Veneno e antídoto.

Por Padre Antônio Mariano – FratresInUnum.com, 23 de dezembro de 2021: Contam uma historinha de um homem que tinha um grande laranjal e que constantemente garotos pulavam os muros e comiam muitas laranjas. Achando-se esperto, o homem teve uma ideia. Pôs veneno numa laranja e afixou uma placa na entrada do laranjal com os dizeres: Cuidado! Uma laranja está envenenada. Os garotos, porém, com raiva, fizeram o mesmo que o homem e rasuraram a placa que ele tinha posto, trocando “uma” por “duas”.

SWITZERLAND-RELIGION-CATHOLICS-VATICAN-FUNDAMENTALISM

Tradidi quod et accepi.

O que aconteceu? Todas as laranjas se perderam, porque se os garotos não podiam comer, por não saberem qual a envenenada, também o dono perde tudo por não saber qual os garotos tinham envenenado.

E nenhuma pessoa ajuizada aceitaria uma laranja, nem de graça, pois, ainda que fossem mil, quem poderia garantir que não era aquela a envenenada?

Assim, diante de um risco desnecessário, uma pessoa prudente escolhe outra opção, sem riscos, segura, certa.

Isso que todos concordariam, não foi o que aconteceu com a Igreja desde a década de 60 do século passado.

Mesmo os defensores mais ardentes do Concílio Vaticano II concordam que certas partes do Concílio são no mínimo dúbias, sendo sempre (ou quase sempre) possível, porém, uma interpretação correta à luz da Tradição da Igreja. E que o Concílio tem coisas boas, trouxe avanços… algumas pessoas de má fé (por acaso, alguns dos que escreveram muitos dos documentos conciliares) é que interpretaram mal os textos do Concílio. Oh, malvados.

Desde o início, o Concílio Vaticano II foi considerado pastoral (expressão semelhante ao “café com leite” das brincadeiras de infância do meu tempo), porém, quando a Igreja foi mais pastoral: quando separou verdade e erro, expôs isso aos fiéis e zelava para que nenhum erro fosse publicado, ensinado etc; ou quando permite que verdade e erro convivam juntas devendo o próprio fiel perceber por si mesmo o que é bom e o que é mau?

É pastoral o pastor que leva as ovelhas para um campo onde estejam presentes, ainda que em pequenas quantidades, ervas venenosas que as ovelhas deverão ter o discernimento de não ingerir? É maternal a mãe que deixa junto aos brinquedos de seu filho um escorpião, porque a criança deverá ter maturidade de não se deixar picar por ele? Não devem o pastor e a mãe proteger não apenas dos males, mas do risco dos males?

O mesmo se aplica à Missa.

Quando se compara a Missa de Paulo VI com a chamada Missa de Pio V não se percebe que elas são no mínimo diferentes? E que a Missa de S. Pio V expressa de forma claríssima verdades que na Missa de Paulo VI não são (tão) expressas? Que a Missa de S. Pio V conduz à uma piedade e devoção que é, ainda que remotamente possível, difícil haurir na Missa de Paulo VI?

Então, uma pergunta simples é: que nome costumamos dar a quem, tendo à disposição o mais fácil, sempre opta pelo mais difícil?

Deixo que você mesmo responda.

Toda essa introdução, caros amigos, é para que percebamos com mais facilidade que o grande erro (deixando o conhecimento das intenções unicamente para Deus) de boa parte da hierarquia católica durante e após o Vaticano II foi de considerar que a solução dos males que se abateram sobre a Igreja era algo tão mau quanto os próprios males e que deveria ser tão ou mais combatido que os males.

A ideia de que se deveria buscar um ponto de equilíbrio entre a observância da Tradição Católica e os “exageros e má interpretação do Concílio” fez o efeito que todos conhecemos: a criminalização da Tradição.

Vale aqui a história daquela pessoa que viu-se sobre um muro. Nosso Senhor, Nossa Senhora, os Santos pediam para a pessoa pular para o lado deles. Os demônios simplesmente observavam. A pessoa então pergunta aos demônios por que não insistiam para que pulasse para o lado do inferno; ao que os demônios respondem que o muro já tinha sido feito por eles.

O eventual equilíbrio da Igreja seria rejeitar a Tradição, mas seguir algumas coisas dela, não permitindo os avanços do modernismo e suas consequências, mas adaptando-se ao mundo moderno e à mentalidade sempre mutável das pessoas.

Sim. Isso é essencialmente contraditório e impraticável. Mas foi isso que pediu-se dos católicos desde o Concílio Vaticano II.

Não sendo possível servir a dois senhores, acabou-se por servir ao mundo. E nessa subserviência ao mundo, a hierarquia da Igreja fez com que a Igreja eterna se tornasse absurdamente mutável, em sua liturgia, em sua moral, em sua fé.

Não poucas vezes os Papas tentaram corrigir certos “avanços imoderados”, mas que nada mais eram que a adequação da Igreja ao mundo que eles mesmos incentivavam.

Se tudo na Igreja deve estar adaptado ao homem contemporâneo, se o que ele encontra na liturgia, por exemplo, é praticamente igual ao que ele encontra no mundo (a língua, os cantos, as vestes…), como frear a consequência lógica de que a moral da Igreja também não deve adaptar-se ao homem moderno? Se a Liturgia, que é o mais importante da Igreja, já se adequa às modas, por que não a moral?

Aqueles padres que eram na década de 70 favoráveis à pílula, na de 90 à camisinha e nos tempos atuais à ideologia de gênero, eram chamados em certos círculos ditos conservadores de heterodoxos, ou até de hereges, mas, lamentavelmente eram apenas coerentes até o fio de cabelo com o aggiornamento proposto pela hierarquia.

A mentalidade de que a Igreja é um carro em que o Papa e os Bispos num momento aceleram e no outro freiam não é possível sem fazer da Igreja um carro desgovernado.

Como dizer a um jovem que frequenta uma liturgia mundanizada que ele não deve ser mundano? As chamadas “aberturas” da Igreja só serviram para que a fumaça de Satanás nela entrasse.

Mas, qual era a solução desses males?

Buscar os pontos positivos do Concílio?

Fazer o malabarismo mental de interpretar o Concílio à “luz da Tradição”, mas sem se render à essa Tradição, fazendo dela um uso seletivo?

Fazer com que a Missa de Paulo VI seja mais próxima da Missa de S. Pio V, mas desprezar a Missa de S. Pio V como algo de um tempo da Igreja?

São essas posturas de encarar o remédio como veneno que nos conduziram exatamente onde estamos. É por isso que até hoje os dubia sobre Amoris Laetitia não foram respondidos, mas os de Traditionis Custodes já.

É absolutamente consequente a ideia que subjaz em Traditionis Custodes e na última Responsa sobre ele de que não apenas a Missa de S. Pio V deve deixar de existir, mas de que ela é como uma praga contagiosa que deve ser afastada para longe das Igrejas Paroquiais e que macula tanto um sacerdote que a celebre que ele pode celebrar no mesmo dia 4 missas de Paulo VI, mas só uma de S. Pio V.

Esse documento tem sua origem na pertinaz negação de reconhecer que só há um remédio para os desvios que se abateram sobre a Igreja: a Tradição. A Tradição autêntica. A Tradição pura. E não a Tradição como um “modo interpretativo”, ou como um pedal de freio.

Traditionis Custodes abre a temporada de caça à Tradição. Essa caça já acontecia, mas num campo menos evidente. Agora essa guilhotina cai sobre qualquer coisa que remeta à Tradição, porque a Tradição da Igreja diz aos fiéis as mesmas palavras de Nosso Senhor: “quem não está comigo está contra mim; quem não recolhe comigo, dispersa”. A Tradição recorda ao fiel que ou se é Católico ou não se é.

E o modo mais próximo dos fiéis se aproximarem da Igreja é a Liturgia, particularmente a Missa. É necessário que um golpe seja desferido sobre a Missa de Sempre para favorecer o golpe contra a Igreja de Sempre.

E as palavras “comunhão” e “unidade” serão (indevidamente) usadas para justificar a destruição da comunhão e da unidade. Essas palavras serão uma espécie de passaporte sanitário na Igreja que provavelmente servindo-se da concelebração na Missa Crismal, mostrará os “vacinados” e “não vacinados”. A questão é, obrigando a concelebrar a Missa de Paulo VI, legitimar plenamente o Concílio e a missa subsequente, de modo que o uso da Missa de Pio V seja uma mera questão de gosto. E, se é um gosto, por que não sacrificar “heroicamente” sobre o altar da unidade e comunhão?

Mas a questão avança não apenas sobre o que é Tradicional, mas também sobre o que parecer tradicional.

Então o Bispo chama um padre e pede que em nome da obediência e comunhão ele não celebre mais a Missa de Pio V, e o padre obedece. Mas passa a celebrar a Missa de Paulo VI em latim. O Bispo então chama o padre, e em nome da comunhão e da obediência pede que, uma vez que ele é o único que celebra em latim, não o faça mais, e o padre obedece. Mas passa a celebrar a Missa de Paulo VI em português, sem acrescentar nem retirar nada. O Bispo então chama o padre, e em nome da comunhão e da obediência pede que ele acrescente na Missa a Campanha da Fraternidade, porque ele era o único padre que não a acrescentava, e o padre obedece. O Bispo então chama o padre, e em nome da comunhão e da obediência, pede que, já que ele agora fala da Campanha da Fraternidade, pare de usar músicas antigas na Missa e use o hinário da CNBB, e o padre obedece. Depois o Bispo chama o padre e diz que é ele é o único que usa batina na sua região, então em nome da comunhão com os demais padres, ele evite usar a batina, e o padre obedece e passa andar de camisa clerical. O Bispo então chama o padre e diz que devido ao calor, a maioria dos padres não usa camisa clerical, e que por isso em nome da unidade…

E assim se destrói o que ainda tenha restado de católico sobre o mundo.

Desse modo, a questão já não é mais se um bom padre vai ter que declarar em consciência que não pode obedecer a essas normas injustas, mas quando ele vai fazer isso.

É claro que para quem cresceu amando a Igreja e desejando morrer por Ela, ser punido pela “Igreja” é o pior pesadelo jamais sonhado.

Mas será esse, salvo uma intervenção direta do céu, o fim dos padres e fiéis que quiserem morrer católicos.

De volta ao gueto.

“Somos afligidos de todos os lados, mas não vencidos pela angústia; postos em apuros, mas não desesperançados; perseguidos, mas não desamparados; derrubados, mas não aniquilados; por toda a parte e sempre levamos em nosso corpo o morrer de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste em nosso corpo.

Enquanto vivemos, estamos sempre entregues à morte por amor de Jesus, para que a vida de Jesus se manifeste também em nossa existência mortal.” (II Cor 4, 8-11)

Por Padre Antônio Mariano – FratresInUnum.com, 19 de dezembro de 2021: Ontem pela manhã, recebi a triste notícia da odiosa resposta que a Congregação para o Culto Divino emitiu acerca de algumas perguntas feitas sobre o Motu Proprio Traditionis Custodes. [Respostas extremamente rápidas, enquanto os dubia dos cardeais continuam engavetados por Francisco].

igreja destruida

Dizem – não sou especialista… – que os tubarões têm olfato e que, se sentem cheiro de sangue, tornam-se ainda mais agressivos contra as suas vítimas.

Aqueles que se sentiram acolhidos por Summorum Pontificum descobriram que, de uma hora para outra, não existe, literalmente, mais lugar para eles nas paróquias. E que se existir, será apenas pelo tempo que o Bispo considerar oportuno para que eles se acomodem a Traditionis Custodes, ou seja, não queiram mais assistir à Missa no que até pouco tempo antes era chamado de forma extraordinária do Rito Romano, e que agora é uma liturgia sem perspectiva de vida na Igreja, um rito exilado.

Cada vez mais violência, cada vez mais sanha.

Quando foi a primeira mordida?

Hoje, talvez nos seja fácil perceber que a primeira mordida, pelo menos desse ciclo mais recente, foi o próprio Summorum Pontificum. Ali, Bento XVI, embora faça justiça ao afirmar que o Rito de S. Pio V, para usar uma denominação menos inadequada para o que nada mais é que simplesmente a Missa de Sempre, nunca foi proibido ou ab-rogado, coloca-o num nível de sensibilidade e gosto.

Ninguém, exceto aqueles que suportaram injustamente várias sanções, teve a coragem de trazer o “problema” para o campo correto: a Fé.

A Missa Nova é o arauto da nova fé, humanista, maçônica, sionista, ecumênica, revolucionária, de uma nova Igreja Conciliar. Mesmo a Missa de Paulo VI “bem celebrada” é apenas um cozinhar mais lento de um mesmo desfazer da verdadeira Fé Católica.

Aliás, a expressão “Igreja Conciliar” não foi criada por nenhum cismático, mas por um Cardeal da Cúria que acusava Mons. Lefebvre de não aceitar a “Igreja Conciliar”.

Por mais que até pudesse ter boa-vontade, Bento XVI não teve a intrepidez necessária para corrigir, quando lhe foi possível, os desvios doutrinários que tornam mais evidente a existência atual de duas Igrejas que não podem conviver juntas, como não se pode ter trevas onde há a luz.

Neste caso, então, a Igreja Conciliar com sua hierarquia não suporta a Igreja Católica com sua liturgia voltada unicamente para Deus, e para a destruir exige como um mantra a comunhão que são eles mesmos a tornar cada vez menos viável.

Não se pode deixar de recordar a pergunta que certa vez fez Mons. Lefebvre: “Terei que me tornar protestante para continuar católico?” E a resposta a cada dia se torna mais clara: sim.

Cada vez menos será possível ser fiel à Santa Igreja e não ser punido pela hierarquia da Igreja.

Não basta ao Papa e seus colaboradores mais próximos o tormento que muitos padres e fiéis já têm que enfrentar por causa da covid, suas variantes e vacinas. É necessário criar mais tormento: empurrar os fiéis para a irregularidade, com muita misericórdia, é claro.

Não há outra saída.

Para a hierarquia, a Missa de S. Pio V é apenas uma questão de tempo. E os institutos ligados à hierarquia terão que cada vez mais expor que sua questão é apenas uma preferência, um gosto que deverá mudar, começando pela concelebração nas missas crismais e o uso do novo pontifical. E isso sob olhar atento de um Braz de Aviz.

