Dom Becciu: ‘Impensável’ para a Ordem de Malta perder seu caráter religioso.

O delegado especial do Papa para a Ordem de Malta disse ao Register que ela jamais poderia ser dividida em setores religiosos e humanitários, e expressa confiança no futuro da instituição.

Por Edward Pentin, National Catholic Register, 5 de maio de 2017 | Tradução: FratresInUnum.com: A ideia de que a Soberana Ordem Militar de Malta perderia seu caráter religioso está fora de cogitação, já que sua dupla missão de defender a fé e servir aos pobres não pode ser separada, afirmou o delegado especial do Papa Francisco para a antiga instituição de cavalaria.

Dom Angelo Becciu.
Dom Angelo Becciu.

Nos comentários do dia 5 de Maio, logo após a eleição, na semana passada, de Fra ‘Giacomo Dalla Torre del Tempio di Sanguinetto como novo líder interino da Ordem, o arcebispo Angelo Becciu disse: “por mil anos a Ordem de Malta sempre foi considerada ‘religiosa’ e, portanto, a idéia de que deixaria de ser religiosa é impensável.”

“Desde a fundação da Ordem, o tuitio Fidei [defesa da fé] e o obsequium pauperum [serviço aos pobres], seus dois pilares, nunca foram separados, nem poderiam ser “, disse o Arcebispo Becciu.

“Este era o desejo do Bem Aventurado Gérard [fundador da Ordem no século 12] e sempre foi a tradição dos Cavaleiros de Malta”, acrescentou.

Os comentários do arcebispo italiano, a quem o Papa Francisco nomeou em fevereiro como seu representante para a Ordem, serviram para tranquilizar aqueles que temiam que uma facção dos cavaleiros, liderada por seus membros alemães e pelo Grão Chanceler Albrecht von Boeselager, levaria a antiga instituição a transformar-se em uma organização não-governamental quase secular, possivelmente, dividindo-se em ramos religiosos e humanitários.

Muitos dos membros professos da Ordem, que fizeram votos de pobreza, castidade e obediência, também foram tranquilizados na semana passada quando o arcebispo Becciu passou um dia inteiro ouvindo as suas preocupações individualmente, incluindo as do ex-Grão-Mestre, Fra ‘Matthew Festing. Além disso, eles ficaram impressionados com seu discurso, pronunciado logo após a eleição do dia 29 de abril, o que os deixou ainda mais à vontade.

Com um total de 55 membros, apenas os membros professos podem subir ao posto de Grão-Mestre e liderar a Organização. Nenhum dos membros alemães da Ordem são professos, mas estão ansiosos para “modernizá-la” e fazendo de tudo para tentar mudar essa regra, a fim de tomar as rédeas da Ordem.

Os desafios de Fra’ Giacomo

Este será um desafio-chave enfrentado pelo cavaleiro de 73 anos de idade, Fra ‘Giacomo, um clássico arqueólogo e versado em história da arte. Eleito por um ano para liderar a Ordem de Malta, irá assumir todos os poderes do Grão-Mestre, apesar de seu título oficial ser apenas “tenente”.

A instituição soberana, que remonta às Cruzadas, tem relações diplomáticas com 106 países, 13.500 membros, e mais de 100.000 voluntários e funcionários servindo os pobres e os doentes em todo o mundo.

O primeiro compromisso oficial de Fra’ Giacomo será conduzir a 59º Peregrinação da Ordem à Lourdes entre 5-9 maio, um dos eventos mais significativos na vida espiritual da Ordem, durante o qual 7.000 membros e voluntários de todo o mundo darão assistência a cerca de 1.500 peregrinos doentes e deficientes .

Igualmente, buscando avançar suas atividades diplomáticas, sociais e humanitárias, uma das principais tarefas de Fra Giacomo será reformar a Constituição e Código da Ordem, abordando “pontos fracos potenciais da instituição”, segundo um comunicado de 29 de abril.

Com referência à demissão e posterior reintegração de Von Boeselager, bem como a renúncia forçada de Fra ‘Matthew como Grão-Mestre, o comunicado disse que as crises recentes haviam revelado algumas fraquezas nos freios e contrapesos do governo da Ordem e a reforma visa levar isso também em consideração”.

Esses pontos fracos, dizem, incluem aspectos no governo de Fra ‘de Matthew que alguns críticos consideram como autoritários e que violam a constituição da Ordem. Mas, à parte disso, as reformas são vistas amplamente como necessárias, e o próprio Fra ‘Matthew queria implementá-las.

“A reforma também se concentrará no fortalecimento da vida espiritual da Ordem e no aumento do número de seus membros professos”, acrescentou o comunicado, dizendo que consultas nesse sentido “já haviam sido iniciadas.” Todas as mudanças deverão ser votadas e ratificadas.

Várias preocupações permanecem, no entanto, dentro da Ordem. Essas incluem como um fator chave na demissão de Von Boeselager — a comprovada distribuição de contraceptivos e abortivos pelo ramo humanitário da Ordem, a Malteser International – e isso parece ter sido relegado como algo de pouca importância, até para o Vaticano.

Von Boeselager negou a responsabilidade, dizendo que colocou um fim na distribuição o mais rápido possível. Seus aliados também alegam que foi tecida uma armadilha para ele através da adulteração de um relatório encomendado pela Ordem sobre o caso, muito embora pelo menos dois membros da Ordem publicamente disseram que o próprio Von Boeselager lhes havia dito em privado que ele aprovava a distribuição com essas palavras: “Nós temos que dar contraceptivos para os pobres ou eles morrerão “.

O papel do Cardeal Parolin

Outras preocupações relacionam a perda da soberania da Ordem à comissão estabelecida pela Santa Sé através do secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Pietro Parolin, em dezembro para investigar a demissão de Von Boeselager. O cardeal do Vaticano e Von Boeselager são velhos conhecidos. As investigações não-publicadas da Comissão levaram à remoção de Fra ‘Matthew como Grão-Mestre pelo Papa — um cargo normalmente vitalício — e à reintegração controversa de Von Boeselager como Grão-chanceler. Há preocupação também sobre a influência dominante do Arcebispo Becciu no funcionamento de uma instituição soberana, e que o trabalho humanitário tomou precedência sobre a defesa da fé e da ortodoxia.

Um outro ponto de discórdia tem sido um fundo financeiro baseado na Suíça no valor de 120 milhões de euros, alguns dos quais doados à Ordem, bem como questões sobre a origem do dinheiro e para onde se destina. Três membros da comissão de cinco membros formadas pela Santa Sé em dezembro estão diretamente envolvidos com esse fundo financeiro.

Mas fontes envolvidas com esse fundo, chamada Caritas Pro GRADU Vitae (CPVG), vigorosamente negam qualquer malfeito e um relatório “independente” alegadamente demonstrando que os fundos são limpos, “sem nenhuma irregularidade fiscal” está previsto para ser publicado em breve. No entanto, até esse momento ainda não está claro quem encomendou o relatório e o quão independente ele é.

Da sua parte, o Arcebispo Becciu enfatizou em seu comentário do dia 5 de Maio que “a transparência financeira é exigida de toda instituição” e que a Ordem está “comprometida com a transparência e examinando todos os aspectos de sua vida e operação.”

Perguntado se, de acordo com alguns relatos, 30 milhões de euros do CPVG foram repassados ao Vaticano porque a Santa Sé  estava passando por problemas de liquidez, o delegado especial do Papa disse que tais alegações eram “completamente infundadas”.

Com relação à eleição de Fra Giacomo, o novo líder da Ordem é visto como um homem bom e decente, que vai acalmar provavelmente muitas das tensões que surgiram nos últimos meses. Mas ele é também visto como uma das opções daqueles que desejam modernizar a Ordem e torná-la mais secular, pois é visto como “maleável”. Aqueles preocupados com isso esperam que o Arcebispo Becciu tenha ouvido o bastante daqueles que buscam preservar sua natureza religiosa, e, portanto, capacitar a Ordem a manter a sua identidade.

