Oração para implorar Papas Santos.

Por Dom Athanasius Schneider – FratresInUnum.com, 18 de janeiro de 2024

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!

Queridos fiéis Católicos, especialmente aqueles que sofrem por causa da crise inédita que aflige a nossa santa Mãe Igreja! Queridos pais e mães de famílias Católicas! Queridos jovens Católicos! Queridas crianças inocentes Católicas! E, especialmente, queridas Irmãs religiosas contemplativas, joias espirituais da Igreja! Queridos seminaristas Católicos! Queridos sacerdotes Católicos, que sois “o amor do Sagrado Coração de Jesus”!

A confusão dentro da Igreja chegou a tal ponto que temos de rezar ao Senhor com as palavras de Ester: “Não temos outra ajuda senão Vós” (Est 14, 3 Vulg.). Portanto, refugiemo-nos no Coração Imaculado de Maria através da Oração diária para implorar Papas santos. Clamemos com o salmista: “Levantai-Vos, Senhor, por que dormis? Levantai-Vos, Senhor, ajudai-nos e trazei-nos a salvação!” (Sl 43, 23).

18 de janeiro de 2024, antiga festa da Cátedra de São Pedro em Roma

+ Dom Athanasius Schneider, Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Maria Santíssima em Astana.

Oração para implorar papas santos

Kyrie Eleison! Christe Eleison! Kyrie Eleison! Senhor Jesus Cristo, Vós sois o bom Pastor! Com a Vossa mão toda-poderosa guiais a Vossa Igreja peregrina através das tempestades de cada época. 

Adornai a Santa Sé com Papas santos que não temam os poderosos deste mundo nem se comprometam com o espírito da época, mas preservem, fortaleçam e defendam a Fé Católica até ao derramamento de seu sangue e que observem, protejam e transmitam a venerável liturgia da Igreja Romana.

Ó Senhor, voltai para nós por meio de Papas santos, inflamados com o zelo dos Apóstolos, que proclamem ao mundo inteiro: “A salvação não se encontra em ninguém mais do que Jesus Cristo. Porque debaixo do Céu não nos foi dado outro nome pelo qual devamos ser salvos” (cf. Atos 4:10-12).

Através de uma era de santos Papas, possa a Santa Sé, que é a pátria de todos os que promovem a Fé Católica e Apostólica, brilhar sempre como a cátedra da verdade para o mundo inteiro. Ouvi-nos, Senhor, e pela intercessão do Imaculado Coração de Maria, Mãe da Igreja, concedei-nos Papas santos, concedei-nos muitos Papas santos! Tende piedade de nós e ouvi-nos! Amém.

A Igreja, a lei natural e as bênçãos a uniões homossexuais.

Por Taiguara Fernandes

FratresInUnum.com, 29 de dezembro de 2023 – O novo documento vaticano Fiducia Supplicans impôs graves questões de consciência aos bispos, sacerdotes e fiéis. Longe de “não ter mudado nada”, o próprio debate intenso ocorrido nos últimos dias e as restrições que diversos bispos colocaram às práticas autorizadas pela declaração comprovam, por si mesmas, que Fiducia Supplicans mudou alguma coisa.

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O famoso militante jesuíta, padre James Martin, “abençoa” par homossexual após a publicação de documento do Dicastério para a Doutrina da Fé. “Foi realmente muito bom”, disse Martin ao New York Times, “poder fazer isso publicamente”.

Essa ruptura também pode ser percebida através das notas da declaração, nas quais se encontram, exclusivamente, referências ao pontificado atual (com exceção de uma solitária e acidental citação a Bento XVI), sem que se possa apontar qualquer fundamento na doutrina dos Papas precedentes ou na tradição anterior, algo que seria minimamente razoável a um documento que “não mudou nada”.

Quando as questões de consciência levantadas por essas novidades parecem por demais complicadas, especialmente quanto à atitude prática que se deve tomar, é oportuno lembrar aquilo que é perene e imutável, portanto, sempre seguro. É o que recordamos nos pontos a seguir:

1) Existem “preceitos primários e essenciais que regem a vida moral” (Catecismo da Igreja Católica, 1955) pelos quais o homem pode “discernir, pela razão, o bem e o mal, a verdade e a mentira” (Catecismo da Igreja Católica, 1954). A esses preceitos, chamamos “lei natural”, pois decorrem da própria natureza das coisas, isto é, decorrem do que elas mesmas são;

2) Quanto a isso, a Igreja sempre reconheceu a existência dessas “leis universais e permanentes” que “obrigam a todos e cada um, sempre e em qualquer circunstância […] sem exceções” (João Paulo II, Encíclica Veritatis Splendor, 52);

3) Essa “lei natural é imutável e permanente através das variações da história” e não está sujeita a modificações pelo “fluxo das ideias e dos costumes” (Catecismo da Igreja Católica, 1958), isto é, não varia de acordo com modas ou ideologias de uma época;

4) Por causa disso, “toda a lei constituída pelos homens tem força de lei só na medida em que deriva da lei natural. Se, ao contrário, em alguma coisa está em contraste com a lei natural, então não é lei, mas sim corrupção da lei” (Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, I-II, q. 95, a. 2). Nesse caso, “chama-se lei iníqua e, como tal, não tem valor, mas é um ato de violência” (Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, I-II, q. 93, a. 3);

5) Assim, não existe poder humano capaz de derrogar lei natural, pois “a autoridade é exigência da ordem moral e promana de Deus. Por isso, se os governantes legislarem ou prescreverem algo contra essa ordem e, portanto, contra a vontade de Deus, essas leis e essas prescrições não podem obrigar a consciência dos cidadãos. […] Neste caso, a própria autoridade deixa de existir, degenerando em abuso do poder” (João XXIII, Encíclica Pacem in Terris, 51);

6) Isso também se aplica aos poderes eclesiásticos, pois “quem recebeu a ordem sagrada é capaz, segundo as normas do direito, do poder de governo” (Código de Direito Canônico, Cânon 129), já que a Igreja também está “constituída e ordenada neste mundo como sociedade” (Código de Direito Canônico, Cânon 204).