Uma celebração ecumênica, inter-religiosa, um manifesto político, uma campanha de vacinação pode ocorrer numa Igreja Paroquial, sem nenhum constrangimento, mas uma Missa de S. Pio V só se “escrupolosamente” houver a certeza irrevogável de que não há nenhuma outra igreja/capela que possa ter a Missa… e com licença direta da Santa Sé. Realmente deve haver pouca coisa para as congregações romanas se ocuparem…

E mais, tudo o que é naturalmente permitido a um padre em relação à Missa de Paulo VI é agora claramente proibido em relação à Missa de S. Pio V. Como, por exemplo, celebrar mais de uma Missa por dia. Ora, se essencialmente, como dizem, ambas as missas seriam a mesma  coisa, por que o que vale para uma não vale para a outra?

A hierarquia já não teme mais perder a lógica, se, como avisou Nossa Senhora em La Salette, Roma perderia a fé.

Esse documento datado de 04 de dezembro é também um incentivo a que os bispos sejam mais cruéis; é como se estivessem atiçando ainda mais aqueles bispos que querem junto com o Papa destruir tudo que ainda possa restar de católico em suas dioceses. É um respaldo para que com aquela voz pausada e tom manso eles possam com uma carinha de pena dizer que não são eles, é o Vaticano… teeemmm queeee teeeerrrr coooomuuuunnnhãaaaaaooooooo.

Ao ler o documento não nos é difícil sentir em alguma medida com Santo Elias: “Estou ardendo de zelo pelo Senhor, Deus todo-poderoso, porque os filhos de Israel abandonaram tua aliança, destruíram teus altares e mataram à espada teus profetas” (I Rs 19,14).

Francisco inaugura um estilo em que cada documento vem em contradição ao seu nome: Cor orans inaugura a destruição da Vida Contemplativa; Traditionis Custodes retira dos Bispos o direito de regularizarem a vigência do Rito de S. Pio V em suas dioceses, tendo que tudo remeter unicamente às Congregações Romanas; Amoris Laetitia seca as fontes do autêntico matrimônio cristão etc…

Como disse no início, recebi a notícia desse documento ontem de manhã, mas só à noite consegui ler o documento e escrever essas linhas, é porque tinha que celebrar duas missas à tarde, e vou concluir por aqui, porque terei que me recolher para conseguir celebrar dignamente outras três no domingo. E quando falo missa, não poderia me referir a outra que não fosse a mesma que alimentou a Fé verdadeira de multidões de santos que a celebraram ou assistiram e que receberam os sacramentos nessa mesma forma e que não negarão a sua intercessão para que permaneçamos fiéis não a um gosto, mas à uma fé.

E que na nossa morte possamos dizer com Santa Teresa: “Morro filha da Igreja”. Ainda que sejamos como estrangeiros exilados para os filhos de nossa Mãe.

Padre Claude Barthe: devemos resistir a leis ilegítimas sobre o Rito Tradicional.

Resistir a uma lei litúrgica injusta. “Continuo convencido de que, com Traditionis Custodes, os radicais romanos começaram uma guerra que só podem perder”.

Por Michel Java, Le Salon Beige, 18 de dezembro de 2021 | Tradução: FratresInUnum.com:  Nesta manhã, a Congregação para o Culto Divino publicou respostas a certas disposições da Carta Apostólica em forma de Motu Proprio Traditionis Custodes. Entrevistamos o padre Claude Barthe.

Padre, a ofensiva contra a liturgia tradicional parece estar se intensificando consideravelmente, a julgar pela publicação no dia 18 de dezembro das respostas a perguntas feitas ou supostamente feitas à Congregação para o Culto Divino.

Basílica de São Pedro, novembro de 2012: Pe. Barthe lê a mensagem do Papa Bento XVI aos participantes da peregrinação 'Una cum Papa Nostro'.
Basílica de São Pedro, novembro de 2012: Pe. Barthe lê a mensagem do Papa Bento XVI aos participantes da peregrinação ‘Una cum Papa Nostro’.

Na verdade, os romanos de linha dura são extremamente determinados, como mostra o curso programado de sua ação: o desaparecimento da Comissão Ecclesia Dei; o questionário aos bispos; o motu proprio; uma carta do Cardeal Vigário de Roma; e as respostas de hoje que explicitam Traditionis Custodes. Eles claramente querem criar uma situação irreversível. Essas respostas eram conhecidas essencialmente através da carta do cardeal De Donatis, de 7 de outubro, para a diocese de Roma.

É possível que respostas simples da Congregação ampliem um motu proprio papal?

Do ponto de vista técnico-jurídico, sim: a Igreja é uma monarquia absoluta e os ministros do Papa podem, em seu nome e por mandato, determinar a lei. Neste caso, especificam a intenção do legislador. Dificilmente se pode argumentar que o Papa tenha aprovcado essas respostas de forma genérica (uma aprovação fraca) e não de forma específica (a aprovação máxima). Mas do ponto de vista jurídico-teológico, não: se Summorum Pontificum constatou que a missa antiga não foi revogada e era uma das expressões da lex orandi, estendendo esta constatação por suas disposições aos demais livros litúrgicos (breviário, pontifical, etc.), foi baseado em um julgamento doutrinal substantivo. Qualquer “lei” em contrário não tem força.

Uma constatação de Summorum Pontificum que, no entanto, é anulada por Traditionis Custodes. 

E que as responsa explicitam e enfatizam: Traditionis Custodes postula que os novos livros litúrgicos são a única expressão da lex orandi; no entanto, o uso mais restrito do missal antigo foi tolerado, provisoriamente, a fim de “facilitar a comunhão eclesial”; mas os outros livros litúrgicos tradicionais (ritual, pontifical) não estão incluídos nesta tolerância provisória e, portanto, são proibidos (exceto para o ritual nas paróquias pessoais, e se o bispo o permitir).

Todo o sistema se baseia, portanto, na afirmação de Traditionis Custodes, que reivindica invalidar a de Summorum Pontificum, mas que, de fato, se relativiza, assim como a liberdade religiosa pretendia invalidar o magistério anterior até Pio XII.

Em termos concretos, o que então será proibido?

As consequências mais sensíveis destas medidas, se fossem aceitas pelos interessados, seriam: a proibição, exceto nas paróquias pessoais, dos casamentos tradicionais (mas, de fato, um certo número de párocos, a quem será pedido que os celebrem em suas igrejas, fechará os olhos); a proibição das confirmações tradicionais (mas pode-se pensar que muitos pais de crianças a serem confirmadas recorrerão aos bispos da FSSPX); e, acima de tudo, a proibição das ordenações tradicionais. Este é de longe o mais sério de todos, porque visa a própria especificidade dos seminários tradicionais. Os institutos Ecclesia Dei não aceitarão, assim como não aceitarão a introdução da nova Missa ao lado da Missa tradicional nos seus seminários, que as visitas canônicas organizadas pela Congregação para os Religiosos gostariam de lhes impor. Isso seria suicídio: os candidatos se retirariam e as vocações cessariam.

Portanto, devemos resistir a essa lei injusta?

Sim, com a graça de Deus e a poderosa ajuda da oração. Mesmo que signifique ganhar tempo, tanto nos seminários como no campo do apostolado. Claro, conferir ordenações pressupõe que os bispos estão dispostos a considerar que as disposições proibitivas não têm força de lei.

E que aceitam os riscos que podem estar envolvidos em ir além?

De fato, todos eles, bispos, superiores, seminaristas e padres que adotarem uma atitude de não aceitação de Traditionis Custodes, explicitada pelas respostas, deverão assumir os riscos.

Quais riscos? No mundo secular, para um preparo adequado, são elaborados esquemas preventivos denominados cenários de crise. O pior cenário – o cenário de 1976 para o Arcebispo Lefebvre – deve ser evocado por ordem: antes de uma ordenação planejada, o prelado que vai ordenar seria notificado da proibição do mandato especiali Summi Pontificis, seguido de uma pena de suspensão a divinis (proibição de celebrar os sacramentos). Por outro lado, todos os tipos de medidas são concebíveis contra as comunidades recalcitrantes, sendo o pior (aqui novamente por ordem) sua supressão. Mas também se pode pensar, por que não? Se a diplomacia das partes interessadas mistura habilidade na forma e firmeza na substância, haverá apenas reações de princípio. No entanto, não se deve contar com isso, pois seria subestimar a determinação dos autores desses textos.

Estamos na estrutura clássica de um equilíbrio de poder.

Sim, e felizmente para nós pequeninos, o principal é o de Cristo que sustenta a sua Igreja. Em todo caso, o equilíbrio de forças hoje é muito mais favorável ao mundo tradicional do que parece, especialmente na França, onde não se deixará dominar. Além disso, as dioceses não têm interesse que as comunidades se acomodem em uma semi-independência temporária (como o IBP em Paris, no Centre Saint Paul). Continuo convencido de que, com Traditionis Custodes, os radicais romanos começaram uma guerra que só podem perder. Mas uma guerra que pode causar grandes danos, não devemos escondê-lo. Devemos, portanto, orar intensamente para apoiar aqueles que terão que tomar decisões.

“Devo dar testemunho dos ritos sagrados da Igreja”.

A seguinte carta aberta ao Papa Francisco foi redigida pelo pe. Wojciech Gołaski OP e publicada originalmente em polonês. A seguir, publicamos a tradução de FratresInUnum.com a partir da versão de Rorate Caeli.

Jamna, Polônia, 17 de agosto de 2021
                                                                        A Sua Santidade Papa Francisco
                                                                        Domus Sanctae Marthae
                                                                        Santa Sé
                                                                        Cidade do Vaticano
Para a atenção de:
Rev. Mestre Geral da Ordem, Gerard Francisco Timoner III OP
Pe. Provincial da Província da Polônia, Paweł Kozacki OP
S.E. Bispo da Diocese de Tarnów, Andrzej Jeż
Rev. Superior da Casa de Jamna, Andrzej Chlewicki OP
Irmãos e Irmãs da Ordem
Rev. Superior do Distrito Polonês da Fraternidade São Pio X, Karl Stehlin FSSPX
Omnes quos res tangit
Beatíssimo Padre,

Pe. Wojciech Gołaski O.P.

Nasci há 57 anos e entrei para a Ordem Dominicana há 35 anos. Fiz meus votos perpétuos há 29 anos e sou sacerdote há 28 anos. Eu tinha apenas vagas lembranças da minha infância da Santa Missa em sua forma anterior às reformas de 1970. Dezesseis anos após minha ordenação, dois amigos leigos (desconhecidos um do outro) me incentivaram a aprender como celebrar a Santa Missa em sua forma tradicional Formato. Eu os escutei.

Foi um choque para mim. Eu descobri que a Santa Missa em sua forma clássica:

– direciona toda a atenção do sacerdote e dos fiéis para o Mistério,

– expressa, com grande precisão de palavras e gestos, a Fé da Igreja no que se passa aqui e agora no altar,
– reforça, com uma força igual à sua precisão, a fé do celebrante e do povo,
– não leva o sacerdote nem o fiel a nenhuma invenção ou criatividade própria durante a liturgia,
– coloca-os, pelo contrário, num caminho de silêncio e contemplação,
– oferece, pela quantidade e natureza de seus gestos, a possibilidade de atos incessantes de piedade e amor para com Deus,
– une o sacerdote e os fiéis, colocando-os do mesmo lado do altar e voltando-os na mesma direção:  versus Crucem, versus Deum .
Disse a mim mesmo: isso sim é a Santa Missa! E eu, um padre por 16 anos, não o sabia! Foi um poderoso eureka , uma descoberta, após o qual minha ideia da missa não poderia permanecer a mesma.
 
Desde o início me ocorreu que esse rito é o oposto do estereótipo. Em vez de formalismo, expressão livre da alma diante de Deus. Em vez de frigidez, o fervor do culto divino. Em vez de distância, proximidade. Em vez de estranheza, intimidade. Em vez de indiferença, segurança. Em vez da passividade dos leigos, sua conexão profunda e viva com o mistério (foi através dos leigos, afinal, que fui conduzido à missa tradicional). Em vez de um abismo entre o sacerdote e os fiéis, uma estreita união espiritual entre todos os presentes, protegida e expressa pelo silêncio do Cânon. Ao fazer esta descoberta, tornou-se claro para mim: esta mesma forma é a nossa ponte para as gerações que viveram antes de nós e nos transmitiram a Fé. Foi enorme a minha alegria nesta unidade eclesial que transcende todos os tempos.
Desde o início, experimentei a poderosa força de atração espiritual da Missa em sua forma tradicional. Não foram os sinais em si que me atraíram, mas o seu significado, que a alma sabe ler. O próprio pensamento da próxima celebração me enchia de alegria. Buscava todas as oportunidades de celebrar com entusiasmo e ansiedade. Muito em breve uma certeza completa amadureceu dentro de mim, que, se eu celebrasse a Missa (assim como todos os sacramentos e cerimônias) apenas em sua forma tradicional até o fim dos meus dias, não sentiria a menor falta da forma pós-conciliar.
Se alguém tivesse me pedido para expressar com uma única palavra meus sentimentos sobre a celebração tradicional no contexto do rito reformado, eu teria respondido “alívio”. Pois foi realmente um alívio, de profundidade indescritível. Era como quem, tendo caminhado a vida toda calçado com uma pedrinha que esfrega e irrita os pés, mas que não tem outra experiência de caminhada, lhe é oferecido, 16 anos depois, um par de sapatos sem pedrinha e as palavras: “Aqui”, “Coloque-os”, “experimente!” 
Não só redescobri a Santa Missa, mas também a surpreendente diferença entre as duas formas: a que estava em uso há séculos e a pós-conciliar. Eu não sabia dessa diferença porque não conhecia a forma anterior. Não posso comparar meu encontro com a liturgia tradicional a um encontro com alguém que me adotou e se tornou meu pai adotivo. Foi um encontro com uma Mãe que sempre foi minha Mãe, embora eu não a tivesse conhecido.
Em tudo isso, fui acompanhado pela bênção dos Sumos Pontífices. Eles haviam ensinado que o missal de 1962 “nunca fora legalmente ab-rogado e permaneceu, portanto, em princípio, sempre permitido”, acrescentando que “o que havia sido sagrado para as gerações anteriores permanece sagrado e grande também para nós, e não poderia de repente se tornar completamente proibido nem mesmo considerado prejudicial. Cabe a todos nós preservar as riquezas que se desenvolveram pela Fé e a oração da Igreja e dar-lhes o seu devido lugar ”(Bento XVI, Carta aos Bispos, 2007). Aos fiéis também foi ensinado: “Por seu uso venerável e antigo, a forma extraordinaria deve ser mantida com a honra que lhe é devida”; foi descrito como “um tesouro precioso a ser preservado” (Instrução Universae Ecclesiae, 2011). Estas palavras seguiram documentos anteriores que possibilitaram aos fiéis o uso da liturgia tradicional após as reformas de 1970, sendo o primeiro Quattuor abhinc annos de 1984. O fundamento e a fonte de todos esses documentos continua sendo a Bula de São Pio V, Quo primum tempore (1570).
Santo Padre, se, sem esquecer o documento solene do Papa Pio V, levarmos em consideração o lapso de tempo que abrange as declarações de seus predecessores imediatos, temos uma duração de 37 anos, de 1984 a 2021, durante os quais a Igreja disse aos fiéis, no que diz respeito à liturgia tradicional, e cada vez mais fortemente: “Existe tal caminho. Você pode caminhar por eele.”
Portanto, tomei o caminho que a Igreja me ofereceu.
Quem percorre este caminho – quem quer que este rito, que é o vaso da divina Presença e da divina Oblação, dê fruto na sua própria vida – deve abrir-se inteiramente para se entregar a si e aos outros a Deus, presente e agindo em nós através do vaso deste rito sagrado. Fiz isso com total confiança.
Então veio o dia 16 de julho de 2021.
Pelos seus documentos, Santo Padre, soube que o caminho que percorri durante 12 anos deixou de existir.
Temos afirmações de dois papas. Sua Santidade Bento XVI havia dito que o Missal Romano promulgado por São Pio V “deve ser considerado a expressão extraordinária da lex orandi da Igreja Católica de Rito Romano”. No entanto, Sua Santidade o Papa Francisco diz que “os livros litúrgicos promulgados pelos Papas São Paulo VI e São João Paulo II (…) são a única expressão da lex orandi do Rito Romano.” A afirmação do sucessor, portanto, nega a de seu predecessor ainda vivo.
Pode uma certa forma de celebrar a Missa, confirmada por uma Tradição centenária e imemorial, reconhecida por cada Papa, incluindo o senhor, Santo Padre, até 16 de julho de 2021, e santificada por sua prática ao longo de tantos séculos, de repente deixar de ser a lex orandi do Rito Romano? Se assim fosse, significaria que tal característica não é intrínseca ao rito, mas é um atributo externo, sujeito às decisões de quem ocupa cargos de alta autoridade. Na realidade, a liturgia tradicional exprime a lex orandi do rito romano por cada gesto e por cada frase e pelo conjunto que eles compõem. É garantido também expressar esta lex orandi, como a Igreja sempre defendeu, por conta do seu uso ininterrupto, desde tempos imemoriais. Devemos concluir que a primeira afirmação papal [de Bento] tem bases sólidas e é verdadeira e que a segunda [de Francisco] é infundada e falsa. Mas apesar de ser falso, ainda assim é dado poder de lei. Isso tem consequências sobre as quais escreverei a seguir.

