialismo ocidental”.

Desde então, convivem no país duas igrejas: a Associação Católica Patriótica, controlada pelo governo, e vertente leal ao Vaticano – que funciona na clandestinidade, porque o governo não a reconhece.

O conflito faz com que o Vaticano e Pequim disputem há anos a prerrogativa de nomear os bispos do país. Agora, no entanto, as coisas parecem estar a ponto de mudar.

Uma fonte do Vaticano disse recentemente à agência de notícias Reuters que um acordo sobre a designação dos bispos deve ser assinado nos próximos meses.

Será um passo no caminho do reestabelecimento das relações diplomáticas nas quais o Vaticano vem apostando há anos. Mas não é o fim da polêmica.

Alguns católicos estão protestando, porque, com sua nova política, o papa “corre o risco de trair a memória de quem sofreu e morreu por lealdade a Roma”, segundo análise da jornalista Carrie Gracie, que atuou como editora da BBC na China até o início deste ano.

Yang Fenggang, diretor do Centro para Religião e Sociedade Chinesas da Universidade Perdue de Indiana, nos Estados Unidos, diz que “há alguns sacerdotes e bispos leais ao Vaticano que estão em prisão domiciliar”.

Organizações como a Anistia Internacional acusam as autoridades chinesas de “intimidar e até aprisionar” os católicos e classifica como “perseguição” a atitude das autoridades.

Um dos que se sentem traídos é o cardeal Joseph Zen, de 86 anos, arcebispo de Hong Kong. “Se acredito que o Vaticano está vendendo a comunidade católica na China? Definitivamente sim”, escreveu em seu perfil do Facebook.

Não é a primeira vez de Zen levanta a voz contra a política da Santa Sé – e ele não é o único a fazer isso. O padre Dong Guanhua, diretor espiritual de uma comunidade de fiéis em Hebei, se nega a ir aos templos tolerados pelo Estado.

“Não apoio o acordo. O governo não vai mudar sua política de controle das igrejas, porque essas negociações não significam nada”, disse à BBC.

Questionado sobre o que diria ao papa se pudesse encontrá-lo pessoalmente, respondeu: “Que tenha cuidado.”

O arcebispo Guo Xijin, a quem o Vaticano pediu que se submeta à autoridade do Estado chinês, afirma que respeitará o acordo, mas alerta que Pequim não deverá respeitar a liberdade dos católicos.

Em um comunicado, o Vaticano lamenta que haja vozes dentro da Igreja “fomentando a confusão e a controvérsia”.

Segundo Gracie, o papa está fazendo todo o possível para que o diálogo tenha êxito. “Também está tendo muito cuidado para evitar criticar a China sobre a questão de liberdade religiosa e dos direitos humanos”, diz ela.

O governo chinês diz que promove e respeita a liberdade de culto.

Negociação

Os acenos do papado à China recentemente começaram a gerar um eco cordial de Pequim

Um editorial do jornal Global Post, de propriedade do Partido Comunista Chinês, elogiou a sabedoria do papa Francisco como uma qualidade que ajudaria a superar os diferenças entre os países.

Depois disso, Peter Shao Zhumin, arcebispo nomeado pelo papa, foi libertado pelas autoridades chinesas após ter ficado sete meses preso.

Outro sinal da aproximação são as duas exposições simultâneas que estão planejadas na Cidade Proibida de Pequim e no Museu do Vaticano – os dois países trocaram obras para esse projeto.

A televisão estatal chinesa destacou o papel da “diplomacia da arte”.

Ficaram para trás os tempos em que o governo chinês impedia o avião do pontífice de atravessar seu espaço aéreo em suas viagens, como aconteceu com João Paulo 2º em 1995.

Mas os entraves ainda são muitos. Segundo Yang, “o Partido Comunista está particularmente preocupado com o catolicismo, porque ele tem uma estrutura hierárquica e é percebido como uma organização forte que poderia ter um impacto na China”.

“Outro grande obstáculo é Taiwan”, diz Yang Fenggang.

Depois do triunfo do comunismo maoísta, muitos dos católicos chineses partidários do exército nacionalista derrotado de Chiang Kai-Shek se refugiaram em Taiwan.

O Vaticano é o único Estado europeu que mantém relações diplomáticas oficiais com Taiwan, que Pequim reivindica como parte da China.