7) Quando uma lei iníqua for estabelecida, não é legítimo adotar uma atitude meramente positivista, acreditando que o simples fato de estabelecer-se a regra torna essa regra boa por si mesma, uma “escolha que obrigaria cada qual a prescindir das próprias convicções […] aceitando como único critério moral […] aquilo que está estabelecido pelas mesmas leis”, realizando verdadeira “abdicação da própria consciência moral” (João Paulo II, Encíclica Evangelium Vitae, 69);

8) Isso quer dizer que “Leis desse tipo não só não criam obrigação alguma para a consciência, como, ao contrário, geram uma grave e precisa obrigação de opor-se a elas através da objeção de consciência” (João Paulo II, Encíclica Evangelium Vitae, 73).

9) Com efeito, se Código de Direito Canônico reconhece que “a ninguém é lícito coagir os homens a abraçar a fé católica contra a sua consciência” (Cânon 748, §2), muito menos seria lícito coagir alguém a abandonar a fé católica e os preceitos da lei natural contra a sua consciência, inclusive porque existe, do outro lado, a obrigação inversa e o direito correspondente de permanecer na fé, ambos de lei divina, pois “todos os homens estão obrigados a procurar a verdade no que concerne a Deus e à sua Igreja, e, uma vez conhecida, em virtude da lei divina têm obrigação e gozam do direito de a abraçar e observar” (Cânon 748, §1);

10) “Por isso mesmo, se a autoridade não reconhecer os direitos da pessoa, ou os violar, não só perde ela a sua razão de ser como também as suas disposições estão privadas de qualquer valor jurídico” (João XXIII, Encíclica Pacem in Terris, 61), ou seja, não obrigam a quem quer que seja;

11) E porque a lei natural possui um “caráter racional e, portanto, universalmente compreensível e comunicável” (João Paulo II, Encíclica Veritatis Splendor, 36) é possível extrair dela, para saber como agir concretamente, os “princípios gerais, a partir dos quais os operadores de reta consciência podem avaliar e resolver as situações em que possam eventualmente ser envolvidos na sua atividade” (Congregação para a Doutrina da Fé, Instrução Dignitas Personae, 34);

12) Entre esses princípios gerais, a Igreja destina “particular atenção aos princípios que não são negociáveis”, como o “reconhecimento e promoção da estrutura natural da família, como união entre um homem e uma mulher baseada no matrimônio, e a sua defesa das tentativas de a tornar juridicamente equivalente a formas de uniões que, na realidade, a danificam e contribuem para a sua desestabilização, obscurecendo o seu carácter particular e o seu papel social insubstituível” (Bento XVI, Discurso aos participantes no congresso promovido pelo Partido Popular Europeu, 30/03/2006);

À luz desses princípios, podemos perceber o seguinte:

I) Para além de eventuais frases corretas que a declaração Fiducia Supplicans possua, o centro do documento está no capítulo III, que textualmente fala em “bênçãos a casais de mesmo sexo” (o uso do termo “casal” aparece em todas as traduções oficiais: em italiano, coppie; em francês e inglês, couples; em espanhol, parejas).

A Igreja Católica sempre evitou o uso do termo “casal” para pessoas de mesmo sexo, preferindo adotar a descrição objetiva “união entre duas pessoas do mesmo sexo”, como o ocorre no documento de 2003, da própria Congregação para a Doutrina da Fé, Considerações sobre Projetos de Reconhecimento Legal das Uniões entre Pessoas Homossexuais (§6), ou na Declaração do Pontifício Conselho para a Família a respeito de uma Resolução do Parlamento da Europa do dia 16 de Março 2000, a qual pretendia considerar iguais à família as “uniones de facto”, incluídas as homossexuais. Como o termo “casal” necessariamente designa uma união entre homem e mulher, a utilização da expressão “casais de mesmo sexo” por Fiducia Supplicans é uma ruptura, pois estabelece uma analogia que “obscurece o caráter particular” da “união entre um homem e uma mulher baseada no matrimônio” (Bento XVI, loc. cit.).

De fato, o documento Considerações sobre Projetos de Reconhecimento Legal das Uniões entre Pessoas Homossexuais, da mesma Congregação para a Doutrina da Fé, veda “estabelecer analogias, mesmo remotas, entre as uniões homossexuais e o plano de Deus sobre o matrimónio e a família” (§4). O uso textual do termo “casal” para designar a união entre duas pessoas do mesmo sexo é uma analogia direta, sequer remota, à união entre um homem e uma mulher, o que já demonstra uma ruptura entre Fiducia Supplicans e o ensinamento anterior.

Para além disso, quando se fala, textualmente, em “bênçãos a casais de mesmo sexo”, a ruptura torna-se ainda mais clara: duas pessoas, separadamente, não formam um casal, mas relacionadas, sim; logo, necessariamente se trata de uma bênção sobre a relação entre essas duas pessoas, no caso, uma união, que formaria o casal. Porém, nesse caso, o uso do termo “casal” é aplicado diretamente a pessoas de mesmo sexo, não à união de um homem e de uma mulher. É desse modo que Fiducia Supplicans afeta um dos “princípios que não são negociáveis” (Bento XVI, loc. cit.) e representa, mais do que uma ruptura, uma ofensa aos preceitos normativos da lei natural.

II) Em termos práticos, qualquer batizado, bispo, sacerdote ou leigo, está autorizado, por lei divina, isto é, tem o direito, e até mesmo o dever, de resistir a uma lei iníqua, no sentido expressado por Santo Tomás de Aquino, João XXIII e João Paulo II, entre muitos outros, e de não aceitar normas que contrariem a lei natural e a fé católica. Pode e deve fazê-lo para não abdicar de sua própria consciência, retamente ordenada para Deus e à verdade. Nesse sentido, sempre poderá recorrer à objeção de consciência para não agir contra a lei natural, nas situações em que não seja possível mudar aquela violação.

III) Quanto aos Bispos, especificamente, dotados de poder de governo e de ensino (Código de Direito Canônico, cânon 375), possuem o direito e, inclusive, a obrigação grave de alertar, evitar e impedir violações à lei natural, especialmente no território de suas dioceses. Possuem também o dever, decorrente do seu múnus, de resguardar as regras da lei natural contra normas de governo civil ou eclesiástico que as violem — normas que, por isso mesmo, “estão privadas de qualquer valor jurídico” (João XXIII, Encíclica Pacem in Terris, 61). Nesses casos, o Bispo não só pode resistir à violação como tem o poder de determinar o seu contrário, especialmente considerando os deveres da consciência para com a verdade.