As concessões relativas ao uso do Missal de 1962 agora têm um caráter diferente das anteriores. Não se trata mais de responder ao amor com que os fiéis aderem à forma tradicional, mas de dar tempo aos fiéis – quanto tempo, não nos é dito – para “voltar” à liturgia reformada. As palavras do Motu Proprio e da sua Carta aos Bispos deixam perfeitamente claro que foi tomada, e já está a ser implementada, a decisão de retirar a liturgia tradicional da vida da Igreja e lançá-la no abismo do esquecimento: não pode ser usado nas igrejas paroquiais, novos grupos não devem ser formados, Roma deve ser consultada para que novos padres a rezem. Os bispos devem agora ser Traditionis Custodes, “Guardiães da Tradição”, mas não no sentido de guardiões que a protegem, mas sim no sentido de guardiões de uma prisão.

Permita-me expressar minha convicção de que isso não acontecerá e que a operação irá falhar. Quais são os motivos desta convicção? Uma análise cuidadosa de ambas as Cartas de 16 de julho expõe quatro componentes: hegelianismo, nominalismo, crença na onipotência do Papa e responsabilidade coletiva. Cada um é um componente essencial de sua mensagem e nenhum deles pode ser conciliado com o depósito da Fé católica. Visto que não podem ser reconciliados com a Fé, não serão integrados a ela nem na teoria nem na prática. Vamos examinar cada um deles por vez.

1) HegelianismoO termo é convencional: não significa literalmente o sistema do filósofo alemão Hegel, mas algo que deriva desse sistema, ou seja, a compreensão da história como um processo bom, racional e inevitável de mudanças contínuas. Essa forma de pensar tem uma longa história, de Heráclito e Plotino, a Joaquim de Fiore, até Hegel, Marx e seus herdeiros modernos. A característica dessa abordagem é dividir a história em fases, de forma que o início de cada nova fase se junte ao final da anterior. As tentativas de “batizar” o hegelianismo nada mais são do que tentativas de dotar essas supostas fases históricas da autoridade do Espírito Santo. Presume-se que o Espírito Santo comunica à próxima geração algo que Ele não falou para a anterior, ou mesmo que Ele comunica algo que contradiz o que Ele disse antes. No último caso, devemos aceitar uma das três coisas: ou em certas fases a Igreja falhou em obedecer ao Espírito Santo, ou o Espírito Santo está sujeito a mudanças, ou Ele carrega contradições dentro de si.

Outra consequência dessa visão de mundo é uma mudança na forma como entendemos a Igreja e a Tradição. A Igreja já não é vista como uma comunidade que une os fiéis e transcende o tempo, como afirma a Fé católica, mas como um conjunto de grupos pertencentes às várias fases. Esses grupos não têm mais uma linguagem comum: nossos ancestrais não tinham acesso ao que o Espírito Santo nos diz hoje. A própria Tradição não é mais uma mensagem continuamente estudada; consiste antes em receber continuamente coisas novas do Espírito Santo. Em vez disso, passamos a ouvir, como em sua Carta aos Bispos, Santo Padre, da“dinâmica da Tradição”, muitas vezes com uma aplicação a eventos específicos. Um exemplo disso é quando o senhor escreve que a “última etapa desta dinâmica é o Concílio Vaticano II, durante o qual os bispos católicos se reuniram para ouvir e discernir o caminho mostrado à Igreja pelo Espírito Santo”. Esta linha de raciocínio implica que uma nova fase requer novas formas litúrgicas, porque as anteriores eram adequadas à fase anterior, que acabou. Uma vez que essa sequência de estágios é sancionada pelo Espírito Santo, por meio do Concílio, aqueles que se apegam às formas antigas, apesar de terem acesso às novas, se opõem ao Espírito Santo.

Essas opiniões, no entanto, são contrárias à Fé. A Sagrada Escritura, norma da Fé católica, não fornece nenhuma base para tal compreensão da história.Em vez disso, ensina-nos uma compreensão totalmente diferente. O Rei Josias, tendo sabido da descoberta do antigo livro da Lei, ordenou que a celebração da Páscoa fosse conduzida de acordo com ela, apesar de uma interrupção de meio século (2 Rs 22-23). Da mesma forma, Esdras e Neemias no retorno do cativeiro babilônico celebraram a Festa dos Tabernáculos com todo o povo, estritamente de acordo com os antigos registros da Lei, apesar de muitas décadas terem se passado desde a celebração anterior (Ne 8). Em cada caso, os antigos documentos da lei foram usados ​​para renovar o culto divino após um período de turbulência. Ninguém exigiu uma mudança no ritual com o fundamento de que novos tempos haviam chegado.

2) Nominalismo. Enquanto o hegelianismo influencia a compreensão da história, o nominalismo afeta a compreensão da unidade. O nominalismo implica que introduzir unidade externa (por meio de uma decisão administrativa de cima para baixo) é equivalente a alcançar a unidade real. Isso ocorre porque o nominalismo abole a realidade espiritual, procurando apreendê-la e regulá-la com medidas materiais. O senhor escreve, Santo Padre, que: “É para defender a unidade do Corpo de Cristo que sou forçado a retirar a faculdade concedida pelos meus predecessores”. Mas para alcançar esse objetivo, a verdadeira unidade, seus antecessores tomaram a decisão oposta, e não sem razão. Quando se compreende que a verdadeira unidade inclui algo espiritual e interno e, portanto, difere da mera unidade externa, não se busca mais simplesmente a uniformidade dos signos externos. Não obtemos verdadeira unidade desta forma.

A unidade não resulta da retirada de faculdades, da revogação do consentimento e da imposição de limitações. O rei Roboão, de Judá, antes de decidir como tratar os israelitas, que desejava que ele melhorasse sua sorte, consultou dois grupos de conselheiros. Os mais velhos recomendavam clemência e redução dos fardos das pessoas: a idade, na Sagrada Escritura, muitas vezes simboliza a maturidade. Os jovens, que eram contemporâneos do rei, recomendavam o aumento de seus fardos e o uso de palavras duras: juventude, nas Escrituras, muitas vezes simboliza imaturidade. O rei seguiu o conselho dos jovens. E falhou em trazer unidade entre Judá e Israel. Ao contrário, deu início à divisão do país em dois reinos (1Rs 12). Nosso Senhor curou essa divisão por meio da brandura, sabendo que a falta dessa virtude havia causado a divisão.

Antes do Pentecostes, os apóstolos avaliavam a unidade por critérios externos. Esta abordagem foi corrigida pelo próprio Salvador, que, em resposta às palavras de São João: “Mestre, vimos um homem expulsar os espíritos malignos em teu nome e não o deixamos fazê-lo, porque ele não era um de nós ”, respondeu“ Deixe-o, porque quem não é contra vós está convosco ”(Lc 9,49-50, cf. Mt 9,38-41). Santo Padre, o senhor teve muitas centenas de milhares de fiéis que “não eram contra” o senhor. E fez muito para tornar as coisas difíceis para eles! Não teria sido melhor seguir as palavras do Salvador indicando um fundamento espiritual de unidade mais profundo? O hegelianismo e o nominalismo freqüentemente tornam-se aliados, pois a compreensão materialista da história leva à convicção de que cada etapa deve terminar irrevogavelmente.

3) Crença na onipotência do Papa. Quando o Papa Bento XVI concedeu maior liberdade para o uso da forma clássica da liturgia, ele se referiu a um costume e séculos de uso. Isso forneceu uma base sólida para sua decisão. A decisão de Vossa Santidade não se baseia em tais fundamentos. Pelo contrário, revoga algo que existe e dura há muito tempo.  O senhor escreve, Santo Padre, que encontra apoio nas decisões de São Pio V, mas ele aplicou critérios exatamente opostos aos seus. Segundo ele, o que existiu e durou séculos continuaria sem ser perturbado; apenas o que era mais recente foi revogado. A única base que resta para sua decisão é, portanto, a vontade de uma pessoa dotada de autoridade papal. Pode esta autoridade, embora, por maior que seja, impedir que os antigos costumes litúrgicos sejam uma expressão da lex orandi da Igreja Romana? Santo Tomás de Aquino se pergunta se Deus pode fazer com que algo que existiu nunca tenha existido. A resposta é não, porque a contradição não faz parte da onipotência de Deus (Summa Theologiae , p. I, qu. 25, art. 4). Da mesma forma, a autoridade papal não pode fazer com que rituais tradicionais que tenham expressado a Fé da Igreja ( lex credendi ) por séculos, de repente, um dia, não mais expressem a lei da oração da mesma Igreja ( lex orandi ). O Papa pode tomar decisões, mas não aquelas que violam uma unidade que se estende ao passado e ao futuro, muito além da duração de seu pontificado. O Papa está ao serviço de uma unidade maior do que a sua autoridade. Pois é uma unidade dada por Deus e não de origem humana. Portanto, é a unidade que tem precedência sobre a autoridade, e não a autoridade sobre a unidade.

4) Responsabilidade coletiva. Indicando os motivos da sua decisão, Santo Padre, o senhor faz várias e graves acusações contra aqueles que exercem as faculdades reconhecidas pelo Papa Bento XVI. Não é especificado, entretanto, quem comete esses abusos, nem onde, nem em que número. Existem apenas as palavras “frequentemente” e “muitos”. Nem sabemos se é maioria. Provavelmente não. Ainda que não a maioria, mas todos aqueles que fazem uso das faculdades acima mencionadas, foram afetados por uma sanção penal draconiana. Eles foram privados de seu caminho espiritual, imediatamente ou em algum momento futuro não especificado. Certamente há pessoas que fazem mau uso de facas. Deve a produção e distribuição de facas, portanto, ser proibida? Sua decisão, Santo Padre, é muito mais grave do que seria o hipotético absurdo de uma proibição universal de fazer facas.

Santo Padre: por que está fazendo isso? Por que  atacou a sagrada prática da antiga forma de celebrar o Santíssimo Sacrifício de Nosso Senhor? Os abusos cometidos sob outras formas, por mais difundidos ou universais que sejam, não conduzem a nada além de palavras, a declarações expressas em termos gerais. Mas como se pode ensinar com autoridade que “o desaparecimento de uma cultura pode ser tão grave, ou até mais grave, do que o desaparecimento de uma espécie de planta ou animal” ( Laudato si  145), e alguns anos depois, com um único ato, destinar à extinção grande parte do patrimônio espiritual e cultural da própria Igreja? Por que as regras de “ecologia profunda” formuladas pelo senhor não se aplicam neste caso?Em vez disso, por que não perguntou se o número cada vez maior de fiéis que assistem à liturgia tradicional poderia ser um sinal do Espírito Santo? O senhor não seguiu o conselho de Gamaliel (Atos 5). Em vez disso, o senhor os atingiu com uma proibição que nem mesmo tinha vacatio legis .

O Senhor Deus, modelo para os governantes terrenos e, em primeiro lugar, para as autoridades da Igreja, não usa Seu poder dessa forma. A Sagrada Escritura fala assim a Deus: “Porque o teu poder é o princípio da justiça: e porque tu és o Senhor de todos, te fazes misericordioso para com todos (…) Mas tu, sendo dono do poder, julgas, e com grande favor, livra-nos de nós : porque o teu poder está perto quando a tua vontade ”(Sb 12, 16-18). O verdadeiro poder não precisa se provar com aspereza. E a severidade não é um atributo de qualquer autoridade que segue o modelo divino. O próprio Salvador nos deixou um ensinamento preciso e confiável sobre isso (Mt 20,24-28). Não apenas o tapete foi puxado, por assim dizer, debaixo dos pés das pessoas que caminhavam em direção a Deus; foi feita uma tentativa de privá-los do próprio terreno em que pisam. Esta tentativa não terá sucesso. Nada que esteja em conflito com o catolicismo será aceito na Igreja de Deus.