O próprio arcebispo permanece otimista para o futuro. “Estou confiante por duas razões”, disse ao Register. “Primeiro, porque, com base em meus encontros com muitos membros da Ordem vi um claro desejo e empenho para superar as dificuldades e para aprofundar dons e pontos fortes da Ordem”.

“Em segundo lugar, porque sempre que há crise na Igreja, a Providencia intervém para o bem de todos e estou convencido de que o espírito de renovação ajudará a Ordem na medida em que ela considera o caminho da reforma à frente, de acordo com seus próprios meios e discernimento. “

Festing em Roma.

Segundo Philip Pullella, correspondente da Reuters em Roma, Fra ‘Matthew Festing, “renunciado” pelo Papa Francisco do posto de Grão-mestre da Ordem de Malta, “participará do encontro que poderia eleger seu sucessor, afirmou o grupo na quarta-feira, em um desafio direto à ordem dada pelo Papa Francisco de que ele ficasse de fora. Um porta-voz dos Cavaleiros afirmou que Matthew Festing, que renunciou em 24 de janeiro, informou o grupo que viria para o encontro neste sábado, em sua sede, em Roma. Não estava claro se ele se apresentaria à reeleição, como alguns de seus apoiadores o encorajaram” .

Festing fora proibido de pisar em Roma durante os dias em que acontecerá a reunião.

Por sua vez, Sandro Magister relata em seu blog a reunião do Papa Francisco teve que as lideranças da Ordem na Casa Santa Marta.

Interdito sobre o grão-mestre. O Papa o proíbe de pôr os pés em Roma.

Por Sandro Magister, 18 de abril de 2017 | Tradução: FratresInUnum.com: Foi convocado para o dia 29 de abril, em Roma, o Conselho Pleno de Estado entre os Cavaleiros Professos, o órgão que segundo norma de estatuto elegerá o novo Grão-Mestre da Ordem de Malta.

Como é de conhecimento público, o Grão-Mestre anterior, o inglês Fra ‘Matthew Festing, renunciou no dia 24 de janeiro, entregando nas mãos do Papa Francisco a sua demissão, em obediência à sua ordem.

Desde então, o governo supremo da Ordem está sob suplência do Lugar-tenente temporário, o Grão-Comendador Fra ‘Ludwig Hoffmann von Rumerstein.

No entanto, desde o dia 4 de fevereiro, o Papa Francisco também sobrepôs à Ordem um delegado especial de sua própria escolha e “porta-voz exclusivo”, dotado, de fato, com plenos poderes, na pessoa do Arcebispo Angelo Becciu, vice-secretário de Estado.

A carta a seguir é uma prova clara do exercício desses plenos poderes.

Em nome do Papa, Becciu proíbe o ex-Grão-Mestre Festing de participar na eleição de seu sucessor, e não apenas isso! Também o proibiu de pôr os pés em Roma por ocasião da eleição.

Aqui está a tradução completa da carta enviada para Festing no Sábado de Páscoa.

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O Delegado Especial

Junto à Ordem Soberana Militar e Hospitalária de

São João de Jerusalém

de Rodes e de Malta

00120 CIDADE DO VATICANO

Cidade do Vaticano, 15 de abril 2017

Caro Venerado Irmão,

lettera3A partir do momento em que aceitei a tarefa que me foi confiada pelo Santo Padre como seu delegado junto à Ordem Soberana Militar e Hospitalária São João de Jerusalém, de Rodes e de Malta, uma das minhas prioridades é aprofundar-me no conhecimento da Ordem, seja através de reuniões pessoais com os seus membros, seja através de correspondência. Desta forma, eu tenho sido capaz de apreciar a vitalidade da Ordem, bem como a complexidade de seus problemas. O que também surgiu foi uma certa desorientação, acompanhada de profundo sofrimento devido à crise recente. No geral, no entanto, pode-se ver claramente o desejo de virar a página, trabalhando para reconciliar os diferentes elementos e realizar uma revisão das Constituições.

No entanto, tendo em vista o Conselho Pleno de Estado a ser realizado em 29 de abril, muitos expressaram o desejo de que o senhor não venha a Roma e não participe das sessões de votação. Sua presença reabriria as antigas feridas, só recentemente cicatrizadas, e impediria o evento de ocorrer em uma atmosfera de paz e harmonia recuperada.

Em face do exposto, e tendo partilhado a decisão com o Santo Padre, peço-lhe, na competência de Delegado Especial, que não esteja presente no Conselho Pleno de Estado e que não faça nenhuma viagem a Roma nesta ocasião. Peço-lhe isso como um ato de obediência, pelo qual o senhor reconhecerá, sem dúvida, o seu sacrifício como um gesto de doação para o bem da Ordem de Malta.

Estendo-lhe os meus melhores votos de Feliz Páscoa e asseguro-lhe uma recordação constante em minhas orações.

Sinceramente em Cristo,

Arcebispo Angelo Becciu

Delegado Especial

Fra ‘Matthew Festing

Burks, Tarsot

Hexham NE48 1LA

Northumberland

GRÃ-BRETANHA

Ordem de Malta, o escândalo dos contraceptivos existe. Eis as provas. Mas o responsável ainda está no comando.

Por Riccardo Cascioli, La Nuova Bussola Quotidiana, 2 de fevereiro de 2017 | Tradução: FratresInUnum.com: Não apenas a distribuição de anticoncepcionais e abortivos em Myanmar, Quênia, Sudão do Sul e igualmente na Alemanha por muitos anos, mas também a justificação teórica para este comportamento contrário aos ensinamentos da Igreja. Muito mais do que um pequeno incidente, em Myanmar foi logo bloqueado para que não fosse logo descoberto. Nós estamos falando sobre o escândalo que serviu de base para o confronto dos últimos meses dentro da Soberana Ordem Militar de Malta, que ganhou as manchetes por causa da interferência sensacional da Santa Sé, e que obrigou o Grão-Mestre Mateus Festing a renunciar, acusado de ter derrubado, em dezembro, o chanceler Albrecht Boeselager. Graças à intervenção direta do Papa, este último foi reintegrado ao seu cargo na semana passada pelo Conselho Soberano.

Boeselager acabou na mira de fogo porque, como Grão-hospitalário da Ordem entre 1989-2014, tinha a responsabilidade direta pela Malteser International, a organização da Ordem de Malta responsável por ajuda internacional, além de mais de 120 projetos em 24 países espalhados pelo mundo. Bem, só Malteser International, que tem sua sede na Alemanha, onde foi fundada em 2005 como um desenvolvimento da Malteser Alemanha, foi acusada de participar de projetos de saúde – para prevenir a Aids e serviços de saúde reprodutiva – que incluía a distribuição de contraceptivos.

Até agora, Boeselager nega qualquer responsabilidade e falou de apenas um caso de um projeto em Myanmar, que foi subitamente interrompido pessoalmente por ele tão logo se deu conta do que estava acontecendo. Mas a documentação em nosso poder – em parte rastreável na internet – diz que as coisas são muito diferentes. No centro da história, há também programas de ajuda em países africanos; e, em todo caso, não se trata de “incidentes”, mas da aplicação sistemática das orientações da própria Malteser International.