Por essa razão, não deve surpreender a ação dos Bispos que, diante das graves questões de consciência impostas por Fiducia Supplicans, têm feito alertas e estabelecido restrições e normas próprias dentro de sua jurisdição. Sua ação está amparada na própria lei natural, o que já foi demonstrado.

Afinal, como disse São Pedro, o primeiro Papa da Igreja, “importa obedecer antes a Deus que aos homens” (Atos dos Apóstolos 5,29).

Taiguara Fernandes é advogado, jornalista e criador do curso “O Direito como ele é”, de introdução ao Direito com base na lei natural

Arcebispo proíbe padres de “conceder qualquer forma de bênção” em resposta à nova declaração do Vaticano.

Por Diane Montagna, 19 de dezembro de 2023 – The Catholic Herald | Tradução: FratresInUnum.com: Um arcebispo metropolitano tornou-se o primeiro prelado a emitir orientações ao seu rebanho sobre a declaração do Vaticano que permite bênçãos para pessoas do mesmo sexo. E ele proíbe firmemente sacerdotes e fiéis de aceitar ou realizar qualquer forma de bênção de casais em situação irregular e casais do mesmo sexo.

Numa declaração datada de 19 de dezembro, e enviada a todos os sacerdotes e paróquias da sua arquidiocese, Dom Tomash Peta, Arcebispo de Santa Maria de Astana, Cazaquistão, juntamente com o Bispo Auxiliar Athanasius Schneider, afirmam firmemente que a nova declaração,  Fiducia suplicantes, é um “grande engano”, e que as bênçãos propostas para casais do mesmo sexo “contradizem direta e seriamente a Revelação Divina e a doutrina e prática ininterrupta e bimilenar da Igreja Católica”.

A declaração, emitida em 18 de dezembro pelo Prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, Cardeal Manuel Fernández, e assinada pelo Papa Francisco, afirma oferecer uma “contribuição inovadora ao significado das bênçãos” que permite a “possibilidade de abençoar casais em situações irregulares e casais do mesmo sexo sem validar oficialmente o seu status ou alterar de qualquer forma o ensinamento perene da Igreja sobre o matrimônio”.

Embora afirme que a Igreja “não tem o poder de conceder bênçãos [próprias do sacramento do matrimônio] às uniões de pessoas do mesmo sexo”, a declaração permite aos sacerdotes oferecer uma “bênção pastoral espontânea” e não litúrgica, ou seja, uma nova categoria de bênção para esses casais.

Na sua declaração em resposta, o Arcebispo Peta, natural da Polônia, adverte os sacerdotes e fiéis que “este esforço para legitimar tais bênçãos” terá “consequências desastrosas e de longo alcance” e, pelo menos na prática, transforma a Igreja Católica num “propagandista” da “ideologia de gênero”.

Abaixo está a tradução [portuguesa feita do] do inglês, a partir do original russo, da declaração assinada pelo Arcebispo  Tomash Peta e pelo Bispo Athanasius Schneider. 

Declaração da Arquidiocese de Santa Maria de Astana a respeito da Declaração Fiducia supplicans , publicada pelo Dicastério para a Doutrina da Fé e aprovada pelo Papa Francisco em 18 de dezembro de 2023

O propósito manifesto da Declaração da Santa Sé,  Fiducia supplicans , é permitir “a possibilidade de abençoar casais em situação irregular e casais do mesmo sexo”. Ao mesmo tempo, o documento insiste que tais bênçãos sejam realizadas “sem confirmar oficialmente o seu status u alterar de qualquer forma o ensinamento perene da Igreja sobre o casamento”.

O fato de o documento não permitir o “casamento” de casais do mesmo sexo não deve cegar os pastores e fiéis para o grande engano e o mal que reside na própria permissão para abençoar casais em situação irregular e casais do mesmo sexo. Tal bênção contradiz direta e seriamente a Revelação Divina e a doutrina e prática ininterrupta e bimilenar da Igreja Católica. Abençoar casais em situação irregular e casais do mesmo sexo é um grave abuso do Santíssimo Nome de Deus, uma vez que este nome é invocado sobre uma união objetivamente pecaminosa de adultério ou de atividade homossexual.

Portanto, nenhuma, nem mesmo a mais bela das declarações contidas nesta Declaração da Santa Sé pode minimizar as consequências destrutivas e de longo alcance resultantes deste esforço para legitimar tais bênçãos. Com tais bênçãos, a Igreja Católica torna-se, se não em teoria, pelo menos na prática, uma propagandista da “ideologia de gênero” globalista e ímpia.

Como sucessores dos Apóstolos, e fiéis ao nosso juramento solene por ocasião da nossa consagração episcopal “de preservar o depósito da fé na pureza e na integridade, segundo a tradição sempre e em toda parte observada na Igreja desde o tempo dos Apóstolos”, exortamos e proibimos os sacerdotes e os fiéis da Arquidiocese de Santa Maria de Astana de aceitarem ou realizarem qualquer forma de bênção aos casais em situação irregular e aos casais do mesmo sexo. É desnecessário dizer que todo pecador sinceramente arrependido, com a firme intenção de não pecar mais e de pôr fim à sua situação pecaminosa pública (como, por exemplo, a coabitação fora de um casamento canonicamente válido, a união entre pessoas do mesmo sexo) pode receber uma bênção.

Com sincero amor fraterno, e com o devido respeito, dirigimo-nos ao Papa Francisco, que – ao permitir a bênção de casais em situação irregular e de casais do mesmo sexo – “não caminha retamente segundo a verdade do Evangelho” (cf. Gal. 2,14), para tomar emprestadas as palavras com que o Apóstolo São Paulo advertiu publicamente o primeiro Papa em Antioquia. Portanto, no espírito da colegialidade episcopal, pedimos ao Papa Francisco que revogue a permissão de abençoar casais em situação irregular e casais do mesmo sexo, para que a Igreja Católica possa brilhar claramente como “pilar e fundamento da verdade” (1 Tm 3,15) para todos aqueles que procuram sinceramente conhecer a vontade de Deus e, cumprindo-a, alcançar a vida eterna.