Santo Padre, é impossível experimentar o solo sob os pés por 12 anos e de repente afirmar que ele não está mais lá. É impossível concluir que minha própria mãe, encontrada depois de muitos anos, não é minha mãe. A autoridade papal é imensa. Mas mesmo esta autoridade não pode fazer minha mãe deixar de ser minha mãe! Uma única vida não pode suportar duas rupturas mutuamente exclusivas, uma das quais abre um tesouro, enquanto a outra afirma que esse tesouro deve ser abandonado porque o seu valor expirou. Se eu aceitasse essas contradições, não poderia mais ter nenhuma vida intelectual, nem, portanto, nenhuma vida espiritual. A partir de duas declarações contraditórias, qualquer afirmação, verdadeira ou falsa, pode ser feita a seguir. Isso significa o fim do pensamento racional, o fim de qualquer noção de realidade, o fim da comunicação efetiva de qualquer coisa a qualquer pessoa. Mas todas essas coisas são componentes básicos da vida humana em geral e da vida dominicana em particular.

Não tenho dúvidas sobre minha vocação. Estou firmemente decidido a continuar minha vida e serviço dentro da Ordem de São Domingos. Mas, para fazer isso, devo ser capaz de raciocinar correta e logicamente. Depois de 16 de julho de 2021, isso não é mais possível para mim dentro das estruturas existentes. Vejo com toda a clareza que o tesouro dos santos ritos da Igreja, o solo sob os pés de quem os pratica e a mãe da sua piedade, continua a existir. Tornou-se igualmente claro para mim que devo testemunhar isso.

Não me resta escolha senão voltar-me para aqueles que, desde o início das mudanças radicais (mudanças, note-se, que vão muito além da vontade do Concílio Vaticano II), defenderam a Tradição da Igreja, juntos com o respeito da Igreja pelas exigências da razão e que continuam a transmitir aos fiéis o depósito imutável da Fé católica: a Fraternidade Sacerdotal São Pio X. A FSSPX mostrou-se disposta a aceitar-me, respeitando plenamente a minha identidade dominicana. Proporciona-me não só uma vida de serviço a Deus e à Igreja, um serviço não impedido por contradições, mas também a oportunidade de me opor às contradições que são inimigas da Verdade e que atacaram a Igreja com tanto vigor.

Existe uma situação de controvérsia entre a FSSPX e as estruturas oficiais da Igreja. É uma disputa interna da Igreja e diz respeito a assuntos de grande importância. Os documentos e as decisões de 16 de julho fizeram com que minha posição sobre este assunto convergisse com a da FSSPX. Como no caso de qualquer disputa importante, esta também deve ser resolvida. Estou determinado a dedicar meus esforços para esse fim. Pretendo que esta carta seja parte desse esforço. Os meios usados ​​só podem ser um humilde respeito pela Verdade e gentileza, ambos provenientes de uma fonte sobrenatural. Assim, podemos esperar a solução da controvérsia e a reconstrução de uma unidade que abrangerá não apenas os que vivem agora, mas também todas as gerações, passadas e futuras.

Agradeço-lhe a atenção que dispensou às minhas palavras e rogo, Santíssimo Padre, a sua bênção apostólica.

Com devoção filial em Cristo,
Fr. Wojciech Gołaski, OP

Traditiones Custodes: separando fato de ficção.

A história oculta por trás de Traditiones Custodes.

Por Diane Montagna, The Remnant, 3 de outubro de 2021 | Tradução: FratresInUnum.com 

“Nada está oculto que não há de ser manifestado, nem nada secreto que não seja conhecido e não venha à luz” (Lc 8,17).

Às vezes, as coisas não são o que parecem. E às vezes, existem duas “realidades”: uma que é oficialmente dada por aqueles que estão no poder e outra que então descobrimos ser a verdade.

O Heroismo do sofrimento moral

São Pio V, o Papa de Lepanto.

Quando, em 16 de julho de 2021, o Papa Francisco promulgou Traditionis Custodes, restringindo a missa tradicional em latim, ele disse que, de acordo com os resultados de uma recente consulta do Vaticano aos bispos, as normas de seus predecessores, Papa João Paulo II e Papa Bento XVI, tinham sido exploradas por alguns que assistem à missa tradicional em latim para semear a dissidência em relação ao Concílio Vaticano II. 

Na carta apostólica , o Papa Francisco escreve a respeito do questionário aos bispos:

“Seguindo a iniciativa do meu Venerável Predecessor Bento XVI de convidar os bispos a avaliarem a aplicação do Motu Proprio Summorum Pontificum três anos após a sua publicação, a Congregação para a Doutrina da Fé fez uma consulta detalhada aos bispos em 2020. Os resultados foram cuidadosamente considerados à luz da experiência que amadureceu durante esses anos. ”

Ele continua:

“Tendo considerado os desejos expressos pelo episcopado e ouvido o parecer da Congregação para a Doutrina da Fé, desejo agora, com esta Carta Apostólica, avançar cada vez mais na busca constante da comunhão eclesial. Portanto, considerei apropriado estabelecer o seguinte:

O Papa Francisco então passa a delinear as novas restrições à Missa Tradicional em Latim.

Junto com o decreto, o Papa Francisco também emitiu uma carta de acompanhamento, dirigida aos bispos de todo o mundo. Ele a apresentou observando que, como Bento XVI havia feito com Summorum Pontificum em 2007, ele também desejava explicar os “motivos que levaram [sua] decisão” de restringir a Missa em latim tradicional.

O primeiro entre eles, diz ele, são os resultados da pesquisa enviada aos bispos de todo o mundo pela CDF. O Papa Francisco explica:  

“Instruí a Congregação para a Doutrina da Fé a distribuir um questionário aos bispos sobre a implementação do  Motu proprio Summorum Pontificum. As respostas revelam uma situação que me preocupa e entristece e que me convence da necessidade de intervir. Lamentavelmente, o objetivo pastoral dos meus Predecessores, que pretendiam “fazer todo o possível para que todos aqueles que realmente possuíam o desejo de unidade encontrassem a possibilidade de permanecer nesta unidade ou de a redescobrir”, foi muitas vezes desconsiderado. Uma oportunidade oferecida por São João Paulo II e, com ainda maior magnanimidade, por Bento XVI, destinada a resgatar a unidade de um corpo eclesial com sensibilidades litúrgicas diversas, foi aproveitada para alargar as lacunas, reforçar as divergências e suscitar divergências que ferem a Igreja, bloqueiam seu caminho e expõem-na ao perigo de divisão”.

Com base nesses resultados, o Papa Francisco conclui que:

“Em defesa da unidade do Corpo de Cristo, sou obrigado a revogar a faculdade concedida pelos meus Predecessores. O uso distorcido que tem sido feito desta faculdade é contrário às intenções que levaram a conceder a liberdade de celebrar a Missa com o  Missale Romanum  de 1962. ”

Mais adiante, na carta que acompanha, uma outra referência é feita aos resultados do questionário. Papa Francisco diz:

“Respondendo aos seus pedidos, tomo a firme decisão de revogar todas as normas, instruções, permissões e costumes que precedem o presente  Motu proprio, e declaro que os livros litúrgicos promulgados pelos santos Pontífices Paulo VI e João Paulo II, em conformidade com os decretos do Concílio Vaticano II, constituem a expressão única [ unica ] da  lex orandi  do Rito Romano”.

Segundo o Papa Francisco, então, a consulta aos bispos desempenhou um papel fundamental em sua decisão de restringir severamente a Missa tradicional. Como ele mesmo disse, os resultados o “preocuparam e entristeceram” tanto que o “persuadiram” a “intervir. ” E ordenou que o decreto entrasse em vigor imediatamente.

Após a promulgação de Traditionis Custodes, considerável especulação girava em torno da pesquisa, mas o Vaticano não publicou seus resultados.

Um superior da CDF se manifesta

Quatro dias depois, em 20 de julho de 2021, uma entrevista ao Catholic News Service apareceu no National Catholic Reporter e na America Magazine , na qual o superior da CDF, o arcebispo Augustine Di Noia, que atua como secretário adjunto na Congregação para a Doutrina da Fé, expressou seu apoio à narrativa oficial apresentada pelo Papa Francisco. Di Noia insistiu que a carta que acompanhava o Papa “destemidamente acerta o prego na cabeça: o movimento tradicional da missa latina sequestrou as iniciativas de São João Paulo II e de Bento XVI para seus próprios fins”.

Surgem perguntas

Mas Traditionis Custodes reflete verdadeiramente a situação real? Foi justo o questionário aos bispos de todo o mundo, no qual o Papa Francisco disse ter baseado sua decisão? Seria essa consulta considerada justa se parte do conteúdo de Traditionis Custodes já tivesse sido sugerido durante uma reunião plenária da CDF, no final de janeiro de 2020, que deu lugar a uma consulta que se destinava a justificar as decisões tomadas em Traditionis Custodes? Poderia ser chamada de justa se descobrisse que havia um segundo relatório paralelo criado dentro da Congregação para a Doutrina da Fé, que foi concluído antes de todas as respostas dos bispos terem sido recebidas pela CDF? E poderia ser considerado justo se Traditinis Custodes não representasse com precisão o relatório principal e detalhado preparado para o Papa Francisco pela quarta seção da CDF, ou seja, a antiga Ecclesia Dei? Muitas pessoas, de fato, sabiam que este relatório estava sendo preparado.

Vamos examinar o que agora veio à luz sobre cada uma dessas três questões.

A Sessão Plenária de 2020

À nossa primeira pergunta: faria sentido pensar que Traditionis Custodes foi apenas o resultado da consulta aos bispos de todo o mundo, quando agora sabemos que no final de janeiro de 2020 teve lugar uma sessão plenária da Congregação para a Doutrina da Fé , onde três cardeais já lançavam as bases para o Motu Proprio de 16 de julho de 2021?

Na tarde do dia 29 de janeiro de 2020, uma sessão plenária foi realizada para discutir a quarta seção da Congregação para a Doutrina da Fé, o que antes era conhecido como Comissão Pontifícia Ecclesia Dei, na qual o Prefeito da Congregação para o Doutrina da Fé, Cardeal Luis Ladaria, SJ, não esteve presente devido a problemas de saúde.

Antes de continuar, devo dizer que é amplamente considerado que o Cardeal Ladaria estava “relutante” em publicar Traditionis Custodes. Diz-se que ele é um bom homem, extremamente discreto, mas que não irá contra a vontade do Santo Padre.

Na ausência do cardeal Ladaria, a assembléia foi presidida pelo secretário da CDF, o arcebispo Giacomo Morandi. Morandi, alguns devem se lembrar, foi nomeado subsecretário da CDF em 2015, antes que três funcionários do Cardeal Muller fossem demitidos. Quando o cardeal Müller foi “deposto” em 2017 e o cardeal Ladaria foi nomeado prefeito, Morandi foi promovido a secretário.

Também estiveram presentes na sessão plenária de 29 de janeiro de 2020 outros membros da CDF, incluindo o Secretário de Estado do Vaticano, o Cardeal italiano Pietro Parolin; o cardeal canadense Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos; o cardeal italiano Giuseppe Versaldi, prefeito da Congregação para a Educação Católica; o cardeal Beniamino Stella, então prefeito da Congregação para o Clero, os cardeais americanos Sean Patrick O’Malley e Donald Wuerl; o arcebispo italiano Rino Fisichella, presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização; o arcebispo Charles Scicluna de Malta, que atua como secretário adjunto da CDF; o cardeal francês Jean-Pierre Ricard, o arcebispo francês Roland Minnerath e outros. O Papa não estava nesta reunião.

De acordo com fontes confiáveis, o cardeal Parolin, o cardeal Ouellet e o cardeal Versaldi estavam conduzindo a discussão e conduzindo-a em uma direção definida.

Para dar uma ideia do que foi dito, um cardeal – que é considerado mais um “acólito” do que um líder de gangue – expressou o alarme de que cerca de 13.000 jovens se inscreveram para a peregrinação de Chartres. Ele disse que precisamos descobrir por que esses jovens são atraídos para a missa tradicional e explicou aos outros presentes que muitos desses jovens têm “problemas psicológicos e sociológicos”. O cardeal em questão tem formação em direito canônico e psicologia, então suas observações sobre “problemas psicológicos” teriam tido mais peso, especialmente com bispos e cardeais que não estão familiarizados com a missa latina tradicional ou círculos de missa latina.

Outro cardeal disse que pela pouca experiência que teve, “esses grupos não aceitam mudanças” e “participam sem concelebrar”. A CDF deveria, portanto, pedir um “sinal concreto de comunhão, de reconhecimento da validade da Missa de Paulo VI”, insistiu ele, acrescentando que “não podemos continuar assim”. Ele apoiou a preocupação de que esses grupos atraiam os jovens e pediu que fossem encontradas formas concretas de demonstrar que essas pessoas estão na Igreja.

Um arcebispo italiano disse que concordava que a CDF não deveria retomar as discussões com a FSSPX, porque “não há diálogo com surdos”. Ele lamentou que o Papa Francisco tivesse feito concessões à FSSPX no Ano da Misericórdia, mas não estava recebendo nada em troca.

A reunião de uma hora e meia terminou com a seguinte citação: “A tradição é a fé viva dos mortos. O tradicionalismo é a fé morta dos vivos”.

Apesar da variedade de observações oferecidas nesta sessão plenária – que, novamente, durou uma hora e meia – houve apenas uma conclusão nas propostas finais apresentadas ao Santo Padre. E qual foi? Estudar cuidadosamente a eventual transferência de competência sobre os Institutos Ecclesia Dei e outros assuntos tratados pela Quarta Seção, para outros dicastérios do Vaticano que tratam de assuntos relacionados: a Congregação para o Culto Divino, a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Apostólica Vida (também conhecida como Congregação para os Religiosos) e a Congregação para o Clero.

Nos artigos 6 e 7 de Traditionis Custodes, o Papa Francisco estabelece as seguintes normas:

Art. 6 .: Os Institutos de vida consagrada e as Sociedades de vida apostólica, erigidos pela Pontifícia Comissão  Ecclesia Dei , são da competência da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica.

Art. 7: A Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos e a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, para assuntos de sua competência particular, exercem a autoridade da Santa Sé no que diz respeito à observância destas disposições.

Lembre-se de que o questionário foi enviado cinco meses depois, em maio de 2020. Não se sabe quem escreveu as perguntas.

Portanto, parece que a bola já estava cantada na sessão plenária no final de janeiro de 2020.

Um segundo relatório paralelo

Agora, a nossa segunda pergunta: poderia o questionário ser considerado justo se descobrissêmos que havia um segundo relatório paralelo criado dentro da seção doutrinária da Congregação para a Doutrina da Fé, que foi concluído antes mesmo de todas as respostas dos bispos terem sido recebidas pela CDF?