Fiel ao lema da “China Unida”, Pequim não aceita ter relações diplomáticas com países que as mantenham com Taiwan.

É um limite que o papa terá dificuldade de ultrapassar. O Sumo Pontífice tem o desafio de explicar um acordo com a China comunista à comunidade católica taiwanesa.

Desde Bento 16

As atitudes da Igreja para se reaproximar da China começaram na época do papa Bento 16, mas Francisco acelerou o processo. Por que ele faz isso diante de tantos problemas?

“A China é muito importante na visão do papa sobre a Ásia”, destaca Francesco Sisci, pesquisador da Universidade de Renmin, na China.

“A Igreja Católica é uma exígua minoria em quase todos os países asiáticos, menos de 1% da população na China. Mas a Ásia concentra cerca de 60% da população global e é também a parte do mundo que cresce mais rápido economicamente.”

Segundo Sisci, a Igreja está diante de um desafio crucial. “Ou conquista uma presença na Ásia ou estará falhando em sua missão de ser uma igreja universal.”

As várias viagens do Papa à região atendem a esse interesse.

O conteúdo do acordo para a designação dos arcebispos não foi divulgado, mas é certo de que se trata de um ponto importante na tentativa de aproximação.

Segundo a Reuters, o Vaticano estaria disposto a reconhecer a autoridade da Igreja oficial chinesa em troca de ter a voz ouvida no processo de nomeação de novos bispos no país.

O cardeal Zen afirma que o que o Vaticano está fazendo com os católicos da China é “empurrá-los para uma gaiola de pássaros”.

A alta fonte do Vaticano citada pela Reuters vê de outra forma: “Continuaremos sendo um pássaro em uma gaiola, mas ela será maior.”

O Papa Francisco e a nomeação de bispos na China. A reação do cardeal Zen.

IHU – O Papa Francisco prometeu analisar o caso dos dois bispos chineses reconhecidos a quem a Santa Sé havia pedido para se afastar e abrir caminho a prelados ordenados ‘ilicitamente’.

O Cardeal Joseph Zen Ze-kiun, emérito da Diocese de Hong Kong, viajou a Roma para uma audiência privada em 12 de janeiro depois que o caso gerou tumulto no país asiático.

A informação é publicada por La Croix International, 30-01-2018. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Santa Sé pediu que Dom Zhuang Jianjian, da Diocese de Shantou, de 88 anos e que vive na província de Guangdong, e Dom Vincent Guo Xijin, da Diecese de Mindong, de 59 anos, morador da província de Fujian, se aposentassem de suas funções eclesiásticas. Ambos são reconhecidos por Roma.

Zhuang recebeu o pedido para dar espaço a Dom Huang Bingzhang, da Diocese de Shantou, de 51 anos, ilicitamente ordenado e que está excomungado. Guo recebeu o pedido para se afastar a fim de dar lugar ao bispo sancionado pelo governo, Dom Zhan Silu, da Diocese de Mindong, de 57 anos, que também fora ordenado ilicitamente.

Em resposta às muitas reportagens na imprensa, o bispo emérito escreveu uma postagem na internet no dia 29 de janeiro e que lembra a história inteira e explica o seu ponto de vista.

Zen falou que foi a Roma após uma solicitação de Zhuang para “levar ao Santo Padre a sua resposta à mensagem que recebeu da Santa Sé por uma delegação vaticana em Pequim”.

O cardeal disse ter tido sucesso em transmitir ao “Santo Padre as inquietações dos seus filhos fiéis na China” e pediu-lhe que considerasse o assunto.

“A Sua Santidade disse: ‘Sim, eu disse a eles (Cúria Romana) para não criarem um outro caso Mindszenty’”, escreveu Zen.

“Penso que foi muitíssimo significativo e apropriado o Santo Padre fazer esta referência histórica ao Cardeal Jozsef Mindszenty, um dos heróis da nossa fé”.

Mindszenty era o cardeal primaz da Hungria sob os anos de perseguição comunista. Após ser condenado à prisão perpétua em 1949, foi libertado na Revolução Húngarade 1956 e recebeu asilo na embaixada americana de Budapeste, onde viveu por 15 anos. Sob pressão do governo, a Santa Sé ordenou-lhe deixar a Hungria em 1971 e, imediatamente, nomeou-lhe um sucessor segundo o gosto do governo comunista.