Astana, 19 de dezembro de 2023

+ Tomash Peta, Arcebispo Metropolitano da Arquidiocese de Santa Maria de Astana

+ Athanasius Schneider, Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Santa Maria em Astana

Foto: Papa Francisco, ladeado pelo Bispo Auxiliar Athanasius Schneider (à esquerda), e pelo Arcebispo Tomash Peta (à direita), visita a Catedral Nossa Senhora do Perpétuo Socorro em Nur-Sultan, Cazaquistão , 15 de setembro de 2022. (Foto de FILIPPO MONTEFORTE/AFP via Getty Images.)

Dubia – Cardeais apresentam a Francisco suas dúvidas sobre o processo sinodal. E continuam sem resposta.

Fonte: Instituto Plinio Corrêa de Oliveira.

Notificação aos fiéis leigos (Cân. 212 § 3) sobre os dubia apresentados ao Papa Francisco
Irmãos e irmãs em Cristo,

Nós, membros do Sacro Colégio dos Cardeais, tendo presente o dever de todos os fiéis de «manifestar aos sagrados Pastores a sua opinião acerca das coisas atinentes ao bem da Igreja» (Cân. 212 § 3) e, sobretudo, tendo presente a responsabilidade dos Cardeais de «assistir ao Romano Pontífice (…) individualmente (…) na solicitude quotidiana da Igreja universal.» (Cân. 349), consideradas várias declarações de alguns altos Prelados relativas à celebração do próximo Sínodo dos Bispos, evidentemente contrárias à doutrina e à disciplina constantes da Igreja, e que geraram e continuam a gerar entre os fiéis e outras pessoas de boa vontade grande confusão e a queda no erro, manifestamos ao Romano Pontífice a nossa profundíssima preocupação. Recorrendo à comprovada prática da apresentação de dubia [perguntas] a um superior, para lhe dar a ocasião de esclarecer, através das suas responsa [respostas], a doutrina e a disciplina da Igreja, com a nossa carta de 10 de Julho de 2023, apresentamos cinco dubia ao Papa Francisco, cuja cópia se encontra em anexo. O Papa Francisco respondeu-nos com carta de 11 de Julho de 2023.

Tendo estudado a sua carta, que não seguiu a prática das responsa ad dubia [respostas a perguntas], reformulamos os dubia para suscitar uma resposta clara, baseada na doutrina e na disciplina perenes da Igreja. Com a nossa carta de 21 de Agosto de 2023, apresentamos ao Romano Pontífice os dubia reformulados, cuja cópia se encontra em anexo. Até à data, não recebemos resposta.

Dada a gravidade da matéria dos dubia, especialmente tendo em vista a iminente sessão do Sínodo dos Bispos, julgamos ser nosso dever informar-vos, fiéis (Cân. 212 § 3), para que não sejais sujeitos à confusão, ao erro e ao desânimo, mas rezeis pela Igreja universal e, em particular, pelo Romano Pontífice, para que o Evangelho seja ensinado cada vez mais claramente e seguido cada vez mais fielmente.

Vossos em Cristo,

Walter Cardeal Brandmüller
Raymond Leo Cardeal Burke
Juan Cardeal Sandoval Íñiguez
Robert Cardeal Sarah
Joseph Cardeal Zen Ze-kiun

Roma, 2 de Outubro de 2023

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Dúbia

1) Dubium sobre a afirmação de que a Revelação Divina deve ser reinterpretada tendo por base as mudanças culturais e antropológicas em voga.

Depois das afirmações de alguns bispos, que não foram corrigidas nem retratadas, pergunta-se se, na Igreja, a Revelação Divina deve ser reinterpretada segundo as mudanças culturais do nosso tempo e segundo a nova visão antropológica que tais mudanças promovem; ou se a Revelação Divina é vinculante para sempre, imutável e que, portanto, não é de se contradizer, de acordo com o ditame do Concílio Vaticano II de que a Deus que revela é devida «a obediência da fé» (Dei Verbum 5); que o que é revelado para a salvação de todos deve permanecer para sempre «íntegro» e vivo, e deve ser «transmitido a todas as gerações» (7); e que o progresso da compreensão não implica qualquer mudança da verdade das coisas e das palavras, porque a fé foi transmitida «duma vez para sempre» (8), e o Magistério não é superior à palavra de Deus, mas ensina apenas o que foi transmitido (10).

2) Dubium sobre a afirmação de que a prática difusa da bênção das uniões com pessoas do mesmo sexo estaria de acordo com a Revelação e o Magistério (CIC 2357).

Segundo a Revelação Divina, atestada na Sagrada Escritura, que a Igreja «por mandato divino e com a assistência do Espírito Santo, […] ouve piedosamente, […] guarda religiosamente e expõe fielmente» (Dei Verbum 10): «No princípio», Deus criou o homem à sua imagem, macho e fêmea os criou, e abençoou-os, para que fossem fecundos (cfr. Gn 1, 27-28), pelo que o Apóstolo Paulo ensina que negar a diferença sexual é consequência da negação do Criador (Rm 1, 24 – 32). Pergunta-se: pode a Igreja derrogar este “princípio”, considerando-o, em contraste com o que ensina Veritatis splendor 103, como um simples ideal, e aceitando como “bem possível” situações objectivamente pecaminosas, como as uniões com pessoas do mesmo sexo, sem assim atentar contra a doutrina revelada?

3) Dubium sobre a afirmação de que a sinodalidade é uma «dimensão constitutiva da Igreja» (Const. Ap. Episcopalis communio 6), de modo que a Igreja, pela sua natureza, seria sinodal.

Dado que o Sínodo dos Bispos não representa o colégio episcopal, mas é um mero órgão consultivo do Papa, porquanto os bispos, como testemunhas da fé, não podem delegar a sua confissão da verdade, pergunta-se se a sinodalidade pode ser o supremo critério regulador do governo permanente da Igreja sem assim se convulsionar a sua configuração constitutiva tal como foi querida pelo seu Fundador, e segundo a qual a autoridade suprema e plena da Igreja há-de ser exercida tanto pelo Papa, em virtude do seu ofício, como pelo colégio dos bispos juntamente com a sua cabeça, o Romano Pontífice (Lumen gentium 22).

4) Dubium sobre o apoio dado por pastores e teólogos à teoria de que «a teologia da Igreja mudou» e, portanto, de que se poderia conferir a ordenação sacerdotal às mulheres.