Fontes confiáveis ​​confirmaram que, enquanto o relatório principal estava sendo preparado, os superiores da CDF encomendaram um segundo relatório para ter certeza de que o relatório principal refletia o feedback dos bispos. A Congregação teria que ter certeza de que o relatório principal não chegasse apenas às conclusões usuais, por exemplo, que a Missa tradicional é um elemento positivo na vida da Igreja, etc., etc., etc. O segundo relatório foi, portanto, elabnorado como uma espécie de segunda opinião, uma verificação do relatório principal. Os superiores da CDF, portanto, encarregaram um oficial da seção doutrinária para escrever seu próprio relatório.

É importante ter em mente que as respostas teriam chegado por correio ou e-mail, ou por meio das nunciaturas ou conferências episcopais.

Para revisar o cronograma de como as coisas se desenrolaram: a sessão plenária acima referida realizou-se em janeiro de 2020. O questionário foi enviado no mês de maio seguinte. Os bispos tiveram até outubro de 2020 para responder, mas como acontece com as coisas romanas, as respostas continuaram a chegar até janeiro de 2021 e todas foram recebidas, revisadas e consideradas para o relatório principal.

Quanto ao segundo relatório paralelo, não se sabe se o funcionário encarregado da redação do relatório foi instruído a tirar certas conclusões.

O que é certo é que o segundo relatório paralelo, que eu sei foi encomendado por volta de novembro de 2020, foi entregue antes do Natal. No entanto, neste ponto, a CDF ainda estava recebendo e processando respostas à pesquisa, e o fez até janeiro de 2021. Portanto, o segundo relatório estava certamente incompleto, e também provavelmente superficial, dada a rapidez com que foi concluído, o volume de material para ser analisado e o fato de o material estar sendo recebido em quatro ou cinco idiomas.

Então, dois relatórios foram preparados. Aquele que melhor se adequava a determinada agenda foi escolhido como base para Traditionis Custodes? Ou os responsáveis ​​- percebendo que o material que chegou à CDF não refletiria ou justificaria o que aqueles que pressionavam por restrições queriam provar – encomendaram o segundo relatório e o concluíram em menos de um mês para que uma espécie de texto paralelo poderia ser oferecido ao Santo Padre?

Não se sabe se o Papa Francisco leu o segundo relatório, ou se o recebeu antes ou depois do relatório principal. Foi mantida toda discrição.

Mas o que está vindo à luz, e vamos olhar para este assunto seguinte, é que Traditionis Custodes não reflete as premissas ou conclusões do relatório detalhado principal. Portanto, a questão é: ele reflete as premissas e conclusões de outro relatório? Poderia ser este o segundo relatório? Ou poderia talvez não refletir as conclusões de qualquer relatório, mas foi elaborado de outra forma.

O Relatório Principal

Agora, a nossa terceira pergunta: poderia ser considerado justo se Traditionis Custodes não representasse com precisão o relatório principal e detalhado preparado para o Papa Francisco pela Congregação para a Doutrina da Fé?

Anteriormente, mencionei uma entrevista que apresentava o secretário adjunto da CDF, o arcebispo Augustine Di Noia, e foi publicada em 20 de julho de 2021, apenas quatro dias após a promulgação de Traditionis Custodes.  

Insistindo que estava falando “como teólogo” e não como oficial da CDF, o arcebispo Di Noia pareceu se distanciar do questionário, dizendo que não tinha os resultados. Ele também minimizou a importância da consulta, dizendo que a “justificativa do Papa para a revogação de todas as disposições anteriores nesta área não é baseada nos resultados do questionário, mas apenas ocasionada por eles ”. Uma formulação um tanto estranha, dada a própria explicação do Papa Francisco de seus motivos.

O artigo é apresentado como o resumo de uma correspondência ou telefonema por e-mail, então talvez o arcebispo Di Noia não tivesse o relatório em sua mesa quando segurava o telefone ou respondia por e-mail. Mas, como superior da CDF, é impossível, é inconcebível que ele não tivesse ao menos acesso a esse relatório, que foi elaborado pela Congregação para a Doutrina da Fé. Você não precisa ser um Einstein para descobrir isso.

Uma pessoa poderia dizer: “Como teólogo, não tenho os resultados” quando, como superior da CDF, você teria recebido uma cópia antecipada e estaria presente quando o relatório preliminar foi revisado? O sumário executivo foi visto em forma de rascunho por alguns na CDF.

Como um aparte, o artigo também afirma que o Papa Francisco “provavelmente consultou ou pelo menos deu cópias antecipadas do documento ao Papa emérito Bento XVI”. Disseram-me que o artigo que publiquei no Remnant em 1º de junho de 2021, seis semanas antes da promulgação de Traditionis Custodes, e que descrevia o que estava no primeiro e terceiro rascunhos, foi entregue ao Papa Bento XVI. Uma fonte confiável me disse depois que o papa emérito ficou “chocado”. Portanto, é difícil acreditar que ele foi consultado de alguma forma significativa.

O Papa Francisco recebeu o relatório principal? Fontes dizem que durante uma audiência com o prefeito da CDF, cardeal Ladaria, o Papa Francisco literalmente arrebatou a cópia de trabalho do relatório de suas mãos, dizendo que o queria imediatamente porque estava curioso sobre ele. Se o Papa Francisco realmente leu o relatório principal, não se sabe.

Conteúdo do Relatório Principal à Luz da Consulta

Pelo que sei, o relatório principal foi muito completo e dividido em várias seções. Uma parte foi muito analítica, oferecendo análises diocese por diocese, país por país, região por região, continente por continente, com circulares e gráficos. Outra parte foi um resumo onde toda a argumentação foi apresentada, junto com recomendações e tendências. E que eu saiba, uma parte do relatório continha citações tiradas das respostas que vieram de cada diocese. Esta coleção de citações teria sido incluída para dar ao Santo Padre uma amostra completa do que os bispos disseram.

Eu havia relatado em junho que apenas um terço dos bispos do mundo responderam à pesquisa. Pode-se argumentar que esta não é uma má representação, visto que não se esperaria necessariamente uma resposta de muitos países, por exemplo, onde a liturgia bizantina ou outras liturgias orientais são celebradas.

Nas regiões onde a missa tradicional é mais difundida (ou seja, França, Estados Unidos e Inglaterra), a situação é muito favorável. A CDF recebeu resposta de 65-75% desses países, e dessa porcentagem mais de 50% foram favoráveis. Isso teria se refletido no relatório principal.

O sumário executivo também teria refletido que há muitos frutos nascendo da missa tradicional.

O que uma pessoa razoável teria tirado do relatório principal? Que uma maioria razoável de bispos, usando palavras diferentes e de maneiras diferentes, basicamente estava enviando a mensagem: “Summorum Pontificum está bem. Não toque nisso”. Certamente não teria sido 80 por cento que disse isso desta forma. Mas mais de 35 por cento dos bispos teriam dito: “Não toque em nada, deixe tudo como está”. Além disso, outra porcentagem de bispos teria dito: “Basicamente, não toque nisso, mas haveria uma ou duas coisas que eu sugeriria, como um bispo tendo um pouco mais de controle”. Até mesmo alguns dos bispos que deram as respostas mais positivas ao questionário fizeram esse tipo de comentários ou sugestões.

Ao todo, então, mais de 60 por cento a dois terços dos bispos concordariam em manter o curso, talvez com algumas pequenas modificações. A mensagem era basicamente deixar Summorum Pontificum em paz e continuar com uma aplicação prudente e cuidadosa.

O relatório principal falava de áreas onde há espaço para melhorias, como mais formação em seminários. Alguns bispos falaram da necessidade de mais formação na Forma Extraordinária e da necessidade de uma boa liturgia em geral. Alguns bispos teriam falado da necessidade de mais latim. Em vez disso, como vemos em Traditionis Custodes, o oposto é que foi decretado.

Do que é de meu conhecimento, o que realmente aconteceu é que tudo o que era auxiliar no relatório principal foi projetado como um grande problema e foi expandido, ampliado de forma extremamente desproporcional. Considere o problema da unidade. Essa falta de unidade, pelo que disseram os bispos, veio de ambas as direções, não apenas de grupos tradicionais.

Alguns bispos – embora não celebrem a missa tradicional eles mesmos – disseram que estão felizes com o fato de os fiéis terem um lugar para ir. Eles dizem que, além dos malucos que se pode encontrar nos círculos tradicionais – e igualmente, se não mais, em outros lugares – geralmente esses grupos são compostos de jovens casais com muitos filhos. Eles rezam, ajudam financeiramente a paróquia e a diocese, estão envolvidos na vida paroquial e diocesana muito ativamente. Eles são bem formados e apreciam boa música. Comentários muito positivos.

Mais uma vez, a respeito da formação dos seminários, alguns bispos disseram que gostariam de ter uma maior presença da Forma Extraordinária da Missa em seu seminário e entre os padres mais jovens, mas eles não podem fazer mais do que estão fazendo atualmente, porque os padres mais velhos, especialmente aqueles que viveram a transição de antes para depois do Vaticano II, criariam estragos na diocese. Esses padres mais velhos veriam algo em que estiveram altamente envolvidos e que lhes foi apresentado como uma espécie de vitória, varrida pelos padres mais jovens e por um bispo solidário, que é mais favorável à tradição do que ao objeto de sua vitória. Esse tipo de resposta, embora uma pequena porcentagem, não se limitou a uma localização geográfica.

Curiosamente, na Ásia, alguns bispos disseram que têm um problema com a língua latina, porque ela vem de uma região diferente, o que é perfeitamente compreensível. Eles efetivamente disseram à CDF: Ficaríamos muito felizes se alguém de Roma viesse ensinar nossos padres, para que eles pudessem oferecer a Forma Extraordinária. No nosso seminário não temos porque os padres não sabem latim e não sabem celebrar. Ficaríamos felizes em tê-la porque aumenta a oração e a devoção. Mas tudo isso desapareceu e não recebeu nenhuma menção em Traditinis Custodes.  

Obviamente, alguns bispos fizeram comentários negativos, mas fontes confiáveis ​​dizem que nem as respostas, nem o relatório principal, foram predominantemente negativos.

A situação verdadeiramente trágica, segundo me disseram, é na Itália. Em muitas dioceses além de lugares como Roma, Milão, Nápoles e Gênova, e talvez alguns outros, Summorum Pontificum mal foi implementado, se é que foi implementado. No entanto, muitos bispos, que não têm nenhum conhecimento prático da implementação de Summorum Pontificum, responderam em termos ideológicos, dizendo (e eu parafraseio): “Isso não pode ser. Não reflete o Vaticano II. ”

Há até motivos para acreditar que alguns dos bispos italianos foram treinados em suas respostas. A Itália tem quase 200 bispos de origens muito diferentes. Eles vêm de diferentes localizações geográficas, seminários e universidades, e experiências de formação sacerdotal. Ainda assim, muitos deles, em sua resposta, usaram a mesma frase, “retorno ao regime pré-Summorum Pontificum”. Em italiano, a frase é: “Tornare al regime precedente di Summorum Pontificum”. Isso é um tanto estranho, especialmente quando até bispos que não têm nenhuma presença real da Forma Extraordinária em sua diocese a incorporam em suas respostas.

Outro ponto: no artigo mencionado anteriormente, o arcebispo Di Noia afirmou que “a coisa ficou totalmente fora de controle e se tornou um movimento, especialmente nos Estados Unidos, França e Inglaterra”. (Na verdade, estes não são países onde a missa tradicional em latim está “fora de controle”, mas simplesmente difundida.) Mas, uma vez que Traditionis Custodes fornece meios para assumir o controle desta situação “fora de controle”, de acordo com Di Noia, seria de se pensar que os bispos americanos, franceses e ingleses o teriam aplicado imediatamente com a interpretação mais forte possível. Provavelmente, eles teriam se aproveitado do fato de que era imediatamente aplicável, mas isso não aconteceu. Então, onde está o “fora de controle”?

Isso se refletiu nas respostas dos bispos após a promulgação de Traditinis Custodes. A primeira reação muitas vezes era decretar que tudo continuaria como está, até que houvesse tempo para estudar, discutir, etc. Onde os bispos já se opunham à Forma Extraordinária, eles decidiram ser mais santos que o Papa e proibi-la. Mas a maioria dos bispos disse que garantiria o cuidado pastoral daqueles que participam da missa tradicional em latim. Isso está de acordo com a forma como os bispos se expressaram em suas respostas à pesquisa. Na verdade, quando esses decretos foram publicados, eles refletiam o tom que o bispo havia usado ao responder.

O ponto-chave, como provavelmente já se deve ter percebido, é que as premissas e conclusões de Traditionis Custodes não são as mesmas apresentadas no relatório principal detalhado produzido pela Congregação para a Doutrina da Fé. Traditionis Custodes não foi consistente com o que o relatório principal recomendou ou revelou. Como disse uma fonte: “O que eles estão realmente interessados ​​em fazer é cancelar a Missa Antiga, porque a odeiam”.

Como mencionei antes, que eu saiba, uma parte do relatório continha citações tiradas das respostas recebidas de cada diocese. O objetivo era fornecer ao Santo Padre uma amostra representativa de respostas e foram divididas em várias categorias. Estas incluíram: “avaliações negativas sobre a atitude de certos fiéis”; “No isolamento da comunidade”; uma seção muito breve “sobre a irrelevância do FE (Forma Extraordinária) para as pessoas”; “Sobre a necessidade e / ou adequação pastoral da FE”; “Aqueles a quem a FE atrai”; uma considerável seção de citações sobre “o valor da FE para a paz e a unidade da Igreja”; “Sobre o valor teológico litúrgico e catequético da FE”; “Sobre o valor histórico do FE”; “Sobre a influência da FE na FO (Forma Ordinária)”; “Sobre a influência da FE nos seminários e / ou casas de formação”; e uma longa seção final de “propostas para o futuro”. Pode-se ver pelas citações incluídas que os resultados não foram cobertos de açúcar. Vamos considerar apenas alguns deles das várias categorias (FE = Forma Extraordinária; FE = Forma Ordinária):

Avaliações negativas sobre a atitude de certos fiéis

Em um sentido negativo, [a FE] pode fomentar um sentimento de superioridade entre os fiéis, mas na medida em que esse rito foi mais amplamente usado, esse sentimento diminuiu (Um Bispo da Inglaterra, resposta à pergunta 3).