Tudo isso estaria acontecendo sem o conhecimento do Grão-Mestre, que pelo grão-hospitalário deveria ter sido comunicado de tudo o que acontecia em campo. Apenas em 2014 teria chegado ao Grão-Mestre indicações sobre o que estava acontecendo em Myanmar, e também no Quênia e no Sudão do Sul. Daí a decisão por parte de Fra Matthew Festing de nomear uma comissão de inquérito interna, no dia  29 de maio de 2015. A comissão, formada pelos professores John Haas, Luke Gormally e Neil Weir produziu um relatório, que foi entregue nas mãos do Grão-Mestre em fevereiro de 2016, a partir do qual, em seguida, surgiram as tentativas de esclarecimento e atribuição de responsabilidade, e que tiveram o desfecho de dezembro com a remoção de Boeselager feita por Festing.

Mas o que então encontrou essa Comissão?

ATIVIDADE EM CAMPO

Antes de tudo, “há uma clara evidência do envolvimento da Malteser Internacional em projetos de saúde – prevenção do HIV e da AIDS, bem como outras doenças sexualmente transmissíveis e planejamento familiar – incluindo aí a distribuição de contraceptivos.”

Evidências sobre um projeto no Quênia (2006-2011) para o tratamento e cuidado de pacientes com AIDS, financiado por uma famosa Organização americana abortista: a Pathfinder International; e outro projeto em Myanmar (2006-2011) ligado ao Fundo Global contra Aids, Tuberculose e Malária: também aqui houve distribuição de preservativos em abundância. E, em seguida, outros projetos, entre 2006 e 2015 – também em colaboração com a organização Save the Children – em áreas habitadas pela etnia Shan na Birmânia – para prevenir doenças sexualmente transmissíveis ou promover o controle de natalidade. Além de preservativos distribuídos em grandes quantidades, pílulas anticoncepcionais, diafragmas e até mesmo o famigerado anticoncepcional injetável Depo-Provera.

Finalmente, o relatório descreve o caso de um anúncio para contratação de um consultor para assistência às pessoas com AIDS e HIV, novamente em 2010, em Myanmar. Entre os requisitos exigidos ao candidato estava também a capacidade de “ensinar o uso adequado e eficaz do preservativo “.

Além do relatório interno, provas do envolvimento direto da Malteser Internacional em programas que contradizem o ensinamento moral da Igreja podem ser encontradas em um outro relatório escrito pelo Instituto Lepanto (EUA). Aqui as façanhas da Malteser são descritas nos relatórios anuais de  agências da ONU, como a UNAIDS e UNDP: milhões e milhões de dólares de financiamento em troca de apoio às políticas de controle de natalidade. E entre 2011-2012, esta atividade também atingiu o Sudão do Sul.

Não se trata de um simples caso 

Ainda mais interessante para a nossa discussão, é a parte do relatório dedicada à posição teórica sobre o uso de contraceptivos. Aqui é feita referência às orientações, com o título de Bioética – Princípios básicos com respeito ao planejamento familiar e saúde reprodutiva. Segundo essas linhas gerais, “os contraceptivos são distribuídos para programar os nascimentos em circunstâncias em que os casais não podem aplicar os métodos naturais.” Além do mais, “é aceitável, em princípio, o uso de preservativos para prevenir a transmissão de doenças sexualmente transmissíveis.” Mais uma vez: a “Malteser Internacional expressa neutralidade sobre a possibilidade de dar informações sobre os métodos para prevenir a transmissão do HIV.” Terminando com uma declaração de compromisso: “Há situações em que Malteser International tem de encontrar um equilíbrio entre o ensinamento da Igreja e o que é percebido como tal.”

No relatório de 2005 da UNAIDS, no perfil dedicado aos parceiros de agências das Nações Unidas, a Malteser International está indicada como uma organização especializada em planejamento familiar, com a atividade de distribuição de contraceptivos.

Em suma, é evidente que a distribuição de contraceptivos não é um acidente de percurso, mas resultado de uma convicção amadurecida ao longo dos anos e que ainda persiste. Tanto mais que, argumenta o relatório, nesta prática – que se opõe à doutrina da Igreja – também foi oferecido um fundamento teológico através do Assistente espiritual, o bispo Dom Marc Stenger, de Troyes. Exatamente ao bispo Stenger é atribuída a influência de uma conduta ética incompatível com a doutrina social da Igreja.

UM PROBLEMA GLOBAL

Não se pode dizer, no entanto, que este é um problema exclusivo da Ordem de Malta: trabalhando em estreita colaboração com outras ONGs e recebendo dinheiro da ONU, nessas últimas décadas, muita ONGs Católicas aceitaram tranquilamente incluir a contracepção entre os serviços disponíveis ao público.

Mas, de volta à situação interna da Ordem de Malta, o Relatório e outra documentação acessível colocam sob uma luz diferente o recente confronto entre o Grão-Mestre e Grão-Chanceler, entre Festing e Boeselager. É um dado, de fato, de que apesar das boas intenções, a intervenção do Papa e da Secretaria de Estado do Vaticano colocaram de volta no comando o verdadeiro responsável por esse desvio moral, e mandou embora o Grão-Mestre.

O Papa e a Ordem de Malta: uma vitória de Pirro?

Por Roberto de Mattei, Corrispondenza romana, 25-01-2017 | Tradução: Hélio Dias Viana – FratresInUnum.com: A renúncia do Grão-Mestre da Ordem de Malta, Matthew Festing, imposta por Francisco em 23 de janeiro, é susceptível de transformar-se numa vitória de Pirro. O Papa Bergoglio obteve o que queria, mas teve de usar a força, fazendo violência à lei e ao bom senso. O que terá consequências graves não só no interior da Ordem de Malta, mas entre os católicos do mundo inteiro, cada vez mais perplexos e confusos pelo modo como Francisco governa a Igreja.

O Papa sabia que não possuía qualquer direito legal para intervir na vida interna de uma Ordem soberana, e muito menos para exigir a renúncia de seu Grão-Mestre. Também sabia que este não poderia resistir à pressão moral de um pedido de renúncia, ainda que ilegítima.

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Assim agindo, o Papa Bergoglio exerceu um ato de império abertamente contrastante com o espírito de diálogo, que foi o leitmotiv do ano da misericórdia. Mas, o mais grave é que a intervenção foi para “punir” a corrente que na Ordem é mais fiel ao Magistério imutável da Igreja e apoiar a ala laicista, que gostaria de transformar os Cavaleiros de Malta em uma ONG humanitária, distribuidora de preservativos e abortivos, “para fazer o bem”. A próxima vítima parece ser o cardeal-patrono Raymond Leo Burke, que tem a dupla “culpa” de ter defendido a ortodoxia católica dentro da Ordem e de ser um dos quatro cardeais que criticaram os erros teológicos e morais da Exortação bergogliana Amoris laetitia.

Em seu encontro com o Grão-Mestre, o Papa Francisco anunciou-lhe a sua intenção de “reformar” a Ordem, ou seja, a vontade de elidir o seu caráter religioso, embora seja precisamente em nome da autoridade papal que ele quer começar a suspensão das normas religiosas e morais. Trata-se de um projeto de destruição da Ordem, que naturalmente só poderá acontecer através da rendição dos Cavaleiros, os quais infelizmente parecem ter perdido o espírito militante que os distinguia nos campos de batalha das Cruzadas e nas águas de Rhodes, Chipre e Lepanto. Ao fazê-lo, no entanto, o Papa Bergoglio perdeu muito de sua credibilidade, não só aos olhos dos próprios cavaleiros, mas de um número crescente de fiéis que sentem a contradição entre o seu modo de falar, cativante e melífluo, e o de agir, intolerante e ameaçador.

Passemos do centro à periferia, a qual, entretanto, para o Papa Bergoglio, é mais importante do que o centro. Poucos dias antes da demissão do Grão-Mestre da Ordem de Malta, outra notícia na mesma linha abalou o mundo católico. Dom Rigoberto Corredor Bermúdez, Bispo de Pereira, na Colômbia, por decreto de 16 de Janeiro de 2017, suspendeu a divinis o padre Alberto Uribe Medina, porque, segundo o comunicado da diocese, ele teria “expressado pública e privadamente sua rejeição ao magistério doutrinário e pastoral do Santo Padre Francisco, sobretudo no que diz respeito ao casamento e à Eucaristia”. O comunicado da diocese acrescenta que, por causa de sua posição, o sacerdote “se separou publicamente da comunhão com o Papa e com a Igreja”.