No seguimento das afirmações de alguns prelados, que não foram corrigidas nem retractadas, segundo as quais, com o Concílio Vaticano II, teria mudado a teologia da Igreja e o significado da Missa, pergunta-se se ainda é válido o ditame do Concílio Vaticano II de que “o sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial diferem essencialmente e não apenas em grau” (Lumen gentium 10) e de que os prebíteros, em virtude do «sagrado poder da Ordem para oferecer o Sacrifício e perdoar pecados» (Presbyterorum Ordinis 2), agem em nome e na pessoa de Cristo mediador, e por meio dele torna-se perfeito o sacrifício espiritual dos fiéis? Pergunta-se, além disso, se ainda é válido o ensinamento da carta apostólica de São João Paulo II Ordinatio sacerdotalis, que ensina como verdade a ser mantida de forma definitiva a impossibilidade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, pelo que este ensinamento já não está sujeito a mudança nem à livre discussão de pastores ou teólogos.

5) Dubium sobre a afirmação «o perdão é um direito humano» e a insistência do Santo Padre no dever de absolver a todos e sempre, pelo que o arrependimento não seria condição necessária para a absolvição sacramental.

Pergunta-se se ainda está em vigor o ensinamento do Concílio de Trento segundo o qual, para a validade da confissão sacramental, é necessária a contrição do penitente, que consiste em detestar o pecado cometido com o propósito de não pecar mais (Sessão XIV, Capítulo IV: DH 1676), de modo que o sacerdote deve adiar a absolvição quando for claro que esta condição não está cumprida.

Cidade do Vaticano, 10 de Julho de 2023

Walter Card. Brandmüller
Raymond Leo Card. Burke
Juan Card. Sandoval Íñiguez
Robert Card. Sarah
Joseph Card. Zen Ze-Kiun, S.D.B.

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Resposta ao Papa Francisco e reformulação do Dúbia
CONFIDENCIAL

A Sua Santidade
FRANCISCO
Sumo Pontífice

Beatíssimo Padre,

Estamos muito gratos pelas respostas que gentilmente nos quisestes oferecer. Em primeiro lugar, gostaríamos de deixar claro que, se Vos fizemos estas perguntas, não foi por medo do diálogo com os homens do nosso tempo, nem das perguntas que nos poderiam fazer sobre o Evangelho de Cristo. De facto, estamos convencidos, como Vossa Santidade, de que o Evangelho traz plenitude à vida humana e oferece respostas a todas as nossas perguntas. A preocupação que nos move é outra: preocupa-nos ver que há pastores que duvidam da capacidade do Evangelho de transformar os corações dos homens e acabam por lhes propor não a sã doutrina, mas «ensinamentos de acordo com os próprios desejos» (cf. 2 Tm 4, 3). Preocupa-nos também que não se compreenda que a misericórdia de Deus não consiste em cobrir os nossos pecados, mas é muito maior, na medida em que nos torna capazes de corresponder ao Seu amor observando os Seus mandamentos, ou seja, convertendo-nos e acreditando no Evangelho (cf. Mc 1, 15).

Com a mesma sinceridade com que Vós nos respondestes, devemos acrescentar que as Vossas respostas não resolveram as dúvidas que tínhamos levantado, mas, quando muito, aprofundaram-nas. Por isso, sentimo-nos na obrigação de voltar a propor estas questões, reformulando-as, a Vossa Santidade, que, como sucessor de Pedro, é incumbido pelo Senhor de confirmar os Vossos irmãos na fé. Isto é ainda mais urgente em vista do iminente Sínodo, que muitos querem usar para negar a doutrina católica precisamente nas questões sobre as quais incidem os nossos dubia. Por isso, voltamos a propor-Vos as nossas perguntas, para que a essas se possa responder com um simples «sim» ou «não».

1. Vossa Santidade insiste em que a Igreja pode aprofundar a sua compreensão do depósito da fé. Isto é, de facto, o que a Dei Verbum 8 ensina e pertence à doutrina católica. A Vossa resposta, porém, não alcança a nossa preocupação. Muitos cristãos, incluindo pastores e teólogos, argumentam hoje que as mudanças culturais e antropológicas do nosso tempo deveriam levar a Igreja a ensinar o contrário do que sempre ensinou. Isto diz respeito a questões essenciais, não secundárias, para a nossa salvação, como a confissão de fé, as condições subjectivas para aceder aos Sacramentos e a observância da lei moral. Por isso, queremos reformular o nosso dubium: é possível que a Igreja ensine hoje doutrinas contrárias às que ensinou anteriormente em matéria de fé e de moral, seja pelo Papa ex cathedra, seja nas definições de um Concílio ecuménico, seja no magistério ordinário universal dos bispos espalhados pelo mundo (cf. Lumen Gentium 25)?

2. Vossa Santidade insistiu que não pode haver confusão entre o matrimónio e outros tipos de uniões de natureza sexual, e que, por conseguinte, quaisquer rito ou bênção sacramental de casais homossexuais, que dariam lugar a tal confusão, devem ser evitados. A nossa preocupação, porém, é outra: preocupa-nos que a bênção de casais homossexuais possa, em todo o caso, causar confusão, não só na medida em que possa fazer com que pareçam análogos ao matrimónio, mas também na medida em que os actos homossexuais sejam apresentados praticamente como um bem, ou pelo menos como o bem possível que Deus pede aos homens no seu caminho para Ele. Reformulamos, pois, a nossa dúvida: será possível que, em certas circunstâncias, um pastor possa abençoar uniões entre pessoas homossexuais, dando, assim, a entender que o comportamento homossexual enquanto tal não seria contrário à lei de Deus e ao caminho da pessoa para Deus? Ligado a este dubium, é necessário levantar um outro: continua a ser válido o ensinamento defendido pelo magistério ordinário universal, segundo o qual todo o acto sexual fora do matrimónio, e em particular os actos homossexuais, constitui um pecado objectivamente grave contra a lei de Deus, independentemente das circunstâncias em que se realiza e da intenção com que é praticado?