Não vejo aspectos negativos no uso de FE como tal. Quando há aspectos negativos, eles se devem às atitudes negativas de quem tem opiniões fortes em uma ou outra direção a respeito dessa forma de celebração. Quando é a ideologia, e não o bem pastoral da Igreja, que orienta o discernimento sobre o uso do FE, surge o conflito e a divisão. Repito: isso é algo extrínseco ao próprio uso da Missa (Um Bispo dos Estados Unidos, resposta à pergunta 3).

Pode haver uma tendência entre alguns dos fiéis de ver esta [a FE] como a única missa “verdadeira”, mas acho que isso vem do fato de que essas pessoas foram vistas como “estranhas” ou marginalizadas. Se você tentar “regularizar” tanto quanto possível, essas pessoas se sentirão cuidadas e guiadas pastoralmente, e poderão ser muito fiéis e leais (um bispo da Inglaterra, resposta à pergunta 3).

Os aspectos [da FE] em si são apenas positivos: é um grande dom para todos poderem conhecer e assistir à festa de forma extraordinária. Os aspectos negativos só estão presentes na medida em que essas celebrações são celebradas e / ou frequentadas por pessoas desequilibradas ou ideologizadas (Um Bispo da Itália, resposta à pergunta 3).

A divisão e a discórdia não vêm do uso do FE, mas da percepção das pessoas sobre quem frequenta. As pessoas são vinculadas a motivações e tendências que não são verdadeiras (um bispo dos Estados Unidos, resposta à pergunta 3).

Sobre a irrelevância do FE para as pessoas

Às vezes, a forma não foi aplicada para o bem das almas, mas para satisfazer os gostos pessoais do presbítero (um bispo da Itália, resposta à pergunta 4).

Sobre a necessidade e / ou conveniência pastoral da FE

A oferta atual de missas e celebrações na FE atende às necessidades pastorais dos fiéis. Os conflitos iniciais sobre o estabelecimento de missas na FE foram resolvidos pacificamente nos últimos anos (Relatório Conjunto da Conferência Episcopal Alemã, resposta à pergunta 1).

A FE oferece aos fiéis um contexto para crescer na santidade por meio de uma celebração eucarística que aprofunda sua comunhão com Cristo e com os outros de uma forma que corresponda às suas sensibilidades. Uma afirmação semelhante pode ser feita sobre outras pessoas que crescem espiritual e eclesialmente por meio de formas de celebração mais contemporâneas (um bispo dos Estados Unidos, resposta à pergunta 3).

A atração exercida pela FE é tanto uma reação a uma celebração menos que satisfatória da FO quanto um desejo específico de uma liturgia latina (um bispo dos Estados Unidos, resposta à pergunta 9).

A FE atrai a esses

Este movimento atrai muitas famílias jovens que se sentem confortáveis ​​com esta liturgia e com as atividades que são oferecidas em torno dela. Acho que essa diversidade é boa na Igreja, e que a diminuição do número de praticantes não deve gerar a todo custo uma uniformidade de propostas. Esta forma litúrgica é nutritiva para muitos. Existe um sentido do sagrado que é agradável e que orienta para Deus (Um Bispo da França, resposta à pergunta 3).

Observamos que essas famílias participam de muitos eventos vocacionais e juvenis diocesanos em uma proporção muito maior do que qualquer outro grupo (um bispo dos Estados Unidos, resposta à pergunta 9).

As missas FE em nossa diocese atraem algumas famílias devotas. Enquanto alguns dos pais “educam em casa”, outros colocam os filhos nas escolas católicas locais. Essas famílias abraçam muitos dos princípios promovidos pelo Vaticano II, incluindo a necessidade de cultivar a Igreja doméstica e o apelo universal à santidade (Um Bispo dos Estados Unidos, resposta à pergunta 3).

Um número significativo de jovens fervorosos se sentem nutridos – não exclusivamente – pela FE. A presença pacífica da FE permite que alguns jovens (aliás, típicos da sua geração) que sentem um apelo ao sacerdócio confiem na Diocese (Um Bispo de França, resposta à pergunta 8).

Sobre o valor da FE para a paz e a unidade da Igreja

A FE, sob a direção prudente do Ordinário, permitiu que mais católicos pudessem rezar de acordo com seu desejo e dissipou os conflitos de antes. Sua presença silenciosa não deve ser perturbada (Um Bispo da Inglaterra, resposta à pergunta 9).

O aspecto mais positivo do uso da FE é que agora não há mais nenhum “clã” reivindicando a “verdadeira missa”. O mistério eucarístico foi libertado de uma divisão ideológica muito prejudicial. Isso foi uma grande vantagem para a percepção da unidade da Igreja realizada em torno da Eucaristia (Um Bispo da França, resposta à pergunta 3).

Eu veria como um benefício para toda a Igreja se a Santa Sé continuasse a apoiar os fiéis católicos que estão ligados à FE de Rito Romano. Mesmo em termos gerais, promover diferenças genuínas de pensamento e expressão é um benefício para a Igreja universal. Ter uma seção dedicada a ela na CDF é útil, quando desenvolvimentos litúrgicos ou esclarecimentos são necessários. De acordo com as normas universais, nossa Arquidiocese também se comprometeu a estabelecer um diálogo com os líderes locais e nacionais da FSSPX. Creio que este passo positivo foi facilitado pela existência de Summorum Pontificum e das comunidades que ele fomentou (Um Bispo dos Estados Unidos, resposta à pergunta 9).

Creio que muitos dos que se sentiram separados da Igreja e foram para comunidades extra-eclesiais se sentiram acolhidos de volta à estrutura da Igreja por causa de Summorum Pontificum (Bispo dos Estados Unidos, resposta à pergunta 3).

Sobre o valor litúrgico, teológico e catequético da FE

Eu mesmo celebrei as ordenações presbitrais na FE quando não era minha forma usual e pude apreciar sua riqueza, beleza e profundidade litúrgica (Bispo da França, resposta à pergunta 3).

Não seria difícil dizer que, se fossem entrevistados, quase 100% dos que frequentam a FE acreditam na presença real de Cristo na Eucaristia, enquanto números drasticamente menores têm sido mostrados para os católicos que vão predominantemente ao FO (Bispo dos Estados Unidos, resposta à pergunta 3).

Sobre a influência da FE na OF

Embora a EF não seja amplamente seguida, ele influencia a FO em uma direção muito saudável, que eu resumiria como “em direção a uma maior devoção [reverência]” (um bispo dos Estados Unidos, resposta à pergunta 9).

A FO e FE representam dois entendimentos diferentes da Eucaristia, Eclesiologia, sacerdócio batismal e sacramento da Ordem (apenas para mencionar as diferenças teológicas mais óbvias). Tentar adotar elementos da FE seria apenas enviar sinais inconsistentes aos fiéis (um bispo do Japão, resposta à pergunta 5).

Dois párocos que aprenderam a FE posteriormente introduziram a celebração ad orientem para algumas ou todas as suas missas, que foi bem recebida pelos seus fiéis, que foram previamente catequizados. Além disso, para alguns dos nossos sacerdotes, houve um maior cuidado com a hóstia consagrada, tanto através da reintrodução e do uso habitual da patena da comunhão como através de um maior cuidado do próprio sacerdote no altar (Um Bispo do Caribe, resposta a questão 5).

Propostas e / ou perspectivas para o futuro

A prática [de Summorum Pontificum] seguida até agora provou seu valor e, por razões pastorais, não deve ser mudada (Relatório Conjunto da Conferência Episcopal Alemã, resposta à pergunta 9).

Temo que sem a FE, muitas almas deixariam a Igreja (Um Bispo dos Estados Unidos, resposta à pergunta 3).

Os movimentos eclesiais [como os ligados à FE] têm grande potencial de renovar a Igreja (…). Ao mesmo tempo, os movimentos eclesiais também podem vagar por conta própria, criando uma Igreja quase paralela e caindo em uma atitude elitista que se vê apenas como “verdadeiros católicos”. Isso acontece quando eles são deixados sozinhos. Em outras palavras, eles só podem renovar a Igreja se a hierarquia se envolver com eles, permitindo que se desenvolvam segundo o Espírito, mas também mantendo a comunhão com a Igreja. Quando os membros desses movimentos se sentem desafiados ou ignorados por seus pastores, eles se retiram e ficam ressentidos, mas quando sentem que seus pastores estão entre eles e os orientam, então se tornam valiosos meios de evangelização (Um Bispo dos Estados Unidos, resposta à pergunta 9).

Acho que esta é a melhor abordagem a ser usada sobre o uso da FE: a escola de Gamaliel: “Se essa atividade for de origem humana, ela vai ser destruída, mas se vier de Deus, vós não conseguireis derrotá-los; não vos encontrais lutando contra Deus ”(At 5, 38-39) (idem).

Peça aos padres que celebram na FE que aprendam a celebrar na FO e a fazê-lo em grandes encontros em torno do bispo, e também que possam prestar serviço nas paróquias (Bispo de França, resposta à pergunta 9).

Devo afirmar, em sã consciência, que repensar as opções feitas é mais necessário e urgente do que nunca (Um Bispo da Itália, resposta à pergunta 9).

Tenho a impressão de que qualquer intervenção explícita pode causar mais mal do que bem: se a linha do Motu proprio for confirmada, as reações perplexas do clero terão nova intensidade; se a linha do Motu proprio for negada, as reações de dissidência e ressentimento dos amantes do antigo rito terão nova intensidade (Um bispo da Itália, resposta à pergunta 9).

Não creio que seja apropriado revogá-lo ou limitá-lo com novas normas, para não criar contrastes e novos conflitos, levando ao sentimento de falta de respeito pelas minorias e suas sensibilidades (Um Bispo da Itália, resposta a questão 9).

Conclusão

O que nos espera? É difícil dizer. Alguns sugeriram que uma instrução de implementação de Traditionis Custodes poderia ser publicada, talvez até o Natal, mas isso ainda é desconhecido.

Nós nos acostumamos com a Santa Sé apoiando a paz litúrgica da Igreja, mas não podemos mais considerar isso garantido. Em conclusão, e a título de conselho:

  1. Padres, grupos estáveis ​​e fiéis devem abster-se de qualquer correspondência com a Santa Sé. Os que estão vinculados à missa tradicional em latim também devem evitar dar a impressão de que são “guerreiros” em sua diocese ou paróquia, que estão sempre protestando ou infelizes. O objetivo deve ser não perder a missa tradicional em latim como forma normal de oração. E, como filhos do Pai celestial, devemos orar pela hierarquia. Este é nosso dever.
  2. Os padres diocesanos individuais devem continuar a oferecer missas privadas, uma vez que o Missal de 1962 não foi revogado.
  3. Os bispos a quem o Santo Padre confiou a tarefa de guardar a tradição devem avaliar verdadeiramente se a implementação de Traditionis Custodes traria verdadeiros benefícios espirituais para o seu rebanho. Os bispos podem perceber que o que inspirou o Santo Padre é totalmente diferente da situação em sua própria diocese e agir de acordo com isso.

Hoje é o 450º aniversário da Batalha de Lepanto (1571) e comemora a vitória da Santa Liga (uma aliança de Estados católicos comissionada para derrotar os turcos) sobre a frota do Império Otomano. Foi a maior batalha naval da história ocidental desde a antiguidade clássica. São Papa Pio V (1504-1572), que comissionou a Santa Liga, colocou tanta ênfase no poder do Rosário quanto na Santa Liga. Ele também é conhecido por seu papel no Concílio de Trento, por codificar o Rosário e por promulgar o Missale Romanum de 1570 com a bula papal Quo Primum. Com esta bula, o santo papa procurou assegurar que ninguém jamais pudesse mudar a missa. Na Batalha de Lepanto, a única coisa que existia entre a Europa e sua destruição certa foram os homens da cristandade dispostos a responder ao chamado da Igreja, e sua disponibilidade para rezar o Rosário em defesa da Europa católica. Que tais homens se levantem hoje na defesa da liturgia romana tradicional, e que Nossa Senhora tenha a vitória!

Perseguição em Marília: Dom Cipolini proíbe a Missa Tradicional.

Por FratresInUnum.com, 29 de setembro de 2021 — Chegam-nos notícias da Diocese de Marília de que Dom Luiz Antonio Cipolini (não confundir com Dom Pedro Carlos Cipolini, bispo de Santo André e seu irmão de sangue) acaba de proibir a Missa Tradicional.

Na imagem, Dom Luiz Cipoli encontra-se com o Papa Francisco em setembro de 2019.

Vamos colocar trechos de uma mensagem enviada por um fiel, intercalados com comentários nossos.

“Vale notar que, com Summorum Pontificum em pleno vigor, o bispo permitiu a Missa Tridentina apenas uma vez por mês. Os fiéis pediram aumento da frequência das Missas por várias vezes, mas sem sucesso. Na verdade, Traditionis Custodes já estava em prática nessa Diocese do Oeste Paulista”.

Em outras palavras, o bispo já desobedecia o Motu Proprio anterior, abusando de sua autoridade contra uma legítima solicitação dos seus fiéis.

“Contudo, ao entrar o Traditionis Custodes, Dom Luiz Antonio Cipolini encontrou a ocasião para liquidar com a Missa Tridentina, ‘em obediência ao papa’, como ele escreveu a uma fiel”.

Trata-se daquela obediência seletiva. Quando o que a Santa Sé ordena está de acordo com a ideologia, então impõe-se de maneira ditatorial aquilo que se quer; mas quando o mandado não está ideologicamente alinhado, então se faz corpo mole e não se atende aos princípios anteriores. É o que ocorreu com Dom Moacir Silva, arcebispo de Ribeirão Preto: quando Summorum Pontificum foi promulgado, demorou anos para permitir, a contragosto, sua implementação na sua diocese de então; agora, com Traditionis Custodes, em menos de um mês lançou um decreto varrendo a Missa Tradicional de Ribeirão Preto — e ainda é convidado pela CNBB para uma live, a fim de explicar o documento bergogliano.

“Em média 100 fiéis iam às Missas mensais. Agora foram todos misericordiosamente cancelados, mas com ‘bênção paternal’”.

É aquela velha misericórdia tão estimada na atual conjuntura eclesiástica: o assassinato pastoral acompanhado por palavras doces e carinhosas.

“Quando o papa permitia a Missa Tridentina, o bispo de Marília a restringia. Quando o papa injustamente a restringiu, o bispo de Marília a suprimiu. Em nome da ‘comunhão’ e da ‘sinodalidade’”.

Sempre as mesmas “palavras-talismã”, que transfiguram as piores maldades em suma caridade. Mas o pior vem aí:

“Enquanto isso, na diocese há livremente Missas sertanejas, de cerco de Jericó, Missa afro e afins. Pe. Valdemar Cardoso, por exemplo, nacionalmente conhecido pelas Missas que celebrava na Rede Vida, tem um consultório onde realiza práticas esotéricas”.