Em outubro passado, a Santa Sé contatou Zhuang, quando Zhuang buscou a ajuda a Zen. O cardeal enviou a carta do bispo ao prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos, anexando uma cópia ao Santo Padre.

Na época, Dom Savio Hon Tai Fai ainda se estava em Roma e levou os dois casos – deShantou e Mindong – aos conhecimentos do papa, quem ficou surpreso e prometeu olhar o assunto com atenção.

De acordo com a imprensa católica, Zhuang foi forçado a ir para Pequim em dezembro de 2017 para se reunir com uma delegação vaticana liderada por um “prelado estrangeiro do alto escalão”. Pediram-lhe que renunciasse e passasse o seu episcopado a Huang.

Guo ficou detido pelo governo por um mês na época da Semana Santa do ano passado, quando lhe solicitaram para assinar um documento afirmando que estava “voluntariando-se” para sair como condição para que seja reconhecido pelo governo.

Zen destacou que “o problema não é a renúncia dos bispos legítimos, mas o pedido para abrir caminho a bispos ilegítimos e mesmo excomungados”.

No caso de Mindong, o bispo legitimamente ordenado conduz 90% dos católicos na diocese.

O cardeal admitiu estar pessimista quanto à situação da Igreja na China, mas falou que este seu pessimismo fundamenta-se na sua longa experiência direta da “escravidão e humilhação a que os nossos irmãos bispos estão sujeitos” no país.

Falou que “com base em informações recentes, não há motivos para mudar de opinião”, já que o governo comunista está criando regulamentos mais severos que limitam a liberdade religiosa e que “a partir de 1º de fevereiro, frequentar a missa clandestina [missa não autorizada pelo Estado chinês] não será mais tolerado”.

“Será que pode haver algo realmente ‘mútuo’ com um regime totalitário?”, perguntou Zen. “Pode-se imaginar um acordo entre São José e o Rei Herodes?”

ucanews.com ouviu de um fiel católico chinês que a primeira impressão que houve, quando saiu na internet a notícia de que haveria uma reestruturação episcopal, era a de que alguém na Santa Sé tinha havia sido corrompido pela China e que “agora o que Cardeal Zen escreve prova que o papa não quer que isso ocorra”.

“Neste momento, as igrejas chinesas deveriam se esforçar no sentido da unidade com a Igreja universal, mesmo se a China e o Vaticano não tenham ainda estabelecidos relações diplomáticas”, disse.

Cardeal Zen: Papa Francisco “trairia a Cristo” se permitisse à China comunista escolher bispos.

LifeSiteNews, Hong Kong, 29 de novembro, 2016 | Tradução: FratresInUnum.com: A mais alta autoridade Católica Chinesa afirmou que, se o papa Francisco permitisse à China comunista participar da escolha dos bispos Católicos da nação, isso seria o equivalente a “trair a Jesus Cristo.”

O combativo Cardeal Zen.
O combativo Cardeal Zen.

“Você não pode entrar em negociações com a mentalidade: ‘nós queremos assinar um acordo a qualquer custo’, pois assim você estaria se rendendo, estaria traindo a si próprio, você estaria traindo a Jesus Cristo”,  disse o cardeal Joseph Zen ao jornal The Guardian nesta semana.

O bispo emérito de Hong Kong, de 84 anos de idade, se opõe firmemente a um possível acordo entre o Vaticano e o Governo Chinês que gostaria de obter legitimidade para a entidade controlada pelo Estado, a Associação Patriótica Católica chinesa. Ele diz que tal movimento iria alienar os autênticos Católicos Chineses da “Igreja subterrânea”, separando-os da verdadeira Igreja encabeçada por Cristo e seu representante, o Papa.

O Wall Street Journal informou no início deste mês que, com tal acordo, “Roma se comprometeria a reconhecer como bispos somente aqueles clérigos que primeiramente obtiveram a nomeação pela conferência de bispos da Associação Patriótica”,permitindo assim que o Governo, e não a Igreja, decida quem é bispo.

O cardeal Zen disse, no início deste mês, que com um tal acordo, o Vaticano estaria simplesmente dando credibilidade a “bispos falsos” que, como “marionetes” totalmente controladas pelo governo, não buscariam o bem da Igreja, mas a sua destruição.

De acordo com o decreto do Concílio Vaticano II sobre Bispos (1965), o direito de nomear e apontar bispos pertence “correta, peculiar, e per si exclusivamente à autoridade eclesiástica competente”.