3. Insististes que existe uma dimensão sinodal da Igreja, na qual todos, incluídos os fiéis leigos, são chamados a participar e a fazer ouvir a sua voz. A nossa dificuldade, todavia, é outra: hoje está-se a apresentar o futuro Sínodo sobre a «sinodalidade» como se, em comunhão com o Papa, ele representasse a autoridade suprema da Igreja. Porém, o Sínodo dos Bispos é um órgão consultivo do Papa, não representa o Colégio dos Bispos e não pode resolver as questões nele tratadas nem emitir decretos sobre elas, a não ser que, em casos específicos, o Romano Pontífice, a quem compete ratificar as decisões do Sínodo, lhe tenha expressamente concedido poder deliberativo (cf. Cân. 343 C.I.C.). Trata-se de um ponto decisivo, na medida em que não envolver o Colégio dos Bispos em questões como as que o próximo Sínodo pretende levantar, que tocam a própria constituição da Igreja, iria precisamente contra a raiz daquela sinodalidade que se afirma querer promover. Permita-se-nos, portanto, reformular o nosso dubium: o Sínodo dos Bispos que se realizará em Roma, e que inclui apenas uma representação escolhida de pastores e de fiéis, exercerá, nas questões doutrinais ou pastorais sobre as quais será chamado a exprimir-se, a autoridade suprema da Igreja, que pertence exclusivamente ao Romano Pontífice e, una cum capite suo, ao Colégio dos Bispos (cf. Cân. 336 C.I.C.)?

4. Na Vossa resposta, Vossa Santidade deixou claro que a decisão de São João Paulo II na Ordinatio sacerdotalis deve ser considerada definitivamente e acrescentou, com razão, que é necessário compreender o sacerdócio não em termos de poder, mas em termos de serviço, para compreender correctamente a decisão de Nosso Senhor de reservar as Ordens Sagradas apenas para os homens. Por outro lado, no último ponto da Vossa resposta, acrescentastes que a questão pode ainda ser aprofundada. Preocupa-nos que alguns possam interpretar esta afirmação no sentido de que a questão ainda não está definitivamente decidida. De facto, São João Paulo II afirma na Ordinatio sacerdotalis que esta doutrina foi ensinada infalivelmente pelo magistério ordinário e universal, e, portanto, que pertence ao depósito da fé. Esta foi a resposta da Congregação para a Doutrina da Fé a um dubium levantado sobre a carta apostólica e esta resposta foi aprovada pelo próprio João Paulo II. Devemos, portanto, reformular o nosso dubium: poderia a Igreja, no futuro, ter a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, contradizendo, assim, que a reserva exclusiva deste sacramento aos homens baptizados pertence à própria substância do Sacramento da Ordem, que a Igreja não pode mudar?

5. Por fim, Vossa Santidade confirmou o ensinamento do Concílio de Trento, segundo o qual a validade da absolvição sacramental exige o arrependimento do pecador, que inclui o propósito de não voltar a pecar. E convidou-nos a não duvidar da infinita misericórdia de Deus. Gostaríamos de reiterar que a nossa pergunta não deriva da dúvida sobre a grandeza da misericórdia de Deus, mas, pelo contrário, nasce da nossa consciência de que essa misericórdia é tão grande a ponto de nos tornar capazes de nos convertermos a Ele, confessar a nossa culpa e viver como Ele nos ensinou. Por sua vez, há quem possa interpretar a Vossa resposta como se o simples facto de abeirar-se da confissão seja uma condição suficiente para receber a absolvição, pois poderia implicitamente incluir a confissão dos pecados e o arrependimento. Gostaríamos, portanto, de reformular o nosso dubium: pode receber validamente a absolvição sacramental um penitente que, embora admitindo um pecado, se recusar a fazer, de qualquer forma, o propósito de não o voltar a cometer?

Cidade do Vaticano, 21 de Agosto de 2023

Walter Card. Brandmüller
Raymond Leo Card. Burke
Juan Card. Sandoval Íñiguez
Robert Card. Sarah
Joseph Card. Zen Ze-kiun

c. c. S. Em.ª Rev.ma Luis Francisco Card. Ladaria Ferrer, S.I.

Complexidade e paradoxos na história da Igreja.

Por Roberto de Mattei

A nomeação de Dom Víctor Manuel Fernández para prefeito da Congregação da Fé tem um significado simbólico de grande importância e representa em certo sentido o cumprimento do pontificado do Papa Francisco, que no encontro com os membros da Comissão Teológica Internacional, no dia 24 de novembro de 2022, quis dar um sinal claro àqueles que definiu como “os desviados” da Igreja.

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A nomeação de 21 cardeais, incluindo o próprio Fernández, no consistório que precederá em setembro a abertura do Sínodo sobre a sinodalidade, é outro sinal nesse sentido. Francisco quer garantir que a direção que deu à Igreja não seja alterada por seu sucessor, porque “não há como voltar atrás”.

Têm então razão aqueles que estão convencidos de que as últimas escolhas do Papa Francisco são a expressão de uma ruptura radical com os pontificados que o precederam? Francisco é o pior Papa da história, ou talvez, como alguns pensam, até mesmo um antipapa?

Para o historiador, a realidade é mais complexa. Foram muitos os momentos de afastamento da Tradição da Igreja nos últimos sessenta anos, mas a primeira e mais eloquente inversão de perspectiva remonta à alocução Gaudet mater Ecclesia, de João XXIII, que em 11 de outubro de 1962 abriu o Vaticano Concílio II.

O tom da carta do Papa Francisco ao novo prefeito da Congregação para a Fé guarda notáveis ​​semelhanças, em termos de linguagem e conteúdo, com aquele documento. Na passagem central da Gaudet mater Ecclesia, João XXIII explicou que o Vaticano II foi convocado não para condenar erros ou formular novos dogmas, mas para propor o ensinamento tradicional da Igreja em uma linguagem adequada aos novos tempos. João XXII afirmou que “no presente, a Esposa de Cristo prefere usar o remédio da misericórdia em vez de empunhar as armas do rigor; pensa que as necessidades de hoje devem ser atendidas, expondo mais claramente o valor do seu ensinamento do que condenando (…). De fato, uma coisa é o depósito da Fé, ou seja, as verdades que estão contidas em nossa venerável doutrina, a forma como são anunciadas é outra, mas sempre no mesmo sentido e no mesmo significado. Grande importância deve ser dada a este método e, se necessário, aplicado com paciência; isto é, deve-se adotar aquela forma de exposição que mais corresponda ao magistério, cujo caráter é predominantemente pastoral”.