Portanto, o padre Uribe foi acusado de ser herege e cismático por recusar aquelas orientações pastorais do Papa Francisco que, aos olhos de tantos cardeais, bispos e teólogos, são suspeitas de heresia precisamente porque parecem afastar-se da fé católica. O que significa que o sacerdote que se recusar a administrar a comunhão a divorciados recasados ou a homossexuais praticantes será suspenso a divinis ou excomungado, enquanto aquele que rejeita o Concílio de Trento e a Familiaris Consortio é promovido a bispo e, talvez, a cardeal, como provavelmente espera Dom Charles Scicluna, Arcebispo de Malta, um dos dois prelados malteses que autorizaram oficialmente a comunhão para divorciados recasados que vivem more uxorio. Desta forma, o nome da pequena ilha do Mediterrâneo parece ter uma ligação misteriosa com o futuro do Papa Francisco, menos tranquilo do que se imagina.

Quem é hoje ortodoxo, e quem é herege e cismático? Este é o grande debate que se delineia no horizonte. Um “cisma de fato”, como o definiu o jornal alemão Die Tagespost, ou seja, uma guerra civil na Igreja, da qual a guerra no interior da Ordem de Malta é apenas um pálido prenúncio.

Edward Pentin: Papa Francisco convocou reservadamente para audiência o Grão-mestre da Ordem de Malta e pediu que escrevesse sua renúncia na hora. E que declarasse ter sido influenciado por Burke.

Papa Francisco declara todos os atos recentes de Festing como “nulos e inválidos”.

Declaração feita em uma carta do Cardeal Parolin à Ordem de Malta, enquanto vão surgindo os detalhes sobre o que aconteceu durante o encontro do Papa com o Grão-Mestre.

Por Edward Pentin, National Catholic Register, 26 de janeiro de 2017 | Tradução: FratresInUnum.com – O Papa Francisco declarou que todas as ações tomadas pelo chefe da Ordem de Malta e seu Conselho de Administração, desde a demissão de Boeselager no mês passado, são “nulas e sem efeito”, incluindo a eleição do substituto de Boeselager.
Escrevendo em nome do Papa aos membros do Conselho de Governo da Ordem, no dia 25 de janeiro, o secretário de Estado do Vaticano Cardeal Pietro Parolin, afirmou que o Santo Padre, “com base em evidências que emergiram a partir de informações que ele reuniu, determinou que todas as ações tomadas pelo Grão-Mestre depois de 6 de dezembro de 2016, são nulas e sem efeito”.
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Burke – o alvo.

Ele acrescentou: “O mesmo é verdadeiro para aqueles do Soberano Conselho, como a eleição do Grão-chanceler interinamente.” O Conselho elegeu  Fra ‘John Critien como substituto temporário de Boeselager.

Cardeal Parolin começa sua carta ressaltando que o Grão-comandante, Ludwig Hoffmann von Rumerstein, está agora encarregado da Ordem, acrescentando que “no processo de renovação que é visto como necessário”, o Papa “nomearia seu delegado pessoal com poderes que ele mesmo vai definir no ato de sua nomeação”

O Grão Mestre Fra ‘Matthew Festing apresentou sua renúncia no dia 24 de janeiro, de acordo com uma declaração do Vaticano, de 25 de janeiro. O Vaticano acrescentou ainda no comunicado que no dia seguinte “o Santo Padre aceitou a sua demissão.”

Além disso, o Vaticano disse que o governo da Soberana Ordem passaria a ser administrado pelo “Grão-comandante interino enquanto se aguarda a nomeação do Delegado Pontifício”.

O Papa convocou Fra’Festing ao Vaticano no dia 24 de janeiro, dando-lhe instrução rigorosa para não deixar que ninguém viesse a saber sobre a audiência – um modus operandi que tem sido usado com frequência durante este Pontificado, mas que Register tomou conhecimento. Durante o encontro, Francisco pediu a Fra ‘Festing para que ele se demitisse imediatamente, algo com o qual o Grão-Mestre teve que concordar. O Papa, então, ordenou-lhe para escrever sua carta de demissão ali mesmo no local, de acordo com fontes bem informadas.

O Register também tomou conhecimento de que o Papa disse a Fra ‘Festing que a razão pelo qual estava pedindo sua renúncia foi a convicção do pontífice de que ele tem que fazer uma nova “investigação mais profunda” da Ordem, e que tal  investigação seria “mais facilmente conduzida se o grão-mestre renunciasse.”

Também foi revelado ao Register, que o Papa então fez Fra ‘Festing incluir em sua carta de renúncia, que o Grão-Mestre havia pedido a demissão de Boeselager “sob a influência” do Cardeal Raymond Burke, o patrono da Ordem. No entanto, como patrono, o Cardeal não tem nenhum poder de governo na Ordem, podendo apenas aconselhar o Grão-Mestre, o que significa que a decisão de demitir o Grão-chanceler pertence exclusivamente ao Grão-Mestre.

Perguntado se poderia confirmar esta versão dos acontecimentos envolvendo o encontro de Fra ‘Festing com o Papa, o Vaticano respondeu ao Register no dia 26 de janeiro, que não fornece “nenhum comentário sobre conversas privadas.”

Se o Grão-Mestre foi pressionado a renunciar, alguns dentro da Ordem estão especulando sobre a validade de sua renúncia, já que essa foi exigida imediatamente, sem dar-lhe tempo para sequer considerar o assunto. Eles também estão preocupados com o que se parece prenúncio de um expurgo futuro na Ordem.

Além disso, alguns estão se perguntando que, se todos os atos do Grão-Mestre desde 6 de dezembro são nulos, como o Cardinal Parolin afirmou em sua carta, isso também incluiria o ato de renúncia de Fra ‘Festing ao Papa.

No sábado, o Conselho Soberano reúne-se para votar se a aceitam ou não a renúncia do Grão-Mestre.

Segue abaixo a tradução da carta do Cardeal Parolin:

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“Distintos Membros do Conselho Soberano, 

Gostaria de informar-lhes que S.A.E. Fra ‘Matthew Festing, Grão-Mestre da Ordem, na data de 24 de Janeiro de 2017, entregou sua demissão nas mãos do Santo Padre Francisco, o qual a aceitou.  

Como a Constituição da Ordem prevê no Art. 17 § 1, o Grão-comendador assumirá a responsabilidade de governo interinamente. Nos termos do Art. 143 do Código Maltense, ele providenciará de informar aos Chefes de Estado com os quais a Ordem mantém relações diplomáticas e as diferentes organizações ligadas à Ordem. 

Para ajudar a Ordem no processo de renovação que é visto como necessário, o Santo Padre irá nomear seu delegado pessoal com poderes que ele vai definir no próprio ato de sua nomeação. 

O Grão-comendador, em seu papel de tenente interino, exercerá os poderes previstos no Art. 144 do Estatuto da Ordem até o Delegado Pontifício ser nomeado. 

O Santo Padre, com base em evidências que surgiram a partir de informações que ele reuniu, determinou que todos os atos realizados pelo Grão-Mestre depois de 6 de dezembro de 2016, sejam nulos e inválidos. O mesmo é verdadeiro para aqueles atos do Conselho Soberano, como a eleição ad interim do Grão-chanceler

O Santo Padre, reconhecendo os grandes méritos da Ordem na realização de muitas obras em defesa da fé e no serviço aos pobres e doentes, expressa sua preocupação pastoral para com a Ordem e espera a colaboração de todos neste momento delicado e importante para o futuro. 