“Portanto, com a finalidade de devidamente proteger a liberdade da Igreja e de promover de forma  mais conveniente e eficiente o bem-estar dos fiéis, este Santo Concílio deseja que, no futuro, não mais direitos ou privilégios de eleição, nomeação, apresentação ou designação para o cargo de bispo sejam concedida a autoridades civis” — foi o que o Concílio afirmou naquela época.

O Código de Direito Canônico (cânon 377 § 5) declara que “nenhum direito e privilégio de eleição, nomeação, apresentação ou designação de bispos são concedidos às autoridades civis”.

O canonista Edward Peters disse que o Vaticano, ao lidar com a China, deve se lembrar da história e da lição de que “quanto maior é o papel desempenhado pelo poder secular nas nomeações eclesiásticas, maiores são as chances de abuso”.

“Tal concessão à China, se é isso que está realmente sendo proposto, certamente levaria outros estados totalitários a exigir o mesmo, recriando as mesmas complicações e confusões entre Igreja e Estado que marcaram e às vezes denegriram muito a história da Igreja”, escreveu ele em seu blog.

Zen disse ao The Guardian na entrevista que um acordo dessa natureza, apenas criaria a ilusão de uma “falsa liberdade” para uma falsa instituição.

“Mas é apenas a impressão de liberdade, não é a verdadeira liberdade, pois o povo, mais cedo ou mais tarde, vai ver os bispos como fantoches do governo e não como realmente os pastores do rebanho”, disse ele.

Zen gostaria de ver o Vaticano abandonar de vez esse acordo.

“Se não é possível obter um bom acordo, um acordo aceitável, então o Vaticano deveria sair disso e talvez tentar novamente mais tarde. Será que a Igreja poderia negociar com Hitler? Ou poderia negociar com Stalin? Não”, disse ele.

Zen sugeriu que o reconhecimento do Vaticano para a igreja administrada pelo governo ao confirmar a nomeação de seus bispos apenas serviria para “envenenar” a Igreja Católica real na China, onde se estima que cerca de sete milhões de fiéis a seguem secretamente.

“O sangue dos mártires é semente de novos cristãos”, disse ele. “mas se aquele sangue é envenenado, quanto tempo durarão esses novos cristãos”?

Cardeal Zen aos católicos chineses: se houver um acordo com o governo, não precisam seguir o Papa.

IHU – Se a China Popular e a Santa Sé chegarem a um acordo, este teria, evidentemente, “a aprovação do Papa”. No entanto, os católicos chineses não precisariam levá-lo em conta caso o considerarem, “em consciência”, “contrário ao princípio da fé”. Estas são palavras do cardeal Joseph Zen, salesiano, bispo emérito de Hong Kong.

A reportagem é de Gianni Valente e publicada por Vatican Insider, 30-06-2016. A tradução é de André Langer.

O combativo Cardeal Zen.
O combativo Cardeal Zen.

Como se sabe, o cardeal ancião não gosta muito do tipo de “pax” sino-vaticana que parece estar ganhando forma com as negociações em curso entre os funcionários chineses e os oficiais vaticanos, confirmadas inclusive pelo Papa Francisco. Assim, tomando a iniciativa, o alto prelado salesiano exortou os católicos chineses a empreender o caminho da dissociação silenciosa, e também com respeito a eventuais medidas e práticas que poderiam ser aprovadas oficialmente pelo Bispo de Roma, como “extrema ratio” para esquivar as implicações de um possível e futuro acordo entre Pequim e a Sé Apostólica.

O apelo foi feito por Zen em seu blog pessoal: “Irmãos e irmãs do Continente, devemos honrar-nos!”, escreveu o cardeal com tons peremptórios aos católicos da República Popular da China. Nas primeiras linhas, o cardeal identifica imediatamente os seus polêmicos alvos: são aqueles que “estão do lado do governo” e “os oportunistas da Igreja”, que “esperam que a Santa Sé assine um acordo para legitimar a atual e anômala situação”.

Todos eles, defende Zen, ultimamente gritaram que devemos estar “prontos para escutar o Papa” e obedecer “a tudo o que disser”. E os mesmos chegam a prognosticar que a rejeição das decisões aprovadas pelo Papa poderiam vir justamente de alguns daqueles que sempre usaram contra outros a crítica da pouca fidelidade ao Papado e à Igreja de Roma.