João XXIII atribuiu uma nota específica ao Concílio que se iniciava: seu caráter pastoral. Os historiadores da escola de Bolonha definiram a dimensão pastoral do Vaticano II como “constitutiva”. A forma pastoral tornou-se a forma do Magistério por excelência. A princípio não era óbvio para todos, mas nos meses e anos seguintes ficou claro que a alocução de João XXIII era o manifesto de uma nova eclesiologia. E esta eclesiologia, segundo teólogos progressistas, deveria ter sido o fundamento de uma nova Igreja, oposta à “constantiniana” de Pio XII. Uma Igreja que não é mais militante, não é mais definidora e assertiva, mas itinerante e em diálogo: uma igreja sinodal.

Na nova perspectiva, o Santo Ofício, que durante séculos foi o baluarte da Igreja contra os erros que a atacavam, já não tinha razão de existir, ou pelo menos devia mudar de missão. É nesta perspectiva que se situa o que aconteceu em 8 de novembro de 1963 na sala conciliar (cf. R. de Mattei, Il Concilio Vaticano II. Una storia mai scritta, Lindau, Turim 2011, pp. 346-347).

Naquele dia, o Cardeal Arcebispo de Colônia, Josef Frings (1887-1978), pediu para falar e, para surpresa geral, lançou um violento ataque contra o Santo Ofício, dirigido pelo Cardeal Alfredo Ottaviani (1890-1979). Frings denunciou os “métodos imorais” do Santo Ofício perante todos os bispos da Igreja reunidos sob a presidência do Papa, afirmando que o seu procedimento “já não convém à nossa época, prejudica a Igreja e é objeto de escândalo para muitos”.

O Cardeal Alfredo Ottaviani respondeu com um vibrante discurso no qual defendeu a missão do Santo Ofício. “Sinto-me obrigado a levantar um protesto muito forte contra o que foi dito contra a suprema Congregação do Santo Ofício, da qual o Sumo Pontífice é prefeito. As palavras proferidas demonstram um grave desconhecimento – reverentemente me abstenho de usar outro termo – sobre qual é o procedimento do Santo Ofício”.

O confronto entre Frings e Ottaviani foi, segundo o historiador Mons. Hubert Jedin, “uma das cenas mais comoventes de todo o Concílio” (Chiesa della fede, Chiesa della storia, Morcelliana, Brescia 1972, p. 314). Josef Frings não era apenas o arcebispo de Colônia: ele era o presidente da Conferência Episcopal Alemã e um dos representantes mais autorizados da aliança dos bispos da Europa Central que se opunha ao alinhamento conservador. O Cardeal Ottaviani foi o membro mais eminente da Cúria, à frente de uma Congregação definida, por sua importância primordial, como “a Suprema”, da qual o Papa, e não Ottaviani, era o Prefeito. Mas Paulo VI não defendeu publicamente o Santo Ofício e de fato credenciou a posição de Frings.

Três anos depois, em 1968, o Cardeal Frings encabeçou o protesto dos bispos centro-europeus contra a encíclica Humanae Vitae, de Paulo VI. O professor padre Joseph Ratzinger, que havia sido o inspirador e escritor fantasma do Cardeal Frings no Concílio, como Dom Victor Fernández o foi do Papa Francisco, desde então começou a se distanciar da ala mais progressista da Igreja, fundando em 1972, com Hans von Balthasar, Henri de Lubac e Walter Kasper, a revista Communio. Após ser nomeado arcebispo de Munique e cardeal, em 1981 foi nomeado por João Paulo II Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, que dirigiu por 24 anos. O teólogo do cardeal Frings tornou-se o chefe da Congregação que Frings havia atacado publicamente no Concílio.

Paulo VI encerrou os trabalhos do Concílio Vaticano II em 8 de dezembro de 1965. A “reforma” da Cúria foi a sua primeira iniciativa para implementar a revolução conciliar iniciada por João XXIII. O edifício curial construído ao longo dos séculos pelos Papas anteriores foi sistematicamente demolido por Paulo VI. Para começar, era necessário um evento simbólico, que foi a transformação da Congregação do Santo Ofício, renovada até no nome, às vésperas do encerramento do Concílio, com o motu proprio Integrae servandae. Na tarde de 6 de dezembro de 1965, L’Osservatore Romano publicou o decreto que aboliu o Índice de livros proibidos e transformou o Santo Ofício em Congregação para a Doutrina da Fé, afirmando que “agora parece melhor que a defesa da fé realiza-se mediante o compromisso de promover a doutrina”.

Paulo VI nomeou o teólogo belga Charles Moeller (1912-1986), defensor do progressismo ecumenista, como subsecretário da Congregação para a Doutrina da Fé, enquanto aguardava a renúncia antecipada do Cardeal Ottaviani, a qual chegou em 30 de dezembro de 1967. “Moeller – escreveu o padre Yves-Marie Congar em seu Diário – é 100% ecumenismo, é abertura ao homem, interesse pela sua pesquisa, pela cultura, é diálogo” (Diario del Concílio (1960-1966), Cinisello Balsamo , 2005 , vol. II, pp. 434-435).

Por duas vezes, em 1946 e 1954, o próprio Congar urinou na porta do Santo Ofício, em sinal de desprezo pela instituição suprema da Igreja (Journal d’un théologien (1946-1954), Editions du Cerf, Paris 2000 , pp. 88, 293). Mais tarde, em 26 de novembro de 1994, ele foi elevado ao cardinalato por João Paulo II. Isso demonstra como a história é complexa e às vezes paradoxal, cheia de eventos simbólicos, não menos memoráveis que a nomeação de Dom Fernández pelo Papa Francisco.

Desiderio Desideravi, veneno mortal.

Por Padre Jerome Brown, FratresInUnum.com, 30 de junho de 2022 – Certas histórias com as quais se busca educar as crianças chamam a atenção para coisas que, embora possuam uma aparência bonita, atraente e, dependendo, até mesmo apetitosa, podem conter em si um mortífero veneno.

Infelizmente, para o mundo católico, isso deixa cada vez mais as páginas dos livros de fábulas para encontrar lugar nas primeiras páginas dos documentos assinados pelo Papa Francisco.

Ontem, dia de Ss. Pedro e Paulo, recebemos mais um tapa: Desiderio Desideravi.

Lindíssimas palavras. Palavras que o Verbo Encarnado usou para manifestar seu ardente desejo de instituir o Santíssimo Sacramento da Eucaristia e o Sacerdócio Católico, e que na pena de Francisco caíram como mais uma pedrada sobre o Rito Tradicional.