O Santo Padre abençoa a todos os membros, voluntários e benfeitores da Ordem e lhes sustenta com suas orações.

Pietro Paraolin

Secretário de Estado

O Papa “comissaria” a Ordem de Malta. Agora se espera a punição para o Cardeal Burke.

Por Riccardo Cascioli, La Nuova Bussola Quotidiana, 26 de janeiro de 2017 | Tradução: FratresInUnum.com – A dura e extraordinária intervenção do Papa Francisco, que forçou a renúncia do Grão-Mestre Robert Matthew Festing, para logo em seguida, anunciar uma espécie de liquidação da Soberana Ordem Militar de Malta, parece ser apenas o início de um terremoto, quer seja na Igreja, quer seja no campo das relações internacionais.

Em jogo estão muitas questões importantes: a correspondência entre as atividades beneficentes e a doutrina da Igreja, bem como a independência de um Estado soberano, mas, antes de mais nada, o que parece cada vez mais evidente é que pelo tom de toda a celeuma, o objetivo mesmo é a cabeça do Cardeal Raymond L. Burke, que é o Cardeal Patrono da Ordem de Malta, uma figura que atua um pouco como “capelão” e um pouco como diplomata representando o Vaticano junto à Ordem. Burke está entre os cardeais que mais manifesta perplexidade diante de algumas escolhas e decisões do Papa Francisco e é um dos quatro signatários dos Dubia acerca da Amoris Laetitia. Não é de hoje que ele está na mira. Tanto é que sua própria nomeação como patrono da Ordem de Malta em novembro de 2014 já foi um rebaixamento do seu cargo como prefeito do Tribunal da Assinatura Apostólica.

Como é de conhecimento público, a crise teve início quando, em novembro passado, o Grão-Mestre Festing destituiu o chanceler Albrecht Freiherr von Boeselager, acusado de ter incentivado a distribuição de contraceptivos na África e Ásia no âmbito dos programas de desenvolvimento financiados pela Ordem. Boeselager negou as acusações, não aceitou a demissão e pediu a intervenção da Santa Sé, que da sua parte resolveu nomear uma comissão, encabeçada pelo arcebispo Silvano Tomasi, responsável por verificar como os eventos se sucederam. Em nome da Ordem de Malta, Festing declarou seu desejo de não colaborar com a comissão do Vaticano por considerá-la como uma interferência indevida nos assuntos internos de um órgão soberano. A resposta da Secretaria de Estado do Vaticano foi imediata, reivindicando a legitimidade da investigação, que seria apenas com a intenção de se por a par da situação, tomar conhecimento. Mas a queda de braço seguiu adiante (para aprofundar-se sobre detalhes dos eventos clique aqui) até a virada inédita de 24 de Janeiro.

Naquele final de tarde, o Papa Francisco convocou Festing e pediu sua demissão imediata, induzindo-o a escrever diante de sua presença a carta requerida. É claro que não sabemos todo o conteúdo do colóquio, mas a pressão moral deve ter sido fortíssima pra fazer Festing engolir o comunicado de alguns dias atrás onde ele defendia enfaticamente a soberania da Ordem. E também há rumores de que nessa carta de demissão, poderia haver referências ao papel ativo que o Cardeal Burke teria desempenhado na destituição de Boeselager.

Na verdade, desde que o caso explodiu, fontes bem próximas ao Papa Francisco insistem muito sobre uma suposta responsabilidade de Burke, o qual  teria ostentado um apoio inexistente do Papa à decisão de torpedear o Grão-chanceler. A partir deste ponto de vista, é interessante perceber, como exatamente sobre esse ponto têm insistido muito os cabeças do Vatican Insider, cujo trabalho de franco atiradores – como se sabe – é implacável. Em vão, Burke nega o fato e as circunstâncias, alegando que ele como Cardeal Patrono não tem voz nas decisões do Capítulo, que são fruto de procedimentos internos da Ordem. As acusações contra ele estão num contínuo crescimento, embora esteja claro que por trás do confronto na Ordem, há divisões que se arrastam há anos entre os diferentes grupos nacionais e que foram recentemente enriquecidas por uma disputa em torno de um legado de € 120.000.000 depositado em um Fundo na Suíça (clique aqui).

Em todo caso, ontem, 25 de janeiro, a Sala de Imprensa da Santa Sé – com um humorismo não-intencional – anunciou a aceitação da renúncia do Grão-Mestre Festing. Além do mais, divulgou a futura nomeação de um delegado pontifício chamado para governar a Ordem (confiada ao Grande Comendador nesse ínterim). Em outras palavras, a Ordem de Malta é considerada como  um “comissariado” da Santa Sé.

Esta é uma decisão sem precedentes, que causou grande confusão e terá repercussão internacional: a Ordem de Malta é de fato um Estado soberano, um Estado sem território, que também tem um embaixador junto à Santa Sé. Como bem observado pelo semanário britânico The Catholic Herald, a decisão do Papa equivale a uma anexação real, uma clara violação do direito internacional que, em última análise, ameaça até mesmo a independência da Santa Sé. Com um precedente deste tipo, como poderia a Santa Sé se defender legalmente se, por exemplo, um dia “o Governo italiano resolvesse ver a independência da Cidade do Vaticano como uma formalidade anacrônica”?

Enquanto isso, no presente, a decisão arrisca destruir a milenar atividade da Ordem de Malta que está presente em todo o mundo com “obras de misericórdia para os doentes, os necessitados e os sem pátria”, como ditado pela sua Constituição. A presença da Ordem de Malta em mais de cem países é garantida pela representação diplomática, que agora pode ser colocada sob discussão exatamente por causa desta perda de soberania.

Seria um dramático gol contra para a Igreja e seria verdadeiramente incompreensível se, em seguida, vier a ser confirmado que o objetivo de toda essa celeuma é a cabeça do Cardeal Burke. A insistência com a qual ele vem sendo acusado de ter feito do Papa um escudo para torpedear uma persona non grata – ignorando, no entanto, o fato de ele já ter negado isso  – indicaria a disposição para uma punição pesada (para um cardeal está entre as piores acusações). Ainda mais se for confirmada a “confissão” imposta ao Grão-Mestre Festing. Tudo isso nos leva a pensar que querem se aproveitar desta oportunidade para chegar àquela punição exemplar invocada por alguns prelados logo após a publicação dos Dubia que os cardeais haviam assinado: ou seja, a remoção do título de Cardeal.

De qualquer modo, a impressão é de que estamos só no início.

O Vaticano destruiu a soberania da Ordem de Malta. E se a Itália resolver fazer o mesmo com o Vaticano?

Por Ed Condon, The Catholic Herald, 25 de janeiro de 2017 | Tradução: FratresInUnum.com: A cúria continua sendo um lugar onde panelinhas têm mais autoridade que a lei. E isso não cai nada bem. 

A coisa mais notável sobre a controvérsia envolvendo a Ordem de Malta não é que o fato de que o Grão-Mestre, Fra ‘Matthew Festing, tenha renunciado. Isso já é extraordinário o suficiente, especialmente, levando-se em conta que foi, ao que parece, a convite do Papa Francisco. Não, a característica mais surpreendente da história é o anúncio de hoje de que o Papa irá instalar um delegado apostólico para governar a Ordem. Com efeito, isso acaba por abolir a Ordem como entidade soberana. Segundo a lei internacional, o que estamos vendo é, efetivamente, a anexação de um país por outro.

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Fra’ Matthew Festing na tradicional audiência de ano novo da Ordem (Ordem de Malta).

Como se chegou a esta situação? De alguma forma, o pequeno grupo que se reuniu em torno do antigo Grão-chanceler, Albrecht Boeselager, conseguiu transformar uma questão de governo interno da Ordem em uma explosiva crise diplomática entre dois entes soberanos dos mais antigas e proeminentes do mundo ocidental.