Diante destes novos cenários, Zen convidou, sobretudo, para “manter a calma”, e na sequência ofereceu aos irmãos e irmãs “continentais” diretrizes para enfrentar este momento tão delicado, enquanto chegam tempos melhores. Reconhece que na Igreja “a autoridade suprema é o Papa, Vigário de Cristo na Terra”.

Recorda que nos últimos anos, sobretudo durante o Pontificado do Papa Bento, ele mesmo sempre repetiu “que a Santa Sé não representa o Papa. Mas, claro, se um dia fosse assinado um acordo oficial entre a China e a Santa Sé – reconhece Zen –, então seguramente esse acordo teria a aprovação do Papa”. Nesta eventual circunstância, sugere preliminarmente o bispo emérito de Hong Kong, “qualquer coisa que for aprovada pelo Papa, nós não teríamos que criticá-la”.

Deve-se evitar qualquer reação que possa ser reconhecida e recusada como uma crítica direta ao Sucessor de Pedro. Mas, o que é certo, acrescenta imediatamente Zen, “afinal de contas, a consciência é o critério último para julgar o nosso comportamento. Então, se de acordo com sua consciência o conteúdo de qualquer acordo for contrário ao princípio da nossa fé, não tem necessidade de segui-lo”.

Para justificar a evocada dissociação com respeito a eventuais acordos entre a China e a Santa Sé aprovados pelo Papa, Zen cita (propondo uma síntese livre, que não representa o texto original) as palavras do Papa Bento XVI aos católicos chineses (de junho de 2007) e na qual se declara que os princípios da autonomia, da independência, da autogestão e da administração democrática da Igreja perseguidos pela Associação Patriótica e pelos demais organismos patrióticos inspirados pelos aparelhos políticos chineses, não são “conciliáveis” com a doutrina católica. “Vocês, escreveu o cardeal aos irmãos e irmãs do Continente, não devem nunca, por motivo algum, unir-se à Associação Patriótica”.

Na parte final da sua breve mensagem, o cardeal emérito prognostica um futuro de catacumbas para os que não queiram aceitar o acordo entre a Santa Sé e a China, e que, na sua opinião, devem estar prontos para renunciar à prática pública dos sacramentos e da vida eclesial que hoje conotam e alimentam a condição ordinária e cotidiana dos católicos chineses.

“No futuro – explicou Zen comparando os efeitos de um possível acordo entre a China e o Vaticano com as condições que viveram os cristãos chineses nos anos obscuros e cruéis da Revolução Cultural –, devemos temer que já não terão um lugar público para rezar, mas poderão rezar em casa; e embora não exista a oportunidade de receber os sacramentos, o Senhor Jesus irá ao seu coração; e embora já não fosse possível ser sacerdote, poderão voltar para casa e cultivar os campos. O sacerdote é sacerdote para sempre”.

A mensagem de Zen termina com frases tranquilizadoras para os seus leitores: a resistência que propõe diante de um eventual acordo entre Pequim e a Sé Apostólica poderia ser breve: “A Igreja primitiva, escreveu o cardeal que nasceu em Shangai, teve que esperar 300 anos. Não creio que tenhamos que esperar tanto. O inverno está para acabar”.

O apelo do cardeal Zen para ignorar eventuais decisões futuras aprovadas pelo Papa representa uma fratura anunciada, depois da mobilização, que já dura 20 anos, do alto prelado de Hong Kong contra todos os passos dados pela Sé Apostólica no campo das relações entre os aparelhos estatais chineses e a Igreja católica que não considerava adequados.

O arsenal do cardeal de 84 anos inclui a deslegitimação das posições que não compartilha e que apresenta sempre como ambíguas e, na sua opinião, que cedem no nível da sã doutrina, motivo pelo qual seriam suspeitas de suposto oportunismo e mancomunação interesseiro com o poder chinês e, sobretudo, uma representação fixa e pré-fabricada da vida do catolicismo chinês durante os últimos 70 anos, com a finalidade de ocultar todos os dados da realidade que não servem para a sua permanente luta.

Por exemplo, para reconhecer como um pretexto a objeção de consciência proposta perante eventuais acordos sino-vaticanos aprovados pelo Papa, tingidos a priori de condescendência para com os organismos patrióticos construídos pelo poder chinês, bastaria recordar que João Paulo II e Bento XVI, durante seus respectivos pontificados, legitimaram ou nomearam diretamente dezenas de bispos chineses que tinham relações ordinárias com esses organismos e inclusive alguns tinham importantes cargos em seu interior.