Nela, obstinadamente, afirma Francisco o seu desejo de que nas várias línguas – não mais “a uma só voz” – exista uma única e idêntica oração (litúrgica, forma litúrgica) que deve advir de Traditionis Custodes, isto é, sem a menor hesitação, o Papa deixa mais que evidente que Traditionis Custodes tem por finalidade destruir o que fora denominada “forma extraordinária” ou “forma tradicional” do Rito Romano.

E, para isso, o Papa pretende estabelecer uma espécie de rede que desde a formação dos futuros sacerdotes até a própria vida paroquial fomentem uma liturgia nem séria, nem brincalhona, nem criativa demais, nem excessivamente rígida, nem hierática, nem desleixada.

A questão é que para boa parte do mundo católico essa liturgia já existe. É a liturgia tradicional que as autoridades romanas buscam destruir.

Não deixa de ser impressionante a capacidade de Francisco de pedir que sejam deixadas de lado as divergências, divergências que existem particularmente graças a ele e aos seus documentos de belos nomes e conteúdos mortais.

Opção preferencial por heterodoxos.

FratresInUnum.com, 16 de junho de 2022: O bispo emérito Dom Luc Van Looy, da Bélgica, pediu ao Papa que não o torne cardeal. No país baixo, a notícia de sua nomeação ao colégio cardinalício causou furor: Van Looy nada fez, por anos, para evitar abusos infantis. O bispo é um ferrenho progressista e grande inimigo da missa tradicional. Francisco aceitou o pedido.

Francisco: “Número de grupos restauradores é impressionante”.

As múmias progressistas, embalsamadas desde os anos 60, não podem conceber que os jovens querem a Tradição e não as suas vãs ideologias.

papa-francesco-bergoglio-copVaticano, 14 jun. 22 / 03:57 pm (ACI).- O papa Francisco disse que há um “restauracionismo que chegou para amordaçar o Concílio’’. “O número de grupos ‘restauradores’ – por exemplo, existem muitos nos Estados Unidos – é impressionante” disse o papa em entrevista aos editores de revistas jesuítas da Europa. A entrevista, feita em 19 de maio, foi publicada hoje (14),

“Um bispo argentino me disse que lhe havia sido pedido para administrar uma diocese que havia caído nas mãos desses ‘restauradores’. Eles nunca haviam aceitado o Concílio. Há ideias, comportamentos que nascem de um ‘restauracionismo’ que basicamente não aceitou o Concílio”, disse o papa, também ele jesuíta.

Na entrevista, foi perguntado ao papa sobre o “caminho sinodal que alguns pensam ser herético”. O Caminho Sinodal Alemão começou em dezembro de 2019 e reúne bispos e leigos da Alemanha para abordar o exercício do “poder” na Igreja, a moral sexual, o sacerdócio e o papel da mulher na Igreja. Um documento aprovado pelo Caminho Sinodal Alemão propõe a mudança da dutrina moral da igreja sobre sexo, especialmente sobre homossexualismo, o fim do celibato sacerdotal e a ordenação de mulheres.

“O problema surge quando o caminho sinodal provém das elites intelectuais, teológicas, e é muito influenciado por pressões externas. Há algumas dioceses onde o caminho sinodal está sendo feito com os fiéis, com o povo, lentamente”, disse o papa.

Francisco também disse que falou ao bispo de Limburg  e presidente da Conferência Episcopal Alemã, dom Georg Bätzing, que “na Alemanha há uma Igreja evangélica muito boa. Não precisamos de duas”.

O perigo de nosso tempo, segundo Francisco.

Vaticano, 02 jun. 22 / 02:00 pm (ACI).- O papa Francisco criticou na quarta-feira (1º) as pessoas que “se dizem guardiãs de tradições, mas de tradições mortas”, dizendo que não avançar é perigoso para a Igreja hoje. Francisco falava aos organizadores de uma conferência sobre educação. Para Francisco é vital progredir “extraindo das raízes”.

A conferência foi organizada para avaliar o trabalho realizado até agora em relação ao Pacto Global pela Educação proposto por Francisco.

“Agradeço-vos por tudo o que fazeis a serviço da educação, que é também a contribuição específica que estais a oferecer ao processo sinodal da Igreja. Continuem caminhando nessa direção, do passado para o futuro, crescimento contínuo”, disse.

“E esteja atento ao ‘retrocesso’ tão em voga hoje, que nos faz pensar que, dando um passo atrás, podemos preservar o humanismo”, acrescentou o papa.

Francisco disse que “há a moda – em todas as épocas, mas nesta época da vida da Igreja eu considero perigosa – que em vez de buscar nas raízes para avançar – o que significa boas tradições – nós ‘recuamos’, não subindo ou descendo, mas para trás”.

Dom Salvatore Cordileone proíbe Presidente da Câmara dos EUA, ferrenha abortista, de comungar.

O Arcebispo de San Francisco, EUA, Dom Salvatore Cordileone, proibiu Nancy Pelosi, proeminente figura do partido Democrata norte-americano e atualmente presidente da Câmara dos Representantes, de se aproximar da Sagrada Comunhão. No Twitter, o aguerrido arcebispo anunciou:

“Após diversas tentativas de falar com a presidente Pelosi, a fim de ajudá-la a entender o grave mal que está perpetrando, o escândalo que está causando, e o perigo a que coloca sua alma, determinei que ela não deva ser admitida à Sagrada Comunhão”.

O episcopado americano, considerado atualmente um dos mais refratários à agenda do Papa, há décadas discute a postura que os bispos devem ter acerca de políticos católicos que defendem o aborto. O presidente Joe Biden e Nancy Pelosi são as figuras mais importantes a adotarem essa posição.

Do outro lado do Atlântico

Biden, por sua vez, esteve há pouco em Roma de Francisco. O assunto não foi abordado oficialmente e dizem que o presidente teria comungado.

Em entrevista, Biden afirmou a jornalistas que o Pontífice lhe garantiu “que está feliz com ele”, que o considera o “um bom católico” e que ele deve continuar a receber a comunhão.

Francisco já se manifestara sobre o tema em setembro passado, quando disse que considera o aborto “assassinato”, mas que “nunca negou a comunhão para ninguém”.

Biden, na era da misericórdia, é outro “católico pra valer”.