A panelinha nunca teve o que se pudesse considerar um verdadeiro caso. Como já escrevi antes, não resta dúvida de que, em termos jurídicos, a Comissão foi estabelecida sob recomendação da Secretaria de Estado da Santa Sé para investigar a demissão de Boeselager, e tanto foi como continua sendo totalmente ilegítima.

Resta claro que Boeselager foi demitido após a sua recusa em demitir-se, de acordo com o processo legal aprovado pela Ordem. Foi então alegado que Fra ‘Festing “desafiou” Papa Francisco ao demitir Boeselager. Mas, qualquer opinião que o Papa possa ter expressado antes do evento, teria sido em uma carta sobre o assunto, muito comentada em boatos, e endereçada ao Cardeal Burke diretamente, o enviado da Santa Sé à Ordem. Essa carta não foi sequer formalmente confirmada como existente e muito menos vazada. Seu suposto conteúdo continua sendo a grande pergunta sem resposta no cerne de todo este caso.

Quanto ao que se pode deduzir dos vários comentários, o Papa, na verdade, não deu nenhuma indicação de que era contra a demissão de Boeselager. De fato, o Santo Padre parece profundamente preocupado com a gravidade das acusações contra Boeselager e até mesmo com a possibilidade de infiltração maçônica entre os membros e as atividades da Ordem. O fato de que o verdadeiro texto desta carta tenha permanecido totalmente confidencial fala alto sobre a discrição e respeito pelo Santo Padre, tanto da parte do Cardeal Patrono como do Grão-Mestre, ainda que ambos tenham sido acusados de exatamente o contrário.

A humildade e cortesia de Fra’ Festing são típicos do homem. Ele serviu a Ordem e ao Papa muito bem, com total devoção e respeito às obrigações da lei e da sua posição. E agora, ele foi forçado a deixar seu posto para poder cumprir o seu dever. No entanto Boeselager -que se recusou a obedecer a uma ordem direta de seu soberano- e seus aliados triunfaram.

Esses aliados empreenderam uma sórdida campanha com vazamento de cartas do departamento do Cardeal Parolin, que acabaram tendo o triste e óbvio fim de armarem uma cilada pública na qual Fra’ Festing é retratado como alguém que supostamente “desafiou” os desejos explícitos do Papa. Na verdade, ainda de acordo com o confuso e mutável cronograma construído por seus amigos, ficou claro que Boeselager foi demitido bem antes da aparente intervenção(e ainda ilegítima) do Cardeal Parolin.

As tristes e severas conseqüências dessa cadeia de eventos são consideráveis. A legitimidade internacional da Ordem de Malta está agora em ruínas, a sua integridade constitucional e posição diplomática agora parecem irreparáveis.

O anúncio de hoje de um delegado apostólico a ser nomeado pelos representantes do Papa, essencialmente, significa a revogação total da soberania da Ordem. No entanto, as consequências para a própria Santa Sé podem, a longo prazo, serem igualmente graves ou até mais severas. O desrespeito pelo relacionamento mutuamente soberano entre a Santa Sé e a Ordem estabelece um precedente no direito internacional, que permanecerá pairando sobre as negociações da Secretaria de Estado com outros governos como uma bomba que ainda não explodiu.

Se a Santa Sé pode tão descaradamente inserir-se no governo interno de uma outra entidade soberana, cuja legitimidade decorre de um acordo mútuo sob a lei internacional e que agora não tem nenhuma defesa legal, então, caso aconteça que um outro órgão soberano, digamos assim, o governo da República Italiana, resolva ver a Santa Sé como uma formalidade semelhantemente anacrônica, Cardeal Parolin deveria então se preparar para encarar as ações citadas de hoje como um precedente legítimo quando o IOR, comumente chamado o Banco do Vaticano, vir sua soberana independência sob renovada pressão por parte de outros países ou organismos internacionais. O Papa Bento XVI disse que “uma sociedade sem leis é uma sociedade sem direitos”. A nua desconsideração pela lei demonstrada nas últimas semanas semeou uma colheita amarga para o corpo diplomático da Santa Sé colher no futuro.

Para aqueles menos preocupados com os aspectos diplomáticos e legais dessa situação, existe uma verdade enfática que emergiu de tudo isso. Agora ficou claro que apesar de todas as grandes esperanças de reforma da cúria que acompanharam a eleição do Papa Francisco, o Vaticano permanece sendo um lugar onde panelinhas e redes pessoais têm mais autoridade que a lei, e onde vazamentos e difamação continuam a fazer parte do negócio de cada  dia do governo.

O próprio Papa, como ele já declarou muitas vezes, não é um advogado e nem alguém conhecido por ter muito interesse em leis. Aqueles na Cúria que o impulsionaram a tomar essa decisão, deliberadamente, serviram-se dele, do Ofício Petrino, da soberania internacional da Santa Sé e naturalmente dos homens e mulheres da Ordem de Malta, e de modo incrivelmente mal. Eu suspeito que agora não é mais uma questão de “se”, mas de “quando”, eles acabarão vindo a se arrepender.

Grão-mestre da Ordem de Malta renuncia a pedido de Francisco.

Por Edward Pentin, National Catholic Register, 24 de janeiro de 2017 | Tradução: FratresInUnum.com: O grão-mestre dos Cavaleiros de Malta renunciou após uma disputa entre a Ordem e a Santa Sé, confirmou o porta-voz da antiga organização.

Segundo o porta-voz, Fra’ Matthew Festing renunciou após o papa Francisco pedir-lhe que deixasse o posto em um encontro na terça-feira, segundo a Reuters.

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Fra’ Matthew Festing

“O Papa lhe pediu que renunciasse e ele concordou”, declarou o porta-voz, acrescentando que o próximo passo seria uma formalidade em que o Conselho Soberano da ordem aprovaria a renúncia extremamente incomum. Normalmente, os grão-mestres ocupam o posto de modo vitalício.

A Ordem agora será administrada por seu número dois, o Grão-comandante, até que o novo líder seja eleito.

A Ordem de Malta e o Vaticano entraram em um embate, no mês passado, quando Fra’ Festing demitiu o Grão-chanceler Albrecht Freiherr von Boeselager, a terceira maior autoridade da Ordem. Pediu-se que Boeselager renunciasse e, quando ele se recusou por duas vezes, ocorreu a demissão justificada por insubordinação.

A razão ostensiva por trás do pedido de renuncia apresentado a Boeselager foi a de que ele foi considerado, em última instância, o responsável, após uma comissão de investigação, por permitir que contraceptivos fossem distribuídos pela agência humanitária da Ordem. Porém, a Ordem também alega ter havido outros fatores “confidenciais” em jogo, bem como uma “perda de confiança”.

Boeselager protestou contra as acusações e argumentou contra a forma como se deu sua demissão. Ele apelou ao Papa, que erigiu uma comissão de cinco membros para investigar as circunstâncias incomuns da demissão. Fra’ Festing recusou a cooperar, afirmando que a comissão estava interferindo na soberania e no direito da Ordem de gerir seus assuntos internos.

Também por trás da disputa estava acusações de uma ambiciosa associação alemão competindo pelo controle da Ordem, acusações de que o Grão-mestre estava sendo excessivamente autoritário, e conflitos de interesse entre os membros da comissão da Santa Sé.

Três membros da comissão, juntamente com Boeselager, estiveram envolvidos em uma doação recebida de $118 milhões por um fideicomissio na Suíça. Apesar de a documentação comprovar o contrário, o fideicomissio negou qualquer ligação com a Ordem.

Desordem na Ordem de Malta.

A demissão, no mês passado, do grão-chanceler da ordem pelo grão-mestre, relacionada ao envolvimento da ordem na distribuição de contraceptivos artificiais, desencadeou um grave desentendimento com a Santa Sé. 