Para o Papa Wojtyla e para o Papa Ratzinger, o fato de que os bispos pertencessem formalmente à Associação Patriótica dos católicos chineses nunca foi, em si mesmo, um obstáculo para a plena e reconhecida comunhão sacramental e hierárquica entre esses bispos e o Sucessor de Pedro. E ninguém impôs sua saída formal da Associação Patriótica como condição para obter o mandato pontifício ao próprio ministério episcopal.

João Paulo II e Bento XVI sempre indicaram a via do diálogo, e não do confronto, como instrumento para resolver os problemas vividos pelo catolicismo chinês nas relações com as autoridades civis.

Seja como for, no delicado momento em que se encontram atualmente as relações sino-vaticanas, as indicações divulgadas pelo cardeal Zen dizem respeito a todos, a começar pelos católicos chineses: bispos e sacerdotes, religiosos e leigos, aos ditos oficiais e clandestinos. Cada um, na liberdade da própria consciência iluminada pela fé, poderá entesourar esse “sensus fidei” que, no ex-Império Celeste, foi guardado inclusive nos tempos difíceis da cruel perseguição. O mesmo “sensus fidei” que sempre assinala também a comunhão real com o Bispo de Roma, Sucessor de Pedro.

Zen x Parolin: Hoje nossos diplomatas provavelmente aconselhariam José a ir dialogar com Herodes!

O Cardeal Joseph Zen Ze-kiun, arcebispo emérito de Hong Kong, expressou sua preocupação em relação à postura da diplomacia do Vaticano para com o governo comunista da China:

“Nossas comunidades clandestinas são inexistentes aos olhos do governo. Mas, o próprio Vaticano não as leva em conta nas negociações. Isso é uma concessão a um pedido do Partido [comunista] Chinês? Para salvar a situação, aqueles irmãos e irmãs são abandonados? Mas eles são os membros saudáveis da Igreja! […] No último mês de setembro, alguns dos fiéis de Shanghai que passaram um longo tempo na prisão foram a Roma, acompanhados de seus familiares, para comemorar o 60º aniversário do início da Grande Perseguição, de 8 de setembro de 1955. Disseram-lhes:  ‘Não chamem muita atenção para vocês mesmos, o passado é passado, devemos olhar para o futuro!’. […] O que me preocupa é a visão de nosso ilustre Secretário de Estado, ainda intoxicado pelo milagre da Ostpolitk. Ano passado, em um elogio ao Cardeal Casaroli, ele aplaudiu o fato de que seu predecessor foi bem sucedido em garantir a existência da hierarquia católica nos países comunistas do Leste Europeu. Ele afirmou, ‘ao escolher candidatos ao episcopado, escolhamos pastores, não pessoas que sistematicamente se oporão ao regime, que agem como gladiadores, que adoram fazer um grande estardalhaço no cenário político’. Eu imagino, quem o Cardeal Parolin tem em mente quando faz essa descrição? Temo que ele estivesse pensando no Cardeal Wyszynski,  Cardeal Mindszenty e Cardeal Beran. Mas, estes foram os heróis que defenderam a fé de seu povo com coragem! […]

Quando os Santos Inocentes foram assassinados, o Anjo disse a José que levasse Maria e Seu Filho a um local seguro. Hoje, pelo contrário, nossos diplomatas provavelmente aconselhariam José a ir dialogar com Herodes!”.

A singela qualificação do Cardeal Zen à corja chinesa amistosamente recebida pela CNBB: “funcionários canalhas”.

Rumo a um cisma chinês? 

Entre tensões, incompreensões e desconfianças, com canais de comunicação intermitentes ou inexistentes, preparam-se as condições ideais para acender a faísca da divisão. Uma análise histórica e cultural da difícil situação.

A reportagem é de Gianni Valente, publicada no sítio Vatican Insider, 15-07-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Nem mesmo o nada ritual apelo do cardeal Joseph Zen ao presidente Hu Jintao e ao primeiro-ministro Wen Jiabao para que detivessem seus “funcionários canalhas” que ajudam “a escória da Igreja” serviu para esconjurar mais uma anunciada ordenação ilegítima do novo bispo católico de Shanthou, na província de Guandong.

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