De fato, Francisco não escreveu um Motu Proprio proibindo feitiçaria e superstição, está supressa apenas a Missa Tridentina, que é perigosíssima e causa grandes abalos na Igreja pós-Conciliar.

O referido padre, prossegue nosso leitor, “comete abusos litúrgicos selvagens e fala na Missa, por exemplo, dos benefícios de se tomar o santo daime, substância alucinógena, bem como dos espíritos que ele ‘vê’ durante a Missa, além de interpretações violentas e espiritualmente destrutivas das leituras bíblicas. Pe. Valdemar não visita doentes, não faz exéquias e conduz seus penitentes para sua ‘clínica’, onde as ‘consultas’ são pagas. Ele frequenta abertamente ambientes esotéricos, mas com ele não acontece nada. Já participou do Conselho de Presbíteros e é atualmente membro do Colégio de Consultores, cujos participantes são todos livremente nomeados pelo bispo. Muitas dessas informações podem ser checadas na página ‘Paróquia Nossa Senhora da Glória – Tupi Paulista’ ou na página do próprio padre”.

Daqui a pouco, é capaz que este sacerdote seja nomeado até bispo ou quem sabe cardeal. Atualmente, até a cantora Anitta vai dividir palco com Francisco. Tudo está interligado!

Agradecemos ao leitor que nos enviou as informações acima. Esperamos que essa injustiça não prevaleça e os fiéis possam ser atendidos neste seu pedido tão piedoso: poderem participar da Santa Missa Tridentina. Deus tenha misericórdia da sua Igreja.

Traditionis custodes: os últimos cartuchos concilares?

Por Padre Claude Barthe | Tradução: Hélio Dias Vianna – FratresInUnum.com, 20 de setembro de 2021 – A não aceitação do Concílio Vaticano II centrou-se de forma concreta na recusa da reforma litúrgica, embora alguns frequentadores da antiga Missa afirmem sua adesão a intuições conciliares “bem interpretadas”. Em todo caso, a existência da liturgia tradicional é um fenômeno persistente e até mesmo crescente de não aceitação. Marginal? O papa Bergoglio, que deseja ser o papa da plena realização do Vaticano II, chegou a se convencer de que o fenômeno é tão importante que é necessário agir para erradicá-lo. Com isso, o que talvez seja marginal certamente se tornou central: a Missa Tridentina foi apontada como o mal a ser derrubado e os seminários treinando padres para celebrá-la, como cânceres a serem eliminados. E isso com precedência a tudo.

Um retorno à violência original da reforma litúrgica

A liturgia tradicional é, porém, novamente proscrita, como sob Paulo VI. A Carta que acompanha Traditionis Custodes explica sem ambiguidades o objetivo último do texto pontifício: garantir “que voltemos a uma forma de celebração unitária”, a nova liturgia. A decisão é brutal e peremptória: o Papa decide tanto o fim da Missa tradicional quanto do mundo tradicional, ao qual acusa — e somente a ele! de minar a unidade da Igreja.

O Vaticano II, cujo grande projeto uma abertura ao mundo moderno em sua modernidade para que a Igreja seja mais escutada pelos homens desta época — é uma espécie de ponto intermediário entre a ortodoxia tradicional e a heterodoxia (neste caso, um relativismo neomodernista). A adoção de algumas proposições ambíguas permite, por exemplo, afirmar que um cristão separado pode, enquanto tal, como separado, estar em certa comunhão com a Igreja: segundo a Unitatis redintegratio, Lutero, que pensava ter rompido com a Igreja do Papa, na realidade teria permanecido um católico “imperfeito” (UR 3).

O Papa Francisco, desde a sua eleição, avançou tanto quanto possível sobre esta linha vermelha: ele transmuta a colegialidade em sinodalidade, vai além de Nostra ætate e do Dia de Assis com a declaração de Abu Dhabi, mas tem o cuidado de não ultrapassar o limiar além do qual cairíamos ou cairíamos mais rapidamente nesse niilismo para onde já se inclinam as mais ousadas teologias progressistas. Como Paulo VI, ele permanece fiel ao celibato eclesiástico e ao sacerdócio masculino, mas contornando a disciplina tradicional por meio dos ministérios leigos que o Papa Montini havia aberto (instituição de ministros que exercem funções clericais sem serem clérigos, para chegar provavelmente ao ministério de diaconisas ou mesmo de presidente informal de uma Eucaristia), e confiando aos leigos, homens e mulheres, responsabilidades quase jurisdicionais (posições cada vez mais elevadas nos dicastérios romanos).

Em outras palavras, Francisco conserva o suficiente da instituição, mas continua a esvaziá-la de sua substância doutrinária. De acordo com sua expressão, ele derruba os muros:

  • A Humanæ vitæ e um conjunto de textos posteriores a esta encíclica preservaram a moral matrimonial da liberalização à qual o Concílio havia submetido a eclesiologia. A Amoris lætitia derrubou esse dique: quem vive em adultério público pode permanecer nele sem cometer pecado grave (AL 301).
  • [O motu proprio] Summorum Pontificum havia reconhecido um direito a este museu da Igreja de antes que é a antiga liturgia, com a catequese e os ofícios clericais relacionados com ela. A Traditionis custodes afastou essa tentativa de “retorno”: os novos livros litúrgicos são a única expressão da lex orandi do rito romano (TC, art. 1).

O fato é que o Papa e seus conselheiros correram grandes riscos ao adotarem essas disposições tão violentas quanto apressadas. Comentaristas perplexos falam da ignorância do papa latino-americano sobre o terreno eclesial ocidental; sublinham o descarte contundente da grande obra de Bento XVI; apontam o dedo para as contradições de um governo caótico, que esmaga o tradicionalismo “de dentro” ao mesmo tempo em que concede faculdades equivalentes a um semi-reconhecimento ao tradicionalismo “de fora”, ou seja, aos lefebvristas; finalmente, ficam surpresos ao ver que enquanto o fogo do cisma crepita na Alemanha e a heresia silenciosa se difunde em todos os lugares, uma prática litúrgica totalmente inocente seja tachada de cisma ou heresia.

Mas podemos supor que o Papa e sua comitiva tenham apenas um encolher de ombros diante dessas críticas. Para eles, a justificativa para o ataque repressivo é crucial: a Missa Tridentina cristaliza a existência de uma Igreja dentro da Igreja, já que representa uma lex orandi “anteconciliar” e, portanto, “anticonciliar”. Segundo eles, pode-se transigir com os excessos da Igreja alemã que, na pior das hipóteses, são demasiadamente conciliares, mas não se pode tolerar a velha liturgia que é anticonciliar.

O Vaticano II e tudo o que dele provém não pode ser discutido! De maneira muito característica, a Carta que acompanha Traditionis custodes infalibiliza o Concílio: se a reforma litúrgica provém do Vaticano II e este foi um “exercício solene de poder colegial”, duvidar que o Concílio se insere no dinamismo da Tradição é “duvidar do próprio Espírito Santo que guia a Igreja”.

Uma repressão que chega tarde demais

Só que estamos em 2021,  não em 1969, durante a promulgação arejada e alegre do novo missal, nem em 1985, época do livro Relatório Ratzinger e da Assembleia Sinodal, que fez um balanço já preocupado dos frutos do Vaticano II, nem mesmo em 2005, onde o surgimento da expressão “hermenêutica da reforma em continuidade” se assemelhava fortemente a uma laboriosa tentativa de recomposição de uma realidade que cada vez mais escapava. Hoje é tarde demais.

A instituição eclesial está como que letárgica, a missão extinta e, pelo menos no Ocidente, a visibilidade em número de sacerdotes e fiéis evanescida. Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio, todo o contrário de um conservador, em seu último livro La Chiesa brucia. Crisis e futuro del cristianesimo (A Igreja em chamas. Crise e o futuro do cristianismo) [1], considera o incêndio de Notre-Dame de Paris como uma parábola da situação do catolicismo e analisa seu colapso na Europa, país por país. Seu discurso é o característico dos bergoglianos desapontados, que se tornam torcedores desapontados do Concílio.

Não surpreende que autores muito mais desligados do que ele do aparato eclesiástico deem gritos de alarme e não hesitem em dizer de onde vem o mal. Como Jean-Marie Rouart, membro da Academia Francesa, em Este país de homens sem Deus [2], para quem a batalha da sociedade ocidental perante o Islã está perdida de antemão, quando apenas um “sobressalto cristão” poderia nos salvar, ou seja, um retrocesso radical: a Igreja escreve ele “deve proceder ao equivalente a uma Contra-Reforma, retornar a esta reforma cristã que lhe permitiu no século XVII enfrentar vitoriosamente um protestantismo que a questionou” [3]. Ou Patrick Buisson em O fim de um mundo[4], que dedica duas partes de seu grande livro à situação do catolicismo: “O crash da fé” e “O sagrado massacrado”. “De uma forma desconcertante e brutal”, escreve ele, “o rito tridentino, que foi o rito oficial da Igreja latina durante quatro séculos, foi, da noite para o dia, considerado indesejável, sua celebração proscrita e seus fiéis expulsos. [5]”. Saímos do catolicismo para ir “para a religião conciliar”.

Além disso, em 2021 o equilíbrio de forças é muito diferente daquele dos anos 1970 entre aqueles que “fizeram o Concílio” e aqueles que sofreram suas consequências. Andrea Riccardi, como todos os demais, faz esta observação realista: “O tradicionalismo é uma realidade de certa importância na Igreja, tanto na organização como nos recursos”. O mundo tradicional pode ser minoritário (na França, de 8 a 10% dos praticantes), mas está crescendo em todos os lugares, especialmente nos Estados Unidos. É jovem, fecundo de vocações — pelo menos em comparação à fecundidade das paróquias —, capaz de assegurar a transmissão catequética e é atraente para o jovem clero e para os seminaristas diocesanos.

Aliás, foi isso que o Papa Bergoglio, vindo da Argentina, demorou a compreender, até que os bispos italianos e os prelados da Cúria puseram diante de seus olhos o aumento, para eles insuportável, do mundo tradicional, tanto mais visível quanto ocorre no meio de um colapso geral. Era necessário, portanto, aplicar os “remédios” apropriados, os mesmos que foram administrados no florescente seminário de San Rafael, na Argentina, na Congregação dos Franciscanos da Imaculada, da diocese de Albenga, na Itália, na diocese de San Luís na Argentina etc..

Para uma saída “à frente” da crise

Porém, a Igreja conciliar não sai revitalizada e sua obra missionária continua a definhar. Uma bateria de documentos tratou da missão: Ad Gentes, o decreto conciliar de 1965; a exortação Evangelii nuntiandi, de 1975; a encíclica Redemptoris missio, de 1990; o documento Diálogo e Anúncio, de 1991; as exortações apostólicas que repetem incansavelmente o tema da nova evangelização, Ecclesia in Africa, de 1995, Ecclesia in America, de 1999, Ecclesia in Asia, de 1999, Ecclesia in Oceania, de 2001, Ecclesia in Europa, de 2003. Criou-se um Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização. Os colóquios se multiplicaram, falando da missão que deve articular-se no diálogo; da evangelização que não deve ser proselitismo etc. Nunca se falou tanto em missão, nunca houve tão poucas conversões.

François Mitterrand disse, sobre a redução do desemprego, “tentamos de tudo”. Da mesma forma, para salvar a Igreja depois do Vaticano II, a tentativa representada pela eleição do Papa Bergoglio a de maximizar o Concílio , fracassou; como finalmente fracassada deve-se admitir a tentativa representada pela eleição do Papa Ratzinger, a de uma moderação do Concílio. Então, um passo para trás? Sim, mas como uma saída “para frente”.

São numerosos, incluindo os apoiadores de ontem do Papa Bergoglio, os que consideram a repressão brutal do mundo tradicional indefensável, já que motivada, em última análise, pela única razão de que é muito vivo. Podemos imaginar que a Traditionis custodes seja colocada entre parênteses em um pontificado vindouro? Certamente, e cremos que mais ainda: pode-se imaginar que seja dada liberdade ao que se convencionou chamar de “forças vivas” na Igreja. Quanto a essa força essencial dos fiéis atraídos pela liturgia de sempre visto que ela representa a tradição secular , pode-se razoavelmente imaginar a negociação de um compromisso que seria mais favorável à Igreja do que foi o Summorum Pontificum. Devemos almejar a suspensão de toda supervisão, em outras palavras, uma liberdade franca para a velha liturgia e para tudo o que vem com ela. E isso, em nome do bom senso. Da mesma forma que certo número de bispos no mundo permitiu que todas essas “forças vivas” se desenvolvessem em suas dioceses, com comunidades, fundações e obras que dão frutos missionários, também em nível da Igreja universal deverá chegar o tempo de se conceder liberdade para tudo aquilo “que funciona”.

O Summorum Pontificum pode ser analisado como uma tentativa de coexistência entre os católicos que não aceitam a liturgia do Vaticano II e aqueles que promovem uma aplicação moderada do Concílio. Uma nova tentativa poderia ser estabelecida com uma corrente conciliar aparentemente mais “liberal” do que a de Bento XVI, mas que agora se dá conta do fracasso irreparável da utopia abraçada há cinquenta anos.

 [1] Tempi nuovi, 2021.

[2] Livros, 2021.

[3] Op. Cit, p. 64

[4] Albin Michel, 2021.

[5] Op. Cit., “La trivialiation du sacré”, p. 124

Comunicado dos Superiores-gerais das Comunidades “Ecclesia Dei” sobre o motu proprio Traditionis Custodes.

Fonte: Rorate-Caeli | Tradução: FratresInUnum.com – 2 de setembro de 2021

“A misericória do Senhor se estende a toda carne”

(Eclesiástico 18, 13)

Os Institutos signatários querem, acima de tudo, reiterar seu amor pela Igreja e sua fidelidade ao Sant Padre. Este amor filial hoje está tingido de grande sofrimento. Sentimo-nos sob suspeita, margilizados, banidos. Todavia, não nos reconhecemos na descrição feita na carta que acompanha o Motu Proprio Traditionis Custodes, de 16 de julho de 2021.