Por Edward Pentin, National Catholic Register, 7 de janeiro de 2017 | Tradução: FratresInUnum.com: A demissão de uma figura importante da Soberana Ordem de Malta relacionada com a distribuição em alguns países em desenvolvimento provocou um grave desentendimento entre os Cavaleiros de Malta e a Santa Sé, mas, que ambas as partes esperam ser rapidamente resolvido.

An Anglo-Polish Carol Service Takes Place At St Clement Danes ChurchA disputa, que levou a uma controversa intervenção da Santa Sé, expôs uma abordagem divergente quanto ao tratamento a ser dado a práticas que a Igreja sempre ensinou serem gravemente imorais. Também revelou alegações de ambição da associação alemã dos Cavaleiros em estender sua influencia dentro da antiga ordem de cavaleria, o desejo do papa de livrar a ordem da maçonaria e uma misteriosa doação de 120 milhões de francos suíços (US$ 118 milhões, cerca de R$ 413 milhões) aos Cavaleiros.

A Ordem Soberana e Militar de Malta é uma ordem religiosa leiga sediada em Roma e remonta à Primeira Cruzada. Defendeu extensamente a fé contra as perseguições e se dedicou a ajudar no cuidados dos pobres, doentes e vulneráveis, empregando um pessoal médico de cerca de 25 mil profissionais e 80 mil voluntários por todo o mundo. É considerada um sujeito soberano pelo direito internacional e tem relações diplomáticas com 106 países.

O Cardeal americano Raymond Burke é o cardeal patrono da ordem, cuja tarefa é promover as relações entre a Santa Sé e os Cavaleiros e manter o Santo Padre informado sobre os aspectos espirituais e religiosos da ordem.

A disputa em andamento, que o Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Pietro Parolin, descreveu como uma “crise sem precedentes”, primeiramente tornou-se pública após o grão-mestre dos Cavaleiros de Malta, Fra’ Matthew Festing, demitir Albrecht Freiherr von Boeselager do posto de grão-chanceler (o oficial de número três da ordem), em 6 de dezembro, acusando-o de ser, ao fim, o responsável pela distribuição de contraceptivos através da agência humanitária da ordem Malteser International.

Apesar de ter professado votos de obediência ao grão-mestre como Cavaleiro de Segunda Classe, o experiente Cavaleiro alemão se recusou a renunciar no encontro de 6 de dezembro, um ato de insubordinação que a ordem qualificou de “vergonhoso” e que provocou um “procedimento disciplinar” que suspendeu Boeselager de todos os encargos nos Cavaleiros de Malta, segundo uma declaração de 13 de dezembro. A constituição da Ordem de Malta afirma que a obediência na ordem requer a obrigação de executar qualquer instrução como legitimamente dada pelo superior, dependendo da motivação da instrução.

Preservativos distribuídos

A razão para a demissão de Boeselager remonta, primeiramente, a quando ele era o grande hospitalário de 1989 a 2014, responsável pela Malteser International, a grande agência de ajuda humanitária dos Cavaleiros sediada em 24 países. Durante seu mandato, a organização documentou ter distribuído milhares de preservativos e contraceptivos orais, principalmente, mas não exclusivamente, para ajudar a prevenir prostitutas, no Extremo Oriente e na África, de pegarem HIV/AIDS.

“Eles estavam distribuindo preservativos não só a pacientes, mas a trabalhadores em geral”, declarou uma fonte bem informada ao Register, sob condição de anonimato. “A motivação aparente era prevenir a difusão da AIDS, e então, em geral, enquanto programa de planejamento familiar, também — espaçamento de nascimentos e coisas do tipo, que dificilmente pode ser relacionado à AIDS”.

No fim de 2014, o grão-mestre tomou ciência do caso; e em maio de 2015, Fra’ Festing instituiu uma comissão de três pessoas para descobrir o que aconteceu. A comissão apresentou seus resultados em janeiro de 2016; o caso da distribuição de contraceptivos foi posteriormente catalogado pelo Instituto Lepanto, demonstrando que milhares de contraceptivos foram distribuídos entre 2015 e 2012.

Boeselager tinha ciência do caso há algum tempo e foi primeiramente informado dessa situação “ao menos desde 2013, quando detinha o posto de grande hospitalário, ou desde quando Malteser International ordenou uma avaliação abrangente de todos os projetos acerca de sua conformidade ao ensinamento da Igreja Católica”, declarou Eugenio Ajroldi di Robbiate, diretor de comunicação dos Cavaleiros de Malta. “Desde o fim de 2014 até dezembro de 2016, houve diversas ocasiões em que o grão-mestre e Albrecht Boeselager discutiram o assunto”.

O porta-voz ressaltou que a comissão “reconheceu o profissionalismo da Malterser Internacional e a importância de seus projetos em 24 países do mundo, ressaltando que os que geraram problemas morais estavam limitados a Myanmar, Quênia e Sudão do Sul”.

Boeselager responde

Em uma declaração de 23 de dezembro, Boeselager protestou que não havia bases válidas para renunciar e que o “procedimento estabelecido” para sua remoção não foi seguido. Ele também criticou uma instrução do grão-mestre, afirmando que sua diretriz de que membros que não concordassem de sua decisão deveriam renunciar “recordava um regime autoritário”.

Quanto ao assunto dos contraceptivos, o ex grão-chanceler afirmou que a distribuição de preservativos em Myanmar para prevenir a difusão da AIDS foi “iniciada em nível local” e “sem o conhecimento” da sede da Malteser International. Tão logo a ordem soube da distribuição de preservativos, dois dos projetos foram imediatamente paralisados. Um terceiro continuou, declarou ele, porque um fim abrupto teria privado uma região pobre de Myanmar de todos os serviços médicos básicos. Esse projeto, por fim, terminou após a Congregação para a Doutrina da Fé intervir.

Boeselager afirmou que ele sempre enfatizou “claramente” que sente-se “vinculado aos ensinamentos da Igreja” e que “maquinar uma acusação” de que ele não reconhece os ensinamentos da Igreja sobre sexualidade e família, com base nos acontecimentos em Myanmar, é “absurdo”.

Todavia, um membro austríaco da Malteser International continua a defender o uso de preservativos  para prevenir a infecção por HIV em seu website, muito embora a Igreja ensine que o uso de contraceptivos é “gravemente imoral” em qualquer circunstância.

Esperava-se que o escândalo dos contraceptivos fosse tratado em 10 de novembro, quando o Cardeal Burke foi recebido em audência privada pelo Papa Francisco. Durante o encontro, Register soube que o Papa ficou “profundamente perturbado” por aquilo que lhe contou o cardeal. O Papa também deixou claro ao Cardeal Burke que ele desejava que a maçonaria fosse “expelida” da ordem, e pediu ações apropriadas.

A preocupação se seguiu por uma carta de 1º de dezembro ao Cardeal Burke, na qual Register tomou conhecimento de que o Santo Padre enfatizou ao cardeal o dever de promover o interesse espiritual da ordem e de remover qualquer afiliação com grupos ou práticas contrários à lei moral.

O Santo Padre não pediu explicitamente na carta que Boeselager fosse demitido, e, contrariamente a matérias, o Cardeal Burke insistiu que ele nunca teria dito a Boeselager que o Papa pediu especificamente por sua demissão. Antes, fontes internas se empenharam por dizer que a liderança dos Cavaleiros não podia ver como a questão poderia ser retificada de outra forma, quando se envolvia grande escândalo e ninguém assumia a responsabilidade por isso. A liderança acreditava estar claro que Boeselager era o principal responsável pelo que aconteceu, especialmente quando, durante o encontro de 6 de dezembro, não deu resposta quando questionado sobre a razão de não ter formalmente protestado sobre a exatidão do relatório da comissão.