Se dizemos que não temos pecado… ” (I João, 1, 8)

Não nos vemos, de forma alguma, como a “verdadeira Igreja”. Pelo contrário, vemos na Igreja Católica nossa Mãe, em quem encontramos a salvação e a fé. Estamos lealmente submetidos à jurisdição do Sumo Pontífice e dos bispos diocesanos, como demonstrado pelas boas relações nas dioceses (e as funções de conselheiros presbiterais, arquivistas, chanceleres e oficiais que foram encarregadas a nossos membros) e o resultado das visitações canônicas ou apostólicas dos últimos nos. Nós reafirmamos nossa adesão ao magistério (incluindo o do Vaticano II e o que o segue) segundo a doutrina da Igreja relativa ao assentimento que lhe é devido (cf. em particular Lumen Gentium, n ° 25,  e Catecismo da Igreja Católica n ° 891 e 892), como evidenciado pelos numerosos estudos e teses doutorais elaboradas por diversos de nós nos últimos 33 anos.

Algum erro foi cometido? Estamos prontos, como todo cristão, para pedir perdão se algum excesso de linguagem ou desconfiança da autoridade possam ter se introduzido em um ou outro membro. Estamos prontos a nos converter se  o espírito de partidarismo ou orgulho tenha manchado nossos corações

“Cumpre teus votos para com o Senhor” (Salmos 49, 14)

Pedimos por um diálogo humano, pessoal e de confiança, longe de ideologias ou da frieza de decretos administrativos. Gostaríamos de poder encontrar alguém que será para nós o rosto materno da Igreja. Gostaríamos de poder dizer-lhe sobre nosso sofrimento, as angústias, a tristeza de muitos fiéis leigos por todo o mundo, mas também dos padres, religiosos e religiosas que entregaram suas vidas confiando nas palavras dos papas João Paulo II e Bento XVI. 

A eles foi prometido que “todas as medidas seriam tomadas para garantir a identidade de seus Institutos na plena comunhão da Igreja Católica” [1]. Os primeiros Institutos aceitaram com gratidão o reconhecimento canônico oferecido pela Santa Sé, em pleno vínculo com a tradicional pedagogia da fé, particularmente no campo litúrgico (baseado no Memorando de Entendimento de 5 de maio de 1988, firmado pelo Cardeal Ratzinger e Dom Lefebvre). Este compromisso solene foi expresso no Motu Proprio Ecclesia Dei, de 2 de julho de 1988; a seguir, de maneira diversa para cada Instituto, no decreto de ereção e em suas constituições aprovadas em definitivo. Os religiosos, religiosa e padres pertencentes a nossos Institutos fizeram seus votos ou compromissos segundo essas especificidades. 

É desta forma que, confiando na palavra do Sumo Pontífice, eles deram suas vidas a Cristo para servir a Igreja. Esses padres e religiosos e religiosas serviram a Igreja com dedicação e abnegação. Podemos privá-los do que a Igreja lhes prometeu pela bocas dos Papas?

Tende paciência comigo!” (Mt 18. 29)

O Papa Francisco “encoraja os pastores da Igreja a ouvi-los com sensibilidade e serenidade, com sincero desejo de compreender suas aflições e pontos de vista, a fim de ajudá-los a viver melhor e reconhecer seu lugar próprio na Igreja”. (Amoris Laetitia, 312). Ansiamos poder confiar as angústias que vivemos a um coração de pai. Precisamos ser ouvidos com boa vontade, não condenações anteriores ao diálogo.

O juízo rude cria um sentimento de injustiça e produz ressentimento. A paciência abranda os corações. Precisamos de tempo.

Hoje ouvimos falar de visitações apostólicas disciplinares a nossos Institutos. Pedimos por encontros fraternos, onde podemos explicar quem somos e as razões de nossa ligação a certas formas litúrgicas. Acima de tudo, queremos um diálogo verdadeiramente humano e misericordioso: “Tende paciência comigo!”.

Circumdata varietate” (Salmos 44:10)

Em 13 de agosto, o Santo Padre afirmou que em matérias litúrgicas “a unidade não é uniformidade, mas harmonia multifacetada criada pelo Espírito Santo” [2]. Aspiramos dar nossa modesta contribuição a essa unidade harmoniosa e diversa, cientes que, como ensina a Sacrosanctum Concilium, “a liturgia é o cume para o qual a atividade da Igreja está dirigida; ao mesmo tempo, é a fonte da qual emana seu poder”. (SC, n ° 10).

Com confiança, voltamo-nos primeiramente aos bispos da França para que seja aberto um diálogo e que um mediador seja indicado, sendo para nós a face humana deste diálogo. Nós devemos “evitar juízos que não levam em conta a complexidade de várias situações… Trata-se de alcançar a todos, de precisar ajudar a cada pessoa encontrar a sua própria forma de participar na comunidade eclesial e, asim, experimentar seu tocado pela “imerecida, incondicional e gratuita misericórdia” (Amoris Laetitia, n ° 296-297).

Dado em Courtalain, França, 31 de agosto de 2021

Pe. Andrzej Komorowski, Superior-Geral da Fraternidade São Pedro.  

Mons. Gilles Wach, Prior Geral do Instituto de Cristo Rei e Sumo Sacerdote

Pe. Luis Gabriel Barrero Zabaleta, Superior Geral do Instituto do Bom Pastor

Pe. Louis-Marie de Blignières, Superior Geral da Fraternidade São Vicente Ferrer

Pe.. Gerald Goesche, Reitor Geral do Instituto de São Felipe Nery

Pe. Antonius Maria Mamsery, Superior Geral dos Missionários da Santa Cruz

Dom Louis-Marie de Geyer d’Orth, Padre Abade da Abadia de Santa Madalena do Barroux

Fr.  Emmanuel-Marie Le Fébure du Bus,  Padre Abade dos Cônegos da Abadia de Lagrasse

Dom Marc Guillot, Padre Abade da Abadia de Santa Maria de la Garde

Madre Placide Devillers, Abadessa da Abadia de Nossa Senhora da Anunciação do Barroux

Madre Faustine Bouchard, Priora das Canonisas de Azille 

Madre Madeleine-Marie, Superiora das Adoradoras do Coração Real de Jesus  Sumo Sacerdote 

Restrições à missa tradicional são retrocesso, diz arcebispo argentino.

LA PLATA, 25 ago. 21 / 04:15 pm (ACI).- O arcebispo emérito de La Plata, na Argentina, dom Héctor Aguer, disse que as restrições à missa tradicional estabelecida pelo motu proprio Traditionis custodes do papa Francisco não são um avanço, mas um “lamentável retrocesso”.

aguer“O atual pontífice declara que deseja avançar ainda mais na constante busca da comunhão eclesial (prólogo da Traditionis custodes) e para tornar efetivo esse propósito elimina a obra dos seus predecessores, colocando limites arbitrários e obstáculos àquilo que eles estabeleceram com intenção ecumênica intra-eclesial e respeito pela liberdade de sacerdotes e fiéis! Promove a comunhão eclesial ao contrário. As novas medidas implicam um lamentável retrocesso”, escreveu o prelado em um artigo enviado à ACI Prensa, agência em espanhol do grupo ACI, em 23 de agosto.

Dom Héctor afirmou que, com o novo texto pontifício, a decisão de autorizar ou não o uso do missal de 1962 “fica nas mãos dos bispos diocesanos” e, nesse sentido, “começa tudo de novo”.

“Tememos que os bispos sejam avaros na concessão das licenças. Muitos bispos não são Traditionis custodes, mas traditionis ignari (ignorantes), obliviosi (esquecidos), e pior ainda traditionis evertores, destructores”, continuou.

Dom Héctor questionou se, “para aqueles que já se serviam da forma extraordinária do rito romano”, ou seja, que usavam o missal de 1962, “não bastava a vigilância ordinária dos bispos e a eventual correção dos infratores? Era preciso ser caridoso e paciente com os rebeldes”.

Para o arcebispo emérito, “a limitação de lugares e dias para celebrar segundo o missal de 1962 (Art. 3, §2 e §3) são restrições injustas e antipáticas”. Além disso, “o artigo 3º, nº 6, é uma restrição injusta e dolorosa, porque impede que outros grupos de fiéis possam gozar da participação da missa celebrada segundo o missal de 1962”.

Entre as disposições do documento pontifício publicado em 16 de julho, o papa estabelece que o bispo é quem pode autorizar os sacerdotes que queiram celebrar a missa nessa forma, ou seja, com o missal de 1962, bem como onde e quando poderão ser as celebrações, desde que não sejam em igrejas paroquiais, e que os grupos de fiéis que nelas participam terão um sacerdote delegado que os acompanhará pastoralmente.

O texto pontifício, no nº 6 do artigo 3º, também afirma que o bispo diocesano não autorizará a criação de novos grupos que desejem celebrar a missa tradicional em latim.

Abusos litúrgicos

“Sei que muitos jovens das nossas paróquias estão cansados dos abusos litúrgicos que a hierarquia permite sem corrigi-los. Desejam uma celebração eucarística que garanta uma participação séria e profundamente religiosa. Não há nada de ideológico nesta aspiração”, escreveu dom Héctor.

“Também acho antipático que o sacerdote que já tem permissão e uma prática correta deva pedir permissão novamente (art. 5.) Não será esse um artifício para tirar sua permissão? Eu acho que deve haver vários bispos (novos, por exemplo) que farão resistência antes de concedê-la”, afirmou.

O artigo 5º da Traditionis custodes estabelece que “os presbíteros que já celebram segundo o Missale Romanum de 1962, pedirão ao bispo diocesano autorização para continuar a manter aquela faculdade”.

Dom Aguer afirmou que “todas as disposições da Traditionis custodes seriam tranquilamente aceitáveis se a Santa Sé prestasse atenção ao que eu chamo de ´devastação da liturgia`, que se verifica em múltiplos casos”.

Como exemplo, ele falou do que “acontece na Argentina. Em geral, é bastante comum que a celebração eucarística assuma um tom de banalidade, como se fosse uma conversa que o sacerdote mantém com os fiéis e na qual a sua simpatia é fundamental. Em certos lugares, torna-se uma espécie de show presidido pelo ´animador`, que é o celebrante, e a missa das crianças vira uma festinha, como aquelas de aniversário”.

“Em virtude desse critério, desapareceram os cantos latinos que as pessoas simples acostumavam cantar nas paróquias, como o ´Tantum ergo` na bênção eucarística. A falta de correção dos abusos leva ao convencimento de que ´agora a liturgia é assim`”, lamentou.

Segundo dom Héctor, para corrigir os abusos bastaria “simplesmente fazer cumprir o que o Concílio determinou, com sabedoria profética: ´que ninguém, ainda que seja sacerdote, acrescente, tire ou troque qualquer coisa por iniciativa própria na liturgia`”.

“Não se pode negar que a celebração eucarística perdeu precisão, solenidade e beleza. E em muitos casos o silêncio desapareceu. A música sagrada mereceria um capítulo à parte”, acrescentou.

O latim

Dom Héctor Aguer lembrou que “o latim foi, durante séculos, o vínculo de unidade e comunicação na Igreja do ocidente. Atualmente, não só foi abandonado, como também odiado. O seu estudo é negligenciado nos seminários, precisamente porque não acham isso útil”.

“Não percebem que, assim, o acesso direto aos Padres da Igreja do ocidente se fecha”, embora eles sejam “muito importantes para os estudos teológicos: penso, por exemplo, em santo Agostinho e são Leão Magno, ou em autores medievais como santo Anselmo e são Bernardo. Acho que isso simboliza essa situação de pobreza cultural e ignorância voluntária”.

Sempre “celebrei com a maior devoção que pude o rito vigente na Igreja universal”, disse dom Héctor. “Sendo arcebispo de La Plata, todos os sábados, no seminário maior são José, costumava cantar em latim a oração eucarística, usando o lindo missal publicado pela Santa Sé”, acrescentou.

“Tínhamos formado, segundo a recomendação do Concílio Vaticano II na constituição Sacrosanctum Concilium nº 114, uma ´Schola Cantorum`, que foi eliminada quando me retirei”, afirmou.

Dom Héctor disse que o Concílio Vaticano II incentiva o uso da língua latina nos ritos latinos, “salvo direito particular”. “Infelizmente”, disse o prelado, “o ´direito particular` aparentemente é o de proibir o latim, como de fato foi feito. Quem se atreva a propor uma celebração em latim é considerado um alienado, um troglodita imperdoável”.

“Parece que o juízo da Igreja, através da sua máxima instância, sobre o desenvolvimento da vida eclesial é feito com dois pesos e duas medidas: tolerância, e inclusive estima e identificação com as posições heterogêneas em relação à grande Tradição (´progressistas`, como elas são chamadas) e distância ou desgosto em relação às pessoas ou grupos que cultivam uma posição ´tradicional`”.

O arcebispo emérito de La Plata concluiu lembrando “o intuito de um célebre político argentino que declarou drasticamente: ´para os amigos, tudo; para o inimigo, nem a justiça`. Digo isso com o máximo respeito e amor, mas com uma imensa pena”.

O ponto era quando isso iria acontecer, não se aconteceria.

Por Chiesa e post concilio | Tradução: FratresInUnum.com, 25 de agosto de 2021 — O ponto era quando isso iria acontecer, não se aconteceria. O que será anunciado e referido em seguida se liga à novena iniciada pelos Superiores da FSSP (Fraternidade Sacerdotal São Pedro) da qual falamos anteriormente: Traditionis Custodes é apenas a “sacudida premonitória” do terremoto que vai acontecer? Estamos na parte da aplicação do Motu Proprio.

As comunidades “Ecclesia Dei” ou fraternidades ligadas à missa antiga foram convocadas a Roma para setembro que vem. E isso diz respeito à FSSP (Fraternidade Sacerdotal São Pedro), ao ICRSS (Instituto Cristo Rei) e ao IBP (Instituto do Bom Pastor). Há preocupação entre os fiéis da tradição por aquilo que poderia ser o próximo passa depois da devastação de Traditionis Custodes, cujas disposições deixam abertas muitas interrogações.

Declarações de observadores americanos sobre a situação: “alguém podia pensar que tudo se terminaria com Traditionis Custodes? Lembram dos Franciscanos da Imaculada? Ninguém tomou publicamente a sua defesa. Provavelmente, o Papa sabe que lhe resta pouco tempo e não quer desperdiçá-lo”.

Em relação aos interpelados (os Institutos tradicionalistas): “Terão perdido a espinha dorsal ou terão coragem de defender o ensinamento constante da Santa Igreja Católica e Apostólica, também sob a ameaça de sanção? Continuarão a combater o bom combate?”.

Nota do FratresInUnum: Será que a Administração Apostólica São João Maria Vianney passará ilesa? (Tomara que sim!) Caso haja restrições, Dom Rifan irá ceder ou voltará à resistência, reconhecendo que toda a sua política de diplomacia fracassou? Quem viver, verá!