Uma fonte confiável também recorda que Boeselager afirmou em uma recepção em Roma, em 2014: “Temos de dar contraceptivos aos pobres ou eles morrerão”. Boeselager também, conforme relatos, não respondeu quando confrontado com esta afirmação no encontro de 6 de dezembro.

A liderança dos Cavaleiros, incluindo o Cardeal Burke, estavam convencidos que havia se dado uma grave violação da lei moral, e especialmente quando ela se estendeu por um período de tempo, as pessoas responsáveis tinham de ser disciplinadas; de outra forma, a instituição perderia sua credibilidade.

Boeselager não respondeu ao pedido do Register para comentar as questões relacionadas à sua demissão.

A intervenção do Cardeal Parolin

Após sua demissão, fontes internas afirmam que Boeselager foi ao Cardeal Parolin, erroneamente contando a ele que lhe foi dito pelo Cardeal Burke que o Papa o instruía a renunciar.

Porque ele via a situação como uma emergência, segundo as fontes, o Cardeal Parolin não verificou o que foi comunicado a Boeselager pelo Cardeal Burke antes de escrever uma carta, em 12 de dezembro, a Fra’ Festing em nome do Santo Padre. Nela, ele enfatizava que as “únicas instruções” do Papa foram aquelas dadas ao Cardeal Burke em sua carta de 1º de dezembro.

“Em particular, a respeito do uso e distribuição de métodos e meios contrários à lei moral, Sua Santidade pediu que o diálogo [ênfase dele] seja a abordagem usada para tratar e resolver potenciais problemas”, escreveu o Cardeal Parolin em sua carta. “Ele nunca mencionou, pelo contrário, expelir ninguém”. O Cardeal acrescentou que esperava que o diálogo fosse usado para “adiante encontrar uma forma prudente que seja vantajosa a todos”.

Em resposta, Fra’ Festing destacou que a decisão que ele havia tomado era “plenamente de acordo com as instruções” retransmitidas pelo Cardeal Burke e pediu por um encontro urgente com o Cardeal Parolin para encontrar um caminho a seguir. No encontro, o Cardeal Parolin disse que ele queria instituir uma comissão para investir os assuntos relacionados à demissão. O grão-mestre e a liderança dos Cavaleiros recusou tal comissão, principalmente por conta do status de soberania dos Cavaleiros que proíbe tal interferência em seu governo interno, segundo o direito internacional.

A liderança dos Cavaleiros ficou com a impressão de que o Cardeal Parolin havia voltado atrás com a idéia.

A Comissão de Inquérito

No entanto, em 22 de dezembro, o grão-mestre e o Cardeal Burke receberam uma carta do Vaticano, comunicando que uma comissão, ou grupo, havia sido estabelecido; que as instruções do Papa em sua carta de 1º de dezembro deveriam ser suspensas; e que nada mais deveria ser feito até que o recém formado grupo concluísse seu trabalho. O Vaticano também informou a mídia no mesmo dia, embora não através do boletim diário do Vaticano, mas, por um e-mail, que o grupo de cinco membros tinha por objetivo rapidamente obter informação sobre a disputa.

Questionado se queria compartilhar sua opinião a respeito, o Cardeal Burke declarou ao Register: “Não posso fazer qualquer comentário sobre essas decisões porque nunca fui consultado. Eu estava presente na demissão”. Mas, ele acrescentou que o que lhe preocupava “muitíssimo” em toda “infeliz reação à justa ação do grão-mestre era a perda de sentido do que estava em jogo, isto é, uma grave violação do ensino moral da Igreja e, de fato, da lei moral natural por uma proeminente e histórica instituição Católica”.

Os cinco membros da comissão de inquérito são o arcebispo Silvano Tomasi, antigo observador da Santa Sé nas Nações Unidas em Genebra; o padre jesuíta Gianfranco Ghirlanda, ex reitor da Pontifícia Universidade Gregoriana; Jacques de Liedekerke, advogado; Marc Odendall, um banqueiro de investimento; e Marwan Sehnaoui, presidente da Ordem de Malta no Líbano.

Exceto Padre Ghirlanda, todos os indicados do grupo são membros da ordem, e a maior parte são de aliados de Boeselager. Odendall é conhecido por ser particularmente apoiador de Boeselager, e o Arcebispo Tomasi é um bom amigo de Odendall, segundo fontes de dentro da ordem.

Ademais, Register soube que Odendall, Sehnaoui e o Arcebispo Tomasi estiveram relacionados com Boeselager quanto a uma herança enorme deixada para a ordem por um benfeitor residente na França, avaliada em ao menos 120 milhões de francos suíços (US$ 118 milhões, cerca de R$ 413 milhões). O Cardeal Parolin tem conhecimento da doação desde, ao menos, março de 2014.

O Secretário de Estado também é conhecido amigo de Boeselager, e, em 15 de dezembro, nomeou seu irmão, Georg Freiherr von Boeselager, como um dos três novos membros da conselho do IOR (Banco do Vaticano).

O Cardeal declinou responder a uma série de questões sobre a demissão de Boeselager e a comissão papal, dizendo ao Register, em 2 de janeiro, que “não era oportuno”.

A Ordem rejeita a Comissão.

Em uma carta de 3 de janeiro aos Cavaleiros, o novo chanceler da Ordem, Fra’ John Critien, insistiu que a ordem “não pode colaborar” com a comissão papal, não só por conta de sua “irrelevância jurídica” em relação ao sistema legal da ordem, mas, “acima de tudo”, a fim de “proteger suas prerrogativas soberanas contra iniciativas objetivamente destinadas a questionar ou limitar seu caráter soberano”. A ordem já publicamente declarou que tal “interferência” é “inaceitável”.

Ele, portanto, enfatizou que a não colaboração com a comissão se dá puramente por “motivações jurídicas” e “não é, e de forma alguma pode ser considerada uma falta de respeito para com a comissão em si, nem para com o Secretariado de Estado da Santa Sé”.

Apoiadores da comissão afirmaram que uma das principais razões de ela ter sido erigida era que as associações nacionais da Ordem de Malta apoiavam Boeselager. Isso não parece ser exato, como Register pôde ver em cartas de apoio ao grão-mestre de várias associações, incluindo Itália, Espanhoa, Portugal, México, Chile e Malta.

Em 4 de janeiro, o Arcebispo Tomasi respondeu à carta de Fra’ Critien, de 3 de janeiro, que ele afirmou “fazer algumas declarações cujas imprecisões geram equívocos” e “diretamente contradizem os desejos do Santo Padre”. Segundo o arcebispo, a questão relacionada à demissão de Boeselagar “não é só a soberania da ordem, mas a afirmação razoável de procedimentos questionáveis e de falta de causa provadamente válida para ação tomada”. Também, ele disse, “nunca houve um pedido de renúncia ou demissão de ninguém, da parte da Santa Sé e especificamente do Santo Padre”.

“Acerca do que Sua Excelência qualifica de irrelevância jurídica da comissão, os argumentos usados para substituir o grão-chanceler provocaram a sua ereção pelo Santo Padre, uma vez que a irregularidade inferida quanto ao procedimento profundamente dividiu a ordem”, declarou o Arcebispo Tomasi.

Procurando uma solução

Tanto a ordem como a Santa Sé estão empenhados em resolver rapidamente o problema, e apesar dos protestos das altas esferas da ordem, o Vaticano continua a ver a comissão papal, que se encontrou pela primeira vez em 5 de janeiro, como a melhor forma de encontrá-la.

Em comentários ao jornal italiano Il Messaggero, de 31 de dezembro, o Cardeal Parolin afirmou que a comissão “reuniria informação, e depois vamos ver”.

Este artigo é a primeira de duas partes. 

Edward Pentin é o correspondente do Register em Roma